1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 25 de Maio de 2014:
Caros camaradas Editores
Em anexo envio uma pequena história que se passou comigo sendo realmente uma
"Histórias em Tempos de Guerra".
Envio também em anexo documentos e fotos que podem ajudar a ilustrar o texto que, naturalmente, terá o destino que melhor entenderem.
Abraços
Hélder Sousa
HISTÓRIAS EM TEMPO DE GUERRA
16 - A CARTA DE CONDUÇÃO
Caros camaradas, amigos e outros…
Aqui vai uma pequena história que vou partilhar convosco esperando que seja suficientemente ‘leve’ para vos provocar um sorriso compreensivo.
Certamente muitos de vós ainda se devem lembrar de uma expressão, agora já caída em desuso, e que era “eh pá, parece que tiraste a carta na tropa!”, quando alguém cometia erros de condução ou mesmo condução perigosa ou “pé pesado”.
Isso era assim porque se dizia que ‘na tropa’ se tirava a carta com muita facilidade, sem rigor, sem exigências, tudo muito facilitado. Acho que havia aqui algum exagero de julgamento mas que esta expressão era um tanto corrente, lá isso era.
Tirei a minha carta de condução automóvel durante o ‘tempo da tropa’.
Foi em Bissau, em Novembro de 1971.
Numa escola de condução ‘civil’, a “Escola de Condução Manuel Saad Herdeiros, Lda,” que se situava na Rua Tenente Marques Gualdes. À séria, com aulas de código e de condução pelas ruas de Bissau e também, já nas últimas lições, na estrada até ao aeroporto.
O mais difícil era arranjar local para fazer “ponto de embraiagem”….
Quase tudo plano, havia três ou quatro sítios onde isso se fazia. Ensaiava-se em todos esses locais e um deles calhava de certeza no exame. A mim foi na pequena rampa de acesso à então “Praça do Império”, vindo do lado do aeroporto. Foi a última manobra e após isso, ficando aprovado, lá se foi comer uma ‘sanduiche’ de queijo da serra na “Pastelaria Império”. Com o examinador, claro!
Para comprovar, junto cópia do “cartão da escola”, do talão do pagamento de 610$00 e também da “requisição de carta”, com todos os elementos identificadores necessários e confirmados pelo Comandante do Agrupamento de Transmissões onde eu estava incorporado, Major João Silva Ramos (o “Raminhos”, como lhe chamávamos, devido à sua pequena altura) e pelo então Chefe da 1ª Rep., Tenente-Coronel Augusto Silveira Reis.
Talão de Caixa no valor de 610$00 (Pesos)
Boletim de inspecção
Até aqui, nada de especial, apenas o facto de ainda não ter visto no Blogue nenhum relato semelhante, embora tenham havido referências a problemas e acidentes de condução.
O que tem de mais curioso é que esta questão de tirar a carta não era, para mim, naquele tempo, naquela época, nenhuma obsessão, ainda não havia a ‘pressão social’ de se ter que ter um carro para ‘melhorar’ o seu estatuto social.
Recordo mesmo que naqueles momentos de folga, entre turnos de serviço “Escuta”, tinha já, uma vez ou outra, conversado com o meu amigo e camarada de curso e serviço, Nelson Batalha, de que já aqui falei e que é meu padrinho de casamento, da vantagem de tirar a carta numa escola de condução que pudesse ministrar formação mais rigorosa. Lembro-me de se ter concluído que seria essa a decisão que ambos tomaríamos e que de facto aconteceu.
Foto da esplanada do Ronda. (Publicada por Francisco Carrola, Facebook.)
Vista exterior da esplanada do Ronda. (Publicada por Francisco Carrola, Facebook.)
A parte caricata tem a ver com uma situação que ocorreu talvez em Setembro de 1971, na esplanada da Pensão/Café Ronda, de que junto umas fotos que retirei da ‘net’, apresentadas no “Facebook” por Francisco Carrola.
Não me recordo como tudo começou mas a certa altura estávamos para aí uns catorze ou quinze em várias mesas juntas, com muita cerveja e algumas coisas para comer, sendo que quem estava ali era o amigo do amigo do amigo, de que apenas conhecia dois ou três deles.
A certa altura, também já não me lembro a que propósito, a conversa chegou até à parte dos “exames de condução” e de “tirar a carta na tropa”. Foram-se dando opiniões, palpites, etc. e tal, e quando me perguntaram o que é que achava, em vez de ser assertivo e dizer o que realmente pensava, que estava determinado a fazer e que realmente fiz, entrei numa de “maria-vai-com-as-outras” entrando na onda do tom geral das observações que se faziam e disse mais ou menos isto:
- “Eh pá, eu também tinha pensado em tirar a carta na tropa mas parece que há por lá no Serviço de Transportes um Alferes que dizem ser um grande filho “da mãe” que tem a mania que é rigoroso e anda a ‘chumbar’ a malta toda e não estou para isso”….
Nessa ocasião, o camarada ‘à civil’ que estava ao meu lado esquerdo “amigo do amigo do amigo”, disse:
- “Olha lá, esse Alferes sou eu e achas que faço mal?”
Acreditam que ia jurar que me pareceu que alguma coisa ‘caiu aos pés’?
Claro que tratei de ensaiar uma ‘retirada estratégica’, balbuciando umas tretas, do tipo de “não era bem isso que queria dizer”, “realmente tens razão”, “é verdade que é preciso evitar que o pessoal vá para a vida civil mal preparado” (afinal tudo o que na verdade acreditava) e outras coisas do género.
Não aconteceu mais nada de especial. Houve compreensão, ficámos amigos e cerca de mês depois estava de facto a frequentar a Escola de Condução.
Sempre que sou tentado em rodear uma questão em vez de a enfrentar de forma séria lembro-me deste episódio, que me marcou verdadeiramente. Até por ter sido uma situação desnecessária.
Um abraço para toda a Tabanca!
Hélder Sousa
Fur. Mil.
Transmissões TSF
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Nota do editor
Último poste da série de 9 DE ABRIL DE 2014 >
Guiné 63/74 - P12957: Histórias em tempos de guerra (Hélder Sousa) (15): O meu amigo Fur Mil Bento Luís, ou a amizade através dos tempos