quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10796: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (42): Quem roubou o nosso canhão?


Gadamael > Obus 14
Foto: © José Casimiro Carvalho(2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Mensagem do nosso amigo tertuliano Cherno Baldé com data de 10 de Dezembro de 2012:

Caro amigo Luis Graça,
Junto envio mais um texto que podem publicar na continuação das memorias do Rafeiro Chico, menino e moço.
Também copiei algumas imagens da época que foram gentilmente cedidas pelo amigo e Grão-Tabanqueiro José Cortes, ex-furriel miliciano da CCAÇ 3549, Deixós-Poisar que passou por Fajonquito entre 1972-74.

Um grande abraço com votos de um feliz Natal e um ano novo próspero.
Cherno Baldé
(Chico de Fajonquito)


QUEM ROUBOU O NOSSO CANHÃO?

No periodo da guerra colonial, pouco antes ou durante a permanência da CÇAC 3549 “Deixós-poisar” (1972-74) em Fajonquito, pequeno povoado com um aquartelamento militar, rodeado de arame farpado e torres de vigia construídos com troncos de palmeira, certo dia, no regresso da coluna que regularmente ia a cidade de Bafatá, sede do batalhão, trouxeram em reboque dois canhões muito grandes. Normalmente, tudo que a coluna trazia era suposto ficar na localidade.

Atrelados aos veículos, os canos largos, ameaçadores, olhavam para trás, virados na direcção contrária do sentido da marcha, o que, nas nossas cabeças de crianças, parecia ser, sem dúvida nenhuma, uma tolice dos nossos militares brancos, tão insensata como a ideia descabida de obrigar as nossas milícias a carregar na cabeça, granadas pesadas de morteiro ou bazooka, nas saídas ao mato, com as armas nas costas, sabendo de antemão que em caso de uma emboscada traiçoeira, a vida e a morte se jogavam em milésimos de segundos.

No caso dos canhões, se de repente, numa emboscada do inimigo, tivessem que ripostar rapidamente, iam fazer o quê? – Ficávamos a imaginar a reacção dos artilheiros. Primeiro iriam parar, virar o engenho, apontar ao alvo e depois disparar. Mas, havia uma questão importante, no entanto, sem resposta. Será que teriam tanto tempo?... Perguntas de crianças que tinham nascido e crescido no teatro de uma guerra que se teimava em eternizar e onde viviam como se de uma grande escola se tratasse, caldeirão efervescente que, de certeza absoluta, haveria de consumir gerações inteiras, caso não a tivessem posto fim, em boa hora.

Mas, voltando à nossa coluna, nesse dia, a nossa atenção não foi para os militares, cobertos de pó vermelho da estrada, à cata de novos amigos nem para os extravagantes jovens da Mocidade Portuguesa que regressavam dos festejos de 10 de Junho, nas suas novas fardas, camisas verdes, calções castanhos, o emblema das quinas ao peito, cor de ouro brilhando ao sol e, nem sequer nos lembramos de fazer o nosso trabalho de rotina que era recolher por baixo dos bancos de conduzir as armas e o cinto pesado de cartucheiras dos nossos patrões condutores. Os nossos olhos ficaram presos naquelas máquinas, engenhos escuros de metal, montados sobre gigantescas rodas, Caterpillars de pólvora, fogo e de morte que, finalmente, tinham chegado. Doravante a barraca de Samba-ulencunda estava ao alcance das nossas mãos. Desde a porta d’armas, acompanhamo-los, cuidadosamente, parando quando paravam, correndo atrás quando andavam, até ao centro do quartel onde foram estacionados. Deixando os apressados condutores partir, aproximamo-nos ligeiros, abraçando os canos enormes, encostando os nossos corpinhos franzinos a frieza metálica daqueles monstros impassíveis que nos pareciam velhos conhecidos.

Mesmo ali ao lado e rodeado de tanques repletos de areia, estava instalado o morteiro 81 que, em vista das novas e imponentes armas, fazia uma figura pálida, quase inútil na sua pequenez, boca ao ar, pedindo chumbo para cuspir ao céu. Tantos anos a viver com ele, estávamos por demais familiarizados com o “poc” da saída das suas granadas que caíam algures, perto das nossas bolanhas de arroz, quando batiam a zona para afastar o medo que crescia nas noites de chuva, calor e humidade.

Nessa noite, demoramos algum tempo a pegar no sono, devido à curiosidade que nos consumia antecipando o gozo de ouvir os estampidos da nova artilharia, mas dormimos melhor, embalados pela segurança que as máquinas de guerra nos proporcionavam. Ter canhões de guarda, nessa época, mais que segurança e prestígio, era uma questão de honra. Os mais velhos contavam que em terras de Gabú, mesmo as localidades mais insignificantes tinham canhões para terrorizar as povoações fronteiriças do Senegal onde habitavam os bandidos, lançando suas granadas compridas e grandes, um pouco maiores que o pénis de um jumento.

Mas, para nossa desilusão, e da mesma forma como tinham vindo, atrelados aos veículos, os canos largos, ameaçadores, insensatamente virados para trás, na direcção contrária do sentido da marcha, as máquinas de guerra tinham retomado sua marcha tenebrosa mais ao norte, para Cambaju, aldeia situada a menos de 500 metros da fronteira, o que, nas nossas cabeças de crianças, parecia ser, sem sombra de dúvida, mais uma tolice dos nossos militares, tão insensata como a ideia descabida de entregar armas repetitivas “Mauser” às populações civis para enfrentar guerrilheiros armados com Akas e metralhadoras automáticas, assim diziam os mais velhos.

No dia seguinte, voltando ao quartel para o habitual café com leite, as crianças constataram com grande tristeza que os seus canhões não só não estavam no local do dia anterior mas tinham sumido do pequeno aquartelamento, rodeado de arame farpado e torres de vigia construídos com troncos de palmeira. Estupefactas e inconformadas as crianças interrogavam-se entre si:
- Quem foi o …ȹɎψ₳… que roubou os nossos canhões?

Ao menos deixassem ficar um para salvar a honra da aldeia, afastar o espectro do medo que crescia nas noites de chuva e conquistar o respeito dos nossos vizinhos, Samba-ulencunda ali tão perto de nós.

Bissau, 7 de Dezembro 2012
Cherno Baldé (Chico de Fajonquito)



O Furriel José Cortes da CCAÇ 3549 “Deixós-Poisar” (1972-74), exibindo uma granada de obus estacionado em Cambaju.

Fajonquito > Refeitório geral > Os nossos amigos condutores. Da esquerda para a direita: Torres, Sérgio e Moreira da CCAÇ 3549 “Deixós-Poisar” (1972-74). 

Os nossos amigos condutore Dias, à esquerda, e Oliveira, à direita. No meio, os Rafeiros Seko (filho de um alferes milícia), Chico (eu) e Aliu (filho de um auxiliar nativo da cozinha geral).

Aquartelamento de Fajonquito > Furriel das transmissoes Farraia da CCAC 3549 (Deixós-Poisar) 1972/74, junto ao poste da bandeira. Ao fundo estamos, eu e um colega de infância, junto a porta da arrecadação de material de guerra, vendo-se cunhetes de granadas de obus ao redor.

Memorial aos soldados da CCAC 3549 a 2 de Abril/74:
1. Cap. Carlos Borges Figueiredo
2. Alferes Mil. José Fernando Rodrigues Félix
3. Furriel Mil. Alcino Franco Jorge da Silva
4. 1.º Cabo Antonio S. Alves
5. Sold. José S. F. Serra
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10687: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (41): Poemas da juventude (IV): Desgraçada esperança, Kiev, novembro de 1988... (E tão atual: Vivemos tempos difíceis, tão difíceis que fazem pensar na descrição bíblica dos tempos derradeiros quando o irmão se vira contra o irmão e o filho contra o pai)

Guiné 63/74 - P10795: In Memoriam (135): Dona Berta de Bissau (1930-2012) (Hélder Sousa / Patrício Ribeiro / Antº Rosinha)



Página de ontem, 12, do sítio Pensão Berta..."É com muita tristeza, mas também alguma paz no coração, que escrevo aqui a noticia da morte da Avó Berta. Cumprido que estava o seu enorme papel na vida de cada um de nós, partiu em paz e ficara para sempre no nosso coração como uma inspiração e modelo de vida. Obrigada, Avó, por tudo! A partir do início da tarde estará na Igreja de Santo Contestável, em Campo de Ourique,  para que nos possamos despedir."... E hoje a editora da página acrescentava a seguinte informação: "Despedida da D. Berta  >  Exéquias da D. Berta Bento: amanhã (dia 14) chegada do corpo à Basílica da Estrela. Sábado (dia 15) pelas 10h30 missa, 11h00 funeral para o crematório da Póvoa de Santa Iria."

O blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, também conhecido por Tabanca Grande, deixa aqui, publicamente, os seu votos de pesar pela perda desta grande mulher do povo, e ao mesmo tempo de homenagem pelo seu exemplo de humanidade: ela teve o condão  de tocar todos aqueles que com ela conviveram, que a conheceram, ou que simples beneficiaram da sua hospitalidade, nesse porto de abrigo que era a Pensão da Dona Berta, em Bissau, durante e depois da guerra colonial.


1. Texto enviado hoje mesmo pelo Hélder Sousa:

À DONA BERTA DE BISSAU

Caros camaradas, amigos e outros…

Devia estar agora a fazer um breve relato do que foi o lançamento do livro de José Ceitil dedicado à Dona Berta, ao qual assisti.

É sabido que esse livro, a que foi dado o nome de “Dona Berta de Bissau”, pretende ser a concretização da homenagem escrita feita a essa grande Senhora, homenagem várias vezes tentada, agora concretizada e inteiramente merecida. Mas hoje, agora mesmo, é também já uma ‘homenagem póstuma’ pois foi dado conhecimento que a Dona Berta faleceu.

Deste modo, este relato assume então uma função dupla: o registo da apresentação/lançamento do livro com a “homenagem à sua vida”, consubstanciada nos relatos do seu conteúdo e também a referida “homenagem póstuma”. (*)

A sessão decorreu, em minha opinião, com elevado nível e boa representação de público variado, sendo certo que a ligação à Guiné estava, evidentemente, presente em todo o lado. Há no livro referências ao nosso Blogue, como fonte de recolha de informação e há depoimentos de pessoas que são ‘tabanqueiros’. Ao dirigir-me para o local da sessão cruzei-me no pátio de acesso com o Mário Beja Santos e lá dentro, com o auditório cheio, estive e falei com o João Paulo Dinis e no final com o Eustácio. Vi, mas não cheguei a falar, com o Francisco Henriques da Silva e outro elemento que não me ocorre agora o nome.


Foto nº 1 

Na foto nº 1,  pode-se ver a mesa que presidiu à sessão, estando da esquerda para a direita, no uso da palavra, Marta Jorge, jornalista da RTP e ex-delegada da RTP na Guiné-Bissau durante vários anos e que fez o prefácio do livro, Mónica Azevedo, agente da cooperação portuguesa e administradora do Blogue “Pensão D. Berta Bissau”, António Baptista Lopes, proprietário da editora Âncora, José Ceitil, autor do livro, Céu Marques, sobrinha da D. Berta, Gisela Rocolle, agente da cooperação portuguesa. Vêm-se também dois músicos guineenses, o Mamadu Baio e outro que não colhi o nome.


Foto nº 2

Na outra foto (foto nº 2) com a panorâmica do auditório temos na primeira fila vários familiares da Dona Berta, vendo-se também, mais à direita, a Marta Ceitil que continua o seu trabalho na Guiné, levando já lá mais tempo que o que utilizámos nas nossas comissões. Na fila a seguir vê-se o embaixador Francisco H. da Silva e eu encontro-me em pé, na coxia, que acabou por também encher.

Da leitura do livro (, vd. foto nº 3, expositor),  que, na prática é um misto do percurso da vida da Dona Berta desde que chegou à Guiné, “para passar um mês”, ficando todo este tempo por lá, entrelaçando esse percurso com a própria história da Guiné, vamos conhecendo mais e melhor a Dona Berta e a razão porque tantos se consideram hoje seus “filhos” e “netos”, não escondendo a sua grande admiração e gratidão a uma personagem que se tornou amiga, “mãe”, confidente, e até ‘milagreira’, no modo como do ‘nada’ conseguia desencantar o que era preciso, e não nos esqueçamos que se atravessam os períodos da luta pela independência, de guerras civis, de intervenções estrangeiras e de conflitos sempre latentes e sempre presentes.


Foto nº 3

Todos os depoimentos que estão plasmados no livro são unânimes em reconhecer a importância do papel que a Dona Berta teve na sociedade de Bissau, nos pequenos pormenores e nos momentos de maior angústia, nas recordações dos momentos agradáveis passados na Pensão Central, nas conversas na varanda, nos gelados saborosos, etc.

A história da Dona Berta faz-nos lembrar que em qualquer lugar e circunstância a atitude marca a diferença e isso pode ser muitas vezes a separação entre a esperança, a alegria, a confiança e o desespero, a amargura, a descrença, e essa postura é o que mais ressalta do que foi o comportamento da Dona Berta.

Um abraço para toda a Tabanca!

Hélder Sousa  [, foto à direita]
Fur Mil Transmissões TSF

Créditos fotográficos: Sofia Lima / Editora Âncora. (**)


2. Mensagem de Patrício Ribeiro, enviada esta manhã, de Bissau  [, foto à direita]

 Sobre a noticia que tive ontem há noite em Bissau, quero passar a todos.

D. Berta de Bissau, a sua morte em Lisboa.

Hoje aqui em Bissau, resta-me passar junto ao edifício, que o foi a Pensão Central, olhar para a escada que durante três décadas subi para ir almoçar e para a varanda onde descansava um pouco depois do almoço.

Bem haja ao José Ceitil, pela publicação do livro, ela esperou e depois foi …

É assim a vida...

Patricio Ribeiro
IMPAR Lda
Av. DomingosRamos 43D - C.P. 489 - Bissau , 
Tel / Fax 00 245 3214385, 6623168, 7202645, Guiné Bissau
Tel / Fax 00 351 218966014 
Lisboa www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com 


3. Depoimento de António Rosinha:

 A Dona Berta tinha a imagem típica dos velhos "portugueses tropicais" que possuiam um carácter português diferente do português metropolitano.

Os Portugueses tropicais tinham defeitos e qualidades diferentes dos portugueses metropolitanos. Esses portugueses estão em extinção lá, no antigo Ultramar, têm vindo a "refugiar-se" na antiga Metrópole,  no Brasil e na Europa em geral.

Passei anos maravilhosos em companhia de pessoas como a Dona Berta em Bissau e em Luanda, e também fui comensal da pensão da Dona Berta.

Como todas as centenas ou milhares(?) de cooperantes portugueses que foram seus hóspedes, também eu a lembro com saudade.

Paz à sua alma.
_________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série >17 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10685: In Memoriam (134): Amália Martins Reimão, enfermeira paraquedista do 3º Curso (1963)... Cumpriu a sua missão nos TO da Guiné e Angola e no HM Força Aérea... Família, amigos e camaradas despedem-se hoje, às 16h30, na igreja de Queijas (Oeiras) e no cemitério de Rio de Mouro (Sintra)

(**)  Ficha técnica:

Título: Dona Berta de Bissau
Autor: José Ceitil
Editora. Âncora
Local: Lisboa
Preço de capa
€16,00
Número de páginas 200
Formato 150 mm x 230 mm
Código: 6031
ISBN 978 972 780 374 3

Sinopse:

 História oficial dos povos realça os nomes e feitos dos governantes vencedores e os defeitos dos vencidos mas raramente refere as pessoas singulares que não pertencem às elites próximas do poder, mesmo que tenham enorme dimensão humana. Como é o caso de Berta Bento.

Berta Bento viveu em Bissau a maior e também a melhor parte da sua vida. Embora tenha nascido em Cabo Verde e ser filha de cabo-verdianos, desde que chegou à Guiné em 1948, sentiu-se em casa e aos poucos começou a sentir-se também parte desse povo, um povo que se tal lhe fosse permitido apenas o desejaria ser.

Narrar o seu percurso numa terra habitada por povos antigos e diferentes entre si, caldeados numa convivência interétnica precária geradora de visões culturais e divisões políticas que tornam difíceis os dias de quem, como a D. Berta, apenas deseja viver em paz é o desígnio desta biografia.
A biografia é uma homenagem e um tributo a que só têm direito aqueles que se destacaram no seu tempo e por isso merecem que o registo do que fizeram perdure para além dele. O que se segue é o resultado das entrevistas por mim feitas à D. Berta na Pensão Central em Maio e Dezembro de 2010.

Se foi isto que me quis contar então é porque a verdade é assim mesmo, tal e qual, pois é sabido que na linguagem dos sábios mesmo que a verdade com que traduzem a realidade seja contada através de algumas metáforas, não deixa de ser menos real.  Por outro lado se é uma quase evidência que as lendas podem ser mais úteis do que os factos, então a realidade pode muito bem continuar ao alcance da verdade de cada narrador que neste caso, procurando completá-la com outros olhares, socorreu-se do testemunho de pessoas que conheceram e gostosamente acederam em partilhar as memórias que têm desta admirável Senhora. (Da Introdução).-

Guiné 63/74 - P10794: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (3): a zona ribeirinha de Bambadinca alagada, no tempo das chuvas (1968 ou 1969)



Foto nº 98

Foto nº 81


Foto nº 88



Foto nº 88-A


Foto nº 88-B


Foto nº 77


Foto nº 91


Foto nº 87

Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > A zona ribeirinha de Bambadinca, na margem esquerda do Rio Geba (Estreito), alagada no tempo das chuvas... Foto provavelmente de meados de 1968 ou 1969... Em meados de 1970, no tempo da CCS/BART 2917 (1970/72),  já havia um novo troço de estrada ligando por fora (isto é,  contornado o planalto onde se situava o aquartelamento e o posto administrativo de Bambadinca)  a estrada do Xime com a de Bafatá.

Na foto nº 98, aparece um dos ícones de Bambadinca, a fonte, raramente fotografada por quem lá esteve ou por lá passou... Iremos dedicar um próximo poste a esta fonte, de que eu mal me recordo, e que não tenho a certeza se funcionava, no meu tempo (CCAÇ 12, 1969/71).

Na foto nº 91, vê-se melhor a rampa, ao fundo, que dava acesso ao aquartelamento de Bambadinca (lado oeste, ou seja, a entrada de quem vinha do Rio Geba, Cuor, Bafatá...). Por aqui passaram centenas de viaturas e milhares de homens, vindos do Xime a caminho do leste (e vice-versa, do interior do leste para o Xime, com passagem e paragem obrigatórias por Bambadinca).

Na foto nº 88-A, se não me engano, vê-se a carrinha, a casa e a "tasca" do Zé Maria - tasca onde eu e alguns "petisqueiros" da CCAÇ 12 (como o Tony Levezinho e o Humberto Reis) íamos, com frequência, comer uns camarões tigres do Rio Geba (a 50 pesos o quilo, o equivalente a uma queca ou a garrafa de uísque novo!) e beber uns canecos (**)... As  restantes casas já não consigo identificá-las... Do lado direito da rampa, quando se subia para o quartel e posto administrativo, havia a casa e o estabelecimento comercial do Rendeiro, outro comerciante branco, que era das nossas relações (íamos lá de vez em quando comer um chabéu de galinha). Do paradeiro Zé Maria nunca mais soube nada. Do Rendeiro,  vim a saber há meses que já morreu (com uma proveta idade e uma numerosa descendência).

Na foto nº 87, também se não me engano, descortina-se o Rio Geba ao fundo...Havia um cruzamento:  à esquerda, seguia-se para o porto fluvial de Bambadinca e para o entreposto da Intendência; e à direita, começava a estrada alcatroada para Bambadinca... Peço aos meus contemporâneos de Bambadinca para confirmaram ou corrigirem as legendas... E , mais uma vez, obrigado ao José Carlos Lopes pela cedência destas fotos. Pormeti-lhe fazer bom uso delas.... Já tenho o seu email (além dos contactos telefónicos) e espero, um dia destes, trazê-lo, de bom grado, para a nossa Tabanca Grande...  LG

Fotos: © José Carlos Lopes (2012). Todos os direitos reservados.
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Notas do editor:

(*) Postes anteriores da série >

10 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10782: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (2): Quem seria o "anjo do céu" que veio na DO 27, nº 3331, buscar feridos a Bambadinca ? Pede-se a ajuda do Humberto Reis, do João Carreira Martins, do Abel Rodrigues, da Giselda Pessoa, da Maria Arminda, da Rosa Serra, do Jorge Narciso...


8 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10774: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (1): Embarque de vacas no porto de Bambadinca

(**) Vd. poste de 17 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6408: (Ex)citações (72): A dolce vita de Bambadinca: Os lagostins do Zé Maria, pescados pelo barqueiro do Enxalé em "zona vermelha"... (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P10793: Meu pai, meu velho, meu camarada (35b): José Baptista de Sousa (1904-1967), capitão médico-cirurgião, expedicionário, um 'anjo di céu', em São Vicente, fev 1942/ set 1944 - Parte II(Adriano Miranda Lima)



Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > Setembro de 1944 > Baptista de Sousa recebendo o diploma do iate Morabeza. Foto cedida por Valdemar Pereira




Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > Setembro de 1944 > Baptista de Sousa no hospital civil de S. Vicente. Foto cedida por Valdemar Pereira.


Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > Setembro de 1944 > Entrega solene do iate Morabeza a Baptista de Sousa. Foto cedida por Valdemar Pereira




Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > Setembro de 1944 > Baptista de Sousa fundeando o Morabeza frente à Praia de Bote. Foto cedida por Valdemar Pereira.



1. Segunda (e última) parte do texto do nosso grã-tabanqueiro Adriano Lima, natural de Mindelo, São Vicente, cor inf na reforma, residente em Tomar  [, foto à direita] (*):

Dr. José Baptista de Sousa, um “anjo di céu” que pousou em S. Vicente 

Texto: Adriano Miranda Lima [, foto à esquerda]
Fotos: Valdemar Ferreira


(Continuação)

Mas o apreço pelo médico não resultou só do seu exercício profissional e da sua bondade. Suscitou admiração pública a sua coragem cívica e moral quando recusou escrever em atestados de óbito que a causa de muitas mortes não era outra senão a fome que desgraçadamente assolava as nossas ilhas, contrariando o que as autoridades oficiais do Regime impunham aos profissionais da Saúde sobre o assunto. Ao proceder desse modo, Baptista de Sousa agia apenas em conformidade com a sua consciência de homem e com os valores morais que estribam a ética e a deontologia da sua profissão, certamente indiferente às consequências em que poderia incorrer na sua carreira militar, e mesmo ao juízo que os seus pares mais conservadores ou timoratos poderiam fazer sobre o seu gesto desassombrado.

Mas não foi meramente circunstancial a atitude do médico. Ele era efectivamente um homem de espírito livre e dotado de vincada consciência política, como aliás viria a demonstrar em etapas futuras da sua vida. Como era de prever, a sua atitude de rebeldia contra a inverdade e a iniquidade viria a trazer-lhe alguns custos pessoais e atinentes à evolução justa da sua carreira militar. Excederia o âmbito desta narrativa fundamentar exaustivamente tudo o que pesquisei no âmbito do seu processo militar. É verdade que o juízo de quem analisa o conteúdo da sua folha de serviços funda-se mais na omissão do que na explicitude, busca-se mais nas entrelinhas do que na factologia do registo formal. É que no antigo regime havia formas dissimuladas de exercer a retaliação sobre alguém em termos profissionais, havendo o cuidado de minimizar a sua percepção exterior quando esse alguém era figura socialmente prestigiada.

No entanto, convém dizer não me parece que haja razões para pensar que a hierarquia militar local, na pessoa do Brigadeiro Comandante das Forças Expedicionárias, Augusto Martins Nogueira Soares, olhasse de soslaio para o êxito social do seu subordinado ou lhe retirasse apoio moral por qualquer razão. Os factos demonstram o contrário. O Brigadeiro atribuiu ao seu médico um muito expressivo louvor, que se pode considerar em perfeita sintonia com as homenagens que a sociedade civil lhe prestou:

“Louvo o capitão médico José Baptista de Sousa pela excepcional qualidade dos serviços prestados durante o período em que desempenhou o cargo de Chefe dos Serviços Cirúrgicos das Forças Expedicionárias de Cabo Verde. Como cirurgião muito hábil, permitiu a recuperação de muitos militares em situações desesperadas, e alguns lhe ficaram devendo seguramente a vida. Sempre pronto e solícito para todos, quer militares quer civis, a sua competência e a afabilidade do seu trato fizeram-no apreciar e estimar e o tornaram um elemento de valor no estreitamento das relações entre as Forças Expedicionárias e a população de Cabo Verde, que por várias maneiras lhe expressou a sua gratidão pelos valiosos e desinteressados serviços, em manifestações partidas de todas as classes sociais e das entidades oficiais da Colónia, dando assim um valioso exemplo no cumprimento dos seus deveres cívicos e militares.”

Além disso, veja-se, como é patente na fotografia [, à direita], que o Brigadeiro Comandante lidera a comitiva de despedida do seu subordinado, ladeando-o e acompanhando-o até ao cais da despedida, o que não é procedimento habitual numa Instituição que se pauta por rigidez protocolar. No rosto do Brigadeiro ia certamente estampada uma expressão de orgulho e satisfação por um oficial que prestigiara o Exército e a Nação com a sua conduta humana e profissional.

Mas o mesmo creio não poder dizer-se do Governador da Colónia, que, no âmbito das suas funções, não reconheceu pública e formalmente os serviços do médico, o que só poderia ter sido vertido em louvor oficial. E ele tinha sobejas razões para o fazer relativamente a um médico que pôs a sua ciência e o seu bisturi ao serviço dos hospitais civis, salvando muitas vidas. É caso para se dizer que a carta de alforria do Governador se prendia a uma lógica diferente da que pauta a Instituição Militar, sobretudo quando esta é servida por homens que sabem o que é a honra, a coragem, a lealdade e a camaradagem. Parece ter sido o caso do Brigadeiro Nogueira Soares, Comandante das Forças Expedicionárias.

Mas o que é realmente extraordinário é a expressividade das homenagens e manifestações de carinho que a sociedade civil mindelense prodigalizou a Baptista de Sousa. Se o louvor militar tem o valor formal que tem, maior é louvor que ele deve ter auscultado, sem precisar de estetoscópio, no coração do povo do Mindelo. Inúmeras homenagens públicas tinham sido dias antes da sua partida prestadas ao doutor Baptista de Sousa pela sociedade mindelense, quer por entidades oficiais quer privadas, como bem refere no seu louvor o Brigadeiro Nogueira Soares. Uma delas, de entre várias, mas esta de grande simbolismo, é a morna “Engenheiro Humano”, com música e letra de Jorge Monteiro, morna que continua a ser ouvida com emoção nos dias de hoje. [Vd. aqui, no You Tube, essa linda morna, na interpretação de Gardénia: Engenheiro Humano, Baptista Sousa]

 Outra homenagem foi a oferta de um pequeno iate ao Dr. Baptista de Sousa, construído nos estaleiros de S. Vicente, iate a que se deu o nome de “Morabeza”, custeado por subscrição pública na cidade, por iniciativa do conhecido industrial Manuel de Matos, dono da Fábrica Favorita. Todo o povo da cidade, rico, remediado ou pobre, contribuiu com pouco que fosse, mas a parte leonina do custo coube àquele industrial. Valdemar Pereira, para ilustrar a veemência do sentimento popular, refere que o seu tio Jom Bintim lhe contou que uma mulher do povo que cosia sacos ao pé da Alfândega teve estas significativas palavras: “cirê ta custá-me 3 testom; ma pa iate de senhor dator um ta dá 10.000 reis” (3).

Contou-me um tio meu que, no acto solene da entrega do iate, o doutor Adriano Duarte Silva, deputado por Cabo Verde, encerrou com estas exactas palavras a prelecção que proferiu: “…Quando estiverdes a velejar no Tejo, no Estoril ou em Cascais, Morabeza (nome do iate) vos fará lembrar este povo altaneiro que sabe amar e compreender aqueles que o amam e compreendem."

Mas os caminhos de um regime político ditatorial não coincidem com as veredas do coração humano. Infelizmente, Baptista de Sousa viria a sofrer as consequências de ter pisado o risco vermelho ao escrever nas certidões de óbito que a causa de algumas mortes em Cabo Verde era a fome. Viria a verificar-se, com efeito, uma sucessão de episódios futuros elucidativos do revanchismo institucional exercido sobre o médico, visando prejudicar ou no mínimo restringir as condições em que poderia dar uma expressão alargada à sua actividade profissional.

Por exemplo, em vez de ser colocado no Hospital Militar Principal, como pediu depois da missão em Cabo Verde, o que era mais que justo e oportuno, foi colocado no Regimento de Cavalaria da Guarda Nacional Republicana, situação mais compatível com o desempenho de um médico de clínica geral do que o de um reputado cirurgião, aí permanecendo quase um ano. É bem possível que Baptista de Sousa, fora do horário militar, tenha exercido cirurgia nos hospitais civis, para manter elevados os seus níveis de proficiência técnica.

Deixa de prestar serviço na Guarda Nacional Republicana em 1945, e a partir daí e até Março de 1947 é colocado no Hospital Militar Regional nº 3, em Tomar, e logo a seguir no Hospital Militar Regional nº 2, em Coimbra. Não se pode deixar de olhar com desconfiança para a sua colocação em hospitais militares regionais, órgãos do serviço de saúde militar onde não se realizam intervenções cirúrgicas importantes, estas só cabendo ao Hospital Militar Principal, para além do facto de essa situação o ter deixado fora da sua área de residência, Lisboa, onde naturalmente melhor se conjugavam os seus interesses de ordem profissional e académica.

É evidente que qualquer oficial médico, no posto de capitão, estava e está sujeito a colocações em qualquer estabelecimento do Serviço de Saúde Militar, e Baptista de Sousa não podia ser excepção. Contudo, estamos a falar de um cirurgião de alta craveira técnica e académica cujo mérito era unanimemente reconhecido. E note-se que o quadro permanente de oficiais médicos do Exército comportava nessa época 65 capitães e 32 tenentes, havendo assim razão para estranhar que um cirurgião como ele tenha sido objecto daquelas colocações, ainda mais depois de regressar de uma colónia onde honrou como ninguém a profissão médica e a instituição militar.

Como se não bastasse, mal refeito do que iniludivelmente fora uma tentativa de o prejudicar, Baptista de Sousa é “requisitado” para a longínqua Índia, para onde embarcou em 1947, destinado à Escola Médico-Cirúrgica de Goa.

Se, durante a minha pesquisa, alguma reserva intelectual poderia ter contido a extravasão da minha conclusão sobre a vitimização política do médico, ela desfez-se completamente quando, no fim do meu trabalho, a família do médico me confessou que ele era efectivamente um opositor declarado ao antigo Regime e, nessa condição, alvo de vigilância da PIDE, que não se desarmava de o procurar apanhar em flagrante em situação comprometedora. Disseram-me os familiares que nunca o conseguiram, pelo que a única possibilidade que se lhes oferecia era prejudicar veladamente a actividade e a ascensão normal da sua carreira. Daí que a nomeação para a Índia o tenha deixado transtornado não só por injustificável à luz das regras normais de nomeação de pessoal militar como por ter sido inoportuna e altamente prejudicial aos planos profissionais que tinha em mente.

Contudo, não se pode deixar de assinalar que na Índia Baptista de Sousa foi alvo de uma idolatria idêntica à que conheceu em S. Vicente. Baptista de Sousa viu os seus serviços na Índia altamente reconhecidos pelas instâncias governamentais e pela sociedade civil. Por portaria de 27 de Abril de 1950, é louvado pelo Governador-Geral do Estado da Índia, nos seguintes termos:

“ (...) Pelos relevantes serviços prestados neste Estado, pela muita competência, elevada dedicação e extremo interesse demonstrados no cumprimento dos seus deveres profissionais, honrando e prestigiando a ciência nacional e bem merecendo a gratidão de todos pela sua abnegação, sempre animada de sentimentos de bem servir, pelo que considero distintos os serviços prestados neste Estado pelo capitão médico Baptista de Sousa”.

As autoridades públicas e o povo da Índia, que o homenagearam de várias maneiras, moveram todos os esforços para evitar ou adiar a sua saída, mas Baptista de Sousa era natural de Lisboa, onde tinha a sua família, e por certo alimentava a expectativa de retomar a normalidade da sua carreira. Mas mais uma vez lhe deve ter calado fundo o reconhecimento e o apreço da sociedade civil pelo seu valor profissional e pela sua humanidade, dessa vez numa outra paragem do Império.

Só a partir de 1951 Baptista de Sousa é finalmente colocado no Hospital Militar Principal, onde se manteria até 1961. Durante esse período, frequentou o Curso de Promoção a Oficial Superior e mais tarde o de Comando e Direcção (destinado a promoção a oficial general), sendo promovido sucessivamente a major, tenente-coronel e coronel, preenchendo as vagas normais da carreira.

Enquanto tenente-coronel é nomeado subdirector desse Hospital. Promovido a coronel, seria previsível que um oficial do seu valor fosse nomeado director, mas tal não aconteceu, pelo que deixa o Hospital à data da sua promoção, em 1961, para ser colocado, para efeitos administrativos, no Conselho Fiscal dos Estabelecimentos Fabris do Exército, onde ocupa o cargo de vogal, embora continue a operar no Hospital Militar Principal. Refira-se que no Hospital Militar Principal ocupou, enquanto ali colocado, o cargo de Chefe da Clínica Cirúrgica, do mesmo passo que na vertente civil da sua vida profissional foi Chefe da Clínica Cirúrgica do Instituto de Oncologia Português [, IPO].

Baptista de Sousa passa à reserva em 1963, por motivos de saúde. Mas se estes eram formalmente impeditivos para efeitos militares não o eram para o exercício normal da sua função de cirurgião, pelo que continua a exercê-la tanto no Hospital Militar Principal como no Instituto Português de Oncologia.

A situação mais estabilizada conseguida pelo oficial médico a partir de 1951, uma vez colocado no Hospital Militar Principal, pode ter duas explicações plausíveis. Uma, é o pressuposto de que pagara o preço da sua afronta ao Regime, depois de passar por uma fase atribulada em que conheceu a instabilidade profissional e familiar. Outra, é a circunstância de que a partir do posto de major, ou mesmo de capitão antigo, se tornava problemática, se não mesmo impraticável, à luz dos quadros orgânicos, a sua colocação em outro órgão do Serviço de Saúde que não fosse o Hospital Militar Principal.

É durante o referido período que é louvado pelo Director do Serviço de Saúde (duas vezes) e pelo Director do Hospital Militar Principal. Além de ter sido condecorado com as medalhas de Mérito Militar de 3ª e 2ª classes (rotina normal no Exército), recebeu também a condecoração da Ordem Militar de Avis, esta no posto de tenente-coronel.

A partir de 1964, estando na reserva, Baptista de Sousa foi proposto e aceitou ser nomeado Consultor de Cirurgia da Direcção do Serviço de Saúde Militar, “em virtude de se tratar de um distinto oficial e cirurgião de grande categoria, e nesta qualidade apoiar o serviço de cirurgia do Hospital Militar Principal com os seus pareceres e eventualmente com a execução de intervenções cirúrgicas.”

O “Registo de Alterações” da vida militar do coronel Baptista de Sousa encerra em 1961, data em que deixa o serviço activo, e só reabre em 1967. Mas reabre, infelizmente, para logo encerrar em definitivo, pois é apenas para registar o seu óbito, ocorrido no seu domicílio, num domingo, dia 3 de Novembro do ano de 1967. Foi uma morte já aguardada porque passara ultimamente a padecer de uma doença que evoluía irreversivelmente, sem deixar qualquer réstia de esperança, como vim a saber, através das suas filhas, já depois de concluído este texto. Assim, súbita e friamente, diz-nos o documento oficial que o nosso “Engenheiro Humano” deixou a vida em 1967, aos 63 anos. A última página da sua vida foi virada, mas a vida de um justo é um livro sempre aberto e para lá do tempo. Santo Agostinho disse: “se semeias o amor em ti, só amor serão os frutos”. Por isso, Baptista de Sousa é um livro nunca encerrado, um livro onde devemos colher os frutos da semente que ele semeou.

No entanto, Baptista de Sousa não atingiu um mais alto patamar na vida militar porque era adverso ao Regime político então vigente. Seria perfeitamente normal que um oficial médico da sua categoria tivesse tido o cargo de director do Hospital Militar Principal e, em seguida, alcançado o posto mais alto na orgânica do Serviço de Saúde, o de brigadeiro. E faltou conceder-lhe no fim da carreira a condecoração com a medalha dos Serviços Distintos, como receberam outros oficiais contemporâneos, porventura mais fiéis ao Regime mas certamente menos qualificados que Baptista de Sousa.

A minha tese correu o risco de ser infundada por presumir propósitos deliberados onde apenas poderia haver simples coincidências administrativas, visto que apenas me limitei a analisar documentos oficiais, lendo nas entrelinhas. Mas o problema é que as coincidências me pareciam tão nítidas e tão incómodas que não resistiam à luz soalheira da transparência. E o meu instinto também me dizia que eu estava centrado no trilho da verdade. Porém, a dúvida só se manteve até ouvir directamente das filhas e genros de Baptista de Sousa a confirmação das suas convicções ideológicas e da sua animosidade ao antigo Regime.

O nosso “Engenheiro Humano”, o ser espiritual, uno e indivisível, é que está acima das conjecturas e especulações de quem, como eu, resolveu desenterrar da poeira dos arquivos o registo das coisas efémeras. Agora tudo repousa na memória e esta, felizmente, tem registos indeléveis. A “Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira” regista para a posteridade a notável figura do homem da ciência médica.




Cabo Verde > Hospital Baptista de Sousa em Mindelo, S. Vicente. Foto colhida na Net.


O “Hospital Baptista de Sousa”, inaugurado em S. Vicente pelo governo de Cabo Verde independente, é uma justa homenagem do povo cabo-verdiano, ligando-o para todo o sempre ao lugar onde salvou muitas vidas humanas. A morna “Engenheiro Humano”, singela expressão poética da gratidão cabo-verdiana, estou crente de que jamais sairá do nosso repertório musical e com ela a sua memória permanecerá sempre viva na população do Mindelo. E, por último, refira-se a rua com o seu nome, a rua José Baptista de Sousa, situada entre a rua Professor Santos Lucas e a avenida do Uruguaio, em Lisboa. Uma justiça que foi feita, segundo penso, pela toponímia portuguesa depois do 25 de Abril de 1974. A toponímia da liberdade.

Tomar, 30 de Novembro de 2012

Adriano Miranda Lima

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 Nota de AML:

(3) "O cirê [espécie de tabaco para introduzir na boca]  custa-me 3 tostões, mas para o iate do senhor Doutor dou 10 mil réis."

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quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10792: Parabéns a você (509): Francisco Palma, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 2748/BCAV 2922 (Guiné, 1970/72)



1. Mensagem de hoje, de cerca das 17 horas, do nosso camarada Francisco Palma (ex-Sold Cond Auto da CCAV 2748/BCAV 2922, Canquelifá, 1970/72), com o seguinte esclarecimento:

Caros amigos e camaradas,
Como devem ter reparado, no facebook e/ou outros Grupos de Combatentes, aparecem vários Camaradas, e amigos a desejar os Parabéns de Aniversário, quando no nosso Blogue consta outra data.
Venho por esta via explicar: eu nasci a 12 de Dezembro de 1947, mas naquele tempo não havia "vagar" para registar os filhos, e então fui registado na Conservatória em 30/07/1948, data que consta nos documentos oficiais e válida para isso, mas a realidade "nua e crua" é que a minha mãezinha me deu à luz na data hoje, em celebração, e que introduzi no meu perfil de Facebook.
Se desejarem alterar igualmente na Tabanca, ou dados do Bloque, ficaria tudo coincidente.

Grato pela vossa sempre preciosa atenção e amizade.
Votos de Óptimo Natal para Vocês, família e todos os Tabanqueiros

Um abraço
Francisco Palma
CCAV 2748/BCAV 2922
Canquelifá, 1970-72


2. Comentário de CV:

Caro Francisco Palma,
Registamos a correcção da data do teu aniversário.
Com respeito a orientarmos a nossa base de dados pelos elementos constantes no facebook dos tertulianos, desistimos da ideia porque já enfiamos um "barrete", considerando um aniversariante que afinal tinha uma data falsa no seu perfil.
Já agora, vamos festejar o teu aniversário pela segunda vez este ano, mas não abuses, porque na nossa idade, fazer anos uma vez em cada 365 dias é mais que suficiente.

Já que sim, a tertúlia deseja-te o melhor para os próximos, quase, 40 anos.
Recebe um abraço do camarada
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10789: Parabéns a você (508): Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491 (Guiné, 1971/74)

Guiné 63774 - P10791: As nossas queridas enfermeiras paraquedistas (31): "É a Céu!", diz a Rosa Serra... Quanto ao resto, "tudo foi possível naquelas terras de África"...

1. Mensagem enviada ontem, pela nossa camarada Rosa Serra, ex-Alferes Enfermeira Paraquedista, BCP 12, Bissalanca, BA12, 1969:

Boa Noite,  Luis

Acabo de ver o mail que me enviou (*) e o Jorge Narciso tem razão, é realmente a enfermeira identificada por ele, [,a Céu].Tanto ela como eu estávamos lá nessa altura. A foto da enfermeira dentro do DO penso que não é da mesma evacuação mas também pode ser por estar desfocada, não sei...! 

Sobre se era possível levar feridos no cockpit,  ou seja na cadeira ao lado do piloto, por vezes acontecia; se o estado do ferido o permitia, se as duas macas estavam ocupadas e não houvesse mais feridos a evacuar naquele momento. Mas houve outras excepções. Há um caso que está descrito por mim que, se tudo correr bem virá a público um dia, que não se enquadra em nada do que acabo de dizer. 

Tudo foi possível naquelas terras de África. 

Aproveito para desejar um Bom Natal e que todos entrem no novo Ano, cheios de Esperança. (**)

Um abraço Rosa Serra

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Notas do editor:

(*) (...) "Camaradas: O melec Jorge Narciso (que é deste tempo , 69/70) diz que é a Céu, a enfermeira pára que está de costas (a 3/4) junto ao DO 27, nº 3331... Que me dizeis ?

Por outro aldo, perguntei ao Jorge (e pergunto a vocês): Em caso algum, por razões de segurança, vocês levavam feridos "feridos", civis ou militares, no cockpit, ao lado do piloto, fosse na DO 27 fosse no heli... Certo ? Confirmam ?

Expliquem-me lá então o que é que faz o "passageiro" da foto, no assento do co-piloto ou do melec, e que me parece um civil (ou então um guerrilheiro), com um gorro típico, guineense ? Os pilotos e melec da FAP andavam sempre impecavelmente fardados, é essa imagem que eu retenho deles... É impensável o homem do gorro ser um piloto ou um melec... Abraços/beijinhos. Luís (...)

(**) Último poste da série > 9 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9168: éu Cerimónia de homenagem e comemoração dos 50 anos de incorporação das primeiras Enfermeiras Paraquedistas na Força Aérea Portuguesa (Miguel Pessoa)

Guiné 63/74 - P10790: Meu pai, meu velho, meu camarada (35a): José Baptista de Sousa (1904-1967), capitão médico-cirurgião, expedicionário, um 'anjo di céu', em São Vicente, fev 1942/ set 1944 - Parte I (Adriano Miranda Lima)



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Foto nº 6 > Comemoração do dia do exército, 14 de Agosto de 1942. Foto: Melo. [Vê-se ao fundo o Ilhéu dos Pássaros e, à direita, a Ponta João Ribeirro; foto do álbum do pai do nosso camarada Hélder Sousa, 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, expedicionário: nasceu em 1921 e morreu em 2001; esteve em São Vicente, em 1943/44, foi portanto contemporâneo do cap cirurgião-médico José Baptista que esteve no Mindelo,  de fevereiro de 1942 a setembro de 1944].

Foto: © Hélder Sousa (2009). Todos os direitos reservados. 


1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro Adriano Lima, com data de 2 do corrente:

Meus caros familiares, amigos, conhecidos, e correspondentes.

Em anexo, envio-vos um texto sobre o Dr. Baptista de Sousa e explico o porquê deste meu gesto. Todo o meu tempo de menino e moço em S. Vicente, sempre ouvi falar do Dr. Baptista de Sousa mas sem chegar a saber ao certo de quem se tratava. Nem mesmo o vir a saber o seu nome atribuído mais tarde, no pós-independência, ao novo Hospital Civil de S. Vicente espicaçou a minha curiosidade, mas neste caso talvez justificável por eu não viver em Cabo Verde.

Só há meia dúzia de anos, por intermédio da blogosfera e por iniciativa pessoal do meu amigo Valdemar Pereira, fiquei finalmente a conhecer a identidade do médico e o amor imenso que o povo do Mindelo tinha por ele. E como fiquei a saber que afinal ele era ao tempo um oficial médico (capitão) integrado nas Forças Expedicionárias a Cabo Verde durante a II Guerra Guerra Mundial (1941-1945), a curiosidade levou-me a efectuar uma pesquisa no Arquivo Histórico-Militar para obter o máximo possível de dados sobre o seu percurso profissional. E assim aconteceu, tendo elaborado um texto de cerca de 30 páginas, do qual colhi material para, a convite, fazer uma palestra sobre esta figura da medicina e do exército na "Associação de Antigos Alunos do Liceu Gil Eanes", em Lisboa, há para aí uns 6 anos.

Actualmente, tenho vindo a publicar num blogue designado Praia de Bote um conjunto de textos sequenciais e temáticos sobre o historial das Forças Expedicionárias a Cabo Verde. Chegou a altura, mais que propositada e oportuna, de, nesse âmbito, publicar naquele blogue um texto contendo uma síntese biográfica sobre o Dr. Baptista de Sousa (também ele um militar expedicionário), que em particular foca a sua acção em Cabo Verde (S. Vicente). É este mesmo texto que vos estou a enviar (em versão pdf e em versão word, para quem tiver dificuldade em abrir o primeiro). [Já publicado no dia 3 do corrente, no blogue Praia de Bote].

Devo dizer-vos que o que eu escrevi talvez venha a surpreender o leitor, tal como me surpreendi, porque não o esperava, face à constatação de que o Dr. Baptista de Sousa, além de distinto oficial médico, de cirurgião de alta craveira e grande humanista, era dotado de vincada consciência política, e implicitamente de verticalidade ético-moral, o que lhe causou transtornos na sua carreira militar. De notar que em Cabo Verde (S. Vicente) mostrou desassombradamente essa faceta, estribada no seu elevado sentido de deontologia profissional, ao recusar escrever nas certidões de óbito que a causa de muitas mortes não era outra senão a fome que grassava nas ilhas. Foi a partir daí que o antigo Regime político encontrou razões para começar a urdir um estratagema para lhe criar entraves na carreira militar, com inevitáveis consequências na sua actividade como médico cirurgião.

Contudo, o que mais impressiona no texto é a expressividade do carinho que o povo do Mindelo lhe dedicava, que atinge o auge na incontida emoção vivida na cidade no dia da sua partida para Lisboa. Procuro dar uma ideia disso no meu texto, por vários testemunhos recolhidos.

Leiam porque vale a pena. E, já agora, vão ao blogue Praia de Bote ,  quando sair o post referente a este texto, e deixem lá o testemunho da vossa própria emoção e o sentido da vossa gratidão a um Homem que tanto bem fez à nossa gente.

Faleceu em 1967, aos 63 anos de idade, em Lisboa [, com o posto de coronel]. Os crentes do Racionalismo Cristão em S. Vicente dizem que ele pertence ao Astral Superior e aí preside, mas isso já é assunto de um domínio que me ultrapassa. Mas seguramente que ele foi, sim, uma Grande Alma, de uma dimensão incomensurável, quase sobrenatural.

Um abraço
Adriano Miranda Lima

Nota do editor - No nosso blogue,  Luís Graça & Camaradas, este texto será publicado em duas partes. Ele é também uma homenagem à geração dos nossos pais que, em Cabo Verde e noutros do império, estiveram em missão de soberania durante a II Guerra Mundial. (LG).-
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Dr. José Baptista de Sousa, um “anjo di céu” que pousou em S. Vicente

Texto: Adriano Miranda Lima [, foto à esquerda]

Fotos: Valdemar Ferreira [, foto à direita,  a seguir]

Nos meus tempos de menino e moço, o nome do Dr. Baptista de Sousa era volta e meia aflorado em conversas dos mais velhos, tido como um “anjo di céu” que um dia pousara em S. Vicente. Mas nunca cheguei a saber ao certo de quem se tratava, nem sequer cuidando-me de indagar algo de concreto sobre a sua identidade. Dezenas de anos decorridos, e já no pós-independência, viria a saber que o novo hospital de S. Vicente recebeu o nome médico, mas nem isso espicaçou a minha curiosidade sobre os pormenores da sua identidade, ficando no entanto sensibilizado por ver assim consagrada a memória de alguém verdadeiramente querido na nossa terra.


Dr. Baptista de Sousa, com a bata branca de serviço. Foto colhida na net. Só há meia dúzia de anos, com a fruição da blogosfera, eu viria a saber quem era afinal esse personagem do mundo da medicina. Tudo se proporcionou através do blogue “Mindel na Coraçon”, editado por Jorge Martins e em que eu e outros conterrâneos participávamos desenterrando memórias e cruzando informações e opiniões. Chegou o dia em que veio a propósito o nome do médico. E então o conterrâneo Valdemar Pereira ], foto à direita], portador de uma fabulosa memória, não deixou os seus créditos por mãos alheias quando resolveu rebobinar a fita do tempo para recuperar factos relacionados com a passagem do Dr. Baptista de Sousa por S. Vicente, designadamente com a sua despedida em 1944. Tinha o Valdemar nesse tempo apenas 11 anos de idade, mas o que entretanto também ouviu dos mais velhos e guardou a sete chaves na memória consubstanciou uma importante informação, ainda por cima ilustrada com expressivas fotografias. E no-la trouxe, incólume e preciosa, para gáudio das gerações mais velhas, que revisitaram o acontecimento, e para grata surpresa das que lhe são posteriores.

Surpreendido, porque não o esperava, fiquei então a saber que Baptista de Sousa era médico militar, ao tempo capitão. Esta é que foi a minha maior surpresa, porque sempre o supus civil. Mas não, afinal Baptista de Sousa foi também um Militar Expedicionário, como outros já mencionados em episódios anteriores da minha narrativa sobre esta temática.

Justo é dizer que todos ficámos siderados com o relato feito por Valdemar sobre a homenagem que a população de S. Vicente prestou a essa figura da medicina à data do seu regresso à Metrópole, terminada a sua comissão de serviço integrado nas forças expedicionárias. A palavra do Valdemar foi de grande eloquência mas as imagens das fotografias do acontecimento por ele publicadas foram igualmente uma peça importante para se perceber o quanto era o médico idolatrado pelo povo de Mindelo. A ponto de se poder dizer que a emoção da despedida de Baptista de Sousa transborda-se das fotografias e tem o condão de tocar quem as observa.

Esclareço que, na sequência das revelações daquele blogue, decidi realizar uma pesquisa sobre a vida militar do Dr. Baptista de Sousa, recolhendo e trabalhando algum material que me permitiu, por sugestão do Valdemar e outros amigos, efectuar uma palestra sobre a sua biografia na Associação de Antigos Alunos de Liceu de Cabo Verde. Seria ocioso derramar aqui o conteúdo do que foram cerca de 30 páginas, mas aproveitarei algumas das suas passagens mais significativas para deixar aqui algo sobre o Homem que os cabo-verdianos nunca esqueceram, tanto que o seu nome está para sempre imortalizado na designação do novo hospital civil de S. Vicente.

José Baptista de Sousa ], foto à esquerda, retirada da Net  pelo autor do texto]:

(i) nasceu em 2 de Março de 1904 na freguesia de Camões, em Lisboa, filho de José Augusto de Sousa e de Victoria Alves Baptista de Sousa.

(ii) De 1922 a 1927, fez o curso de Medicina na Faculdade de Medicina de Lisboa;

(iii) De 1928 a 1929, frequentou com aproveitamento, no Hospital Militar Principal, o Curso Técnico de Oficiais Milicianos Médicos e a seguir concorreu ao Quadro Permanente de Oficiais Médicos, tendo sido promovido a alferes em 1929;

(iv) Foi em seguida colocado em unidades do Exército e, depois, na Guarda Nacional Republicana, onde serviu de 1936 a 1942, tendo entretanto sido promovido a tenente em 1930;

(v) De realçar que numa das unidades militares, ainda oficial subalterno, foi louvado “pelo zelo, competência e dedicação manifestados nos diferentes serviços para que foi nomeado”; entretanto, concorreu ao internato de Cirurgia dos Hospitais Civis de Lisboa e fez o concurso para cirurgião dos mesmos hospitais;

(vi) Foi igualmente assistente na Faculdade de Medicina de Lisboa, ao mesmo tempo que frequentava o internato de cirurgia nos Hospitais Civis de Lisboa, tudo isso em acumulação com as suas funções militares, o que demonstra uma firme disposição de alargar e diversificar as experiências e desafios da sua actividade médico-científica;

(vii) É quando prestava serviço na Guarda Nacional Republicana que, em 17 de Janeiro de 1942, é nomeado para integrar as Forças Expedicionárias a Cabo Verde;

(viii) Deste modo, embarca em Lisboa a 16 de Fevereiro de 1942, no vapor Guiné, com destino a S. Vicente de Cabo Verde, onde desembarca a 22 do mesmo mês;

(ix) É já em S. Vicente que é promovido ao posto de capitão médico.


Baptista de Sousa vai viver em S. Vicente talvez uma das fases mais marcantes da sua vida pessoal e profissional, durante a qual deve ter encontrado o verdadeiro significado da carreira que abraçou e a sublimação dos altos valores humanos que eram parte integrante do seu ser. Ele é o médico-cirurgião dos militares mas é-o também dos civis, movido pelo seu impulso natural de pôr a sua ciência médica indiscriminadamente ao serviço de quem dela precisava.

Seria por demais exaustivo enumerar as vidas que o Dr. Baptista de Sousa salvou e as malformações físicas (casos de pé boto) de civis que reabilitou com a sua técnica cirúrgica. Fez uso de intervenções terapêuticas até aí pouco utilizadas em Cabo Verde por falta de meios adequados ou mesmo por insuficiência de pessoal médico qualificado. Mas tudo fazia sem olhar a quem, fosse rico ou pobre, militar ou civil, demonstrando uma total disponibilidade e uma dedicação e humanidade sem limites. Era director do Hospital Militar Principal de Cabo Verde e tinha como adjunto o capitão médico Lisboa, outro que deixou boas recordações em S. Vicente.

A acção do Dr. Baptista de Sousa durante quase 3 anos de permanência em Cabo Verde granjeou-lhe o mais alto prestígio e consideração quer entre o contingente militar quer, sobretudo, entre a população civil. Para se ter uma ideia do que alguém significa para o seu próximo, nada como a expressividade de um coração agradecido. E para se perceber isso, veremos como se soltaram as rédeas, não de um coração agradecido, mas de milhares de corações no dia em que o Dr. Baptista de Sousa deixou a ilha de S. Vicente, regressando à Metrópole, finda a sua missão militar. Isso aconteceu em 10 de Setembro de 1944.

Rezam as crónicas que naquele dia a cidade de Mindelo parou em peso para acompanhar o médico ao cais de embarque. O povo concentrou-se em massa formando alas entre a sua residência, na Praça Nova, e o cais de embarque, afluindo de todas as partes da cidade e seus arredores. As janelas se escancararam e os passeios estavam pejados de gente, algumas pessoas alcandoradas em pontos dominantes para lograrem uma observação mais vantajosa.

Valdemar Pereira refere o seguinte testemunho coevo que ouviu ao senhor Antoninho Santiago, funcionário dos CTT: ao sair da sua casa na Praça Nova para entrar no automóvel militar que o levaria ao cais, o médico foi imediatamente levantado e levado em ombros por figuras gradas da sociedade mindelense, ao que ele, modestamente, se procurou opor, mas sem êxito. Assim, em ombros parece ter sido conduzido até às imediações do cais, com o povo a soltar ensurdecedores e emotivos vivas ao doutor Baptista de Sousa e vivas ao “Engenheiro Humano” (1). As mulheres do povo derramavam lágrimas enquanto gritavam vibrantes palavras de saudação e apreço àquele que elas já tinham como um querido filho adoptivo da terra.


Cabo Verde > São Vicente > Midelo > 10 de setembro de 1944 >Baptista de Sousa acompanhado, na hora da despedida, pelas forças vivas do Mindelo e o povo da cidade. À sua direita, o Comandante das Forças Expedicionárias, Brigadeiro Nogueira Soares, e à sua esquerda, o Presidente da Câmara de S. Vicente. Foto cedida por Valdemar Pereira.



Cabo Verde > São Vicente > Midelo > 10 de setembro de 1944 > Baptista de Sousa levado em ombros no cais da despedida. [Ao fundo, o Hospital de São Vicente, fundado em 1890]. Foto cedida por Valdemar Pereira.


Nunca se vira coisa igual em Mindelo, nunca a cidade inteira se tinha comovido tanto na hora “di bai” (2). Depois da despedida, calcule-se a nostalgia que deve ter ficado a pairar na cidade. Ora, para um homem ser assim alvo de tanta unanimidade no reconhecimento e no aplauso à grandeza do seu mérito e da sua acção, unindo autoridades e povo anónimo, ricos e pobres, gente de todos os estratos e condições, é porque verdadeiramente invulgar foi o modo como exerceu o seu múnus profissional em prol da comunidade local, é porque excepcional foi ele na esfera da sua humanidade e civismo. E foi assim que uma onda de emoção se formou no alto mar da “morabeza” do povo de Mindelo, atingiu altura indescritível, galgou as ruas da cidade e foi inundar de saudade o cais da despedida.

A minha mãe contou-me que as sirenes de todos os navios fundeados no Porto Grande tocaram continuamente durante o embarque de Baptista de Sousa, só se calando quando o navio se perdeu da vista da imensa mole humana que o acenava incessantemente no cais e na orla do porto. O mar seria uma vez mais motor do destino luso e cabo-verdiano, esse mar que é lugar mitológico de encontro e separação; levou para longe aquele que se tornara um querido filho do povo do Mindelo. Ao tumulto da apoteose daquele dia 14 de Setembro de 1944 iria seguir-se, calcule-se, um vazio no coração da ilha, um sentimento de desamparo difícil de mitigar. O povo do Mindelo jamais esqueceria a atenção, a disponibilidade, a simpatia, a bondade e a proficiência com que Baptista de Sousa operou e recuperou tanta gente em estado clínico desesperado, salvando muitas vidas que, antes da sua chegada a Cabo Verde, estavam praticamente condenadas.


Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > 10 de setembro de 1944 > Eflúvios da emoção popular no cais da despedida de Baptista de Sousa. Foto cedida por Valdemar Pereira.



Cabo Verde > São Vicente > Mimdelo > 1944 > Baptista de Sousa na sua última despedida ao povo do Mindelo. Foto cedida por Valdemar Pereira

(Continua)

Tomar, 30 de Novembro de 2012

Adriano Miranda Lima

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Notas de AML:

(1) Nome que foi dado a uma morna em homenagem a Baptista de Sousa, da autoria de Jorge Monteiro.

(2) Hora de despedida.

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Nota do editor:

ÚItimo poste da série > 23 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10712: Meu pai, meu velho, meu camarada (34): Tropas expedicionárias portuguesas, em São Vicente, Cabo Verde, 1941/45, mostram solidariedade com o povo sofrido da ilha (Adriano Miranda Lima, cor inf ref, Tomar; cortesia de Praia de Bote)

Guiné 63/74 - P10789: Parabéns a você (508): Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491 (Guiné, 1971/74)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10779: Parabéns a você (507): Fernando Barata, ex-Alf Mil da CCAÇ 2700 (Guiné, 1970/72)

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10788: Álbum fotográfico do Alberto Pires, Teco, ex-fur mil, CCAÇ 726 (Guileje, out 64/ jun 66) (Parte V): A vida de um quartel de fronteira (Parte I)









Guiné> Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 (1964/64 > Aspetos diversos da vida de um quartel de fronteira:

(i) o temível morteiro 81, o "botabaixo" (. bem manobrado, fazia razias entre o pessoal atacante, num raio até 6 km);

(ii) a célebre e heróica  Fox, de matrícula MG-36-24, que resistiu a tudo e todos, acabando ingloriamente, como ferro velho, nas mãos do PAIGC em 25 de maio de 1973;

(iii) uma não menos heróica GMC, caída finalmente por terra; (iv) uma também heróica GMC, de matrícula ME-00-589, de alcunha "Sobre Rodas", que deve ter fintado e sobrevoado muita mina...;

(v) mais uma foto da epopeia da construção dos abrigos;

e, por fim, (vi) uma missa campal, porque Guileje  era uma terra de fé e de coragem, lembrava o nosso saudoso  Zé Neto (1929-2007) [, o primeiro membro ativo da nossa Tabanca Grande que a morte veio ceifar; estava reformado como capitão,  e tinha uma brilhante folha de serviço; a última batalha contra o cancro do pulmão teve um desfecho fatal no dia 29 de maio de 2007; o Zé era o nosso patriarca, o nosso decano, o nosso homem grande; pertenceu à CART 1613, Guileje, 1967/68].

O historial da  Fox MG-36-24 também merece ser aqui relembrado: pertenceu aos Pipas, foi sendo sucessivamente rebaptizada: Bêbeda, Diabos do Texas...

Segundo Nuno Rubim, "a matrícula da Fox é a mesma que consta numa fotografia tirada por elementos do PAIGC em Maio de 1973, quando ocuparam o quartel! Portanto a Bêbeda (que vai ficar para a história, representada com essa mesma inscrição no diorama de Guileje ....) terá servido desde 1965 até 1973, integrada nos sucessivos Pel Rec Fox que por lá passaram"...  

Fotos: © Alberto Pires (Teco) (2007) / AD - Acção para o Desenvolvimento. [Editadas por L.G.]. Todos os direitos reservados


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Alberto Pires, mais conhecido por Teco, natural de Angola, ex-fur mil na CCAÇ 726, a primeira subunidade a ocupar Guileje em 1964)... A companhia esteve em Guileje entre Outubro de 1974 e Junho de 1966.

As fotos que estamos a publicar pertencem a um lote que o Teco pôs à disposição do Núcleo Museológico Memória de Guiledje e do nosso blogue (são mais de 60 fotos). Não trazem legenda, mas estão agrupadas por temas: (i) CCAÇ 726 (Guileje); (ii) construção de abrigos (Guilje); (iii) destacamento de Mejo; (iv) operação militar; e (v) guerrilheiros mortos (neste caso, são apenas duas as fotos disponibilizadas)...

Estas fotos que publicamos hoje, têm a ver com o primeiro tema. As fotos foram editadas por nós com vista à melhoria do seu enquadramento e resolução. Sabemos que o Teco e o Carlos Guedes têm em mãos a elaboração de uma publicação com a história da CCAÇ 726. E esperamos que um dia destes eles nos ajudem a melhorar a legendagem do álbum. (LG)
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Guiné 63/74 - P10787: Agenda cultural (240): Lançamento do livro "Guiné - Guerra e Poesia", de José Martins Gago, dia 16 de Dezembro de 2012, pelas 15h00, na Livraria Bar Les Enfants Terribles, Rua Bulhão Pato, 1 - Lisboa (José Martins)

C O N V I T E

Para o lançamento do livro "Guiné - Guerra e Poesia - Canjadude e Bolama", de autoria de José Martins Gago, dia 16 de Dezembro de 2012, pelas 15h00, na Livraria Bar Les Enfants Terribles (Cinema King), Rua Bulhão Pato, 1 - Lisboa



Capa do livro

Guiné – Guerra e Poesia 

O José Martins Gago não é só um conhecido da guerra na Guiné. O Zé Gago é um camarada de armas e calcorreamos juntos as bolanhas e matas da Guiné, “desde o Gabu ao Boé”, como “reza” no Hino dos Gatos Pretos.

Foi mobilizado quando prestava serviço na Carreira de Tiro da Serra da Carregueira, perto de Sintra. Eu já estava na unidade há quase um ano, quando chegou, a 21 de Março de 1969, o Alferes Gago, em rendição individual, visto que toda a nossa Companhia de Caçadores 5, era de militares africanos e Oficiais, Sargentos e Praças especialistas, de rendição individual.

Na primeira operação que comandou, a sul de Canjadude, fui incorporado no grupo de combate reforçado. Recordo esta operação, já que durante a mesma, o guia se “perdeu” e foi necessário “fazer uns ajustes” na organização e orientação da operação.

Deixou Canjadude, por transferência para o Centro de Instrução Militar / CTIG, em Bolama, sendo abatido à unidade em 23 de Abril de 1970. Um mês depois, eu terminava a minha comissão de serviço, regressando à Metrópole.

Em Maio do ano passado pediu-me, por mail, um mapa do subsector de Canjadude, para incluir no seu livro. Enviei o mapa e aguardei. O livro vai chegar!

José Martins
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10756: Agenda cultural (239): O grã-tabanqueiro, nova-iorquino, João Crisóstomo, é um dos "Portugueses Pelo Mundo", retratado no livro que será apresentado hoje, 2ª feira, dia 3, às 18h30, na FNAC - Chiado