sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15225: Inquérito "on line" (3): Total de 188 respostas: a maior parte da malta casou-se depois de vir a Guiné... Apenas uma minoria (1 em cada 5) já era casado antes da tropa (11,2%), ou casou-se antes de embarcar (4,8%) ou durante a comissão (4,2%)

O nosso camarada José Augusto Ribeiro e a Adriana:
deram, o nó em 1966, nove meses depois
do regresso dele (**)
Inquérito "on line" desta semana: "SÓ ME CASEI DEPOIS DE VIR DA GUINÉ" (*)


1. Já era casado quando fui para a tropa > 21 (11,2 %)


2. Casei-me durante a tropa, antes de ir para a Guiné > 9 (4,8 %)


3. Casei-me na Guiné, por procuração > 2 (1,0 %)


4. Casei-me durante a comissão, quando fui de férias à metrópole > 6 (3,2 %)


5. Casei-me logo depois de vir da Guiné, nesse ano ou ano a seguir > 84 (44,7 %)


6. Casei-me só mais tarde, dois a cinco anos depois de vir da Guiné > 53 (28,2 %)


7. Casei-me muito mais tarde (mais de cinco depois) > 11 (5,9 %)


8. Nunca me cheguei a casar > 2 (1%)


TotaL= 188 (100%)


Total de respostas: 188
Inquérito "on line", diretamente no nosso bogue, fechado em,  7/10/2015, às 12h30

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 4  de outubro de  2015 > Guiné 63/74 - P15198: Inquérito "on line" (2): resultados preliminares (n=129): a tendência era para a malta se casar "logo depois de vir da Guiné, nesse ano ou ano a seguir" (48% das respostas)

(**) Vd. poste de 2 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15190: História de vida (40): Casei-me, em 31/7/1966, nove meses depois do regresso da guerra; quinze dias depois, embarquei no paquete Império, a caminho de Angola onde trabalhei como professor primário e quadro bancário (José Augusto Miranda Ribeiro, ex-fur mil, CART 566, 1963/65)


(...) Regressei da Guiné no dia 1 de novembro de 1965 e fui colocado como professor na Escola do Magistério de Coimbra.

Casei-me nove meses depois, do regresso da Guiné, no dia 31 de Julho de 1966.  Partimos para Angola 15 dias depois do casamento, no Paquete Império e fui trabalhar como professor em Sá da Bandeira, onde nasceu o meu filho João, que tem agora 48 anos, casado há já 20 anos, mas não tem descendentes.

Em 1968, saí de Sá da Bandeira e fui para Luanda, a 1100 Km, trabalhar no Banco de Angola, para dar oportunidade à minha mulher de ntirar o curso do Magistério. Teve a nota de 17 valores, que nunca ninguém ultrapassou.

Regressei de Angola em 1975 e voltei a trabalhar como professor em Condeixa, até à aposentação em 1999.(...)


Guiné 63/74 - P15224: Notas de leitura (765): “Les Luso-Africains de Sénégambie”, de Jean Boulègue, Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa, 1989 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Dezembro de 2014:

Queridos amigos,
Se há tema que mantenho intacto o seu halo de fascínio e exotismo, quando se estuda a história remota da nossa presença na Guiné são os lançados ou tangomaus, quem está interessado em conhecer mais pode navegar com sucesso no Google.
Este livro de Jean Boulègue é um importante contributo para se perceber o papel dos lançados na constituição das comunidades luso-africanas que floresceram a partir do século XVI. Este autor repertoria os locais da presença luso-africana, a sua atividade comercial, os reinos e as sociedades da Senegâmbia, o papel económico dos lançados, a originalidade da presença destes grupos luso-africanos e como se aculturaram. E, um dia, entraram em declínio quando a França e a Grã-Bretanha estabeleceram companhias majestáticas.
É uma leitura estimulante para conhecer esses aventureiros, fugitivos e presidiários que lançaram as bases das trocas comerciais nesta região da África Ocidental.

Um abraço do
Mário


Os luso-africanos da Senegâmbia

Beja Santos

Centrados na presença portuguesa do que é hoje a Guiné, esquecemos que esta presença se disseminou por uma área extensa denominada por Senegâmbia, termo ainda corrente no século XIX (veja-se a “Memória da Senegâmbia”, de Honório Pereira Barreto, texto fundamental para se compreender a Guiné do século XIX, que antecede a Convenção Luso-Francesa). Neste amplo espaço que vai das fronteiras do atual Senegal até à Serra Leoa formou-se uma população luso-africana, inicialmente constituída por fugitivos ou aventureiros portugueses, os lançados, os tangomaus, pois lançavam-se à aventura, iam até ao confim dos matos, faziam comércio, constituíam prole ou eram escravizados, tudo dependia das circunstâncias. Vinham das ilhas de Cabo Verde, podiam ser europeus não-portugueses, houve mesmo judeus entre os lançados. O livro “Les Luso-Africains de Sénégambie”, de Jean Boulègue, Instituto de Investigação Científica Tropical, Lisboa, 1989, é uma surpreendente viagem a estes luso-africanos que floresceram na Senegâmbia, fundamentalmente nos séculos XVI e XVII, e que entraram em declínio irreversível no século XVIII, restando escassas presenças a partir daí. Jean Boulègue dá-nos um relato impressivo sobre estes lançados à luz da documentação portuguesa e internacional, como se formou este meio luso-africano, refere os lugares de comércio, nomeadamente nas regiões mais meridionais, vemos igualmente cabo-verdianos misturados nesta imigração. Noutro capítulo, o autor dá-nos o contexto da Senegâmbia, os seus povos, lá estão os Malinke da Gâmbia, os Mandingas e os Wolof, os primeiros negros com quem os portugueses se encontraram.

Para quem pretenda conhecer os estados e as sociedades desta Senegâmbia, o livro dá resposta. A Senegâmbia era partilhada entre duas hegemonias: ao Norte da Gâmbia estava os Jolof, e a Sul o império Mali cujo centro se situava no vale do Niger. Nos Estados aqui existentes e que correspondiam a sociedades muito hierarquizadas, a composição era muito versátil: clãs reais, uma aristocracia de segunda linha, homens-livres, castas artesanais, escravos e os cativos da coroa. O poder régio era absoluto. Isto para dizer que os luso-africanos se inseriam na Senegâmbia na presença de poderes fortes; de uma hierarquia social bastante pronunciada; podiam manobrar facilmente graças à fraqueza do setor mercantil e tinham marginalidade cultural devido ao contexto religioso islâmico.

Vamos encontrar estes luso-africanos na Petite Côte em Rufisque, Portudal et Joal. Havia os resgastes secundários fora destas três localidades principais caso de Punto Sereno (atualmente Pointe Sarène). Mas havia outros lugares, por exemplo André Álvares de Almada menciona Palmeirinha no rio Sina. Encontramos também luso-africanos na Gâmbia, são mencionados por André Donelha na Descrição da Serra Leoa e dos rios de Guiné e de Cabo Verde. É o caso da aldeia de Cação, o porto principal do rio Gâmbia no século XVI.

Jean Boulègue destaca a importância dos luso-africanos na economia da Senegâmbia a par do comércio holandês, espanhol, francês e inglês. O monopólio português muito cedo se esbarrondou, as autoridades da região aceitaram o regime da liberdade comercial e os portugueses não tinham meios para intimidar a concorrência. Predominava o tráfico de escravos, mas os luso-africanos passaram a ter um peso económico expressivo e a interessar aos barcos que aqui aportavam, pois negociavam couros, peles de animais selvagens, cera, marfim e até plumas de avestruz. Os luso-africanos comerciavam na Alta Gâmbia, iam até Bambuk comerciar ouro, as fontes que referem estas expedições têm revelado perante a historiografia como controversas e são muitas vezes classificadas como meras hipóteses.

Como se aculturavam os luso-africanos? A língua veicular era o crioulo, em muitos casos mantiveram-se católicos e aceitavam a presença de missionários, havia também judeus. Em termos de aculturação, não era raro praticar a poligamia, o que dava trelas com os missionários. Parte importante do trabalho de Jean Boulègue tem a ver com a inserção dos luso-africanos nas sociedades da Senegâmbia. É bem claro que a sua presença em qualquer um dos Estados e a prosperidade das suas atividades pretendiam antes de mais do soberano local, havia soberanos amistosos e outros não tanto que praticavam inequivocamente a sujeição económica, impondo pesadas tributações, explorando a origem familiar do luso-africano, quando o defunto era mestiço o rei herdava tudo. O autor descreve os aldeamentos e conta uma história de ascensão social, a de Ganagoga, descrito por André Álvares de Almada como alguém que se lançou no reino do Grande Fulo e negociava marfim no rio Senegal, era um lançado de nome João Ferreira, natural do Crato a quem os naturais chamavam Ganagoga que significa na língua dos Beafares o homem que fala todas as línguas. Este reino do Grande Fulo era o Futa-Toro. Richard Rainolds que se encontrava em 1591 na Petite Côte escreveu que no rio Senegal nenhum espanhol ou português pode comerciar com a exceção do português Ganagoga que casou com a filha do rei. Resta dizer que nestes reinos fortemente estruturados da Senegâmbia as ascensões sociais como a de Ganagoga só eram possíveis no quadro dos poderes estabelecidos.

Por volta de 1700 já é reduzida a presença de portugueses nesta região, as lutas entre reinos eram muito acesas e os luso-africanos abandonaram Rufisque e Portudal, com a sua partida o comércio do couro arruinou-se completamente. Por seu lado, a Royal African Company impôs o seu monopólio no tráfico do rio Gâmbia, na segunda metade do século XVII, ainda se mantiveram intermediários luso-africanos e há referências à sua presença em toda a primeira parte do século XVIII. Jean Boulègue observa que Joal se manteve com habitantes luso-africanos até meados do século XIX.

Estes grupos de luso-africanos da Senegâmbia falam das trocas atlânticas na região, primeiramente do monopólio português, a seguir da imposição do monopólio francês e depois da preponderância do comércio esclavagista. Os lançados recebiam apoio dos reis enquanto Portugal sonhava com a sua eliminação, eram concorrência indesejável. Depois tudo mudou com as companhias majestáticas, estes empreendedores foram progressivamente desaparecendo com a clarificação da presença francesa no Senegal, da britânica na Gâmbia e da portuguesa na Guiné das praças e presídios. Os lançados ou tangomaus continuam a fascinar a historiografia das presenças coloniais nestes pontos da África Ocidental. Compreende-se porquê.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15219: Notas de leitura (764): "O Quarteto de Alexandria", escrito por Lawrence Durrell, edição D. Quixote 2012 (Francisco Baptista)

Guiné 63/74 - P15223: Da Suécia com saudade (52): Em 1974, foi criticado, no parlamento, o fornecimento ao PAIGC, sob a forma de ajuda, de produtos como o tabaco e o álcool, considerados nocivos para a saúde e, em 1975, postos na "lista negra" (José Belo)


Página oficial, em inglês, do famoso Systembolaget, o monopólio estatal sueco do álcool.


1. O que é o  Systembolaget ? 

(i)  é uma empresa estatal de lojas de bebidas alcoólicas na Suécia;

(ii) tem o  monopólio da importação, distribuição e venda;

(iii)  é o único sítio onde se podem comprar bebidas com teor alcoólico superior a 3,5%.

O controlo rigoroso da venda e compra de bebidas alcoólicas, assim como a imposição de elevados impostos sobre estas bebidas, faz parte da severa política sueca para evitar os problemas causados pelo consumo exagerado de álcool.

As lojas estatais de bebidas alcoólicas – chamadas popularmente ”systemet” ou ”bolaget” – não vendem os seus produtos a: (i)  menores de 20 anos; (ii) pessoas embriagadas;  ou (iii) suspeitas de venda ilegal. 

Há uma rede nacional de 431 lojas que  vendem cerca de 2400 diferentes bebidas,  da cerveja ao  vinho, do licor à  aguardente, etc. provenientes de cerca de 40 países.  Há cerca de 500 agentes que servem as pequenas comunidades locais. estes agentes não tem "stocks", mas encomendas são feitas através deles... 

Fonte: Systembolaget. [Se quiserem saber mais, têm aqui, em inglês, o "Responsibility Report 2014"]


2. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia...

[ foto atual à direita: José Belo, ex-alf mil inf, CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); atualmente é cap inf ref e vive na Suécia há quase 40 anos]



Data: 2 de outubro de 2015 às 12:29

Assunto: Ainda os "olhos azuis", em perspectivas da raposa e das uvas quanto ao..."estão verdes"?


Uma moção no Parlamento sueco relacionada com a ajuda ao PAIGC, em tabaco e álcool...


Em 1974, foi enviada pela Organizacäo Nacional dos Estudos Relacionados com os Produtos do Tabaco uma carta à ministra responsável pelos auxílios aos países em desenvolvimento, na qual se protestava quanto ao facto da SIDA (iniciais da agência estatal sueca de auxílio aos países em desenvolvimento) estar a fornecer cigarros e bebidas alcoólicas às Lojas do Povo, administradas na Guiné-Bissau pelo PAIGC.

Nesta carta foi sugerida a substituição destes produtos por outros,  não prejudiciais à saúde dos guinéus.

Esta sugestão veio a provocar vivo debate no Parlamento.

Em esclarecimentos prestados perante a Assembleia,  a então ministra Gertrud Sigurdsen salientou dois pontos:

i)  as encomendas em cigarros e bebidas alcoólicas teriam sido sugeridas nas listas de produtos apresentadas pelo PAIGC;

ii)  segundo as informações disponíveis, o valor anual dos fornecimentos destes dois produtos não ultrapassava as 185 mil  coroas suecas, enquanto o auxílio ao PAIGC era de 15 milhões (!).

Foram então colocadas à ministra as seguintes perguntas finais:

(i) seria no futuro tolerado que a Suécia forneça a título de auxílio produtos que são reconhecidos pela opinião pública como causadores de sérios riscos para a saúde?

(ii) seria esta a função do auxílio prestado?

(iii)  quais os resultados perante a opinião pública, até então tão participativa, e as consequências que daí poderiam advir para programas futuros?

Em 27 de janeiro de 1975 o parlamento do Reino Sueco decidiu que produtos prejudiciais para a saúde, como o tabaco e álcool, não poderiam  fazer parte dos fornecimentos de auxílio aos países em desenvolvimento.

Como curiosidade, a Suécia (System Bolaget), a Finlândia (Alko), a Noruega (Vinmonopolet) e a Islândia (Vinbúö) têm um monopólio estatal de todas as bebidas alcoólicas, sendo a Suécia um dos maiores compradores mundias de produtos relacionados

O parlamento sueco.
Foto enviada pelo José Belo
sem indicação de fonte.
Quanto ao tabaco, a Suécia foi o primeiro país a estabelecer um monopólio estatal no século XVI.
A produção de tabaco (na Suécia!) foi iniciada em 1724 por decreto real, sendo todas as cidades obrigadas a reservar terrenos para este fim.

Por volta de 1800 o número de fábricas era superior a 100, tornando-se o tabaco uma produção importante no reino.

A última plantação de tabaco, existente na província da Skåne, foi encerrada em 1964.

Hoje, 81 municipalidades e organizações exigem uma lei parlamentar para proibir totalmente os produtos relacionados com o tabaco até ao ano de 2025.

(A propósito, a produção de fósforos também é propriedade estatal).

Um grande abraço do José Belo.




Fonte: Tor Selltröm, "A Suécia e as lutas de libertação nacional em Angola, Mocambique e Guiné-Bissau". Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 2008, tradução portuguesa, p. 277" [, disponível aqui, em formato pdf, clicar no link].


Fonte: Ibidem, p. 275

3. Informação recolhida pelo José Belo sobre consumo de álcool na Suécia, em Portugal e na Guiné-Bissau


Relatório da OMS (Organização Mundial de Saúde), de 2010, publicado em 2014,  com projeções futuras, quanto a consumos de bebidas alcoólicas.

Incluem-se  pessoas com 15 anos de idade ou mais. É referido o consumo de álcool puro em litros (!), per capita e por ano: numa vasta lista de consumidores desde os maiores para os menores: Portugal estava em 6º lugar, muito à frente  da Suécia (50º) e Guiné-Bissau (124º).

Outros indicadores de consumo:

(i) Cerveja (litros per capita /ano): Portugal (30,8), Suécia (37), Guiné-Bissau (19,6);

(ii) Vinhos (litros per capita /ano): Portugal (55,5), Suécia (46,6), Guiné-Bissau (14,9);

(iii) Destilados (litros per capita /ano): Portugal (10,9), Suécia (15,1), Guiné-Bissau (22,4);

(iv) Outras bebidas alcoólicas (litros per capita /ano):  Portugal (2,8), Suécia (1,4),  Guiné -Bissau (43) 

Cervejas / cervejas de malte
Spirits / bebidas destiladas
Vinho /feito de uvas
Outros /bebibas alcoólicas feitas de arroz, sake, kumi kumi, kwete e cidra.

Aparentemente a medida Parlamentar Sueca...

Um abraço do José Belo
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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de outubro de 2015 >   Guiné 63/74 - P15184: Da Suécia com saudade (51): Mais um detalhe da pequena história do auxílio sueco ao PAIGC: a emissão, ultrassecreta, de 40 mil selos de correio, para comemorar a independência (unilateral) em 24 de setembro de 1973 (José Belo) 

Guiné 63/74 - P15222: Parabéns a você (971): José Carmino Azevedo, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 2868 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 7 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15210: Parabéns a você (970): Jorge Rosales, ex-Alf Mil Inf da 1.ª CCAÇ (Guiné, 1964/66)

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15221: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVI Parte): Cabral no Oio; Uma carta e Galinha à cafriela

1. Parte XVI de "Guiné, Ir e Voltar", enviado no dia 7 de Outubro de 2015, pelo nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.


GUINÉ, IR E VOLTAR - XVI

Cabral no Oio 

Parece que o Amílcar Cabral está cá dentro. Há informações que referem a presença dele numa reunião de quadros na zona do Oio, dispara-lhe o capitão, no quarto em Brá, olhos na meia-noite do relógio de pulso.

Amílcar Cabral. Foto na net.

E que está a retirar, para o Senegal, pela zona de Bigene. Certezas não há, pode até já ter passado ou estar a caminho da fronteira por outro lado. De qualquer maneira vamos trabalhar com as informações que temos. Há apoio da Força Aérea, estão a ser movimentadas tropas da zona e o QG quer que um grupo vá para a fronteira.
Amanhã, às 5 em Bissalanca, nos helis. Vou estar em cima no PCA.
O Alegre já dormia, teve que se pôr a pé, meteu-se no jeep para Bissau à procura de um chefe de equipa.
Grupo acordado, material conferido, reunião, os procedimentos habituais. Pequeno-almoço na cantina às 4 e meia, grupo ao corrente dos pormenores.
Era apenas uma hipótese, não passava disso. Mas teriam que estar preparados para se encontrarem com uma larga coluna do IN a servir de escolta.

Levantaram à hora, com a Guiné a acordar, rumaram para norte. Cerca de quarenta minutos depois estavam na zona, T-6 a aparecerem, já a brilharem ao Sol, vai estar um dia quente.


Dos helis viram os trilhos, o Tenente Caldas, o piloto, a indicar-lhe com a cabeça para uma clareira, aí mesmo, ok, vamos baixar. Ouviu a comunicação com o resto da esquadrilha, preparar a formação, por cima das árvores, abrir portas, uma mão no cinto outra na arma, saltar.
Tiros dispersos e altos para os helis1, os T6, barulhentos e lentos, a picarem, fumos a sair das asas, rebentamentos, o costume, nada que não se tivesse visto antes. Reagrupados, correram a abrigar-se, vegetação rasteira, não havia muito onde.
Os T-6 referiam estar um grupo a entrar numa mata em frente, para aí a meio quilómetro, na direcção da fronteira, iam picar nessa direcção. Coluna por um trilho fora, o Sol em cima deles, rebentamentos de vários lados, todos a considerável distância.
Pouco tempo depois, um Dornier comunicava não ver sinais de movimento e que informações recentes confirmavam a presença de Amílcar Cabral no Oio, e que terá passado a fronteira durante a noite, por outro lado, para leste de Bigene. Sempre em frente, a caminho da fronteira, nem tempo tiveram para meter guias da zona, iam por ali em direcção à mata como se estivessem a descer a Avenida da Liberdade.
Boca seca, borbotos brancos de saliva nos cantos dos lábios colados, uma chuvada agora é que vinha a calhar, nem uma nuvem, o sol muito grande. Ao longe, no caminho para lá, a mata prometia-lhes sombra, pelo menos.
Valente, arranque com a sua equipa. Os cinco a andar, parecia um bailado, uma eternidade. Desapareceram na mata, uns minutos.
Um sinal deles, lá foi o resto do grupo abrigar-se do sol. Não há muito tempo tinha passado por ali gente, pelas cascas de abacaxi que viram espalhadas. Não os tinham comido todos. Cortaram o que lhes apeteceu, sentaram-se à sombra, limparam a saliva da boca com fatias cortadas com o punhal. O silêncio, um oásis!

À noite estava em Bissau. Tinha passado pelo Bento depois de jantar, as pernas doridas a pedirem descanso, mas a levarem-no para a Sé, rua acima, luzes das janelas a apagarem-se.
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Nota
1 - Esta manhã, enquanto bombardeavam Djagali, os Portugueses mandaram uns 50 homens de helicóptero até à zona da fronteira. Foram interceptados por combatentes do PAIGC; retrocederam, depois de algumas horas de combate, deixando vários mortos no terreno. Quando chegámos, a estrada estava livre”. “Com os rebeldes da Guiné”, por Gérard Chaliand, no “Le Nouvel Observateur”, 13/07/66. Gérard Chaliand, amigo do Cabral, a relatar o que não aconteceu.

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Uma carta2

Desenrasque-se.
Nas mãos tinha a carta que o capitão acabara de lhe entregar, uma carta dirigida ao Ministro do Exército.

Exmo. Senhor Ministro de Exército 

Excelência,

Venho respeitosamente dirigir-me a Vossa Excelência expondo-lhe o seguinte. 
Sou mãe do 2.º Sargento Mil. M. A., morto em Angola, no Quitexe, em 23 de Abril de 1963. Após 22 meses (?) ao serviço da Pátria, o meu filho, que era a luz dos meus olhos, lá se ficou. 
Hoje tive conhecimento que outro meu filho, o 1.º Cabo Mil C. A., acaba de ser mobilizado para a Guiné, para onde parte no dia 9 deste mês. 
Sou pobre, se não ia pessoalmente, de joelhos, pedir a Vossa Excelência que tenha pena de mim. Com a morte do meu filho nunca mais fui a mesma. Se há pessoas desamparadas da sorte, uma delas sou eu, perdi completamente o gosto por viver. 
Não choro os meus filhos à Pátria, choro sim a sua morte quando vejo companheiros deles, depois de apurados, descerem aos hospitais militares e ficarem livres. Não ensino procedimentos destes aos meus filhos, custar-me-ia muito vê-los tomar atitudes idênticas. 
Mas apelo ao coração, que presumo ser bom, de Vossa Excelência, que certamente também é Pai. A metrópole é também a nossa Pátria e o meu filho ficaria aqui a cumprir o tempo necessário e não mo mandaria para longe entrar em combates. Há seis anos, o meu marido teve uma trombose. Vive, mas é um doente, e com tudo isto vejo agravar o seu sofrimento. 
Não me convenço que meu filho vá para tão longe. E, pelos seus filhos, Senhor Ministro, peço-lhe que mo deixe ficar. Vossa Excelência terá a certeza que eu terei mais meia dúzia de anos de vida, nunca mais de alegria, mas para melhor poder amparar o meu marido e meus filhos, para os quais sempre tenho vivido. 
Julgo bater à porta de Deus e a Ele fico a pedir para que Vossa Excelência e Família tenham uma vida cheia de saúde e felicidade. 
Respeitosamente de Vossa Excelência 
4 de Fevereiro de 1965.

Nessa mesma manhã encontrou-se com o Furriel. Começaram por falar da equipa, do estado físico e anímico dos homens, das famílias e aí, perguntou-lhe como vivia a mulher as vésperas das saídas para o mato, uma vez que estava há algum tempo em Bissau com uma filha recém-nascida.
Fica muito ansiosa, fica triste, claro. Mói-me o juízo a toda a hora, já não posso ouvir mais, sempre com a mesma ladainha, que o Capitão Saint-Clair do QG, que ainda é nosso parente, também é de opinião que isto dos comandos não é vida para um tipo casado, ainda para mais com uma filha. E já lhe disse que me arranja lugar na repartição dele.
O que penso disto, meu alferes? É complicado. São capazes de ter alguma razão. E eu desde que ela chegou com a miúda, não sei, custa-me um bocado, às vezes. Não era surpresa, há algum tempo que se notava. Desde a vinda da mulher, o Furriel começou a esmorecer, mal se dera no princípio, agora o entusiasmo, via-se, não era o mesmo.
Faça o requerimento, não precisa de falar de razões, simplesmente pede para sair, por motivos pessoais, mais nada, pena também, que é que se pode fazer?

Com dois chefes de equipa, Sarg. Mário Valente e Furriel C. Azevedo, em Brá

Entraram os dois ao mesmo tempo para os comandos como instruendos, foram depois instrutores do grupo, participaram em todas as operações até àquela data e tinha grande respeito pela intrepidez e sentido de camaradagem daquele furriel.
Estava a perder um bom chefe de equipa, de muita confiança, como se provou naquele infeliz caso passado em Barro. Viera a saber mais tarde pelo Sargento Valente, que o Bacar Jassi, lá na língua dele, terá pedido ao Céu, que houvesse fogo naquela ida a Sano, que a primeira rajada iria para as costas do alferes, que o tinha mandado atar e prender junto com turras. Mamadú Jaló3 terá ouvido o desabafo, falou ao ouvido do furriel Azevedo, que por sua vez comunicou aos outros chefes de equipa, todos de olho no Bacar Jassi, da ida até ao regresso a Barro.

A morte do Silva, da equipa do furriel, em Jabadá, a única baixa definitiva até então, abalara-os, pela morte do camarada, claro, mas também pela forma como ocorrera, a equipa a andar para a frente e o Silva a ficar para trás. Compreendera as razões, o fogo cruzado, directo neles, a equipa com pressa de atingir a orla da mata pelo menos, mas deixar o Silva para trás, custava-lhe entender isso.
Se até no curso se tinham escolhido uns aos outros, por tantas afinidades, sempre juntos em parelhas, para o cinema, para o café, para o Cupilom, para todo o lado, logo ali que deveriam estar mais juntos que nunca, e quando era mesmo preciso, o Silva ficara para trás.

Um jantar de despedida com os chefes de equipa do grupo no Fonseca4 marcou o fim da comissão do furriel nos comandos depois da despedida oficial em Brá, aquela tarde. No meio do frango assado e Casal Garcia, desmancharam-se a rir, quando alguém contou uma história de há meses. E, sabe-se como é, contar uma história às vezes é como andar à procura de material dentro dos acampamentos inimigos. Quando menos se conta, em vez de uma granada à mostra sai uma ou duas dúzias atrás, presas numa corda.
A insensatez dos vinte e poucos anos que todos tinham, a lotaria que lhes tinha saído na roleta que era a guerra que estavam a viver e as armas que tinham nas mãos davam-lhes a sensação de impunidade que valia bem desafiar todos os regulamentos. Não eram todos os que assim pensavam, claro.
Acrescentava-se o desafio que o Saraiva lhes tinha incutido no curso. Que podiam fazer tudo, mesmo o que não fosse permitido. Desde que não se deixassem apanhar.
Então, um deles, provavelmente farto de dormir no Cupilom, terá tido a ideia de levar para o aquartelamento de Brá uma gentil morena. A porta de armas de Brá era guardada pelo Batalhão residente, logo não parecia ser uma tarefa muito fácil meter lá dentro a jovem. Por isso mesmo, deve ter pensado o aventureiro.
Convencida a jovem, enfiou-lhe um camuflado, meteu-a no jeep no banco ao lado do condutor e ele próprio carregou no botão, arrancou do Cupilom directo a Brá e à porta de armas. Só os dois, sem testemunhas. Nada difícil, afinal, deve ter pensado, quando viu a cancela a fechar-se atrás deles. Depois, seguiu-se a manobra de estacionar mesmo em frente à messe de oficiais, sacou a jovem do jeep, entrou no edifício dos quartos e meteu-se com ela no quarto. O que também não lhe pareceu ter sido complicado, depois de ter fechado à chave a porta do quarto que repartia com outro camarada, ausente naqueles dias.
Os dois na cama, a trocarem umas impressões, e ao imprevidente militar aconteceu o que não esperava. Batidas na porta acompanhadas da voz do capitão a chamar pelo seu nome. Seguiu-se o silêncio que seria de esperar, que sem dificuldade se imagina, ao mesmo tempo que não davam sinais de abrandamento os toques impertinentes na porta e o seu nome na boca do comandante. Este, minutos sem resposta, teve o bom senso que faltava a outros em situações bem menos graves. Foi-se embora.
No dia seguinte, na reunião que era costume começar as actividades do dia, os alferes da Companhia ouviram o capitão dizer, baixo mas em bom som, que se alguma vez encontrasse alguém, fosse quem fosse, com uma mulher no quarto, lhe aplicava o máximo da sua competência e o punha na rua. Isto tudo, de seguida, sem largar os olhos do presumível infractor. E, depois do silêncio de todos, perguntou a cada um se tinha entendido? Os não implicados olharam uns para os outros sem perceberem a que propósito o capitão abordara assunto que lhes pareceu tão despropositado.

Despediram-se na esplanada do Bento com um abraço, uma amizade como só aqui. O furriel para o ninho, ele não sabia para onde. Uma volta pelo Bissau velho como havia quem lhe chamasse, uma sensação de desencanto a desenhar-se, tão cedo ainda e sem sono.
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Notas
2 - Esta carta foi enviada para o Ministério do Exército em princípios de 1965 e reencaminhada pela 1.ª Rep/QG, em Abril ou Maio de 1966, para a Companhia de Comandos.
3 - Morto mais tarde no Morés
4 - Restaurante também conhecido por Solar dos 10, na altura um dos mais conhecidos restaurantes de Bissau

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Galinha à cafriela5

"Temos que ser nós a pô-los daqui para fora, esta terra é nossa, não nos faltam apoios, é todo o mundo a dar-nos razão! Desde meados deste século, os colonialistas têm sido corridos de todo o lado, ficaram os portugueses e por quê, camaradas? Porque de todos os impérios, o deles é o mais atrasado, não só economicamente como também em termos culturais. Uma taxa de alfabetização baixíssima, um país inculto, atrasado, governado por um grupo de lacaios em nome de um ditador e dos interesses de meia dúzia de famílias." 
"Por isso dizemos e insistimos, somos aliados do povo português na mesma luta contra o colonialismo e contra o fascismo. Mas esta situação, os camaradas não duvidem, está a mudar e ainda vai ser no nosso tempo e vamos ser nós que vamos acabar com o colonialismo na nossa terra. Temos amigos em todo o mundo, URSS, Suécia, China, Noruega, Cuba, toda a África, toda a Ásia, todo o mundo, amigos que nos ajudam com armas, comida, medicamentos, técnicos. 
Mas temos que ser nós, camaradas, nós é que temos que fazer o trabalho aqui na Guiné e em Cabo Verde, de os pôr daqui para fora!"6

Uma rua de Bissau. Foto do blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Com a vénia que é devida.

Aqueles tempos calmos, com tempo para tudo, o sossego das tardes de Bissau estavam cada vez mais longe. Depois dos incidentes do Pijiguiti a vida nunca mais foi a mesma. Interrogatórios, Pide, tropa a chegar todos os dias, incidentes em todo o lado, prisões durante a noite, a vida cada vez mais difícil.
Benilde, a mãe de Teresa, pensava em como era tranquila a vida em S. Vicente, difícil a subsistência, mas o ambiente era outro, como era bom se o Vasco conseguisse ser colocado em Cabo Verde, na Praia ou no Mindelo.
Teresa estava com 19 anos, vivia com a ansiedade própria da idade o que ouvia contar em casa e entre os amigos, as gloriosas lutas que se travavam nas matas contra a tropa colonialista, as tentativas de alfabetização das populações, nas escolas dispersas pelo mato, os progressos pela emancipação, o caminho irreversível para a independência. O relacionamento dela com aquele militar era motivo de reprovação dos amigos e de desconfiança do próprio pai.
Coisas separadas, pai, não têm nada que ver, sei tomar conta de mim, já não sou menina.

A mamã contou ao papá do nosso encontro. A princípio ficou calado, continuou a comer, mas não ficou de muito boa cara, não. No fim de jantar, então falou, que ainda sou muito nova, que tenho muito tempo à frente. É mesmo a sério, virado para mim?
Quando queres vir jantar a casa? Quando pode ser? Não pode ser amanhã? Fica para sábado então, posso dizer à mamã?
Mas espera, Teresa, jantar?
Então, não ficou combinado, apresentar-te ao meu pai?
Apresentar-me ao teu pai? Combinado com quem?
Jantar só, que importância tem?

Teresa no varandim, com aqueles olhos. A mãe como se fosse para a festa, música de morna, a sala grande, sente-se, esteja à vontade, a Tesa faz-lhe companhia, vou ver as coisas, sumo de abacaxi com gelo, quer?
Sentia-se fraco, não lhe apetecia nada estar ali, bem melhor não ter vindo. Os dois sentados, ele a passar a vista pelo salão, uma mesa ao canto, fotos antigas de outras terras, rostos desconhecidos, gazelas de pau-preto, cadeiras de palhinha, a luz suave filtrada pelas cortinas, o que estou eu aqui a fazer e os pais a entrar.
Ora viva, então, como está, ah? Igualmente muito prazer, então?
Sorriso sem palavras, cumprimentos, quer beber alguma coisa fresca, ah já está servido, então?
Então nada, desta vez apeteceu-lhe mesmo responder.
Calor, hem, esta humidade não deixa a gente respirar, então? Vocês lá em Portugal tem um clima bem mais ameno, mais temperado, mas muito frio no Inverno, não? Acho que nunca prepararam as vossas casas para o frio, se calhar porque se habituaram a estarem lá só de passagem, não é, no regresso dos Brasis por onde andaram, só paravam em Lisboa para descarregarem o ouro, a prata, as especiarias, não é, gargalhada que lhe pareceu trocista.
Assim! O pai da Teresa além de trabalhar nos escritórios de uma grande empresa "colonialista" era também um humorista.
Nunca pensei nesse assunto.
Na sua idade também pensava noutras coisas, não é, a Mabilde e uma ajudante de travessas na mão, cadeiras a afastarem-se, é melhor sentarmo-nos, então. Galinha à cafriela, saladas, abacaxi, bananas, e para beber, cerveja, Casal Garcia, tinto do Dão, o que quer beber?
Então? De onde é o senhor, o que faz na vida civil, como vai a metrópole, o que dizem lá desta guerra, o Salazar está para durar? Não vai durar a vida toda não é, vem outro a seguir, já deve estar escolhido, claro, quem será, quem lhe parece que seja?
Que não estava a par, não fazia ideia.
Quando lá estive aqui há tempos, a estudantada, gente da sua idade, não é, andava alvoroçada, falava-se da guarda a cavalo em Lisboa, espancamentos em quem passava, lojas trancadas.
Sabe, isto está um problema, vai ser cada vez mais difícil continuar nesta situação, na vossa metrópole e aqui, a tendência é só para agravar… a URSS, a China, a América veja lá… a Suécia, a Noruega, o mundo todo, menos a Espanha do Franco, o governo português tem as portas fechadas em quase todos os países, agora até o Brasil! Mas, o povo português faz parte da grande família africana, dos guineenses e cabo-verdianos, disso nunca nos podemos esquecer. Partilhamos a história há mais de cinco séculos!
Agora, esta guerra está a ser suportada por vós, pela vossa juventude, quando regressam deixaram cá o melhor das vossas vidas, muitos até deixam bocados deles e outros nem regressam, não é?
A mãe Benilde não parava quieta, a galinha não passava, atravessada na garganta, não havia maneira de ir para baixo, sumo na mão, a da Teresa, a acalmá-lo, no joelho por baixo da mesa.
Que estava a par da agitação estudantil, que deveriam ter alguns motivos, mais outros da idade, adiante se veria.
E então, a Tesa o que é para si? A Tesa é muito boa menina, sabe? Um bocado senhora do seu nariz, às vezes teimosa demais, muito boa estudante, até agora.
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Notas
5 - Galinha do campo com um molho ácido e cebolada
6 - Amílcar Cabral, numa das emissões da Rádio do PAIGC, Conacri

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior da série de 1 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15186: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XV Parte): ME-14-04; Partir mantenhas; Buba, outra vez e Vamos ser independentes

Guiné 63/74 - P15220: Fotos à procura de... uma legenda (64): visita do gen Arnaldo Schulz e do brig Reimão Nogueira a Porto Gole, em fevereiro de 1967... O insólito: (i) duas caixas de cerveja (Cristal e Sagres) no banco traseiro do helicóptero; (ii) um comandante-chefe, de máquina fotográfica a tiracolo, com ar de turista...



Foto nº1 > Porto Gole, fevereiro de 1967:  a despedida, depois da viista:  o gen Arnaldo Schul ao lado do piloto, e eu à direita, com  as minhas botas alentejanas e o camuflado paraquedista trocado com um camarada numa operação no Morés em outubro de 1966.



Foto nº 2 > Porto Gole, fevereiro de 1967:  o gen Arnaldo Schulz [, de máquina fotográfcia a tiracolo,] , junto da população local; à direita, em primeiro plano, de perfil, um tenente médico, da CART 1661. 

Fotos (e legendas) : © José António Viegas (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e letgednagem complementar: LG]


1. Foto do álbum do nosso grã-tabanqueiro,  algarvio,  José António Viegas, ex-fur mil do Pel Caç Nat 54 (Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1966/68):


 Estava em Porto Gole, com o seu Pel Caç Nat 54 (, comandado pel alf mil Carlos Marchã) , e com os homens da CART 1661, quando em fevereiro de 1967, recebeu a vista do governador geral e con.chefe gen Arnaldo Schultz, acompanhado do brig Reimão Nogueira, co9mandante militar...

Onde está o insólito da(s) imagem(ens) ? No banco de trás do helicóptero, há pelo menos duas caixas de cerveja, uma da marca Cristal e outra da marca Sagres (foto nº 1) ...

Pergunta inocente: o precioso carregamento era para autoconsumo da comitiva, ou para distribuir pelo caminho ?  Fazia parte da "psico" na época ? Enfim, teria, por cerrto algum destinatário, civil ou militar, talvez lá no cu de Judas (*)...  O Viegas diz-nos, por mail, que o carregamento já vinha de Bissau e que se destinava à "psico"... Ficamos a saber então que nesse tempo a cerveja era uma das armas (secretas) da "psico"...

Como se vê, na foto nº 1, em cima o José António Viegas,  estava lá, no sítio certo, "com as suas botas alentejanas e o seu camuflado  paraquedista" (**)..... Por outro lado, e analisando a foto nº2, digam lá se o antecessor do gen Spínola não tunha mais um ar de turista do que de comandante-chefe ? Na opinião do Viegas, o Schulz era "um tipo bonacheirão"...


Zé Viegas, estas fotos valem ouro!... De qualquer modo, um pouco de humor de caserna também nos faz bem. Na Guiné sempre fomos irreverentes: querm não se recordas das "anedotas" e das "partes gagas" que se contavam de Spínola, "o "caco Baldé"  ? (LG).

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Notas do editor:

(*) Último poste da série >   7 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15215: Fotos à procura de... uma legenda (63): Bajudas de Bambadinca, fevereiro de 1970: um "grupo de idade" da etnia fula num dia de festa tradicional (Cherno Baldé, Bissau)

(**) Vd. poste de 8 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15218: Memórias dos lugares (321):  Porto Gole, fevereiro de 1967: visita do Gen Arnaldo Schulz (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, 1966/68)

Guiné 63/74 - P15219: Notas de leitura (764): "O Quarteto de Alexandria", escrito por Lawrence Durrell, edição D. Quixote 2012 (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 4 de Outubro de 2015:

O tédio dos dias longos da reforma, que para muitos de nós se pode assemelhar a uma longa espera, de braços cruzados, dum fim inevitável que a todos nos aguarda, na sucessão dos dias e na curva dos anos, essa tristeza de horas vazias, que se pode transformar numa depressão melancólica e ligeira ou até numa depressão mais aguda, segundo os especialistas, pode ser combatida por várias formas.

Uma boa forma de o combater, aconselham eles, são as viagens. Viagens que até podem não ser muito longínquas mas que representam sempre, para quem as faz, uma mudança de rotina, uma mudança do cenário quotidiano, em que o espírito desperta e se reanima por estímulos novos, que podem ser cidades com outras ruas avenidas, pontes, rios, monumentos, outras gentes e outras paisagens.

Dado que ninguém pode andar sempre em viagem e sobretudo os reformados portugueses, a toda a hora assaltados pelos rapazes da política de mãos dadas com os banqueiros, temos que encontrar outras alternativas para nos ocuparmos nos longos meses que ainda sobram depois das viagens possíveis.

Alternativas possíveis há muitas: tratar dos netos, plantar uma horta, escrever um livro, ajudar a melhorar a vida dos presos, dos doentes, dos sem-abrigo, dos refugiados. Estas e outras actividades são uma boa terapia para as nossas horas de enfado e solidão.

Para os que preferem o aconchego do lar, podem sempre navegar na internete, o que se pode tornar um pouco cansativo depois de algumas breves horas. Navegar na internete ou ver televisão duma forma passiva, pode tornar-se pouco estimulante na medida em que o nosso trabalho cerebral é diminuto.

Para esses recomendo uma leitura de um livro ao seu gosto. Há tantos e tão variados; sobre saúde, psicologia, filosofia. sociologia, política, história, poesia, romances para todos os gostos, policiais, sentimentais, históricos, de viagens.

Nos livros, o nosso espírito encontra o alimento essencial para rejuvenescer, e todo o nosso ser viaja com eles pelos domínios do conhecimento e pela arte literária, essa arte onde as palavras nas suas diversas combinações fonéticas, sintácticas e figuras de estilo nos embriagam, pelos quadros de beleza que o escritor vai compondo.

Gostava de dormir, sobre ele, uma noite calma e feliz e que o meu cérebro conseguisse absorver toda a arte narrativa e literária deste livro denso e imenso, "O Quarteto de Alexandria" escrito por Lawrence Durrell.

Sem ser crítico literário, nem pretender ter conhecimentos e qualidades para tal, somente me atrevo a falar deste livro pela surpresa e espanto que senti quando o descobri e comecei a ler. Foi a segunda vez que eu repeti a leitura dum livro. A primeira vez li-o um pouco apressadamente, dei-me conta da sua beleza, mas não o li pausadamente para puder apreciar todos os seus contornos, pensamentos, quadros humanos e naturais. Procuro entendê-lo melhor nesta segunda leitura.

Este livro é uma sinfonia de melodias, de ritmos de cor, de palavras que nas variadas combinações que formam entre si adquirem outra vida, outro colorido. Este livro sente-se, vê-se, ouve-se, este livro pode declamar-se como um poema sem rima. Nas suas novecentas páginas é sólido como um tijolo e talvez mais perigoso como arma de arremesso. É um grande livro, para durar enquanto os homens lerem livros, um dos maiores romances do século XX.

O pano de fundo do romance é a cidade de Alexandria, essa cidade mítica, cultural, monumental, que o general grego Alexandre o Grande construiu à beira do Mediterrâneo, no cruzamento das antigas civilizações, egípcia, grega, romana, judaica e outras levantinas. Durante séculos, praticamente até à nossa era, Alexandria tornou-se um pólo de atracção de sonhadores e artistas da Europa e do Mundo.

Ao longo dos quatro livros que compõem o quarteto, o narrador vai falando da cidade, ruas e bairros, os habitantes, árabes, judeus, gregos e europeus, porto de mar, lago Mareotis, Mar Mediterrâneo, a cidade transforma-se também numa personagem importante da obra.

Nesse cruzamento de povos e de culturas, das mais avançadas de três continentes, os viajantes parecem procurar o esplendor antigo da cidade:
Quando o Farol de Alexandria iluminava o mar Medirerrâneo e assombrava pela sua grandeza e monumentalidade.
Quando a Biblioteca de Alexandria pela sua beleza e pelos seus muitos milhares de livros convidava todos os intelectuais, sábios, filósofos e outros amantes da sabedoria a fazer-lhe uma visita demorada.

Farol de Alexandria, construído por volta de 280 a.C. pelo arquitecto grego Sóstrato de Cnido
Foto com a devida vénia ao site por acaso

O trama do quarteto gira à volta das quatro personagens que dão nome a cada livro, tendo um lugar de destaque Justine, casada com Nessim, que desperta amizades e paixões eróticas destes e doutros protagonistas a que ela por vezes corresponde. Justine pela atração que provoca, pela sua sabedoria religiosa da Cabala e filosófica, pelas línguas que domina fluentemente faz ainda lembrar Cleópatra aquela alexandrina famosa do inicio da nossa era.

Duas mulheres muito belas e muito cultas mas bastante diferentes, Cleópatra foi uma rainha egípcia por sangue, da dinastia dos Ptolomeus, uma mulher ambiciosa e que pelo poder aceitou casar-se com os irmãos, como era hábito nessa e noutras dinastias egípcias e pelo poder rejeitou essas ligações e tornou-se amante ou mulher de dois generais e cônsules romanos. Justine é uma judia que teve uma vida difícil antes de casar com Nessim, um banqueiro egípcio de religião cristã copta, com quem tem também um grande entendimento filosófico, cuja ambição é conhecer com a ajuda dos outros o conhecimento necessário para conseguir o seu equilíbrio interior através duma teoria religiosa e filosófica satisfatória. Uma mulher frágil que atrai os outros pela sua beleza e pela força espiritual que parece emanar dela.

Nesse círculo de intelectuais e afins, respira-se uma atmosfera libertária no campo dos costumes e das ideias, são aceites tanto os místicos como os agnósticos ou ateus, os homossexuais ou os outros, é conhecido, sob algum sigilo, o caso de incesto de um escritor, infidelidade conjugal, sem escândalo, não só o de Justine..

Abro o livro à toa e transcrevo uma pequena passagem:

"Este gesto recordou-me aquela mulher grávida que me abordou certa noite e que, como eu procurasse afastar-me, me pegou na mão comprimindo-a contra o enorme ventre ou simplesmente talvez para dar uma ideia antecipada do prazer que me oferecia (ou simplesmente para exprimir a que ponto estava necessitada de dinheiro".

Confesso que esta passagem recolhida ao acaso até nem é das mais expressivas. Transcrevi-a pelo acaso e pela verosimilhança que lhe encontrei com uma passagem da minha vida, quando embarcado no navio Alfredo da Silva, a caminho da Guiné, passamos um dia na cidade da Praia em Cabo Verde.
O Alfredo da Silva era um navio, de porte médio, de carga e passageiros, propriedade da antiga CUF que fazia regularmente transportes para Cabo Verde e a Guiné. Militares íamos muito poucos, talvez uma dúzia, dos quais três eram topógrafos que ficaram em Cabo Verde, os restantes seguimos viagem para a Guiné, mobilizados em rendição individual.

À noite fomos a um baile popular, onde ao som dos ritmos africanos e cabo-verdianos toda a gente dançava, homens e mulheres, sobretudo mulheres velhas e novas. Quando saímos, na rua fui abordado por uma jovem grávida, já com uma grande barriga que me pediu com muita insistência para ir com ela. Nos meus 21 anos, senti-me embaraçado pela sua grande barriga, pela sua insistência com modos tão doces, e pelos seus olhos belos e tão meigos que, pensei para mim, traduziam mais a necessidade de dinheiro que lhe faltava, do que a simpatia ou encanto que poderia ter por mim.
E ela teimava em me agarrar a mão e o braço como um naufrago agarrado a uma tábua de salvação.
Por uma mistura de sentimentos onde havia além do embaraço de que falei, alguma compaixão e alguma ternura, tirei 50 pesos da carteira dei-lhos e despedi-me dela.

Cidade da Praia
Com a devida vénia a polemikos

Antes tínhamos ido comer lagostas a um café, mal descongeladas, que me terão provocado uma digestão difícil, ou isso, ou o mar agitado, sei que tive tantas náuseas, vómitos e mal-estar que o resto da viagem entre Cabo Verde e a Guiné passei-o deitado no quarto, tendo recebido a visita do médico de bordo, que me receitou duas injecções.

Já restabelecido desembarquei em Bissau e senti aquele sufoco de calor tropical que já tinha experimentado nas ilhas de Cabo Verde, já que o navio tinha feito escala em duas, para deixar mercadorias e emigrantes cabo-verdianos, que regressavam talvez de férias à terra, vindos do norte da Europa, sobretudo da Bélgica e Holanda, se bem me lembro.

Fujo do tema do grande livro que descobri e propago junto dos meus amigos e perco-me nessa viagem épica que todos fizemos com desembarque em Bissau. Enfim todos nós, guineenses por dois anos, enviados quase como prisioneiros, a combater, para essa terra de homens grandes, mulheres grandes e bajudas, voltámos vencidos pela afabilidade e simpatia dos nossos irmãos africanos e com essa mágoa sem remédio dos nossos camaradas que por lá caíram.

Só os outros, os que não experimentaram os nossos gostos e desgostos, é que não compreendem a nossa necessidade em evocarmos essa terra e esses tempos.

Um abraço.
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15203: Notas de leitura (763): “Memória e Império, Comemorações em Portugal (1880-1960)”, por Maria Isabel João, Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e Tecnologia, 2002 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15218: Memória dos lugares (321): Porto Gole, fevereiro de 1967: visita do Gen Arnaldo Schulz (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, 1966/68)


Foto nº 1 - Porto Gole, fevereiro de 1967; o Gen Arnaldo Schulz e um Ten-Coronel que não identifico


Foto nº 2 - Porto Gole, fevereiro de 1967: o Brigadeiro Reimão Nogueira e o régulo Sá Na Onça [, irmão do valoroso capitão de 2ª linha, Abna Na Onça, morto em Bissá];   de costas,  o Gen Arnaldo Schulz


Foto nº 3 - Porto Gole, fevereiro de 1967: o Gen Arnaldo Schulz, o Tenente Médico da CART 1661 (à direita)  e o Alferes Carlos Marchã,  Comandante do Pel Caç Nat 54 (à esquerda).


Foto nº 4 - Porto Gole, fevereiro de 1967:  a despedida: o Gen Arnaldo Schulz ao lado do piloto; em primeiro plano, à esquerda, um cabo especialista da FAP e , eu, à direita, com  as minhas botas alentejanas e o camuflado paraquedista trocado com um camarada numa operação no Morés em outubro de 1966. 

Fotos (e legendas) : © José António Viegas (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem de ontem,  de José António Viegas algarvio, ex-fur mil do Pel Caç Nat 54 (Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole e  Ilha das Galinhas, 1966/68):

 Caro Luis,  aí te envio algumas fotos de gente da Guiné nos anos de 1967.

Depois de ter passado por Mansabá, Enchalé e Missirá, assentei arrais em Porto Gole em fevereiro de 1967. 

Aí te envio algumas fotos da visita do General Arnaldo Schulz e do Brigadeiro Reimão Nogueira ao destacamento, onde se encontrava o Pelotão de Caçadores Nativos 54 e parte da CART 1661.

Vou tentar descobrir no baú mais memórias de Porto Gole.

Um abraço,
José António Viegas [, foto atual à esquerda]
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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15170: Memória dos lugares (320): Academia Militar, Palácio da Bemposta, Lisboa, visita no âmbito do Festival Todos 2015 (Parte II)

Guiné 63/74 - P15217: História de vida (42): Clube dos Octogenários - Narrativa de 80 anos de vida (Coutinho e Lima)

1. Mensagem do nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel de Art.ª Reformado (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné entre 1968 e 1970 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), com data de 17 de Setembro de 2015:

Caro Amigo Carlos Vinhal
Junto envio o texto em epígrafe, no qual relato a minha vida, com relevo para a vida militar e dou algumas informações relativas ao próximo livro que comecei a escrever.

Um Abraço Amigo
Coutinho e Lima

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CLUBE DOS OCTOGENÁRIOS

Narrativa de 80 anos de vida

Ao entrar, por direito próprio, no Clube dos Octogenários, entendi fazer o que agora se designa como “narrativa” dos meus 80 anos de vida. É o que se segue.

Nome: Alexandre da Costa Coutinho e Lima
Nascimento: 21 de Setembro de 1935
Local: Freguesia de Vila Fria – Concelho de Viana do Castelo
Instrução Primária: 4 Classes, na Escola Primária de Vila Fria
Ensino Secundário: 5 anos no Liceu Nacional de Viana do Castelo 6.º e 7.º anos, no Liceu Camões, em Lisboa


Vida militar, postos, colocações e funções

Escola do Exército – 1953/56 
- 53/54 – Curso Geral Preparatório, no Aquartelamento da Amadora

- 54/56 – Curso de Artilharia, em Gomes Freire


Tirocínio para Oficial – 56/57 – na Escola Prática de Artilharia (EPA), em Vendas Novas.
Tive o privilégio de ter, como Comandante da Bateria de Instrução, o Sr. Capitão de Art.ª ERNESTO PASSOS RAMOS, um dos mais prestigiados Oficiais do Exército Português. Foi barbaramente assassinado pelo PAIGC (era Major), juntamente com outros Oficiais, em Abril de 1970, na região de Pelundo/Jolmete – Guiné.


Alferes e Tenente – 1957/61

- Regimento de Artilharia Pesada n.º 2 – Serra do Pilar – V. N. de Gaia.

Durante este período, frequentei:
- Curso de Observador Aéreo de Art.ª na EPA e Base Aérea 3 – Tancos .
- Curso de Instrutor de Educação Física Militar, no CMEFED (Centro Militar de Educação Física, Equitação e Desportos), em Mafra.


Capitão – 1961/70 

- Regimento de Artilharia Ligeira n.º 2 – Coimbra

- CMEFED

- CTIG (Comando Territorial Independente da Guiné) – 1.ª Comissão – 63/65
Comandante da CART (Companhia de Artilharia) n.º 494 - Gadamael

- CMEFED

- CTIG – 2.ª Comissão - 68/70
Adjunto da Repartição de Operações do Comando-Chefe - Bissau

- Academia Militar


Major – 1970/76 

- Academia Militar

- CTIG – 3.ª Comissão (72/74)
Centro de Instrução Militar (CIM) em Bolama - Director de Instrução
Comandante do Comando Operacional n.º 5 (COP 5) – Guileje
Bissau - Prisão Preventiva (MAI 73/MAI 74), como consequência da Retirada de Guileje

- Estado Maior do Exército – 5.ª Repartição

- Quartel General da 3.ª Divisão – Santa Margarida – Chefe de Estado Maior (CEM)

- Academia Militar – Gabinete de Estudos

- Escola de Artilharia dos Estados Unidos da América – Fort Sill, Oklahoma
Curso Avançado de Artilharia – Field Artillery Officer Advanced Course (2-76)


Tenente Coronel - 1977/82 

- Academia Militar

- Comando da Área Ibero-Atlântica (COMIBERLANT) – Oficial de Pessoal e Segurança (JUL 77/NOV 80)

- Quartel General da Região Militar dos Açores (QG/ZMA) - CEM

- Centro de Instrução de Artilharia Anti-Aérea e Costa (CIAAC) – 2.º Comandante


Coronel – 1982/89

 - Direcção do Serviço de Educação Física do Exército (DSEFE) – Inspector

- QG/ZMA – CEM

- DSEFE – Inspector

Passagem à situação de Reserva – 1 de Setembro de 1989

Passagem à situação de Reforma – 1 de Setembro de 1995


Desempenho de funções não militares

- Director de Segurança do Metropolitano de Lisboa – 1989/1997

- Presidente da Direcção da Casa do Minho em Lisboa – 1988/89; 1992/93

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Depois desta descrição, penso que posso concluir que tive, durante 80 anos, uma vida militar muito variada e intensa, tendo aprendido sempre em todas as situações e circunstâncias.

Nas actividades, em tempo de paz, saliento as dedicadas à Educação Física: Curso de Instrutores no CMEFED (58), onde fui Instrutor em 62/63 e 65/68; mais tarde prestei serviço na DSEFE, antes e depois de ter sido, com o Posto de Coronel, CEM do Q/ZMA; na DSEFE desempenhei a função de Inspector.

Na guerra, têm especial relevância as 3 Comissões, por imposição, na Guiné, nas quais conheci os 3 Comandantes-Chefes: Senhores Generais ARNALDO SCHULZ, ANTÓNIO DE SPÍNOLA e BETTENCOURT RODRIGUES.  Por esta razão, tive oportunidade de verificar a evolução da guerra: no que respeita o IN, desde o baptismo de fogo, em 17 SET 63 (primeiro dia da CART 494, que eu comandava, em Ganjola – Norte de Catió) – 1.ª Comissão, até ao ataque em força a Guileje (3.ª Comissão), no período de 18/22 MAI 73, onde eu era o Comandante do COP 5.

Relativamente à actividade operacional, na 1.ª Comissão, a CART 494 (integrada no BCAÇ 513 – sede em Buba), ocupou a localidade de Gadamael (com um destacamento em Ganturé), materializando no terreno a Missão atribuída ao Batalhão, pelo Sr. Comandante-Chefe, Sr. General Arnaldo Schulz, de ocupar a fronteira Sul com a Rep. da Guiné Conacri. As outras posições ocupadas pelas NT foram Guileje, Sangonhá (com um destacamento em Cacoca) e Cameconde - destacamento da Companhia com sede em Cacine.

Na 2.ª Comissão, como Adjunto da Repartição de Operações do Comando-Chefe, em Bissau, (era Comandante-Chefe o Sr. General Spínola), tive oportunidade de viver a outra face da guerra, esta muito mais confortável.

Na 3.ª Comissão, (ainda era Comando-Chefe o Sr. General Spínola) com o posto de Major, comecei por ser Director de Instrução do Centro de Instrução Militar (CIM) em Bolama e a seguir Comandante do COP 5, em Guileje; em 22 MAI 73, decidi retirar desta localidade todos os militares, milícias e população, por ter considerado, face à negação de reforços, solicitada ao Comando-Chefe, conjugada com a intensa e constante pressão do IN (37 flagelações em 80 horas), a posição insustentável.

Como consequência, foi ordenada a minha prisão preventiva, com a instauração de um auto de corpo de delito.

Sobre este assunto escrevi o livro “A Retirada de Guileje”.

Presentemente, estou a escrever um 2.º livro (ainda na fase inicial), cujo título será “As minhas 3 Comissões, por imposição, na Guiné”.

Relativamente à 3.ª Comissão, não faz nenhum sentido e não o farei, repetir o que consta no livro já publicado. Nestas condições, é minha intenção:

- incluir no próximo livro, cópia da “Acta da Reunião de Comandos realizada em 15 de Maio de 1973, no Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, em Bissau” ; é um documento da maior importância, que será objecto de dois comentários: um sobre o seu conteúdo geral; outro analisando a decisão da retirada de Guileje, face ao que consta, na referida acta, das declarações de alguns dos participantes, nomeadamente o Sr. Comandante Adjunto Operacional e os Senhores Chefes das Repartições de Informações e Operações;

- publicar as críticas, positivas ou negativas, que chegaram ao meu conhecimento, sobre “A Retirada de Guileje”; das críticas negativas, algumas muito contundentes, destaco as de 4 Senhores Oficiais da Força Aérea (todos Pilotos Aviadores): 3 Oficiais Generais e 1 Tenente Coronel;

- solicitar, a todos os militares que estavam em Guileje, no período de 18/22 MAI 73, uma opinião sobre a decisão de retirar de Guileje, se assim o entenderem.

Importa referir que, destes militares, apenas um apresentou no nosso blogue, uma crítica, muito severa, sobre este assunto – Soldado Constantino Costa; embora eu lhe tenha respondido, a opinião deste militar perde toda a credibilidade, ao afirmar que os relatórios de operações da Companhia eram todos iguais (qualquer que fosse a missão), apenas mudava a data e que, depois do 25 de Abril (na sua designação 25 A), fora eleito representante dos Oficiais, Sargentos e Praças da Companhia, junto da estrutura do MFA na Guiné; tais afirmações, como terei oportunidade de provar, são puras mentiras.

Aproveito esta oportunidade para sugerir aos componentes da nossa Tabanca Grande, se assim o entenderem, que me façam chegar a sua opinião sobre a decisão que tomei de retirar de Guileje, para serem incluídas no meu próximo livro.

Alexandre da Costa Coutinho e Lima
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15197: História de vida (41): Regressei a 6/11/1968 e casei-me a 29/6/1969, com uma das minhas madrinhas de guerra...Soube pelo padre que a tropa me tinha dado como morto... (Mário Gaspar,ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15216: O nosso querido mês de férias (18): Viagem Bissau-Lisboa-Porto-Lisboa-Bissau paga a prestações porque o patacão não transbordava das algibeiras (António Tavares)

1. Ainda a propósito das nossa férias, recebemos esta mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 4 de Outubro de 2015:

Camarigos,

Ao ler o P15178, do tema “O nosso querido mês de férias”, recordo:

- Em 03Agosto1971 paguei, na Agência Correia, Bissau, CTIGuiné, o total de 6 430$80 pela viagem: BISSAU - LISBOA - PORTO - LISBOA - BISSAU.
- Voei na TAP e tive direito a um Saco de Pernoita, que ainda possuo.
- Viajei na modalidade: VIAJE AGORA PAGUE DEPOIS.
- Em três prestações paguei a importância total, que não ganhava, como explico: 4.430$80 em 03-08-71; 500$00 em 22-09-71 e finalmente 1.500$00 em 21-10-1971.

Se repararem na cópia do bilhete consta uma taxa de 110$80. O ZÉ pagante teve sempre Taxas e Selos à perna. O pagamento foi em Pesos.
- O Escudo era trocado com uma agiotagem de 10%.
- A viagem foi no dia 04 de Agosto de 1971 e regressei no dia 07 de Setembro de 1971.


Os camaradas mais atentos verificarão que acabei de pagar a totalidade das prestações depois da minha chegada de regresso ao CTIGuiné. Porque o “patacão” não transbordava das algibeiras tinha de aproveitar todas as facilidades de pagamento autorizadas.

Com um abraço,
António Tavares
Foz do Douro,
Domingo 04 de Outubro de 2015
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 Nota do editor

 Último poste da série de 7 de Outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15211: O nosso querido mês de férias (17): Vim a casa uma vez, em agosto de 1965, na TAP, num Super Constellation, como simples passageiro... e estava longe de imaginar que cinco anos depois estaria aos comandos de um Caravelle, como piloto da mesma, saudosa, companhia... (João Sacôto, ex-alf mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619, Catió, Ilha do Como e Cachil, 1964/66)

Guiné 63/74 - P15215: Fotos à procura de... uma legenda (63): Bajudas de Bambadinca, fevereiro de 1970: um "grupo de idade" da etnia fula num dia de festa tradicional (Cherno Baldé, Bissau)



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > BCAÇ 2852 (1968/70) > Pel Rec Daimler 2046 (1968/1970) > Fevereiro de 1970 > "Eu com um belo conjunto de bajudas junto à capela"..

Foto (e legenda): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]



1. Mensagem de hoje do nosso amigo e irmãozinho Cherno Baldé, que vive hoje em Bissau, respondendo pronta e amavelmente a um pedido do editor LG para completar a legenda da foto (*):

Caro amigo Luis Graça,

Antes de mais aproveito para felicitar o Jaime  Machado (ex-alferes), pelas imagens do tempo que passou (e bem) em Bambadinca (*), o que mostra o seu elevado nível de cultura, já naquela época, muito acima da média daquilo a que a tropa em geral nos tinha habituado.

E em jeito de resposta àquestão do Luís Graça (**), na minha opinião, acho que as imagens retratam um "grupo de idade" da etnia fula num dia de festa tradicional. Por força da islamização, as festas desta etnia são quase todas de natureza religiosa. [Em inglês, "age set",conceito socioantropológico; vd. Enciclopaedia Britannica]

A postura e o olhar algo envergonhados, a indumentária, os penteados e os enfeites na cabeça e no corpo, dizem isso mesmo.

Ainda seriam solteiras mas, nesta idade estariam todas comprometidas (com casamentos arranjados entre os pais) e aproveitam os últimos meses de liberdade antes do casamento.

A presença de elementos ou símbolos estranhos usados como adornos pode ser explicada por razões de urbanização e da crescente mistura/influência de outros hábitos e culturas em Bambadinca (centro urbano e importante elo de ligação ao resto do país) e arredores, devido à guerra e ao movimento das populações.

Um abraço amigo,

Cherno Baldé

PS - A expressao "islamizado/a"  não é  correcta, seria mais correcto dizer "islâmico/a",  pois já nasceram dentro de uma familia, meio e cultura islâmicas, mesmo que superficial. Islamizados seriam os seus bisavos que, de facto foram coagidos (de forma voluntária ou não) a uma conversão, muitas vezes forçaada, nos sec. XVIII/XIX.