terça-feira, 9 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11365: Tabanca Grande (392): Camaradas da CCAÇ 14: António Bartolomeu (Contuboel, Aldeia Formosa e Cuntima, 1969/71) e Eduardo Estrela (Bolama e Cuntima, 1969/71)




Guiné > Região do Oio > Cuntima > Outubro de 1970, com a macaca Xica  ao colo

1. Mensagem de Eduardo Francisco da Cruz Estrela, nosso grã-tabanqueiro desde 29/2/2012 (*)

De: Eduardo Francisco da Cruz Estrela

Data: 19 de Fevereiro de 2013, 18:44

Luis!

Localizei a mensagem de 6 de Março de 2012, onde enviava as duas fotos que me tinhas pedido. Há momentos mandei uma e agora repito o envio de 2012, de modo a que publiques a outra fotografia.

Um abraço, 

Eduardo Estrela
(ex-Fur Mil da CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71) (*)
___________

Eduardo Estrela Date: Tue, 6 Mar 2012 13:13:49 -0100
Luis!

Em anexo remeto duas fotos conforme pedido feito. Uma actual e outra tirada em Outubro de 1970 em Cuntima, tendo ao colo a Xica

Um grande abraço
Eduardo Estrela

__________________

2. Comentário de L.G.:

Camarada Eduardo, afinal  já tínhamos as fotos. A duplicação, às vezes, não tem mal. A tua mensagem acaba por ser um ensejo para a gente falar da nossa viagem comum (partimos de Lisboa, no mesmo dia, e no mesmo navio, as CCAÇ 2590, 2591 e 2592, independentes, que deram depois origem às CCAÇ 12, 13 e 14) e das nossas peripécias no CTIG. Mas também de amigos e camaradas comuns, como é o caso do Joaquim Fernandes. Afinal, contigo, tudo começou porque andavas à procura dele. Tinha  estado no CISMI, em Tavira, na mesma altura que tu... (e julgo que também na mesma altura em que eu lá estive, embora a minha especialidade fosse a de armas pesadas). Dei-te alguns contactos do Joaquim, mas não me chegaste a dizer se o encontraste depois disso.

Gostava, por outro lado, de te pedir mais fotos da tua passagem pela Guiné, por Bolama e por Cuntima, integrado na CCAÇ 14. Não me arranjas fotos tuas, com boa resolução e com as respetivas legendas ? Como sabes, eu tenho um especial carinho pelas companhias africanas. Das 3 companhias acima citadas, a tua é a que tem menos informação no nosso blogue. E representantes só tem dois, se não me engano: tu e o António Bartolomeu, que entrou para a Tabanca Grande, o nosso blogue, em 31/5/2007.

Aproveito para saudar os dois e pedir-lhes para nos arranjarem  mais rapaziada da CCAÇ 2592/ CCAÇ 14 para engrossar as nossas fileiras e alimentar este bicho "alarve e sedento" que o nosso blogue (**)... Olhem, era uma bela prenda de aniversário: vamos fazer 9 anos, no próximo dia 23 de abril... Penso que, tru, Estrela,  continuas a viver no Algarve, é isso ? E o Bartolomeu na Cova da Piedade, Almada. Um grande Alfa Bravo para os dois. Luís Graça.

PS - Podem ver, na página do Carlos Silva, Guerra na Guiné 63/74, informação mais completa e detalhada (e fotos diversas do pessoal) da vossa companhia, a CCAÇ 2592 / CCAÇ 12. [Há lá fotos cedidas pelo António Bartolomeu].

Guiné > Zona Leste > Contuboel > CCAÇ 2592/CCAÇ 14 (1969/71) > O Fur Mil António Bartolomeu, que esteve a dar instrução de especialidade a um pelotão de mandingas, na mesma altura (Junho/Julho de 1969) em que estávamos (a CCAÇ 2590) a formar a CCAÇ 12, uma das unidades da nova força africana.  Este pelotão, o 4º esteve depois em Aldeia Formosa, quarto meses, reunindo-se mais tarde à companhia, em Bolama,. e seguindo depois para  Cuntima. Viemos no mesmo, o Niassa, tendo partido de Lisboa em 24/5/1969.
Esta companhia tinha uma composição heterogénea: mandingas, manjacos e felupes, além de quadros  e especialistas metropolitanos. (LG)



Foto: © António Bartolomeu (2007). Todos os direitos reservados.
______________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 29 de fevereiro de 2012 Guiné 63/74 - P9548: Tabanca Grande (322): Eduardo Estrela, ex-Fur Mil da CCAÇ 14 (Cuntima, 1969/71)

(...) Sou o ex-Fur Mil Eduardo Estrela e enquadrei o início da CCaç 14, originalmente CCaç 2592.
Embarcámos para a Guiné em 24 de maio de 1969 , no T/T Niassa, juntamente como outras companhias independentes como a 2590 e 2591 [, futuras CCAÇ 12 e 13], e depois de termos dado instrução aos militares africanos que compunham a Companhia (dado e recebido, pois muitos deles já tinham experiência de combate), partimos em 3 de novembro de 1969 para a zona operacional que nos tinha sido destinada, Cuntima, junto à linha de fronteira do Senegal.

Ainda em Bolama, onde a instrução foi dada e recebida e depois de uma operação mal programada para a zona de S. João, onde as CCaç 13 e CCaç 14 podiam ter sofrido sério revés, face ao local de desembarque escolhido, extremamente lodoso e onde vi camaradas atolados até à cintura, ainda em Bolama dizia, sofremos, à hora da saída da LDG, um ataque onde o PAIGC utilizou pela primeira vez foguetões terra-terra. Ninguém sabia que tipo de armamento o PAIGC utilizara e só em Bissau, no dia seguinte, nos foi comunicado o tipo de arma.

Em Cuntima, a actividade operacional era intensa pois estavam no mato permanentemente 2 ou mais grupos de combate, por períodos de 48 horas. A guarnição de Cuntima normalmente composta por 2 Companhias operacionais, Pelotão de Obuses e Pelotão de Milícias, para além das interdições ao corredor de Sitató, fazia picagens à estrada, escolta às colunas para Farim, segurança próxima e afastada ao aquartelamento e as operações militares que obrigavam a utilização de maiores meios.

Aquando do reordenamento de Cuntima, as colunas a Farim eram diárias e o desgaste físico e psíquico muito grande, pois volta não volta o PAIGC aparecia. O meu grupo de combate foi o primeiro a transitar para Farim, no início de dezembro de 1970 e não no fim de dezembro como já vi indicado, e durante um mês estivemos a reforçar a CCaç 2549 estacionada em Nema, a qual tinha estado anteriormente connosco em Cuntima.

Em Farim fazíamos interdição ao corredor de Lamel, numa época em que o PAIGC estava muito activo. De tal modo activo que entre o início de dezembro de 1970 e meados de janeiro de 1971, a guarnição do Batalhão 2879 sofreu na zona de Lamel 14 mortos, uns em combate e outros por acidente resultante de actividade operacional. Para além dos camaradas falecidos, também houve muitos feridos.

No final de 1970, o meu grupo de combate regressou a Cuntima e só no início de fevereiro de 1971 a CCAÇ 14 foi para Farim, tendo o meu grupo ficado em Cuntima para dar sobreposição à Cart 3331, até ao fim de fevereiro. (...)

(**) Último poste da série > 25 de março de 2013 >  Guiné 63/74 - P11312: Tabanca Grande (391): António Baldé, fula, natural de Contuboel, português, apicultor, pai do Umaro e da Alicinha, ex-1º cabo, CIM, Bolama (1966/69), Pel Caç Nat 57 (São João, 1969/70) e CART 11 (Paunca e Sinchã Queuto, 1970/71), grã-tabanqueiro nº 610

Guiné 63/74 - P11364: Bom ou mau tempo na bolanha (1): Uma foto que fala por si (Tony Borié)

1. Primeiro episódio da nova série do nosso camarada Tony Borié* (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), a que ele deu o título de Bom ou mau tempo na bolanha.



Nesta segunda série de textos, que se chamará “BOM OU MAU TEMPO NA BOLANHA”, será consoante os temas, se forem agradáveis “Bom Tempo..., e se não forem agradáveis, “Mau Tempo...!

Agora vou falar de temas do conflito que vivemos na Guiné e não só, pois às vezes também falarei de assuntos de hoje, embora relacionados com a nossa vivência na Guiné, em outras palavras estarei mais livre, podendo viajar do interior de uma bolanha, onde andei junto daquelas bajudas, que afinal eram guerrilheiras, atolado em lama até ao joelho, há cinquenta anos, para o dia de hoje, onde continuo atolado, neste mundo de consumo onde quase nada se faz, sem a ajuda de um computador.

Para começar, contando mais uma vez com a vossa compreensão para o título desta série, que não é lá muito sugestivo, mas foi o que o Cifra, depois de passar noites e noites acordado, caminhando de um lado para o outro, e num momento em que ouviu um som de chuva no telhado, veio à janela e viu mesmo que estava mau tempo, e então logo pensou, é isto mesmo, “Mau Tempo”. Ao outro dia indo a caminho do mar para mais um dia de pesca, passou por diversas terras alagadiças, parecendo tal qual as nossas conhecidas bolanhas da Guiné, tornou a pensar, está perfeito, “mau tempo na bolanha!”, portanto já sabem a origem do título.
Agora sim, vamos começar.



1 -  Mau tempo na bolanha

O Cifra tem esta foto, das poucas que conseguiu recuperar, e que lhe veio parar às mãos, em Mansoa, em 1964, pouco depois de lá chegar. Esta foto estava entre uns papeis, com uma cobertura em papel branco, que dizia “Olossato”, estava no edifício do comando do Agrupamento, que ainda estava em construção, portanto um pouco desarrumado.


Andou por lá algum tempo, e o Cifra, depois que presenciou a cena dos dois guerrilheiros mortos que sempre acreditou que foram queimados com gasolina e enterrados numa vala, andava revoltado com a situação e de uma vez, vendo lá o dossier “Olossato”, única e simplesmente tirou a foto do local e guardou-a. O Cifra acredita que foi tirada nas imediações de Olossato, talvez alguém da polícia do estado, ou alguém do Agrupamento 16 estacionado em Mansoa, que a tirou, alguém com graduação superior, que de vez enquando lá se deslocava para inspecção. Esta foto sempre lhe colocou muita interrogação, e os antigos combatentes, por favor percam uns segundos, analizem a foto e depois tentem compreendê-la, tem um homem africano, com farda, boina, possivelmente as mãos amarradas atrás nas costas, uma corda em volta de uma árvore, o seu rosto demonstra alguma aflição, na sua frente está o “típico” africano tradutor, com um cigarro dado pelo militar branco na orelha, e atrás de si pode ver-se um pouquinho da face de um homem branco sentado, que possívelmente será um polícia do estado, a tirar apontamentos, muitas crianças demonstrando interesse pela situação, algumas já crescidas e uma até usa uma boina militar, portanto já tinham algum fascínio pela farda, mas nenhuma mostra um simples sorriso, pelo contrário, os seus rostos estão sérios demonstrando preocupação. Um militar armado e outro com interesse na conversa entre, o talvez prisioneiro e o interrogador, não se vêm mais militares, que com toda a certeza estavam em redor, no local onde a pessoa tirou a foto.

O Cifra acredita que o mais provável, era ser um primeiro interrogatório, e na frente de todas aquelas crianças, que deviam de ter ficado traumatizadas com a violência daquela cena, e que no futuro, por mais “psico-social” que houvesse, com toda a certeza não iriam ser agricultores, artesões, alfaiates, carpinteiros ou saber assentar tijolos, mas sim, iriam ser guerrilheiros, ou militares, pois outro meio de vida com toda a certeza não iriam ter.

Este título, como já verificaram, seria “MAU TEMPO NA BOLANHA”.

____________

Nota do editor:

Vd. poste de 23 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11299: Do Ninho D'Águia até África (60): O regresso a Portugal (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P11363: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (7): O meu diário (José Teixeira, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba e Empada, 1968/70) (Partes XIII / XIV): Julho / agosto de 1969: a angústia do cristão ante a dúvida "De que lado estará Deus ?"



Guiné > Região de Quínara > Empada > CCAÇ 2381 > 1969 > O Zé Teixeira, no regresso de mais uma operação.


Guiné-Bissau  > Região de Quínara > Buba > 2005 > "Que diferença!"...


Guiné-Bissau  > Região de Quínara > Buba > 2005 > "Estrada da pista de aviação"...


Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 2005 > "Estrada da pista de aviação... ao domingo"... [ Segundo o nosso inestimável e sempre atento e oportuno amigo Cherno Baldé, esta não é uma rua de Buba, como erradamente foi legendada pelo Zé Teixeira, mas sim "a rua de Bissau, alto Bandim, no local onde foi construído o Palácio Colinas de Boé e funciona a ANP - Assembleia Nacional Popular (do lado direito), podendo ver-se ao fundo o depósito central de água"]


Guiné-Bissau  > Região de Quínara > Buba > 2005 > "Estrada de Buba - Fulacunda"...


Fotos (e legendas): © José Teixeira (2006). Todos os direitos reservados [Edição: L.G.]


1. Continuação da publicação de O Meu Diário, de José Teixeira (1º cabo aux enf,  CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá, Empada, 1968/70), Partes XIII e XIV (*) [Originalmente publicado na I Série, em 2006]


Buba, 31 de Julho de 1969

Vi a morte à minha frente. Saí de manhã até à bolanha de Beafada, a montar segurança à coluna que ia para Aldeia Formosa. Tinha como missão assistir os picadores que iam à frente a tentar detetar as possíveis minas que o IN costuma colocar. Coloquei a bolsa na 1ª viatura e segui à frente da mesma.

Como havia muitas poças de água, instalei-me ao lado do condutor. Em determinado momento tive um pressentimento e saltei da viatura seguindo à sua frente. Não andei 50 metros e senti um rebentamento, fui projetado pela deslocação do ar e senti algo a cair em cima de mim, deduzindo que eram estilhaços. Pensei:
- Desta não escapo.

Logo a seguir cai à minha frente um africano que ia em cima da viatura e que deve ficar cego. Verifico então que a viatura de onde tinha saltado há momentos e do lado em que eu vinha, tinha pisado uma anticarro. Apanhei apenas com lama e pedras, e um grande susto. O condutor, sentado em sacos de areia, foi ao ar, mas apenas sofreu um grande susto, também. Os africanos que vinham em cima foram projetados e um perfurou o olho esquerdo, ficando este ao dependuro. Desnorteado, não sabia o que fazer. A bolsa estava na viatura sinistrada. Havia o ferido para tratar, mas também havia o perigo de minas antipessoais.

Andava de um lado para outro, sem saber o que fazer, sujeito a cair numa mina perdida. Lentamente fui acalmando, entretanto chegaram os outros enfermeiros, fui buscar a minha bolsa à viatura destruída e tratei dos feridos

Tal como os outros companheiros, pensei em aproveitar-me das bebidas da viatura destruída e mesmo das outras, já que ao dar-se baixa da viatura descarrega-se tudo e o que ficou em condições de ser aproveitado desaparece. Deu-se um autêntico assalto às viaturas e foi um fartar de roubar, ou melhor, aproveitar a ocasião.

Pouco depois aparece-me o Franklim com uma perna ferida por ter ficado debaixo de um atrelado, com bidões cheios de combustível, pois o condutor da viatura, na confusão gerada deixou-a destravada e esta.  ao deslizar, fez passar por cima da perna do Franklim o atrelado que arrastava.

Os feridos voltaram para Buba depois de assistidos, para serem evacuados para Bissau. Restabelecida a calma,  retomamos a marcha, para de seguida rebentar uma antipessoal que estava colocada no local, mesmo no centro da picada onde eu tratei os feridos, possivelmente pisada várias vezes, mas que só rebentou quando foi pisada pelo rodado de um atrelado de viatura, para sorte de algum de nós, talvez por estar um pouco funda. Continuei na coluna até Beafada, onde encontramos o pelotão de picadores que tinha partido de Aldeia Formosa, tendo regressado a Buba com mais esta história para contar.

O meu sistema nervoso que andava abalado,  foi-se de vez. Fui ao Dr. [Azevedo] Franco que me receitou um calmante, pois preciso de reagir. Tenho 15 meses de guerra e ainda falta muito tempo para o regresso. A guerra ainda não acabou para mim.


Buba, 4 de Agosto de 1969

Ao comemorar o 6º aniversário da implantação do terrorismo na Guiné (#), o Sr. Amílcar Cabral queria fazer umgrande festival em toda a Guiné. Ameaçou fazer uma grande surpresa, nomeadamente em Buba. Afinal limitou-se a vir cá às 17.45 h e fazer uma pequena serenata de canhão s/r, morteiro 120 e costureirinhas. Apenas uma granada rebentou dentro do quartel, causando danos ligeiros. De noite ouviram-se rebentamentos por todo o lado. Empada parece que também foi atacada. Nhala sofreu três ataques: à uma da manhã, às dez e novamente à noite. Mampatá também sofreu a visita do IN.

Buba, 7 de Agosto de 1969

As colunas de abastecimento a Aldeia Formosa e povoações limítrofes continuam a dar que falar. Ontem, seguiu mais uma e,  ao chegar ao Pontão de Uane, uma mina anticarro rebentou debaixo da 14ª viatura, projetando os seus ocupantes a grande altura, pois a viatura seguia sem carga. Três mortes instantâneas, todas de africanos e nove feridos graves, entre os quais dois colegas meus. Foi este o resultado.

Eu não fui esperar a coluna porque estou com baixa médica. Sinto-me muito fraco e abatido psicologicamente.

Ainda não sei quando regresso a Empada, talvez, lá para o fim do mês. Dá que pensar porque é que a viatura atingida foi a 14ª, portanto já no meio da coluna que seguia o trilho das outras treze anteriores, carregadas e bem pesadas.


Buba, 9 de Agosto de 1969

Estou doente, sem forças, as pernas parece que não podem com o corpo. O apetite é pouco. Fui ao médico que, além de me receitar medicamentos reconstituintes, deu-me dispensa por uns dias.

Estou sozinho em Buba com metade da Companhia. Insisti desde sempre que não aguentava a carga e que devia ser chamado outro enfermeiro de Empada. Fui-me abaixo das canetas e estão a sair Enfermeiros da Companhia 2382 com os meus companheiros, o que nunca devia acontecer e está-se a gerar um mal estar, entre colegas e amigos, desnecessário. Segunda feira termina a minha dispensa, mas eu ainda não me sinto bem. Vejamos que me vai dizer o médico.


Buba, 13 de Agosto de 1969


Está por cá o Padre Manuel Capitão, coordenador dos capelães na Guiné, grande amigo, e que encontrei há tempos em Bissau, quando regressei da Metrópole de férias. Desde alguns dias que anda de visita ao Setor. Hoje foi acompanhar a coluna para Aldeia Formosa até Nhala e regressou no héli que foi fazer uma evacuação de um ferido na sequência de um contacto com o IN.

A minha saúde continua abalada, felizmente com tendência para melhorar. Ontem, devido a uma grande caminhada de patrulhamento com o fim de preparar o terreno para a Coluna de hoje, não aguentei e os meus colegas tiveram de me transportar, até ao quartel. Depois de descansar fiquei melhor. Hoje sinto-me bem e tenho a esperança que em breve ficarei no lugar.

Quando estive com o padre capitão em Bissau, tentei aprofundar esta e outras questões sobre a assistência religiosa em tempo de guerra e a posição da Igreja Portuguesa colaboracionista com o poder político que manda matar em nome dos princípios cristãos, e a actuação dos capelães, passiva e nada evangélica, para não desagradar aos comandantes, aos fazedores da guerra.

Eu já sentia dentro de mim a revolta. De que lado estaria Deus? Com os Portugueses que teimavam em dominar um povo pelas armas ou com esse povo que queria seguir o seu destino, ou não estaria com ninguém e apenas apelava aos homens para darem as mãos para construirem um país novo? Qual devia ser a missão do sacerdote ? Como falar ao soldado que tinha deixado forçadamente a sua família, o seu emprego para matar ou ser morto?

Nesse encontro pôs-me fora do gabinete, mas em Buba, ele que nunca tinha saído de Bissau, e quis vir ver como as coisas se passavam no terreno, deu-me razão. Chorou por não poder fazer nada. Sentia-se amarrado. O sistema militar condicionava-o e os capelães que os bispos lhe mandavam, na sua maioria,  eram sacerdotes com problemas e nada preparados para este tipo de missões.

Buba, 16 de Agosto de 1969

Mais 24 toneladas de material apanhado ao IN no Norte, perto de Ingoré (2). As nossas tropas destruiram cinco destacamentos do IN, entre os quais Canchungo, Mâmpatas e Sane, todos perto de Ingorei, por onde andei nos primeiros três meses de guerra. O IN fugiu e os nossos tiveram 6 feridos. Parece que o exército senegalês auxiliou a fuga a pretexto de assistência médica.

_______________

(#) Referência mais provável ao 3 de agosto de 1959 (repressão da greve dos estivadores do cais do Pidjiguiti, ou "massacre do Pindjiguiti", segundo a propaganda do PAIGC),  e não ao 1º ataque do PAIGC a um aquartelamento português (Tite, 23 de janeiro de 1963 ), efeméride que é apontada, em geral, pelos historiógrafos, como a do início da luta armada na Guiné. (LG)

Guiné 63/74 - P11362: Parabéns a você (560): Jorge Canhão, ex-Fur Mil do BCAÇ 4612/72 (Guiné, 1972/74) e Miguel Pessoa, Coronel Pilav Ref, ex-Ten Pilav (Guiné, 1972/74)

____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 8 de Abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11357: Parabéns a você (559): José Augusto Ribeiro, ex-Fur Mil da CCAÇ 566 (Cabo Verde e Guiné, 1963/65)

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11361: Notas de leitura (470): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Dezembro de 2012:

Queridos amigos,
Dá-se por concluída a transcrição de um conjunto de apontamentos organizados pela Mocidade Portuguesa acerca da história e lendas dos Mandingas da Guiné. Tudo leva a crer que foram organizados por Manuel Belchior, antigo funcionário colonial e que recebera meios para estudar os povos do Gabu. Faria todo o sentido reeditar-se os seus livros e entregá-los a um investigador para proceder à respetiva atualização.

Como se vê, trata-se de peças culturais que elogiam o poderio fula quando este migrou do Futa Djalon para o interior da Guiné portuguesa, implicando uma rearrumação étnica, a par da perda de estatuto que tinham os Mandingas.
Estas lendas e canções deixam igualmente perceber como os Fulas, de modo implacável, conduziram as etnias Mandinga e Beafada à região muçulmana.

Um abraço do
Mário


A deposição de Alfá Iaiá

Beja Santos

Os reis não são todos iguais
e nenhum igualava Alfa Iaiá
da família dos Djalo Djére.
A grande árvore tombou
e fugiram os pássaros que ela albergava.
Os nossos olhos choram.
Quando pensamos no nosso amo
os nossos olhos choram
(Da canção de Alfá Iaiá)

Pouco depois de se instalarem no Futa, os franceses puseram em prática medidas que dificultavam as orações. Alfá Iaiá protestou vigorosamente junto do seu amigo Beckmann, afirmando-lhe que os fulas nunca deixariam de gritar bem alto o nome de Deus.

O francês revogou as ordens e mandou que fizessem uma torre muito alta, para que dali gritassem o nome de Alá. Mas, passados anos, os sucessores de Beckmann procederam de maneira que o rei de Labé se convenceu que os franceses não o deixariam reinar e acabariam por prendê-lo. Reuniu, por isso, os chefes religiosos e militares do reino, para lhes expor a situação e perguntar-lhes se não seria preferível a guerra ao enfraquecimento gradual do seu poder e do seu prestígio.

O “caramó” Cutubé, jacanca de Tubá, disse que o facto de estarem os franceses no Futa e noutras regições era a vontade de Deus. Que não devia o senhor do Labé fazer a guerra porque já na sua vida derramara muito sangue e se continuasse pelo mesmo caminho não entraria no Paraíso.

- Se ficares em paz e te deixares prender, obedeces a Deus e lavas os teus pecados, disse o religioso.
- Estes “chernos” fazem arrefecer o meu coração como se fosse um trapo, exclamou, desanimado pelo conselho, Alfá Iaiá.

O “caramó” pediu ao rei que fosse ao seu curral. Se no momento de lá entrar não visse uma vaca preta a lamber o vitelinho de cor branca, então poderia pensar que o seu conselho não era bom e preferira a guerra.

Foi Iaiá ao curral e viu que tudo o que o santo homem dissera era verdade. Resolveu por isso obedecer ao “caramó”, convencido que obedecia à vontade de Deus.

Passado algum tempo, recebeu ordem dos franceses para se apresentar em Conacri. Em sinal de boa vontade e submissão, mandou embrulhar 3 mil espingardas em esteiras e mandou-as às autoridades europeias, dizendo, contudo, que não comparecia à convocação.

Ao saber desta recusa, o “cherno” Cutubó disse-lhe:
- Ou tu aceitas a ordem recebida ou eu vou descalço e pelos caminhos mais pedregosos até Conacri, castigando-me por tua causa. Mas tu fica certo de que não entrarás no Paraíso.

Alfá Iaiá resignou-se e partiu. No último momento, libertou todos os seus escravos, sabendo bem que já não precisaria deles.
Durante um mês, em Conacri, o rei de Labé foi mostrado a quem dava 100 francos para o ver. Por fim, meteram-no num barco e levaram-no para o Daomé.
Chegado ali, o seu último grande gesto foi comprar 40 cavalos e 100 vacas. Quando lhe perguntaram porque fizera isso, disse que a solidão é uma coisa triste e que um Fula não se considera só se tiver cavalos e bois, aquilo que mais adora. E foram estes animais o seu único consolo, até morrer.

Desaparecido que foi Alfá Iaiá, o último grande senhor do Futa, afirma uma canção feita em sua honra, os seus guerreiros dispersaram, tal como sucede aos pássaros que habitam as ramadas de uma grande árvore, quando esta cai.
____________

(1) - Se bem que Alfá Iaiá fosse Fula, esta canção foi feita por Mandingas, que por ele tinham grande estima. Os homens da sua própria raça não o estimavam tanto, preferindo o seu primo e rival Abubakar.
(2) - “Caramó” é sinónimo de “cherno”, isto é, doutor muçulmano.
(3) - Alfá Iaiá morreu no seu exílio no Daomé em 1906




____________

Notas do editor:

Vd. poste de 18 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11272: Notas de leitura (466): Texto policopiado e publicado pelo Comissariado Nacional da Mocidade Portuguesa - Ultramar (4) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 28 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11325: Notas de leitura (469): Estudos sobre a Etnologia do Ultramar Português (Volume III)”, editado pela Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa, 1963... Usos e costumes: a tecelagem, o arrancamento da pele dos cadáveres, as práticas de necrofagia, o fanado, o choro, o bombolom... (Francisco Henriques da Silva, antigo embaixador)

Guiné 63/74 - P11360: (Ex)citações (217): Lavadeiras... e favores sexuais na Empada do meu tempo (José Teixeira / Arménio Estorninho, "maiorais" da CCAÇ 2381, 1968/70)


Guiné  > Região de Quínara > CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70) > 1968 > Postal de boas festas natalícias... Foto do álbum do Zé Teixeira.




Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba ou Empada (?= > 2005 > "E,m abril de 2005... tal como em 1968" (JT)






Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > CCAÇ 2381 > 1968 > O 1º cabo Teixeira no início da sua comissão," com duas crianças vestidas com a farda da Mocidade Portuguesa". Já época, o Zé era um praticante do escutismo católico. Não sei se já era pelo seu nickname, "Esquilo Sorridente".  Sobre Ingoré escreveu ele: "Foram dias, em geral, alegres e descontraídos, os dias de Ingoré, com o pessoal da CCAÇ 2381 em treino operacional antes de ser colocado no sul (Buba, Empada, região de Quínara)" (JT).


Fotos (e legendas): © José Teixeira (2006). Todos os direitos reservados [Edição: L.G.]

1. Três comentártios ao poste P11338:

(i) Luís Graça, editor [,  foto à direita, Candoz, páscoa, 2004]

Zé: Escreveste no teu diário: “Empada, 5/7/1969: (…) A situação moral é caótica. O sexo avança em toda a linha. Quase todas as jovens lavadeiras se prostituem por dinheiro.”

Era a tua perceção, na época. Seguramente que te baseaste na “evidência empírica”, em factos conhecidos, da tua experiência… Mas mesmo assim há sempre o risco da “generalização abusiva”… Fazemos isso todos os dias a partir das nossa experiência pessoal… É o que eu chamo “sociologia espontânea”, podendo no entanto levar-nos a tirar conclusões erradas…

De um modo geral, pode dizer-se que há um pouco de cientista social em cada um de nós. De certa forma, todos nós fazemos sociologia espontânea, psicologia espontânea, epidemiologia espontânea, investigação espontânea. Por exemplo: Quem é que, não sendo médico, não fez já automedicação para lidar com um problema de saúde ? Quem é que não tem uma teoria qualquer para explicar os trágicos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001? Quem é que não aplica, na educação dos seus filhos, certas teorias explicativas do comportamento infantil? Quem é que não gosta de especular sobre a eficácia do comportamento do líder nos grupos e nas organizações? Quem é que não se sente capaz de comentar, numa roda de amigos, os resultados de uma eleição para a Assembleia Nacional ou a vitória de um candidato populista, à revelia das máquinas partidárias ou o peso do partido da abstenção ? Quem é que não tem uma teoria espontânea para ‘explicar’ as alterações climáticas ?

Enfim, os exemplos seriam infindáveis… Tu também tens o mesmo direito de afirmar, a partir do conhecimento da situação local, em Empada, em 1969: “O sexo avança em toda a linha. Quase todas as jovens lavadeiras se prostituem por dinheiro.” E comentar: “A situação moral é caótica”…

Mas o que eu gostava de saber era o seguinte. 

(i) Manterias, ainda hoje, esta afirmação, com o conhecimento que tens da Guiné de ontem e de hoje ?; 

(ii) A situação era igual noutras povoações por onde passaste, como Buba, Mampatá ou Aldeia Formosa ?; 

(iii) Havia diferenças entre as lavadeiras cristãs, animistas ou islamizadas (fulas, mandingas, beafadas) ?

Num território em guerra, num terra como Empada, onde havia algumas centenas de militares, deslocados, homens, jovens, brancos e negros, era natural que se criasse um “mercado do sexo”. Acontece em todas as guerras… Mas dizer que “quase todas as lavadeiras” faziam “favores sexuais” pode ser abusivo… ou exagerado. Ou provavelmente, não.

Tiras essa conclusão a partir de um número necessariamente limitado de casos… Não tinhas, nem nós tínhamos, nem ontem nem hoje, estatísticas sobre este problema (ou outros, afins, respeitantes à relação da tropa com a população).

De qualquer modo, temos aqui um problema interessante para discutir no blogue, com bom senso, ponderação e cautela. Só podemos invocar a nossa experiência, limitada. Se queres o meu depoimento, digo-te que tive em Bambadinca uma lavadeira mandinga, e nunca lhe pedi “favores sexuais” nem ela mos ofereceu. Pagava-lhe o que era justo pelo seu trabalho de lavadeira. E não mais do que isso. Quanto ao resto, ia às “meninas de Bafatá” de tempos a tempos… Por outro lado, a maior parte de nós não tinha “quartos privativos", com exceção talvez dos nossos comandantes… E era mais fácil “partir catota” na tabanca do que no quartel…

Zé: eu sei que eras (e és) um católico (,presumivelmente praticante), tinhas e tens a tua ética e fé cristãs, e que nessa época chocava-te a “miséria moral” a que se tinha chegado em Empada…

Como sabes, sempre apreciei a tua autenticidade e franqueza, valores que não são de hoje. Recebe este comentário com (bom) humor... Um xicoração fraterno. Luis Graça

Quinta-feira, Abril 04, 2013 9:16:00 PM
 
(ii) Arménio Estorninho [ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70)

Caro Irmão Maioral Zé Teixeira:  da leitura feita concordo quase no seu todo no descrito e relevando o acidente do Sold Cond Auto Albino Carneiro de Oliveira,  o "Cantiflas", não ridicularizando no seu todo [a tua frase:] "em Empada, em 1969, o sexo avança em toda a linha."

Quanto ao "Cantiflas" que,  depois de um duche e ainda molhado, fora apanhado desprevenido ao tocar nas pontas descarnadas de um cabo eléctrico e que tinha sido retirado de um candeeiro... Tal acidente deveu-se porque a lâmpada de um candeeiro não acendia, para verificar o motivo fora chamado o eletricista e,  tendo concluído que não era avaria do candeeiro mas do cabo de ligação, por isso iria substitui-lo (eu estava presente). No entanto ele esquecera-se de executar o serviço.

Conquanto à noite fora posto em movimento o gerador elétrico, em que o fio condutor ficou com corrente e como o neutro estava partido por isso não fechava o circuito.  Assim, por negligência,  deu-se a morte de um camarada e bom amigo.

Recapitulando sobre o "sexo em Empada, em 1969," não concordo no excesso e na generalização.  Pois,  tirando aquela meia dúzia de bajudas que eram do conhecimento geral, que se acomodaram a outros tantos "felizardos" e não se indicam os seus nomes... Quanto ao resto eram situações isoladas em que quem tinha quarto ou abrigo semiprivado, tinha a possibilidade de receber visitas e com a canção do bandido em "troca de" era ofertado algo compensatório.

Com um Abraço de Maioral
Arménio Estorninho

Sábado, Abril 06, 2013 2:35:00 PM
 
(iii) Zé Teixeira  [, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381,  IngoréAldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70]

[Foto à esquerda: O Zé, na Tabanca Lisboa, em 2005]


Caríssimos amigos:  Ao reler a frase que escrevi no meu diário de guerra " o sexo avança em toda a linha"...apetece-me rir às gargalhadas. Na verdade,  eram outros os tempos e outra a visão da realidade, sobretudo na área dos afetos.

Eu era um jovem escuteiro católico com ideal de vida projetado para a paz, o respeito pelo outro e a disponibilidade para SERVIR, a viver forçado e contrariado uma guerra. Vivia,  assim, num ambiente de guerra, onde o respeito pelo outro era imposto pela força da G3. Intimamente revoltado, remetia-me a algum isolamento,  a um silêncio que me asfixiava.

Este escrito foi, visto à distância do tempo que curou as feridas, uma generalização abusiva, como diz o Luís Graça,  que resultou do conhecimento de alguns acontecimentos reais que me chocaram como homem, como cristão e como escuteiro.

Nos primeiros tempos de Guiné, em Ingoré, quase nunca saí do perímetro do quartel à enfermaria. 

Em Mampatá vivíamos em comunidade com a população, pois não havia quartel, mas o respeito pela pessoa quer pela atitude do José Belo,  o alferes comandante do Gr Cpmb que logo à partida chamou à atenção para duas realidades concretas: Todos somos homens e todos queremos regressar a casa, para tal temos de conviver com a população de forma a não criar o mínimo atrito. A tabanca era pequena, todos se conheciam e se respeitavam e faziam respeitar. É natural que tenha havido um caso ou outro de intimidade, sem deixar marcas.

Em Buba a azáfama era tanta que não havia tempo para se pensar nestas coisas.

Ao regressar à Guiné, retemperado após um mês de merecidas férias em Portugal, fresquinho de ideias e ideais, chego a Empada onde a companhia se tinha instalado e encaro com as estórias de A, B, C,...O casado com um filho que anda com fulana, o alferes que julgava que era o único e quando deu pela situação, à noite formava-se uma carreirinha à espera de vez....etc. A casa das meninas (duas irmãs), o prometido noivo que era virgem e foi pedir ao camarada para ir falar à catraia para o atender bem e claro o tal camarada foi à frente e quem pagou foi o "noviço"...Tudo isto foi um choque para mim,  aliado ao casp da velhinha que se prostituía por um cigarro que até o fumava com o lume dentro da boca, etc.

Tudo isto provocou em mim um choque,  a juntar a tudo o resto e o desabafo saiu no diário. Bem ou mal está lá, porque reflete um estado de espírito. Exagerado, porque não reflete a verdade. Eram apenas algumas lavadeiras e alguns camaradas e sobretudo era o efeito da realidade humana - seres sexuados. Senti que havia alguma falta de respeito pela pessoa humana, pela maneira como as jovens eram motivadas a fazerem "favores sexuais" pelo valor do dinheiro. Tinha conhecimento de uma jovem na Chamarra que o marido, ao saber que ela estava grávida de um branco, a repudiara e a pôs fora de casa. Enfim! (*)

Zé Teixeira
______________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 26 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11319: (Ex)citações (216): É lamentável que se perfilhe a teoria propagandista do IN/PAIGC, segundo a qual este cercou Guiledje em Maio de 1973 (Carlos Silva)

Guiné 63/74 - P11359: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (14): Como é difícil suportar o calor na época seca... e dormir a sesta

1. Continuação da publicação do Diário de Iemberém, por Anabela Pires (Parte XIV) (*)


[, Foto à esquerda; créditos fotográficos: JERO]

O Diário de Iemberém é da autoria da nossa grã-tabanqueira Anabela Pires, nascida em Moçambique, técnica superior de serviço social no Ministério da Agricultura, reformada, amiga dos nossos grã-tabanqueiros Jero (Alcobaça) e Alice Carneiro (Alfragide/Amadora)...

Em 2012, esteve na Guiné-Bissau cerca de três meses (, de meados de janeiro a meados de abril). Mais exatamente, em Iemberém, Parque Nacional do Cantanhez, região de Tombali, onde esteve a trabalhar como voluntária no projeto do Ecoturismo, da AD - Acção para o Desenvolvimento. Devido ao golpe de Estado de 12 de abril , acabou por sair da Guiné-Bissau, por razões de segurança, passando  um mês em Dacar, no Senegal. Regressou a Portugal, fez agricultura biológica e, neste momento, vive na Índia, em Auroville (onde pensa ficar até meados deste ano).

Chegou em Iemberém no dia 17/1/2012. E ficou hospedada nas instalações locais da AD, a ONGD que é dirigida pelo nosso amigo Pepito. Levou o seu portátil, mas não trem internet. E luz elétrica só há 4 horas por dia (LG).


17 de Março de 2012

Há uma semana que não escrevo! Faz hoje 2 meses que cheguei a Iemberém! O calor começa a incomodar! Mesmo aqui dentro de casa, se estou a fazer algum trabalho físico/manual o suor cai “em bica”! Estivemos 15 dias sem energia elétrica e 12 sem água nas torneiras, mas já passou! Chegou um gerador novo e já temos 4 horas de luz por dia e água nas torneiras (que só tenho na casa de banho). E …EUREKA … já tenho impressora a funcionar! E papel A4! Falta a Internet mas esta já tenho muito pouca esperança ...

Esta última semana foi um bocado complicada pois no Domingo, dia 11, foram-se embora as visitas e clientes que cá estavam e só tínhamos uma reserva de 4 pessoas para 3ª feira, dia 13. Pois nesse dia, além dos “reservados”, apareceram 3 dinamarqueses e 1 sueco com 3 acompanhantes guineenses, 2 espanhóis e 1 acompanhante guineense, e no dia 14 mais 3 franceses. A Satú teve de ir a Bafatá, ao funeral de um tio, e eu tive de ajudar no restaurante.

Para compensar a “canseira”, comecei na 2ª feira as aulas de português para as pessoas que aqui trabalham e que querem aprender. Comecei com 6 mulheres, das quais 2 são analfabetas, muito embora já tenham frequentado cursos de alfabetização, e 1 homem. Tirando a Mariama e a Duturna todos os outros têm alguns anos de escolaridade. O Canha fez a 7ª classe mas como quase nunca falava português e a escolaridade é de muito baixa qualidade está a reaprender. A heterogeneidade do grupo torna a formação um pouco mais difícil mas eles próprios acharam que eu devia fazer uma só turma.

Agora tenho também o Gassimo, o menino meu amigo que vai fazer 15 anos e que é filho da Mariama e talvez venha também a Mimi que é a mulher do Abdulai, técnico da AD. O Gassimo está a preocupar-me. Eu já tinha percebido que ele tem um coração de ouro mas não é muito inteligente. Ainda só anda na 2ª classe e só este ano foi para a escola de um dos padres brasileiros. De vez em quando batalho com ele na tabuada. Está agora a aprender a dos 4. Como ele, apesar de lidar comigo quase todos os dias, continua a perceber-me muito mal e quase não diz nada em português, sugeri-lhe que viesse às aulas. E agora estou preocupada pois não sei se o menino não terá dislexia. Queria ter Internet para pesquisar os sintomas desta perturbação mas não tenho. E aqui não tenho ninguém a quem recorrer. Vou tentar falar com a Tumbulu, a nossa enfermeira, mas não sei se ela saberá alguma coisa do assunto.

[Foto, à direita: Meninos de Iemberém, 6 de dezembro de 2009. © João Graça (2009. Todos os direitos reservados (Edição: L.G.]

Ontem falei disto com o Abubacar e ele contou-me que o Gassimo pertence a uma família que tem já vários
casos de “loucura” que começaram com a sua avó paterna. Tem 2 tias que andam por aí a falar sozinhas e o pai parece que às vezes também já o faz. Para a maioria das pessoas daqui isto é uma “praga” da família e parece que começa a haver alguma relutância dos homens em se casarem com mulheres da família, que, diga-se, são lindas. Ora, isto deve ser um problema neurológico, transmissível, mas aqui não há como sabê-lo e menos ainda como tratá-lo ou preveni-lo. 

Vou continuar a tomar atenção ao Gassimo e quando tiver oportunidade tentarei contatar a Dra. Sónia (a médica alemã que cá esteve). Ela e o marido “apadrinharam” o sobrinho do Gassimo e,  como têm a ONG chamada “Tabanka”,  na Alemanha, através da qual financiam aqui muitos projetos, e até fala crioulo, será a pessoa certa para ver o que se passa com esta família. Nas aulas vi que o Gassimo é canhoto mas o que me preocupa é o facto de, quando lhe peço para escrever alguma coisa no quadro, ter a sensação de que ele troca letras. Vou continuar a observar e a trabalhar com ele individualmente para tentar perceber se o menino terá alguma dificuldade especial. 

As aulas têm sido divertidas mas as pessoas faltam muito e assim não sei o que vão conseguir aprender. Estou a seguir o método de alfabetização através de um manual que os professores portugueses que aqui vieram logo quando cheguei fizeram o favor de me oferecer.

As minhas rotinas começaram a ser alteradas. O Pepito recomendou-me que deixasse agora o pessoal dos alojamentos à vontade para ver o que fazem sozinhas. Assim, depois da aula de português que é às 8.30 da manhã,  venho para casa e começo a fazer com mais intensidade outros trabalhos no computador ou falo com a Maria Pónu sobre questões ainda pendentes nos alojamentos. Tenho muitos documentos para trabalhar no computador e agora que já tenho impressora – das 19 às 23 horas – será muitíssimo melhor.

Almoço a hora variável, normalmente entre as 13 e as 14 horas,  e a seguir ou tenho um trabalho em que me mexa ou tenho de dormir a sesta. Trabalhar no computador depois do almoço e com este calor não dá! Adormeço à mesa de trabalho. 

O Pepito está sempre a recomendar-me que durma a sesta mas isto é um problema para mim pois levo uma meia hora a adormecer e depois tenho de dormir 2 horas e mais meia para me pôr de novo capaz de fazer alguma coisa, são 3 horas que me fazem falta! Esta semana não dormi dia nenhum depois do almoço pois arranjei sempre alguma coisa para fazer que não fosse estar à secretária.

(Continua)
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 3 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11336: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (13): Um batizado muçulmano

Guiné 63/74 - P11358: Meu pai, meu velho, meu camarada (38): Evocando a figura de Luís Henriques (1920-2012) que há precisamente um ano se despedia da terra da alegria (Luís Graça / Pedro Martins)


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 1942 > "No dia em que fiz 22 anos, em S. Vicente, C. Verde. 19/8/1942. Luís Henriques " [, 1º cabo inf, 3º Companhia, 1º Batalhão, RI 5, Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, 1941/43, entretanto integrado no RI 23].


Lourinhã > c. 1920 > A mãe, muito querida, de Luís Henriques, que morreu, em 1922, quando ele tinha 2 anos de idade. O meu pai tinha raízes na Lourinhã: pelo lado do seu pai, Domingos Henriques  , no Montoito, e pelo lado da avó materna, Maria Augusta de Sousa, em Ribamar (clã Maçarico). Sua mãe, Alvarina de Jesus, morreu jovem, em 1922, de tuberculose, fato que o marcaria para toda a vida: a mãe nunca lhe pôde dar um beijo, afagava-lhe o rosto com a ponta dos dedos!... E nos seus três últimos dias de existência, em que eu tive o privilégio de o acompanhar no seu leito de morte, evocou o nome da mãe Alvarina, por mais de um vez. Tinha uma enorme afeição por ela. O pai, Domingos Henriques, casou três vezes: do primeiro casamento, não teve filhos; do segundo teve dois, Luís e Domingos; e do terceiro, teve onze... Era um homem remediado, com "sete propriedades": arruinou-se com os amigos e com tantos... filhos. Ainda o conheci, de muletas e de beata ao canto da boca... (LG).


Lourinhã > 6/12/1942 > Nazaré, Maria Adelaide e Ascensão, três vizinhas e amigas de Luís Henriques, fotografada na ponte sobre o Rio Grande, Lourinhã Foto enviada para o amigo e vizinho, expedicionário em Cabo Verde, com "votos de verdadeira e sincera amizade". A primeira parte da legenda é ilegível. Lembro-te de todas elas. A Maria Adelaide já morreu. Da Ascensão perdi-lhe o rasto. A Nazaré, conhecia-a bem, era a tia da Mariete, a família toda foi para a América, com a família no em meados dos anos 50. E julgo que casou lá... Será que ainda é viva ? Era "ajuntadeira" (costureira de calçado), e trabalhou muito para o meu pai, sapateiro, que dava trabalho a muita gente na Lourinhã. Lembro-me bem a ti Adelina, mãe da Nazaré, nossa vizinha, e que era um, espécie de curandeira lá do bairro... Nós morávamos na rua dos Valados, ou do Castelo, e elas na rua, paralela, a do Clube... Quando puto, e quando doente, ela - a tia Adelina - aplicava-me as suas mezinhas, receitas da medicina popular com séculos de eficácia simbólica e terapêutica... Lembro-me, com repulsa, das suas unturas, na garganta, feitas com merda e gordura de galinha, para tratar da papeira... (LG)


Lourinhã > s/d [. década de 1940] > Julgo tratar-se da comissão de festas da Confraria de N. Sra. dos Anjos, de que fez parte o meu pai [,o primeiro á direita], mas também o seu primo António de Sousa, já falecido, músico, saxofonista,  fundador do conjunto  Dó Ré Mi [, primeiro à esquerda] e o meio-irmão do meu pai, José, de alcunha Vassourinha [, segundo à esquerda]... Reconheço ainda o seu primo Abel Sousa, o quinto a contar da esquerda, entre o João Pinheiro e o Rei (tesoureiro da CML)... Reconheço ainda o pai do meu querido e falecido amigo João Manuel Delgado: era carpinteiro,  o quarto a contar da direita.. (LG).


Cabo Verde > S. Vicente > Julho de 1942 > "Num dos quintais dos aquartelamentos do Monte num grupo de amigos e, entre eles, Luís Henriques [, o segundo do lado esquerdo, na 2ª fila,] que ia para os treinos do voleibol".


Cabo Verde > S. Vicente > 1/12/1942 > "Uma das fases do jogo de voleibol no dia da festa da Restauração, organizada pelo R. I.  nº 5, em Lazareto, 1/12/1942, S. Vicente, C.Verde. Luís Henriques".



Cabo Verde > S. Vicente > 1943 > Postal da época, "Coladeira do S. João"  [ou cola san djon] >  Legenda no verso da foto (a tinta verde, já quase ilegível): "Dançando o batuque (sic) na Ribeira de São João, no dia de São João , no interior (?) de São Vicente. Luís Henriques. 24/6/1943". [A festa de São João Baptista  continua a ser uma das festividades maiores das ilhas do Barlavento  e da comunidade caboverdiana da diáspora, por exemplo, no bairro da Cova da Moura, Amadora; ainda hoje, "em São Vicente a festa decorre na Ribeira de Julião, localidade que dista poucos quilómetros da cidade do Mindelo. Mesquitela Lima descreve-a como uma espécie de romaria onde há de tudo um pouco: Missa, comeres, beberes e dança, acompanhada de tambores e de apitos. A dança é a umbicada. A anteceder o dia de São João Baptista, coincidindo com a festa pagã do solstício de Junho, há o tradicional saltar da fogueira (lumenaras)" .

 Fotos: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados [Legendas de Luís Henriques e de L.G.]


Lourinhã > s/ d [, c. década de 50] > Praça da República: praça dos automóveis de aluguer. E, ao fundo, a Rua Grande. Postal ilustrado. Edição do GEAL - Museu da Lourinhã. [Reproduzido com a devida vénia].

Do lado esquerdo, não visível na foto, ficava a Escola do Ensino Primário Conde de Ferreira onde eu estudei (1954/58), infelizmente já deitada abaixo tal como o coreto, ao lado da Igreja Matriz, antiga igreja do convento dos Franciscanos (e moinumento nacional). O coreto  vê-se melhor  na foto a seguir...

A rua que se vê ao fundo era (e ainda é) uma rua bonita, do Séc. XVIII... Para nós, era a Rua Grande, por onde passava todo o trânsito local, regional e nacional (Felizmente, hoje é uma rua pedonal)...

A política do bota-abaixismo do presidente da Câmara Municipal, Licínio Cruz  (, lourinhanense, e ainda para mais arquiteto!), deposto com o 25 de Abril de 1974, levou à perda deste belíssimo património edificado, a escola e o coreto... O edifício, nas traseiras da praça de táxis, também já não existe... O resto da Praça da República mantêm-se de pé, em especial os edifícios do lado direito  (antigos edifícios da Repartição de Finanças e do Tribunal da Comarca; neste último está instalado o Museu da Lourinhã - ou Museu dos Dinossauros -  onde se pode ver uma das mais valiosas colecções paleontológicas da Europa). (LG).



Lourinhã > s/ d [, c. década de 50] > Praça da República: o velho coreto [, demolido no princípio dos anos 70,]. Este foi um dos  lugares (mágicos) das brincadeiras da minha infância: era aqui, neste empedrado que, na hora do recreio escolar, jogávamos ao "hoquei em patins"... sem patins e com "sticks" de pau de tramagueira... Era também aqui que ouvíamos os concertos da Banda da Lourinhã, fundada em 2 de janeiro de 1878... Postal ilustrado. Edição do GEAL - Museu da Lourinhã. [Reproduzido com a devida vénia]. (LG).


1. Faz hoje um ano que se despediu desta terra da alegria (parafraseando o título do último livro do poeta Ruy Belo, publicado em vida, Despeço-me da terra da alegria, 1978) o homem simples e bom que foi o meu pai, meu velho e meu camarada Luís Henriques (19/8/1920-8/4/2012).

Reproduzo aqui, com a devida vénia, um texto de opinião, do jornalista da RTP, Pedro Martins, lourinhanense, publicado no blogue Lourinhã Local, e que é um singela e sincera homenagem ao seu antigo treinador, Luis Henriques, popular e carinhosamente conhecido como o Ti Luís Sapateiro...

A Lourinhã, a sua terra, Cabo Verde (e em particular a ilha de São Vicente), onde esteve 26 meses como expedicionário durante a II Guerra Mundial,  e o futebol, de que foi praticante e treinador, foram três paixões do meu pai. Recordá-lo é cultivar a sua memória e cultivar a memória é de algum modo, tentar imortalizar alguém, mesmo que essa seja uma forma, ingénua  mas muita humana, de lutarmos contra o efeito devastador e irreversível da morte que nos aparta, para sempre, dos nossos entes queridos...

Ainda ontem estive no cemitério da Lourinhã, junto ao seu jazigo. E falei com ele, em voz alta,. como costumo fazer, sem receio do ridículo. É a minha maneira, muito pessoal, a par da escrita e da fotografia, de fazer o luto pela sua perda. Faz hoje um ano, que ele se despediu de nós, para sempre. Escolheu um domingo de Páscoa, e uma manhã soalheira para se despedir da terra da alegria, e daqueles de quem mais amava, os seus filhos, netos e bisnetos... Já a sua  "Maria, minha cachopa", a viver no mesmo lar em que ambos estavam, desde 2008,  ainda hoje tem a convicção que ele anda por ali perto: "não está aqui, foi trabalhar"... Para mim, e para a sua família e amigos, ele estará sempre por ali, nos labirintos da memória, mesmo que eu oiça o poeta (e meu vizinho, ali da Praia da Consolação) dizer:

(...) Chegou enfim o tempo do adeus
Ouço a canção efémera das coisas
despeço-me da terra da alegria
já reconheço a música da morte (...)

(Ruy Belo, in Todos os Poemas. Lisboa: Assírio & Alvim, 2000, p. 624) (LG)


3. Blogue Lourinhã Local > 26 de fevereiro de 2013 > ; "Ti Luís Sapateiro - o mestre do fair-play", por Pedro Martins

Os recentes incidentes durante os jogos Sp. Braga-Paços de Ferreira e V. Guimarães B-Sp. Baga B voltam a colocar,  em primeiro plano da atualidade desportiva, a questão da violência nos recintos desportivos.

A possibilidade que os clubes têm atualmente – em tempo de crise  –  de poderem poupar uns trocos no policiamento é uma verdadeira bomba relógio. Afinal como é possível que em certos jogos sejam os stewards (assistentes de recintos desportivos) os únicos a zelar pela segurança de todos?!

Receio realmente que a situação possa ainda piorar mais no futuro, caso os responsáveis governamentais e do futebol português não alterem um regulamento que é um verdadeiro aliado daqueles “adeptos” que se deslocam aos estádios (ou pavilhões) apenas com um intuito: o de derrotar/aniquilar os inimigos através da violência física.

Será que vai ser preciso esperar por uma morte num estádio para tomar medidas drásticas? Não quero acreditar nessa hipótese. E nem de propósito. Este domingo ao fazer um jogo de futsal tomei conhecimento de uma importante e louvável iniciativa dos responsáveis pela modalidade no Sporting. Durante uma semana, atletas, treinadores e dirigentes do clube, mas também alunos de várias escolas do concelho de Odivelas, tomaram contato com o Plano Nacional de Ética no Desporto (PNED).

Mas afinal o que é o PNED? Nada mais, nada menos que um conjunto de iniciativas planificadas por parte do governo que visam promover os valores inerentes à prática desportiva, como o fair-play, o respeito pelas regras do jogo, o respeito pelo outro, o jogo limpo, a responsabilidade, a amizade, a relação e a interajuda entre todos os agentes desportivos.

Algo que tem de ser incutido aos desportistas logo em criança mas também, e acima de tudo aos pais, muitas vezes os primeiros responsáveis por situações delicadas no desporto mais jovem, principalmente no futebol.

Quem já não assistiu a um jogo de formação e ficou horrorizado com o comportamento de alguns pais nas bancadas? Um péssimo exemplo para os filhos, numa altura em que estes estão a dar os primeiros passos no desporto.


Estádio do Sporting Clube Lourinhanense (SCL) > 8 de fevereiro de 2003 > Homenagem, ainda em vida, ao sócio nº 1 do SCL, Luís Henriques (1920-2013). Ao centro, o meu pai, já de muletas, tendo à sua direita o presidente do município, José Manuel Custódio (, e também presidente da assembleia geral do clube), e à esquerda o diretor do SCL, Miguel Fernando Oliveira Pinto (O SCL foi fundado em 26 de Março de 1926, sendo a filial nº 24 do Sporting Clube de Portugal.  (LG)

Foto: Cortesia do blogue Lourinhã Local (2013) e do blogue do neto, André Henriques Anastácio (2012)



E depois também não nos podemos esquecer do (importante) papel que têm os treinadores no crescimento desportivo dos jovens atletas. São eles os primeiros a ensinar que não se pode ganhar com batota, que é preciso respeitar os adversários e os árbitros, além de que devem também ser eles a exigir aos jovens o máximo de fair-play, combater a violência e proibir o tal jogo duro.

Daí que não possa deixar de aqui recordar com muita saudade o ser humano que maiores conhecimentos me transmitiu no futebol, ainda nos meus tempos de criança na Lourinhã. Não esquecendo aquele que foi o meu primeiro treinador (o senhor Germano, do Casal Juncal), foi no entanto o Ti Luís Sapateiro a pessoa que sem dúvida me marcou mais quando comecei a dar os meus primeiros passos como desportista. A mim mas não só. Pelas mãos deste treinador “à moda antiga” passaram muitos jovens do concelho da Lourinhã.

Infelizmente o Ti Luís Sapateiro deixou-nos há cerca de um ano mas a sua memória continua bem viva. Aquele que chegou a ser o sócio número um do Lourinhanense tinha sempre uma palavra amiga, um sorriso no rosto e um enorme respeito por todos os agentes desportivos. Ainda hoje recordo com muita saudade, os conselhos que nos dava... e quase sempre em frases que rimavam.

Que falta fazem hoje em dia, no desporto português, pessoas como o Ti Luís Sapateiro.

Pedro Martins

[Reproduzido aqui com a devida vénia]
______________

Nota do editor:

Último poste da série > 19 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11275: Meu pai, meu velho, meu camarada (37): Memórias do Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, no dia do pai...

Guiné 63/74 - P11357: Parabéns a você (559): José Augusto Ribeiro, ex-Fur Mil da CCAÇ 566 (Cabo Verde e Guiné, 1963/65)

____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 7 de Abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11352: Parabéns a você (558): Fernando Belo, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 8323 (Guiné, 1973/74) e Mário José Azevedo, ex-Fur Mil da CCAÇ 6 (Guiné, 1970/72)

domingo, 7 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11356: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (31): 32.º episódio: Memórias avulsas (13): Como uma canção bem cantada pode ser uma dissuadora arma de guerra

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 25 de Março de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

13 - COMO UMA CANÇÃO BEM CANTADA POR QUEM SABE, PODE SER UMA DISSUADORA ARMA DE GUERRA

Íamos partir de Mansabá, para tomar posse do K3, que já estava quase concluído graças à CCAÇ 1421, se é que podemos dizer "concluído", ao facto de os abrigos estarem prontos pelos quatro cantos e onde coube toda a 1422.

Coluna organizada e à frente iria a Daimler, mais vulgarmente chamada "o piolho".
Tratava-se d'uma auto-metralhadora semi-blindada, que iria disparando para a mata, durante a progressão e mais própriamente junto aos locais onde já antes houveram existido emboscadas ou flagelações.

Tinha no exterior um morteiro 60 e um banco acoplados pela rapaziada engenhosa das "mecânicas auto" e lógicamente que era ali necessária, quando em viagem, a permanência dum elemento que soubesse trabalhar c'o canhão.

Auto Metralhadora Ligeira Daimler

Foto do nosso camarada Carlos Pinto, ex-1.º Cabo Condutor-Apontador Daimler do Pel Rec Daimler 2208


Tal como nos bailes onde se me atrasasse me saía a mais feia, também ali me calhou tal sorte. Encomendaram-me essa missão, mas compreendi, modéstia à parte... eu era o especialista... eu era o mais bom melhor, e já que ali teria de ir, sentado em poltrona d'aço verde, pelo menos seria o primeiro de duas coisas:

1ª - Ou a enfrentar o inimigo e levar um balázio nas trombas;
2ª - Ou no destino, receber as honras de primeiro a chegar.

Subi para o poiso, conjuntamente c'a minha Vat 69 a fim de ganhar embocadura para a viagem, aconcheguei-me emborcando antes, quase metade da dita cuja.

Passados que foram dois ou três quilómetros, começou-se-me a vir à memória a minha santa terrinha e o Conjunto musical "Sôr-Ritmo", pois então.
Tinham lá um vocalista fora de série, um tal de Veríssimo Ferreira, que encantava e deliciava as jovens d'então e também as suas próprias respectivas, mães.


E vai daí... atento venerador e obrigado a ir ali exposto e sem defesa possível, comecei a trautear, qual Chatotorix, uma coladera que aprendera a dançar há dias, no Pelundo, só que às tantas, entusiasmei-me, e lá foi em alta voz a "Nha Bolanha"*.

Avisado fui, ao que soube mais tarde, para me calar, mas com aquela barulheira de tantas viaturas, nada ouvi e fui bisando continuadamente, os versos que sabia.

Chegámos sem problemas, caso único e nunca mais repetido, mas ficou-me sempre a mágoa do não saber porquê de não nos honrarem com qualquer ataque, ou ao menos ter sido accionada uma minazita que fosse.

Seria porque me viram ali na frente e acagaçaram-se? Ou seria porque abominaram a minha voz?
Bom... apeámo-nos e lá fomos observar o hotel.

O abrigo que me fora destinada estava nos conformes. Descíamos quatro degraus, depois mais cinco para a esquerda e ali estava a suite. Embora não época das chuvas, o chão ladrilhado de terra encarniçada, tinha já dez ou mais centímetros d'agua, o que era porreiro mesmo e propício à propagação da matacanha, bichinho comichoso, como sabem.

Os locais para dormir eram dez, tantos quantos éramos, dispostos em cinco grupos, ou seja um por cima e outro por baixo. Fizeram-se as escolhas e a mim tocou-me o último em cima, mas com visibilidade para a seteira do abrigo o que era óptimo pois que assim até poderia reagir, deitado.

Ali mesmo ao lado, em baixo, ficava a vala que nos levava de gatas, ao local donde dispararíamos o morteirómetro se atacados, o que aconteceu logo nesse fim de tarde. Não havendo necessidade de fazer a cama que lençóis "cá tem" entretivémo-nos a tentar tapá-la com a lingerie possível a servir de mosquiteiro, que também "cá tem".

Depois, hora para o remanso, que aproveitei para procurar o bar. Bem no meio do aquartelamento, lá estava o malandro e também debaixo do chão e que surpresa foi verificar que nada faltava do que eu utilizava por questões medicinais.
Ele havia wisky's... tintos e brancos... cervejas... Gin... e coca-cola que na Metrópole estava proibida, e até frigorífico a petróleo, vejam bem !!!

Acalmei a sede, afinfei duas sandes de pão com pão e levei dez sagres de seis decilitros para os meus. Enquanto bebíamos cá fora chegaram as boas-vindas inimigas e lá se foi o jantar que por acaso nem havia sido confeccionado ou sequer planeado.

(continua)


Filme de autoria do nosso camarada Jorge Félix, ex-Alf Mil Pilav, tendo como tema musical "Nha Bolanha" 
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 24 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11306: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (30): 31.º episódio: Memórias avulsas (12): Acção psico-social

Guiné 63/74 - P11355: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (43): Eu, aprendiz de perfeito, apresento-me

1. Em mensagem do dia 25 de Fevereiro de 2013, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, QuinhamelBinta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma memória do seu tempo de estudante.


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES

43 - Eu, aprendiz de prefeito, apresento-me!

Em Setembro de 1960, fiz, em Aveiro, a minha última cadeira do 7º ano, Literatura Portuguesa, ficando, assim o curso liceal concluído. No mês seguinte candidatei-me a caloiro na Faculdade de Letras de Coimbra; o exame de aptidão correu mal e… mandaram-me voltar lá no ano seguinte.
Uma grande injustiça! Digo eu, claro!

Para me preparar para o mesmo exame de aptidão à Universidade, em Janeiro de 1961, voltei ao COA. Entendi que não seria necessário passar lá um ano lectivo completo, pois o meu trabalho – aprender mais umas coisas de Inglês e Alemão – o suficiente para não borregar de novo, não exigiria – imaginei – tanta dedicação, tanta azáfama que me ocupasse todo o tempo de que dispunha, entre as 07h e as 22h; claro que neste espaço de tempo estava incluído o tempo de recreio e para comer. Mesmo assim, haveria tempo para uma qualquer ocupação extra-curricular que pudesse proporcionar-me algum benefício material.

Conversei com o Sr. Almeida – Homem que sempre admirei, mesmo tendo em conta as duras regras que nos eram impostas – e por quem tive sempre grande admiração, estima e respeito. Dada a minha maneira muito pessoal de transmitir factos, poderá haver quem pense o contrário por essa minha pecha ou por esconsos motivos indecifráveis.
Seja como for, o melhor é conversar e pôr os pontos nos ii.

Propus (roguei) ao Sr. Almeida que me arranjasse um “tacho” mesmo que pequeno, pois um grande “tacho” não estaria disponível para mim. A sua resposta foi imediata e precisa, de tal maneira que me passou pela cabeça que ele já teria ponderado aquele assunto; certamente, não teria, mas ficou mesmo essa imagem.

Eis a sua douta decisão:
- Ficas como adjunto do Sr. Correia, substituindo-o, na sua ausência, se estiveres disponível; sempre que no salão de estudo houver mais alunos que lugares, principalmente das 17h00 à 19h00, tomas conta de um grupo de alunos mais novos numa das salas da Primária, no piso de cima; depois do almoço, enquanto o portão dos rapazes estiver aberto, ficas incumbido de não permitir que os alunos se aglomerem lá, implicando com as alunas que por ali vão passando; em contrapartida, não pagas alojamento nem alimentação – Está bem assim?

Respondi que concordava com as condições propostas e que iria cumpri e fazer cumprir as regras habituais emanadas da direcção.
Ordenou que o acompanhasse e, na minha presença, transmitiu ao Sr. Correia, o prefeito, as condições acordadas… verbalmente. Tudo funcionou, talvez melhor, do que se houvesse papel passado – nada melhor do que a boa fé entre as partes envolvidas.

Pareceu-me que o negócio não era mau de todo, embora eu, pessoalmente nada ganhasse com ele; o único beneficiado era o meu pai que deixou de pagar determinada verba. Mas… avante!

O mais interessante das minhas incumbências era afastar a rapaziada dos terrenos próximos do portão para que não molestassem as garotas com os seus despropositados (ou não) piropos. Eu sentava-me numa fiada de pedras mais afora da parede do edifício principal e, no cumprimento da minha superior missão, fumava (apenas queimava) o meu cigarro (felizmente nunca soube o que era o vício do fumo); logo apareciam uns voluntários para me fazer companhia – “lavavam” ali os olhos e fumavam sem ser obrigados a deslocar-se ás instalações sanitárias.
Lembram-se, certamente, que, apenas os alunos do 3º ciclo e os mais crescidos do 5º ano, podiam fumar… mas apenas nas instalações sanitárias.

Antes da construção do ginásio, havia um sanitário único para todos os alunos; ficava na parte mais alta do antigo recreio, frente ao salão de estudo, e de “costas voltadas” para o quintal com laranjeiras (e que boas eram aquelas laranjas!) do senhor arquiteto Gaspar; era um dos mestres simpáticos e divertidos e que um dia me disse que o meu desenho “estava com iterícia”; teve a sua graça – pois… toda a gente se riu!

Ao fundo do edifício ficava a “sala de fumo”. Os próprios alunos mais velhos não permitiam que a malta mais nova fumasse – outros tempos! Fumar fora daquele local era absolutamente proibido… arriscado e ninguém ousava sair do ritmo.

Logo estabeleci que só podia estar junto de mim um aluno de cada vez. Fumava o cigarrito e logo dava o lugar a outro. Quando foi acrescentado mais um piso ao internato, eu passei a dormir lá com não sei quantos alunos. Deste modo foi “inventado” o quarto adjunto do velho Correia (e também este temporário).

É justo recordar que o Sr. Almeida nunca me chamou a atenção (repreendeu) por qualquer desmando, desvario ou incumprimento do contrato verbal entre nós estabelecido.

Como aluno universitário visitei o COA várias vezes; cumprimentava os nossos directores e tinha “direito” a almoçar ou jantar lá e creio que uma vez também lá dormi.

Em meados dos anos 70, depois da revolução dita dos cravos (ou dos cravas) passei pelo COA.
A menina Dina, na sua Livraria e Papelaria, informou-me da recente transformação do colégio em Liceu. Solicitei-lhe o endereço do Professor Santos e visitei-o também; senti-me lisonjeado porque ele logo me reconheceu; puxou-me para junto a janela (a vista já não ajudava) e, com alegria, logo comentou:
- “Tu és o Belmiro”! Sem tirar nem pôr.

Saudações colegiais
Fevereiro 2013
BT
____________

Nota do editor:

Vd. último poste da série de 24 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11305: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (42): Desporto no COA - Outras modalidades