Em 1 de dezembro de 1640 um grupo de aventureiros designado como “Os Quarenta Conjurados”, uma força que entretanto se espalhou pelo Reino de Portugal, deu aso ao fim da dinastia filipina que entretanto se havia instalado em solo lusitano e que ao longo de 60 anos se apoderou na Coroa portuguesa.
Não vou, por motivos evidentes, alargar-me sobre a minuciosa ação libertadora da Restauração da Independência de um Portugal amordaçado, mas relatar, em simultâneo, uma lenda da minha terra que se entrelaça com o dito acontecimento e os muitos camaradas meus conterrâneos que foram protagonistas de uma comissão militar nas três frentes de combate, mormente na Guiné, território onde a nossa efetiva presença se registou.
Explana a lenda que uma jovem da Aldeia da Fonte do Canto apaixonou-se por um rapaz da vizinha Cabeço de Vaqueiros, só que o presumível encanto amoroso desvaneceu-se quando o cavalheiro não aceitou a súplica da moça. Pelo meio da aventura existiram, conta a historieta, contornos rudes e desavenças entre as populações dos lugares. Acrescenta a ladainha que desse ímpeto amorável emergiu Aldeia Nova de São Bento, um lugar situado na província do Alentejo, arcebispado de Évora, comarca da cidade de Beja e termo da vila de Serpa.
O perfil final do enredo derrapa para brigas que opuseram portugueses e espanhóis. Cruzemos um pedaço da história. O Reino de Portugal encontrava-se sob o domínio da dinastia filipina e a guerra da Restauração de 1640 estava ao rubro, sendo o Alentejo palco de grandes batalhas. Aconteceu que a moça, antes enamorada pelo rapaz de Cabeço de Vaqueiros, casou com um soldado espanhol.
O assunto ferveu com a ralé e o jovem, estupefacto, apressou-se a chefiar um grupo de homens das duas aldeias a declararem luta aos estranhos. Finaliza a lenda que a bravura dos portugueses foi literalmente materializada, colocando em debandada as tropas de Espanha e as preces de vitória levaram o povo a afirmar que “São Bento tinha concedido um milagre”. Esclarecesse que São Bento é o Santo Padroeiro da freguesia sul alentejana.
A realidade diz-nos que a luta armada na Guiné teve o seu início em janeiro de 1963, sendo que a guerrilha se desencadeou precisamente em Tite, região de Quínara, com sede de Circunscrição Administrativa em Fulacunda. Sob o comando ativo do PAIGC a peleja, sempre impiedosa, estendeu-se até 1974.
E se em 1640 os “Quarenta Conjurados” foram a testa-de-ferro que libertaram o país do reinado dos Filipes, a 25 de Abril de 1974 foi a classe militar dos Capitães que ordenaram a Revolução dos Cravos que determinou o fim da ditadura do Estado Novo que não olhava a meios para atingir os fins.
Simultaneamente, como foi percetível, o eco da vitória encantou os combatentes que além-mar viram chegar o termo da guerra nas antigas colónias, onde os soldados prestavam serviço militar obrigatório.
Lembrando a história, recorro a dados que dizem que a guerra na Guiné terá começado com de 10 mil efetivos, aproximadamente, e terminou com perto de 40 mil militares distribuídos pelos três ramos das forças armadas portuguesas: Exército, Força Aérea e Marinha.
Sou natural de Aldeia Nova de São Bento, concelho de Serpa e distrito de Beja. Adoro, tal como sempre, o torrão sagrado que me viu nascer e para onde irei um dia repousar para a eternidade.
Sou, aliás, somos de uma geração em que assistimos a vários “tsunamis” que a humanidade encarregar-se-ia em nos presentear. Assistimos à partida de casas de famílias para Angola e Moçambique, designadamente, cujo objetivo principal passava pela procura de uma vida melhor.
Pessoas, algumas humildes, que lá partiam imbuídos no ávido espírito que os transportavam para o mundo dos sonhos. Aventureiros que abalavam à descoberta de novos mundos e de novas terras. Dobravam o famigerado “Cabo das Tormentas” e as impróprias necessidades que a sociedade de então lhes impunha.
Mas a guerra trouxe, mais tarde, eloquentes contratempos. Nós, militares, que cruzámos as linhas de fogo, conhecemos as agruras de uma guerrilha que nunca nos deu folgas.
Olho para os antigos combatentes da minha aldeia, uns, que já partiram para a tal viagem sem regresso, outros, que ainda por cá andam, felizmente, e revejo que cada um dos rostos ostenta uma imensidade de rugas onde se vislumbram resquícios de lembranças que jamais os farão esquecer os tempos difíceis passados nos lamaçais da guerra.
Batalhas em campos e tempos desiguais quando vistoriamos conteúdos horríveis que nos remetem para uma profícua realidade que outrora conhecemos. Na minha freguesia o contingente de jovens que entregaram o corpo às balas é visível, sendo agora gentes doridas pelas adversidades que a guerrilha escusadamente lhes causou.
Vou, sinteticamente, mencionar que pelas três frentes de guerra nas antigas províncias ultramarinas – Angola, Moçambique e Guiné – terão perdido a vida 35 militares do concelho de Serpa, sendo 10 os naturais de Aldeia Nova de São Bento.
Procurei, com fidelidade, na Junta de Freguesia os nomes dos combatentes locais sepultados no cemitério da localidade. Eis os nomes de cinco registos que constam no livro autárquico e que não refere a antiga província onde o óbito ocorreu: Bento Rebocho Silva, Luís Batista Gomes, José Luís Evaristo, Manuel Mateus Costa e Bento Valente Pica.
De entre os camaradas mortos, destaco Luís Batista Gomes, falecido em combate na Guiné, tendo ele já sido alvo de um texto meu no nosso blogue. O Luís foi, também, alvo de uma recente homenagem póstuma como consta numa lápide que se encontra na sua campa.
Suponho que em território guineense existem, ainda, outros nomes que por ora me falham, mas como procurei o que existe em concreto apoiei-me somente em dados fidedignos.
Como nota de roda pé fica a indesmentível certeza: acabaram-se os contingentes de seres humanos, carne para canhão, enviados para uma guerra infernal e com fins sempre imprevisíveis. Porém, esse desgaste físico e mental continua a passar ao lado de quê de direito tinha, e tem, obrigação em reconhecer a luta dos antigos combatentes nos confins da selva africana.
Coabitemos, por enquanto, com a beleza da vida e outorguemos bênçãos por cá ainda permanecermos neste imenso cosmos terrestre!...
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
13 DE FEVEREIRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18314: (Ex)citações (328): Regresso de Iemberém, viagem até Bissau, das 3h às 10h da manhã... O Pepito continua no coração de muita gente do Cantanhez... Estive em Guileje, no dia 7. É sempre com emoção que ali paro... Mando-vos cinco fotos em homenagem a todos aqueles de vós que ali muito sofreram (Anabela Pires)