Homenagem aos nossos mortos não tem data! É quando um homem quiser!
Camaradas,
Para lá duma forte comoção que me invadiu o coração em dia de greve geral a qual me permitiu dedicar o tempo "à limpeza" de muito lixo acumulado no computador, descubro inadvertidamente este texto nos meus arquivos que me sobressaltou pela saudade, pela dor e pela juventude passada...
Fiquei confuso sobre a oportunidade de uma re-publicação mas isso deixo ao critério dos editores e o que decidirem está bem decidido.
Dizia eu em 2008 :
Cá volto eu outra vez nestes primeiros contactos de Tabanca, recordando outras tabancas lá por terras de poucas saudades, onde deixei muita da pureza da minha meninice, alguns dos amigos que fiz desde os Arrifes em Ponta Delgada e que tinha jurado trazê-los de volta ao colo das suas Mães, aos abraços enternecedores dos Pais, aos beijos das namoradas...
Tal não se concretizou e hoje, ao ver os rostos daqueles que eram meninos, confrange-me o sofrimento incalculável de quem tenha recebido um telegrama a anunciar uma morte por actos de bravura em defesa da Pátria !!!!
Caramba, muitos dos nossos camaradas morreram tão simplesmente por serem os homens errados, no sítio errado à hora errada!
Muitos de nós não tinham tido sequer tempo de interiorizarem o quanto essa Pátria ( que hoje os esquece em favor de outros que seguem para missões de meia dúzia de meses e a troco de belas fortunas ), lhes pediu, de borla, para que fossem heróis na medida das suas forças!
Caramba, eu vi miúdos a chorar na caserna com saudades dos seus familiares !
Caramba, eu vi miúdos a baterem-se com uma heroicidade contagiante pela defesa do camarada em apuros que lhe estava ao lado!
Caramba, eu vi miúdos a fazerem frente a um contingente de guerrilheiros liderados pelo Nino Vieira!
Caramba, eu vi miúdos a caírem nas minas e a ficarem decepados!
Caramba, meus caros, eu vejo, todos vemos, o abandono a que esta Pátria nos relegou!
Não, não faço parte de qualquer associação de apoio aos ex-combatentes; nunca me disponibilizei a engordar as filas de manifestantes que se propõem zelar pelos interesses de todos nós; nunca expus publicamente o meu desencanto com os sucessivos (des)governantes que têm passado pelos corredores dos Passos Perdidos numa atitude de vil desrespeito por esta geração que é a minha; mas agora, do alto da palhota da minha Tabanca, tento compreender o meu tempo e as novas gerações onde já pontuam os meus filhos, os meus netos, e os filhos e os netos dos meus camaradas de armas.
Os tempos deram uma grande cambalhota e os valores alteraram a sua ordem hierárquica.
Hoje pertencemos a uma geração que sendo sobrevivente a uma guerra, assiste à transformação do paradigma da vida.
Hoje há filhos a morrer antes dos pais pelas mais diversas razões: droga, uso indevido de armas, acidentes viários, gangsterismo, AVC's, stress, incertezas profissionais, etc., etc., etc.
Duvido que esta juventude tenha alguma simpatia pelo conhecimento desta aventura africana na qual os seus pais se envolveram.
Têm tanto com que se preocupar...
Enfim, em dia de todos os mortos, rendo-me à memória de todos aqueles que partiram dirigindo às respectivas famílias o meu sentido silêncio já que as palavras teimam em não sair pelo nó que se forma na garganta.
Voltarei mais tarde para me dedicar também às ocasiões que nos faziam rir.
E foram muitas...
Abraços,
António Matos
Alf Mil Minas e Armadilhas da CCAÇ 2790
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Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em: