segunda-feira, 19 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6189: Tabanca Grande (214): Sílvio Fagundes de Abrantes, de alcunha o Hoss, CCP 121 / BCP 12, 1970


Guiné > Algures > CCP 121 > BCP 12 > 1970 (?) > Um camarada açoriano do Hoss, num momento de pausa na guerra e com sinais de grande sofrimento estampado no rosto. A seu lado, no chão, uma MG 42, uma poderosa arma nas mãos dos páras...


Foto: © Sílvio Abrantes (2010). Direitos reservados



1.

1. Já aqui falámos do nosso camarada Sílvio Fagundes de Abrantes, conhecido entre os páras e outros camaradas da Guiné como o Hoss. Ele já consta da lista dos membros da nossa Tabanca Grande, mas certamente por lapso nosso ainda não foi apresentado formalmente aos nossos leitores. Em 21/2/2010, ele apresentara-se nestes termos:

Sou o Sílvio Fagundes de Abrantes, o HOSS.


Caro amigo Luís Graça, junto seguem as duas fotos que o amigo me pediu, uma do tempo de tropa e outra actual.


Um abraço, Hoss

Mas já antes tínhamos publicado, dele, o poste P5668, em que veio em defesa do seu "amigo Oitenta" bem como o poste P5580 (*).

Na altura esvrevemos que a alcunha Hoss tenha sido atribuída ao Sílvio por analogia com a figura do Hoss Cartwrigh, da popular série televisiva norte-americana Bonanza...(Quem, da nossa geração, não era fã da família justiceira mas bonacheirona do Faroeste, o pai Ben, e os filhos Adam, Hoss e Little Joe ?... Comecei a vê-los desde 1959, se não me engano, na RTP)...

O camarada Sílvio já leu, compreendeu e aceitou as nossas regras de bom senso e bom gosto (por exemplo, não usamos o termo "preto", pela sua conotação racista...) e manifesta o seu desejo de fazer parte desta já grande e fraternal comunidade de amigos e camaradas da Guiné.

Ele também já sabe que na nossa Tabanca Grande não cultivamos ódio nem raiva por ninguém, incluindo os antigos militares da PM e os homens (e mulheres) que nos combatíam (os guerrilheiros do PAIGC)...

No nosso blogue, simplesmente contamos histórias, partilhamos memórias e até afectos. De imediato o Sílvio, que é natural de Águeda, se mostrou com disposição de nos contar histórias do seu tempo de militar da CCP 121 / BCP 12. Explicita ou implicitamente, o seu padrinho é Paulo Santiago, seu amigo e vizinho, foi a ele que pedimos que apadrinhasse a entrada do Hoss no nosso blogue. O Sílvio é, pois, bem vindo. Já cumpriu as nossas regras formais e, além disso, já nos contou algumas histórias. Aqui vai a primeira, que achei deliciosa, e que passou despercebida, no meio dos comentários a um poste P5568(*).

O Sílvio tanmbém já nos explicou que "era soldado enfermeiro, nunca fui promovido a cabo porque num dia fui duas vezes à missa e tramei-me. Eu era apontador de MG e um colega meu trazia a bolsa de enfermagem"... Da próxima vez, vamos publicar o relato da tremenda emboscada que ele apanhou em 16 de Junho de 1970, na estrada Bissau-Teixeira Pinto, a 3 km do Pelundo. LG


2. O MUNDO É PEQUENO
por Sílvio Abrantes (Hoss)

Na minha terra realiza-se uma festa que é das maiores do distrito da Aveiro. Andava eu na festa e a certa altura com um grupo da amigos fomos beber a uma tasca. Quando lá chegámos estava um negro a ameaçar tudo e todos. A minha caixa dá meia volta e digo ao negro:
- Aqui não fazes barulho, se quiseres fazer barulho vai para a tua terra, aqui nem penses, por este dedo já passaram muitos cães e nunca ninguém foi preso por matar um cão. Desaparece e já.
O pobre não teve outro remédio. Diga-se que era um homem de 1,90 m de altura e com o corpo a condizer. Na quarta-feira a seguir volto à festa e o nosso homem viu-me e veio ter comigo. Diz ele num perfeito português:
- No domingo estavas bravo.

Metemos conversa e eu pergunto de onde era:
- Da Guiné diz ele.

Eu disse-lhe que estive lá como militar.
- E como vieste aqui parar?

Diz ele:
- Eu era turra, como vocês dizem e entrei numa conspiração para matar o Nino Vieira, só que falhou e tive de fugir e vim para Portugal.

Levanta as calças de uma das pernas e diz:
- Vês esta perna esfacelada, foi o filho da p… do Hoss que me fez esta serviço.

Eu pergunto:
- Conheces o Hoss? - e ele diz que sim.

Então pego nele e levo-a para minha casa, onde lhe mostro o meu algum de fotos da Guiné e ele reconhece o Hoss nas fotos. Eu pergunto:
- Onde é que está o Hoss? - E ele continuava a apontar para as fotos, não chegava onde eu queria, então viro a primeira página do álbum onde há uma foto minha de meio corpo, pergunto:
- É este?
- Tu és o Hoss? - Eu digo que sim. Imaginem como o meu amigo Henrique ficou. Esteve uns minutos em silêncio e depois diz:
- Leva-me a casa.

Nunca mais disse nada. Deixei-o em casa. Passados uns meses, veio ter comigo para eu ir a uma festa a casa dele onde estava gente grande da Guiné que está a viver em Lisboa. Lá fui. Quando chegámos à porta de entrada da sala, ele apresentou-me, fez-se um silêncio sepulcral. Aquele gente ficou atónita em ver ao vivo o Hoss. E assim fiquei amigo do ex-turra, Henrique

Como o mundo é pequeno.
____________

Nota de L.G.:
(*) Vd. poste de 2 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5580: FAP (44): A verdade sobre os incidentes, em Bissau, em 3 de Junho de 1967, entre páras e fuzos... (Nuno Vaz Mira, BCP 12)

Guiné 63/74 - P6188: José Corceiro na CCAÇ 5 (9): Resposta a comentário ou eu e os meus registos

1. Mensagem de José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos -, Canjadude, 1969/71), com data de 10 de Abril de 2010:

Caros amigos Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães
Por lapso da minha parte, quando devia, não respondi ao comentário deixado pelo Jorge Picado no Poste P-6117.
Deixo ao vosso critério a publicação deste artigo, caso tenha interesse, para dar resposta ao acima referido, com inclusão das fotos.

Um grande abraço
José Corceiro


José Corceiro na CCAÇ 5 (9)

Resposta ao comentário ao Poste P6117


Respondendo ao comentário que o Jorge Picado fez ao Poste P6117.
Venho pedir desculpa, mas na altura, devido a ocupações imponderáveis, não respondi, porque honestamente nem me apercebi.
Agradeço as palavras de estímulo e apreço do Jorge Picado.

O Jorge Picado apreciando a minha descrição no Poste em questão, disse: - É impressionante como conseguiste escrever um diário tão completo e descritivo no meio daquela guerra!

Eu não comecei a escrever quando fui para a Guiné. Já antes de entrar no serviço militar tinha o vício de fazer registos de determinados acontecimentos do quotidiano da minha vida e, não só. Não fui instigado por ninguém para escrever, mas comecei a criar o hábito de registar acontecimentos quando começaram os meus primeiros namoricos dos tempos de Liceu, 14, 15 anos de idade. Embora o meu forte não fosse a área de Letras (ainda que tenha dispensado das orais no 2.º e 5.º anos, antigos, em que com a média acima de 13,5 de nota na escrita, se dispensava da oral) o meu forte foi sempre nas áreas de Ciências e Matemática.

Com a entrada na tropa, o engenho afiou a arte e até tive necessidade de introduzir nos apontamentos que fazia algumas nuances, tipo códigos simples complementares para agilizar a escrita e me salvaguardar de algum curioso, uma espécie de escrita cuneiforme, em que um símbolo definido e memorizado por mim representava por exemplo um acto que eu pratiquei.

Paralelamente a estas virtudes, ou defeitos, associavam-se outras que me são peculiares na área do coleccionismo indeterminado; sem ser a mais importante, para o exemplo, cito a fotografia. Ainda antes de ir para a Guiné já tinha máquina fotográfica que me acompanhava com alguma assiduidade.
Com a ida para a Guiné, no meu caso numa conjuntura muito complicada, ainda que eu só possa aferir e valorizar o meu desconforto e a minha situação ao ver-me envolvido num teatro de guerra, que eu tinha muita dificuldade em compreender, mas que era meu dever cumprir e acatar, perante esta ambivalência de conflito psicológico e para colmatar as lacunas do ambiente, acentuou-se a necessidade de compensação e eu entre as poucas opções que tinha, refugiava-me a ler e a escrever sempre que podia. Tinha sempre duas agendas para fazer os registos, uma maior que a outra, uma das quais me acompanhava sempre para escrever na data certa e sequencialmente.

Foto 6 > Cadernos e folhas dos escritos do Corceiro, do Ano 1970, onde estão duas agendas do mesmo ano, uma cor azul (pequena) e outra cor laranja (maior).

Foto 7 > Ano visível 1970 na agenda n.º 1 do mesmo ano. As agendas para as referenciar, eram numeradas, 1 e 2.

Nas operações no mato eu ia sem saber previamente itinerários, objectivos, grau de perigosidade, pouco sabia, pois não assistia ao explanar da operação, mas a minha Especialidade, Transmissões, sempre deixava que transpirasse qualquer coisa pró meu conhecimento. Quando ia em operações, logo que nos instalávamos para descansar e comer a ração, eu fazia logo apontamentos na agenda, de memória rápida, dos casos verídicos vistos pela minha óptica, ainda que registados com a imparcialidade possível. Casos que eu considerasse importantes, tinham que ter mais conteúdo e mais pormenor, assim como outros escritos que eu intitulo de “divagações fantasiosas” que são textos com algum desenvolvimento, registava-os logo que podia, em cadernos do tipo escolar.

Há porém, uma particularidade relevante, muito importante, que não pode ser esquecida, é o fosso que havia e nos distinguia, entre o Jorge Picado que era Capitão e eu 1.º Cabo (que só me lembro de ter usado os distintivos pouco mais de meia dúzia de vezes). No meio militar tínhamos tratamentos muitíssimo distintos, um do outro, eu no meu Aquartelamento, Canjadude, praticamente nem bar tinha para meros convívios de lazer, encontro para conversação, troca de ideias e beber um copo. O bar que havia era só de sargentos e oficiais e, quer queiramos quer não, a separação era muito acentuada, dificultando a miscigenação na vertente sociocultural que é lógico se reflectia em muitas áreas, privando-nos de muita coisa. A escrita no meu caso servia de trampolim para naquele teatro me auto-valorizar e, de alguma maneira me purificar. (eu na época escrevi: -… escrevo para me enaltecer e não me sentir aqui ovelha ou carneiro…)

Foto 1 > Corceiro, com autorização do 1.º Sarg Paulino, a escrever à máquina na Secretaria de Canjadude.

Foto 2 > Corceiro, com as suas escritas no abrigo onde dormia.

Foto 3 > Corceiro, a escrever por trás da secretaria, ao lado do abrigo de Transmissões.

Escrever era pois uma actividade que me dava gozo, ajudando-me a fugir ao tédio, suprir muitas necessidades, sublimar a solidão, de alguma maneira confortar o meu ego, compensava a minha auto-estima, a escrita era como que o elixir e refúgio dum combatente desiludido.

Estávamos confinados num meio muito restrito e carenciado, estávamos carentes, o convívio entre as praças, onde eu estava integrado, pode dizer-se que era o normal, o possível, mas faltava a componente cultural, por isso era recorrente jogar à sueca todos os dias e pouco mais.

Eu por mais duma vez, tentei diversificar os serões no abrigo, introduzindo componentes de lazer e competição, tais como: damas, xadrez, king, canasta, crapô (crapot), ler Os Lusíadas, que eu particularmente muito gostava e sabia navegar bem neles e interpreta-los, (pois tinha lá na altura e tenho, uma Edição muito boa - Porto Editora Lda. 3.ª Edição - com muitas anotações e notas que eu tomei, quando era obrigatório na disciplina de Português) fruto dum bom Professor de Português que tive no 5.º ano. Mas logo me convenci que só a minha boa vontade não era suficiente e, por isso, mais me apeguei a escrever e fiz os registos descritivos, à minha maneira, segundo o meu pulsar, transcrevendo para papel os acontecimentos da guerra que eu ia vivendo no dia-a-dia.

Foto 4 > Prateleira improvisada, junto da cama do Corceiro, onde há papelada de escrita.

Foto 5 > Corceiro, vestido à civil, em cima do abrigo de transmissões, à volta de Os Lusíadas.

Para todos muita saúde e um abraço.
José Corceiro
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6117: José Corceiro na CCAÇ 5 (8): Primeiro rebentamento de mina entre Canjadude e Nova Lamego

Guiné 63/74 - P6187: Contraponto (Alberto Branquinho) (8): Desertores? - A tertúlia anda pouca activa, porquê?

1. Mensagem de Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 9 de Abril de 2010:

Carlos
Embora não tenha recebido procuração nem do Editor nem dos Co-Editores nem indicações de ninguém, achei por bem abordar o assunto tratado no texto.

Não será pertinente, mas é, pelo menos... impertinente.

Um abraço do
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (8)

DESERTORES?


Em Março de 2008 foi inserido o meu primeiro texto neste blogue, que muitos conhecem ainda por “blogue fora nada”, nome que utilizou de Abril de 2005 até Junho de 2006.

Não foi um texto amigável. Foi uma reacção a muitos meses (clandestinos) de leitura deste espaço, porque nele encontrei matéria que entendi menosprezar o envolvimento e o sofrimento da minha Companhia (CART 1689) sobre um determinado período da sua comissão na Guiné.

Já lia, portanto, há bastante tempo, textos publicados no “luisgracaecamaradasdaguine”.

Mas o que me traz aqui hoje é o facto de, lembrando essas leituras e outras posteriores e, além disso, as que resultam de “clicar” em algumas remissões a vermelho, colocadas no final de cada poste, acabei por ler textos muito mais antigos e interessantes de autores que escreveram sobre experiências, situações, sentimentos, costumes, raças, línguas, populações, fauna, flora… Tudo vivido/sentido/absorvido na/ou por causa da experiência na Guiné. Não incluo aqui, como me parece óbvio, aqueles textos que se limitam a descrever experiências guerreiras (sem outro interesse lateral), com pormenores operacionais e fotos variadas que (quase) só aos próprios interessam.

E desses intervenientes mais antigos, que tantos textos interessantes escreveram, não houve mais “novas nem mandados”. Há muito tempo. E PORQUÊ?

- Será que disseram tudo o que tinham a dizer – se esgotaram?

- Será que “foram pregar para outra freguesia”, criando o seu próprio blogue ou outro espaço de comunicação? (De alguns temos nós conhecimento, mas aparecem, também, de vez em quando, por aqui).

- Saturaram-se das temáticas guerreiras e afins?

- Envolveram-se (aqui) em alguma quezília e, por causa dela, debandaram?

- Alguém aqui os ofendeu (voluntária ou involuntariamente) e remeteram-se ao silêncio?

- Pensam que, depois de tantos anos, não se justifica já falar de tempos tão remotos?

- Conheceram outras experiências africanas que substituíram as desses tempos dos 22, 23, 24, 25… anos?

- Entendem que vários temas aqui abordados se desviaram da temática principal, o que causou perda de interesse?

- Saturaram-se de afirmações, posições e contraposições que, de vez em quando, surgem aqui e acolá?

- Foi a entrada na “terceira idade” que os levou a concluir que “já não vale a pena”?

- Os netos (ou bisnetos) passaram a ocupar-lhes todo o tempo?

- Casaram “de novo”… e o novo casamento é muito “absorvente”?

Poderá ser alguma destas (imaginadas) causas ou outra.

Certo é que nova “gente” vem surgindo, fazendo a sua apresentação.

Tendo presente este fenómeno de comunicação e convívio em que se transformou o “luisgracaecamaradasdaguine”, termino com uma questão dirigida a esses “desertores”:

- Vocês dão ou não uma espreitadela, de vez em quando, neste espaço bloguístico?

Alberto Branquinho


2. Comentário de CV:

Caro Branquinho, caros tertulianos.
Por norma não meto colherada nos textos que publico, porque para tal não tenho arte nem engenho.

Desta vez vou abrir excepção, porque o tema levantado é premente e representa o sentir dos editores e de uma parte da tertúlia que se mantém activa.

Não nos cansamos de dizer que ninguém se deve coagir a colaborar feitura das nossas memórias, porque acha que não é capaz de se exprimir convenientemente ou por se achar demasiado intelectual para perder tempo com o que poderá considerar, ser o nosso blogue, uma manifestação naiff.
Todas as sensibilidades são bem vindas porque também todos os extratos sociais conviveram, mais ou menos de perto, dentro e fora do arame farpado. Nas horas difíceis tanto era herói o soldado como o capitão.
Por alguma razão o fundador deste Blogue quer um tratamento uniforme entre os tertulianos, independentemente da formação, emprego e ex-posto militar de cada um.

Deixamos novo apelo à participação de todos com textos elaborados conforme cada um souber e puder, com fotos ilustrativas dos acontecimentos e dos locais (as das poses para a objectiva não têm grande valor), para podermos construir um arquivo de experiências, memórias, comentários e pontos de vista (mesmo antagónicos), para os nossos vindouros saberem que houve uma geração, que mercê de uma visão desajustada da realidade por parte de um regime totalitário, foi obrigada a fazer uma guerra em África, no nosso caso particular na Guiné, que não nos envergonhamos do nosso passado, que consideramos e respeitamos hoje, os nossos inimigos de então, como um povo irmão que infelizmente ainda sofre.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6049: Contraponto (Alberto Branquinho) (7): Macaco fidalgo, inimigo?

Guiné 63/74 - P6186: Em busca de... (127): Localização de Camaradas do BART 733 (Luís F. Camolas)


1. O nosso Camarada Luis F. Camolas, Sold Mec Auto da CCS do BART 733 - Bissau/Farim, 1964/66, enviou-nos, em 18 de Abril de 2010, a solicitação de publicação da seguinte mensagem:

BART 733
Localização de Camaradas


Camaradas,

Sou o Luís F. Camolas, fui Soldado Mecânico Auto e desejo encontrar Camaradas e Amigos da CCS do Batalhão de Artilharia 733 - Bissau/Farim, 1964/66.

Vivo em Setúbal, trabalhei como engenheiro nos EUA, muitos anos, e encontro-me actualmente na situação de reforma.

Podem contactar-me para:

Telemóvel: 912641039
Telefone: 265 404 143
Ou e-mail: ginger7460@gmail.com
Um abraço,
Luís Camolas
Sold Mec Auto da CCS do BART 733

2. Camarada Camolas, numa “viagem” pelo blogue foi possível encontrar referências a 2 Camaradas deste teu batalhão:

- O Fur Mil OpEsp/RANGER João Parreira que fez a sua comissão na Guiné de 8 Outubro de 1964 a 14 Agosto 1966, primeiro na CART 730/BART 733, onde foi ferido em 9 Janeiro 1965 numa operação à base de Bafantandem, na zona de Cancongo e depois transitou para os Comandos.

- O Soldado de Transmissões de Infantaria, também da CART 730/BART 733, Artur Conceição. Era Soldado de Transmissões de Infantaria, mas foi colocado nesta Companhia de Artilharia.

_________
Nota de MR:
Vd. último poste da série em:
18 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6184: Em busca de... (126): Localização de Camaradas da CCAÇ 2382 (José M. M. Cancela)

Guiné 63/74 - P6185: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (25): Diário da ida à Guiné - 05/03/2010 - Dia dois

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 9 de Abril de 2010:

Caro Carlos:
Mais um atraso no envio deste relato devido à minha falta de prática no manuseamento das fotos da máquina de filmar. Estou a começar a encarreirar pelo que espero ser mais pontual. Aliás ontem na Tabanca Pequena vários camaradas perguntaram quando saía a próxima “estória”.

Como agora mando muitas fotos comprimi-as mais. Agradecia que me dissesses se chegaram com a qualidade necessária.

Quanto ao seriado NA KONTRA KA KONTRA, apesar de já ter vários capítulos escritos, tenho tido os mesmos problemas com as fotos, a que há que juntar o problema da publicação de fotos de pessoas, mas que não viveram os acontecimentos. Quero ver se resolvo esse problema para
começar a mandar os episódios.

Aproveito ainda para lembrar aos camaradas que futuramente visitem a Guiné-Bissau que todos (mesmo todos, até ministros!) agradecerão tudo quanto se lhe possa levar, desde lápis, roupa, livros, cadernos, etc. (Em Bissau uma bajudazinha que vendia mancarra pedia: Branco, branco
compra para eu poder comprar água!)

Termino, referindo que, em toda a Guiné não senti mais insegurança que em Portugal. Andei sozinho em Bissau, andei sozinho no mato à caça.

Um abraço.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE FÁFATA - 25

Diário da ida à Guiné – Dia dois (05-03-2010):


Duas ideias estavam sempre presentes na minha cabeça: A ida a Báfata e, se possível, Madina Xaquili, bem como ter a experiência de ir à caça, agora sem constrangimentos da guerra.

Nesta manhã, o grupo resolveu que era o dia de ir ao Saltinho. Báfata ficava adiada. Eu próprio tinha também muito interesse em ir ver as apregoadas belezas do local. Pensando que se passava por Báfata, como há quarenta anos, pedi de “joelhos” para estarmos meia hora em Báfata, para adiantar as coisas para a próxima ida, já com mais calma. Na conversa que estabelecemos pelo caminho, percebi que a ida a Báfata era um sacrifício pois agora a boa estrada alcatroada ia directamente a Bambadinca e à direita para o Saltinho, ficando à esquerda Báfata a 30 km. Assim sendo, fomos directos para o Saltinho.

Porém, pelo caminho, passámos pelas matas de Madina, de Belel e Matu de Cão ao tempo santuários do PAIGC, que o digam os camaradas que aquartelaram por Missirã. Eu próprio, e só por muitas vezes ter colocado marcas de recontros no mapa do Comando de Agrupamento, senti uma grande emoção.

Bambadinca, como todas as grandes tabancas tinha crescido imenso e com o seu mercado de rua estava irreconhecível. Mais emoção quando no cruzamento pude ver a placa a indicar Báfata.

Logo a seguir à Ponte dos Fulas ainda conseguiu ver-se o abrigo da guarda à ponte.

Antigo abrigo de guarda à Ponte dos Fulas

Passámos a derivação à direita, para o Xime, passámos pelo Xitole e em determinada altura começou-se a avistar uma ponte aos arcos. Estávamos no Saltinho. Ainda antes da ponte e, virando à direita, entrámos no empreendimento turístico que ocupa em parte as antigas instalações do quartel, numa pequena elevação sobranceira ao rio.

Mesquita do Xitole, aliás igual a outras da região.











Pinturas murais das Companhias que passaram pelo Saltinho, agora na sala de refeições do empreendimento.


Nesta ida à Guiné não visitei o sul do Geba/Corubal, por não haver ligações de barco a partir de Bissau e pelo Saltinho tornava-se já longe a partir de Bula, mas de tudo o resto que vi, incluindo Varela, o Saltinho foi o local mais espectacular que visitei.

Na esplanada do Empreendimento Turístico do Saltinho, com o Pimentel.

Almoçámos no empreendimento um óptimo prato de peixe (bica), não sem que antes tivéssemos ido tomar banho ao Corubal, distante uns 50m. Achei a água magnífica, límpida, como não imaginava. Eu que gosto mais de rio que de mar, cheguei a atravessar o Corubal a nado. E tomar banho junto das quedas de água? Nem no meu Nordeste Transmontano.

Uma bajuda de entre os muitos miúdos que tomaram banho junto de nós.

Depois do almoço, eu e o Mesquita dirigimo-nos à tabanca do Saltinho, situada do outro lado do rio. Não fomos pela ponte principal mas sim pela antiga ponte submersível, cem metros a montante. À saída do empreendimento e do outro lado da estrada deparámos com a plataforma de poiso dos helis, que ainda tinha parte das marcações pintadas. Mais a baixo, junto a um edifício em ruínas e onde funcionaria uma escola, resolvi abrir com os dentes a castanha de um caju, aliás como costumo fazer cá com as amêndoas em verde.

Uma escola com os característicos banquinhos, num antigo edifício, já sem telhado

Queimei a boca e fiquei sem paladar durante dias, de tal forma que passados dois dias, quando tomava banho no mar em Varela achei que a água não era salgada.

Do outro lado da estrada principal e junto ao caminho que conduzia à ponte submersível, a antiga plataforma de poiso dos helis. Ao fundo, o Mesquita, dá escala ao conjunto.

Panorâmica com o heli-porto à esquerda, ao centro a ponte e à direita a entrada para o empreendimento turístico, onde antes era o aquartelamento.

A ponte submersível vista de Sul e de jusante.

Atravessámos a ponte submersível e já à entrada daquela recôndita tabanca deparámos com uma construção que numa parede ostentava os dizeres: Discoteca do Saltinho.

Deambulámos os dois pela tabanca que parecia enfermar do isolamento raiano. Em determinada altura alguém me chama, convidando-me a entrar para uma morança. Só entro eu. Lá dentro está uma família abrigada do torresmo do sol, naquela hora. Além de fotografar e filmar tive uma conversa interessante com os adultos em que um, que tinha sido guerrilheiro, me manifestou o desagrado da situação em que se encontravam e que achava que estariam bem melhor se Portugal não tivesse saído da Guiné.

Os adultos com quem conversei, dentro de uma morança, na tabanca do Saltinho.

Já fora da morança uma muher grande pediu-me que lhe desse um telemóvel. Expliquei-lhe o melhor possível, que embora tivesse gasto muito para vir de Portugal e estar ali, não podia andar a dar telemóveis.

Por ter dado alguns lápis e canetas aos miúdos que sempre me rodearam, não mais me largaram até ao empreendimento. Desta vez atravessámos a ponte principal, de Sul para Norte, portanto.

Chegados ao empreendimento ainda houve tempo para mais uma vez mergulhar e sobretudo refrescar, no Corubal. Pouco depois iniciámos o regresso.

Como já anteriormente tinha falado com o Allen sobre um tal Sr. Camilo (de quem já falei noutra estória), que há quarenta anos, em Báfata, costumava oferecer uns lautos jantares aos oficiais e para os quais eu nunca aceitei o convite, disse-me que talvez fosse um caboverdiano que morava em Bambadinca. Apesar de não me lembrar se realmente alguma vez o tinha visto adiantei que não deveria ser o mesmo pois achava que não devia ser caboverdiano e que já devia ter morrido. O Chico disse então que íamos tirar isso a limpo. Em Bambadinca parámos junto à casa desse Sr. Camilo, estando ele sentado à porta, um caboverdiano com 76 anos. Era realmente ele. Pedi-lhe desculpa (passados 40 anos) de nunca ter aceite os seus convites (já noutra estória referi as razões) e na conversa que se seguiu ele referiu que há 40 anos pertencia à PIDE (se pertencia a algo mais, não disse). Tirámos as fotos da praxe e seguimos caminho.

Em Bambadinca com o Sr. Camilo. (foto do Pimentel ou do Mesquita)

O Chico, em Jugudul quis parar para visitar um amigo que tinha a principal destilaria de aguardente de cana da Guiné, a “Bordão”. Também bebemos umas cervejas e sobretudo fiquei a saber as últimas novidades de Báfata, nomeadamente sobre o cinema e o seu proprietário, o Sporting Club de Báfata. Interessava-me esse tipo de informações pois tinha prometido a um amigo santomense (Silas Tiny) que anda a fazer um trabalho ligado ao Cinema de Báfata, que lhe recolheria toda a informação sobre o assunto.

O proprietário da destilaria, que nos recebeu em sua casa.

Regressados ao Anura, penso que comemos uma sopa (ao almoço comia-se normalmente muito). Noticiário (com as invariáveis notícias das falcatruas habituais do nosso país) e cama.

Até amanhã camaradas.
Fernando Gouveia
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6101: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (24): Diário da ida à Guiné - 04/03/2010 - Dia Um

domingo, 18 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6184: Em busca de... (126): Localização de Camaradas da CCAÇ 2382 (José M. M. Cancela)


1. O nosso Camarada José Cancela, ex-Soldado A M da CCAÇ 2382, Bula, Buba, Aldeia Formosa, Contabane, Mampatá e Chamarra, 1968/70, enviou-nos, em 9 de Abril de 2010, o seguinte apelo:


CCAÇ 2381 & CCAÇ 2382
Localização de antigos combatentes
Camaradas,

Como já foi noticiado pelo Camarada José Teixeira (em 20 de Março, no poste P6024), irá realizar-se a 1 de Maio um encontro dos antigos combatentes das CCAÇ 2381 e CCAÇ 2382 (a minha companhia).

Existem Camaradas que, até hoje, nunca deram sinais de vida.

Solicito-vos que publiquem, no nosso blogue, o nome dos mesmos, na tentativa de os reencontrar!

São eles:
 
Alf Mil António Lopes Ferreira
Sold Condutor Filipe Manuel Nogueira Martins
“ “ Agostinho dos Santos Moreira (Rio de Mina - Vila Nova da Telha)
Sold Armas Pesadas José Paiva Lopes
..“..... “........ “.... Manuel Tomé Brás
Sold Atirador José António dos Santos (Montegrão - S. Mamede - Torres Vedras)
..“....... “.... António Batista da Silva (Sintra)
..“....... “.... Manuel da Silva Teixeira
..“....... “.... Artur das Neves Pereira
..“....... “.... Armando Manuel S. Rodrigues
..“....... “.... António Carlos Pinto da Fonseca
..“....... “.... Isaltino de Almeida (proveniente da CCAÇ 1742)
..“....... “.... Joaquim Gonçalves dos Santos (Rendeu o Lavareda)
..“....... “.... Manuel Fernandes Pinto (Rendeu o Malhoa)
..“....... “.... Manuel Firmino Pinto Lima (Rendeu o Fidalgo)
..“....... “.... Manuel da Cunha Mota (Rendeu o José Paiva)
..“....... “.... Armando Neves Assunção (Rendeu o Januário Morgado Neiva)
..“....... “.... José Pinto (Rendeu o Fortuna)
2º Sargento Manuel Leitão Silvério (Rendeu o Gonçalo)
........“...... Henrique Soares Correia (Rendeu o Farracho Mota)

Um grande abraço de Buba a Aldeia Formosa, abrangendo Nhala e Mampatá
José MM Cancela
Sold A M da CCAÇ 2382
_________

Guiné 63/74 - P6183: Tabanca Grande (213): Carlos Nery Gomes de Araújo, ex-Cap Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)



Guiné > Região de Quínara > Buba > CCAÇ 2382 (1968/70) > Dia do pagamento do pré. Cap Mil Art Gomes de Araújo, Alf Mil Curado, Sargento Boiça e Fur Mil Henrique. A foto é do nosso camarada Manuel Traquina, retirada e editada, com a devida vénia, do seu livro, Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné (Abrantes: Palha de Abrantes, 2009, p.130).




1. Texto de Carlos Nery, com data de 13 do corrente, enviado ao editor do blogue, com conhecimento ao Manuel Traquina (ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70)

Assunto: O Guião da CCaç 2382

Amigo e Camarada,

Sou o Carlos Nery Gomes de Araújo, fui o comandante da CCaç 2382. Capitão Miliciano, portanto. Teria muita coisa a contar da minha experiência de Guiné... Por vezes, até, tenho a sensação de que nem saberia por onde começar...

Tenho reparado que, à medida que o tempo passa, me vão surgindo fragmentos, aparentemente sem importância e que, pouco a pouco, vão conquistando um relevo até agora insuspeitado. Por exemplo, sou um amador (no sentido em que amo) de Teatro. Aliás, em Bissau, no fim da comissão, ainda encontrei disposição para encenar "A Cantora Careca", de Ionesco... Teatro do absurdo em teatro de guerra... Um dos meus actores foi o Alferes Barbot, da Secção de Justiça do QG, hoje escritor Mário Cláudio. No programa do espectáculo escreveu um texto muito a propósito da situação dos muitos absurdos em que estávamos mergulhados...

Bem... Passaram-se quarenta anos, não é? Pois acontece que, neste momento, participo numa empolgante experiência no Centro Cultural de Belém.

Dir-lhe-ei que foram convidadas pessoas com experiência teatral com idade superior a sessenta anos. Tiago Rodrigues (actor, dramaturgo e encenador) é o responsável pelo projecto que aponta para a formação da Companhia Mayor do CCB. O texto ainda não existe. Ou melhor vai sendo construído por nós. Numa primeira apresentação pública eu "fui" um soldado que conta um episódio baseado em algo que aconteceu realmente:

Em 26 de Agosto de 1968, a CCaç 2382 estava empenhada na segurança à coluna Aldeia Formosa/Buba efectuada pela CCaç 2381.

O inimigo actuara nos pontões da estrada, destruindo, por completo o do Rio Gunti e colocando minas A/P e A/C nas imediações. A água da chuva subira nas bolanhas. Um dos militares da 2381 pisara uma mina perdendo um pé. A Força Aérea informava só poder fazer a evacuação de Nhala, afirmando não ter tecto para descer junto da coluna atascada numa das bolanhas. Pedi voluntários e parti com eles até encontrá-la. Há lençois de água com centenas de metros. O capitão Aidos, metido na bolanha, faz passar viatura a viatura puxadas por um guincho. Um inferno!

Regressamos com o ferido. Tinham sido cerca de oito quilómetro até à coluna. Outro tanto no regresso mas carregados com a maca que nunca julguei ser tão pesada! Mas o helicóptero aguarda-nos em Nhala. O ferido recebe os primeiros tratamentos e é levado para o Hospital de Bissau.

Baseado neste episódio real, improvisei, portanto, um texto que disse nessa primeira apresentação pública. "Fui" um soldado descrevendo e comentanto aquilo que vivemos então.

Mas muito mais poderia relatar. O célebre ataque a Buba, que já comentei em http://coisasdomr.blogspot.com/2009/01/guin-atauqe-buba-livro-guerra-colonial.html (*), mas que talvez merecesse um relato mais detalhado. O ataque a Contabane, no início da nossa comissão. (Sobre este último escrevi um texto, já publicado, que poderei facultar). E as tais pequenas coisas, aquelas sem importância mas, talvez, as que têm mais encanto como a que descrevi no CCB.

Um abraço do Carlos Nery

2. Comentário de L.G.:

A Internet tem destas coisas, está a transformar-se num verdadeiro Big Brother, para o melhor e para o pior. Deixámos de poder passear, tranquilos e anónimos, pelo espaço público... Foi o que aconteceu ao Carlos Nery, que vim a descobrir que vivia em Alfragide. Daí até arranjar o seu nº de telefone fixo foi um ápice, permitindo-me entrar em contacto com ele. Primeiro que tudo, somos vizinhos... Mais vizinho ainda dele é o Humberto Reis, ambos moram na mesma rua, a Dom Luís I...

Além disso, o Carlos é bancário, reformado, tendo trabalhado no Banco de Portugal, o que quer dizer que temos alguns amigos e conhecidos comuns... No início da década de 1960 era estudante em Coimbra, tendo sido um dos fundadores da Real República Trunfé-Kopos... O grande entusiasta da passagem do Solar a República foi o Dr. Jacinto Magalhães, médico já falecido (em 1987), que passou á história da saúde em Portugal por ter sido o pioneiro, em 1971, do teste do pezinho (diagnóstico pré-natal). O seu nome passa a estar imortalizado através do Centro de Genética Médica Dr. Jacinto Magalhães, com sede no Porto, e que faz parte do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.

O Carlos Nery contou-me, rapidamente, a sua história: tinha feito a tropa nos anos 1957/59, dez anos depois seria chamado para o Curso de Milicianos... Ei-lo, pois, a comandar a CCAÇ 2382, que esteve na Região de Quínara (Buba) mas também na Região de Tombali (Aldeia Formosa)... Falámos logo de camaradas conmhecidos, o Manuel Traquina (CCAÇ 2382) mas também o Zé Teixeira (CCAÇ 2381)... Doutro Maioral, o Alf Mil José Belo, ele não se lembra... A propósito, estas duas companhias (independentes, mas que andaram pelos mesmos sítios e actuaram em conjunto nalgumas operações), vão-se encontrar em Fátima, no dia 1 de Maio, em almoço-convívio anual...

O Carlos Nery conhece o nosso blogue e aceitou o meu convite para ingressar na nossa Tabanca Grande (**). Um dia destes vamo-nos encontrar, para continuar a nossa conversa. Para já, ficamos a saber que é o autor do brazão ou logótipo da sua companhia (pormenor que terá passado despercebido ao Manuel Traquino). Que teve um único morto, o infeliz "Esgota.Pipas", vítima do ataque ao quartel de Buba, em 14 de Fevereiro de 1969 (é evocado pelo Manuel Traquina, no seu livro, a pp. 143/144). E, finalmente, que ficou em Bissau, por razões burocráticas, depois da companhia regressar à Metrópole, tendo levado à cena a peça do Ionesco, "A Cantora Careca", com três actores, que hoje são figuras públicas: o escritor Mário Cláudio, o constitucionalista Canotilho Gomes e um advogado madeirense, de apelido Vasconcelos, cujo nome não retive (João ? José ?).

Carlos, sê bem vindo! Temos uma série, Eu, Capitão Miliciano, Me Confesso (***), a que tens que dar continuidade.

______________

Notas de L.G.:

(*) Comentário ao poste de 25 de Janeiro de 2009 > M48 - Guiné - Ataque a Buba (Livro Guerra Colonial do Diário de Notícias)

(...) Eu era o Comandante da CCaç 2382, uma das unidades sediadas em Buba quando do ataque. A frase transcrita do relatório,, então elaborado, foi de minha autoria. Porém, o desenho baseado naquele que fiz nesse mesmo relatório, contém algumas inexactidões.

Efectivamente os cinco bigrupos do PAIGC que pretendiam entrar em Buba (cerca de 300 homens) foram emboscados por um grupo de combate da CCaç 2382, comandado pelo Alf Mendes Ferreira, e por elementos do Pelotão de Milícia, postados no exterior do aquartelamento para lá da pista de aviação, tendo retirado com baixas e sem atingir o seu objectivo. Nessa retirada utilizaram o largo trilho aberto quando da sua aproximação.

Enquanto isto, a nossa artilharia, 2º Pelotão/BAC, comandado pelo Fur Mil Gonçalves de Castro, atingia com eficácia a posição dos morteiros inimigos. Ficaram no local e foram capturadas na madrugada seguinte pelos fuzileiros do DFE 7, 158 granadas, das 180 com que contava o Comandante Peralta na sua "Ordem de Fogo", preparando o ataque a Buba.

Entretanto, os dois morteiros 81, guarnecidos pelo Pel Mort 2138, atingiam a posição ocupada pelo comando do ataque IN, instalado na margem direita do Rio Mancamã, junto à foz. No lusco-fusco desse fim de tarde, viu-se, do quartel, a confusão de vultos em fuga, por entre o capim, nessa outra margem do rio. A maré estava baixa. Um frémito percorreu os defensores. Elementos do DFE 7, da CCaç 2382 e da Milícia, sob o comando do Tenente Nuno Barbieri, alcançam a margem do rio Bafatá, fronteira à posição dos canhões sem recuo e do comando inimigo. É aí deixada uma base de apoio comandada pelo Alf Domingos, da CCaç 2382, enquanto o Tenente Barbieri tenta ganhar a margem oposta no comando dos restantes voluntários, actuação esta que fez aumentar a confusão existente no dispositivo inimigo. Uma noite sem lua caíra, entretanto. Foi decidido regressar ao quartel.

O relatório desta acção foi recebido com cepticismo em Bissau. Porém, quando da captura do Comandante Peralta, pelos Pára-quedistas, passados poucos dias, foi constatado que os planos de sua autoria para atacar Buba se ajustavam à descrição por nós elaborada.

Na realidade, o Comandante Pedro Peralta cometeu algumas falhas: as obsevações que mandou efectuar deixaram sinais detectados pelos nossos patrulhamentos. Por outro lado a preparação do tiro de artilharia que efectuou nas vésperas do ataque (disparos isolados ocorriam a horas inesperadas) levou-nos a prever o tipo de ataque que se preparava. Para cúmulo instalou as suas bocas de fogo nos pontos de mais provável instalação, já utilizados em inúmeros outros ataques. Mal foram ouvidas as "saídas" da artilharia inimiga já a nossa resposta ía a caminho com precisão. O resto já está descrito. Mas o "azar" de Pedro Peralta não acabou ali. Passadas escassas semanas, no dia 18 de Novembro, caía numa emboscada dos pára-quedistas do CCP 122, onde foi gravemente ferido e capturado pelas nossas tropas. Ficava adiada por mais uns anos a tentativa do PAIGC de fazer subir a fasquia do tipo de guerra de que vinha tomando a iniciativa.

Gomes de Araújo (Cap Mil Art) (...)

(**) Vd. último poste desta série > 16 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6166: Tabanca Grande (212): Manuel Carvalho Passos, Pel Rec Inf/CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/73 (Juvenal Amado)

(***) vd. postes de:

28 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3248: Eu, capitão miliciano, me confesso (1): Engenheiro agrónomo, ilhavense, 32 anos, casado, pai de 4 filhos... (Jorge Picado)

17 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3581: Eu, capitão miliciano, me confesso (2): Vasco da Gama, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74

Guiné 63/74 - P6182: Em busca de... (125): Camaradas do ex-Fur Mil Inf João José Viana Dias de Azevedo da CCAÇ 2658/BCAÇ 2905 (João Azevedo)

1. Mensagem de João Azevedo com data de 8 de Abril, dirigida ao nosso Blogue:

Boa tarde,
Chamo-me João Azevedo e sou filho de um antigo combatente na Guiné pertencente ao Bat Caç 2905, tendo estado na Guiné entre os anos de 1970 e 1972 sensivelmente.
Vi o seu blog na internet e verifiquei que o nome do meu pai não aparece nas listagens de antigos combatentes.

O nome do meu pai é igualmente João Azevedo (João José Viana Dias de Azevedo) e é natural de Viana do Castelo. Infelizmente o meu pai faleceu em 2002 vítima de um cancro e se fosse vivo teria 62 anos. Faleceu longe da família e por esse motivo, fiquei com poucas recordações (fotográficas antigas) dele.

Recordo-me de ver fotos do tempo da Guiné dele e dos seus camaradas, mas agora isso tudo está perdido, pelo motivo que referi.
Nesse sentido, gostaria de saber se me poderia ajudar a encontrar camaradas de meu pai que possuíssem fotos em que ele aparecesse para poder ficar com algum registo fotográfico dele desse período marcante da sua vida.

Junto envio uma foto de meu pai com a idade de 20 anos aproximadamente, correspondente ao período em que estaria na Guiné para ajudar a identificá-lo. Sei também que ele, até 2001 foi aos encontros anuais de antigos combatentes do batalhão, por isso creio que algum camarada o poderá identificar e quem sabe ajudar-me no meu pedido.

Fico a aguardar feedback de sua parte
Atenciosamente
João Azevedo
jjrazevedo@hotmail.com


2. Mensagem resposta enviada ao nosso amigo João:

Caro João
Os nossos cumprimentos
Ajudava muito se soubesse o Posto e Especialidade de seu pai, assim como a que Companhia ele pertenceu.
Temos na nossa tertúlia três camaradas de Batalhão de seu pai, mas que se forem de outras Companhias poderão ou não lembrar-se dele.

Para ajudar, o Batalhão de Caçadores 2905 era composto pelas Companhias operacionais 2658; 2659 e 2660. Ainda por uma CCS, Companhia de Comando e Serviços.

Se o seu pai foi Atirador pertenceu a uma das Companhias operacionais, mas se tinha outra Especialidade, tal como, Condutor, Transmissões, Enfermeiro, Mecânico, etc, pertendeu à CCS.

Espero mais pormenores, se os tiver.

Um abraço de
Carlos Vinhal


3. Nova mensagem de João Azevedo:

Boa noite Sr. Carlos Vinhal,
Desde já o meu obrigado pela prontidão na resposta ao meu email.
Infelizmente sei pouco acerca da vida militar de meu pai. Sei apenas que o seu posto era furriel e penso que a especialidade era minas e armadilhas. O meu Pai na recruta esteve em Tavira e na escola prática de sargentos em Mafra. Não sei se isso ajuda na identificação também.

Ao nível da sua actuação na Guiné, sei da situação que levou ele a receber um alto louvor em combate (passado e confirmado desde o comandante de batalhão até ao chefe maior das forças armadas da altura, o que me permite p. ex: ao abrigo do dec lei 358/70 de 29 de Julho, ficar isento do pagamento de propinas), que segundo, do que me recordo de ter lido na caderneta militar, "por ter mostrado frieza em combate, pela reorganização do pelotão e prestado auxílio aos feridos".

Nesse "evento", se não estou em erro, o meu pai teria mais ou menos 2 semanas de Guiné, o alferes comandante do pelotão sucumbiu ferido mortalmente, tendo morrido nos braços do meu pai (relato do meu pai, que referiu que tentou estancar a ferida no peito).

O meu pai tinha como arma uma HK e debaixo de fogo (a situação foi uma emboscada) disparou a arma até esta se ter encravado. Arranjou a avaria e a arma de novo quebrou. Ele referiu-me que ao lado dele, um camarada chorava compulsivamente incapaz de reagir. O meu pai esbofeteou-o para o chamar à razão, reorganizou o pelotão, e prestou socorro médico como pode.

Estando a situação "mais aliviada" deslocou-se ao aquartelamento, trouxe um veículo com o qual providenciou a retirada dos feridos e fez ainda batida à zona. Por isto foi então condecorado.

Sei ainda que foi ferido por duas vezes ao longo da campanha militar tendo ficado internado dessas duas ocorrências.

Não sei se estes acontecimentos ajudam na identificação por parte de algum camarada dele. Agradecia sinceramente tudo aquilo que me conseguissem facultar.

Atenciosamente
João Azevedo


4. Segunda mensagem enviada ao João:

Caro João
Fiz umas pesquisas, e do Batalhão de seu pai encontrei a morte em combate de um Alferes da CCAÇ 2658. Isto no dia 16 de Maio de 1970. Se for esta a situação que me descobre, o seu pai pertencia a esta Companhia.

Vou estar ausente uns dias, mas para a próxima semana vou publicar as suas duas mensagens e vou identificar o senhor seu pai como tendo sido Fur Mil da CCAÇ 2658/BCAÇ 2905.

Julgo que o João está enganado quanto ao local onde o seu pai terá feito a Especilalidade porque a Escola Prática de Infantaria era destinada à formação de Oficiais. Só se ele foi lá tirar algum Curso especial. Eu também fui Furriel, fiz a Recruta nas Caldas e a Especialidade na Escola Prática de Artilharia em Vendas Novas. Depois fiz também o curso de Minas e Armadilhas, na Escola Prática de Engenharia em Tancos, provavelmente a seguir ao seu pai, porque eu fui para a Guiné em 13 de Abril de 1970 e o seu pai em Janeiro. Isto são pormenores.

Depois informo-o daquilo que fizer.

Receba um abraço
Carlos Vinhal


5. Comentário de CV:

Caros cmaradas, tudo leva a crer que estamos à procura dos companheiros de João José Viana Dias de Azevedo, ex-Fur Mil At Inf com o curso de Minas e Armadilhas tirado na EPE de Tancos. Pertenceu quase de certeza à CCAÇ 2658/BCAÇ 2905 que esteve na Guiné entre Janeiro de 1970 e Dezembro de 1971.

A CCAÇ 2658 andou por Teixeira Pinto, Bachile, Nhamate, Galomaro, Paúnca, entre outros destacamentos. Foi comandada pelo Cap Mil Hermenegildo Gomes Ribeiro.

Com respeito ao acontecimento referido pelo João, em que o seu pai se terá distinguido por actos de bravura, coragem e determinação, encontrei no 8.º Volume, Mortos em Campanha, da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África, Tomo II - Guiné - Livro 1, encontrei 5 mortos em combate, causados ao que julgo por ataque IN a uma emboscada a uma coluna auto no itinerário Nhamate-Binar, no dia 16 de Maio de 1970.

A identificação dos mortos é a seguinte:

António Fernandes Peixoto, Soldado Atirador de S. Romão de Arões - Fafe
António Marques Francisco, Soldado Atirador de São Miguel do Mato - Vouzela
David Miranda Casanova, Soldado Atirador de São Miguel da Carreira - Barcelos
José Andrade de Brito, Soldado Atirador de Sanfins - Paços de Ferreira
José Manuel Godinho Pinto, Alf Mil Inf de Reguengos de Mansaraz

Pede-se aos camaradas da CCAÇ 2658 que tenham fotos antigas e mais actuais do nosso camarada ex-Fur Mil João José Azevedo, uma vez que ele participava dos Encontros da Unidade, o favor de contactarem o seu filho, dando assim a alegria de ficar a conhecer o passado de seu pai.

Desde já o nosso reconhecmento
CV
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Notas de CV:

Sobre este assunto vd. poste de 9 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6134: Em busca de... (122): Procuro informações sobre meu pai: João José Viana Dias de Azevedo, do BCAÇ 2905 (João Azevedo)

Vd. último poste da série de 16 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6165: Em busca de... (124): Procura-se o pedreiro Amaral que pertenceu à CCAÇ 2791 (António Bastos)

Guiné 63/74 - P6181: Notas de leitura (95): Até Hoje (Memória de Cão), de Álamo Oliveira (Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Abril de 2010:

Queridos amigos,
A aventura continua, acabo de receber livros emprestados sobre obras de Amândio César, Alexandre Barbosa e Francisco Valoura. Chegou mesmo, pelas mãos do Manuel Joaquim um livro do Luís Rosa “Depois da Guerra”, edição de autor (1990) que muito provavelmente é a primeira versão de “Memórias dos Dias sem Fim”. Vamos ver.

Continuo a apelar a que não se esqueçam de me indicar títulos respeitantes a edições dos anos 90.

Um abraço do
Mário


O medo dos fantasmas é que nos aguenta aqui

Beja Santos

Álamo Oliveira (1945) é romancista, poeta, dramaturgo, ensaísta, director teatral, pintor. “Até Hoje (Memória de Cão)”, publicado pela Ulmeiro, em 1986, será porventura a sua única incursão ficcionista pela Guiné. É um livro assombroso e singular. Só poderia ter sido escrito por um ilhéu e um homem de coragem, capaz de se despir do seu íntimo, num texto de enorme elevação, lirismo e sofrimento incontido.

Tudo começa na Rocha Conde de Óbidos, naquele cais de Alcântara João só pensa na ilha e suas gentes: “Vinha do lado norte mais alto e ventoso, os campos rasos e verdes, casas a brilhar de cal, pequenas, baixas, conchas perdidas na ilha perdida. Passara a infância embrulhado no cheiro saboroso que o suor empresta às pessoas ao tempo, às coisas. Eram perfumes silvestres – muita bonina, conteiras, faias do norte, quase bedum de esperma, queijo”. Daquele atlântico trazia memórias de vacas, burro e cão, cataclismos vulcânicos, uma infância em se andava descalço e limpo. Agora era o 127 e partia para a Guiné. Tem dias para sulcar os mares a pensar no pão duro da sua criação, a bordo do Uíge. Praticara jogos de guerra no Monte Brasil em emboscadas na estrada do mato, na sua ilha verde, rodeado de vacas pacíficas. Tinha 21 anos, não chegara a comprometer-se com a Isabel, partiu para a tropa, andou a saltar, a marchar e a rastejar, aprendeu a dar tiros de coice Mauser. Nos fundos do porão do Uíge escreve os seus primeiros aerogramas, regista num caderno os seus estados de alma. As recordações desfilam, é menino e moço, aprende os frémitos do sexo e as masturbações colectivas.

Chega o alvorecer em que se avista África, uma massa verde, pequeninas ilhas, pássaros irreconhecíveis. O Uíge entra numa enseada que não é. João Machado vem em rendição individual, pertence ao contingente daqueles que substituem doentes, estropiados, desaparecidos e mortos: “Estão ali como peças sobresselentes, parafusos, panelas, agulhas, culatras, e mesmo corações, alvos, cabeças e, quem sabe, almas”.

A bordo de uma Berliet, atravessa Bissau a caminho do Quartel de Adidos, é uma paisagem nua, alguém lhe fala nos baga-baga, João nunca viu tantos rostos tensos. De novo a memória esvoaça para a ilha, para os inhames e café-cevada, a matança do porco, depois o discurso do capitão Gandra trá-lo à realidade. Cá fora do refeitório, uma fila interminável de negros, quase só crianças, as barrigas entumecidas pela fome, aguardam os restos da sopa. Ouve-se a cólera do capitão Gandra: “Cabo-dia, manda formar estas cavalgaduras imediatamente. As cavalgaduras formaram. Seguiu-se um silêncio que África inteira ouviu. As boas vindas estavam dadas”. Nos Adidos, aqueles soldados em repouso só pensam em salvar a pele. João quer resistir, o seu coração está na sua freguesia. Até que um dia é mandado para Binta, até teve o luxo de ir de helicóptero, iam evacuar uma negra grávida, a criança estava atravessada.

Binta não o comoveu, aparecia-lhe como lugar sem história, três casas de colonos já fugidos à guerra, quatro barracões de mancarra e uma tabanca de balantas e mandingas. Nomearam-no padeiro. Devagar, a sensualidade começa a tomar conta do relato de Álamo Oliveira: “O rapaz está agora à sua frente, grande como ele, tronco a brilhar de óleo suado, a pele lisa como cetim, os calções curtíssimos a realçar o corpo rijo. Tem o rosto oval, assim como mondligliano, boca desenhada a rigor, lábios fortes e molhados, o nariz regular, o queixo chaveta e cabelos muito castanhos e lisos, fartos, caídos à vontade. São os olhos castanhos que se fixam em João, protegidos por duas grandes pestanas. Chamo-me Fernando”.

Assim começa uma relação, uma cumplicidade, um encontro destinado a um desencontro trágico. São homens sós, Fernando vai ser abandonado pela mulher que lhe deixa a filha em casa dos pais. Isabel ainda escreve a João, é uma ânsia de tudo querer dizer, João sente o doce sossego da ilha, mas a aparição de Fernando está a pôr-lhe os sentimentos numa estrada de verdade. Em Binta, o cansaço é gelatinoso, fala-se desenfastiadamente do que se passa naqueles locais onde à noite se ouvem os rebentamentos, ali perto, em Guidage, há alguns perigos, e do outro lado, na mata do Oio, reside uma ameaça permanente. É na bebida que a guarnição entorpece o tédio daquele tempo lodoso. João confia-se cada vez mais a Fernando, o tempo passa e o afecto de ambos anda à deriva, João retrai-se, não se sente capaz de assumir o que lhe vai no coração.

Depois Binta é atacada e Zé Domingos mortalmente atingido, ficara no cais, completamente perdido de bêbedo. A atmosfera psicológica lança os soldados no marasmo, há gente completamente ensimesmada. É o caso do Mastigas que se fez pêndulo de silêncio, adorador dos grandes vazios. João continua a preencher o seu caderno. A chegada do correio é um acontecimento avassalador, como Álamo Oliveira descreve: “Estão como cabras espantadas, prisioneiros ridículos, inocentes, amantes de cordel, aos saltos, gritinhos tarzânicos. Doentes de alegria explosiva, rapazes com o coração a viajar para o princípio do ser, primitivos os sentidos expostos. Fixam-se no meio da parada, a mão à testa para tapar o sol, a avioneta de voo raso, dois sacos de correio que se despenham e se amparam nos mil dedos que os agarram... As notícias vinham ali ensacadas, cadeadas, atrasadas quase quatro semanas. Vinham alegrias de tempo contado, saudades moídas pela azenha da distância, tristezas em rebanho... Os olhos estão fixos nas mãos do cabo-escriturário que agora é todo o quartel de Binta e só aquele tamanho, a mão emocionado metendo a chave no cadeado do saco com a mesma untuosa demora da desfloração”.

Com o andar do tempos, o álcool vai tomando conta de tudo e todos. Isabel casou com um imigrante, fartou de tanto silêncio, quem vive na ilha está pronto a partir para a América, mesmo que o amor venha depois. Depois o Mastiga suicida-se: “O tiro isolou-se como um deus chateado no seu claustro de silêncio. Na cama do fundo, o Mastiga está deitado desafiando a pontaria de todas as armas do mundo. Vão falar-lhe dessa indiferença, dessa coragem deitada, do tiro isolado e único. E a boca estoira-se-lhes num grito imenso de pavor. O Mastiga atravessara a cabeça com uma bala de G-3. Parecia uma flor vermelha, desfolhada sobre a almofada muito branca e aflita”.

Chegou a hora de uma LDM ir buscar toda a tropa a Binta, de novo embarca no mesmo Uíge que o trouxera, até Alcântara. João e Fernando vão ver “Música no Coração” no Tivoli e depois vão dormir numa pensão no Rossio: “No quarto número treze o amor ficara do tamanho da cidade e coubera inteiro numa pequena cama de ferro, pintada de esmalte branco. Não há sinais de proibição, códigos de viagem, espartilhos no coração. Os seus olhos brilham e dormem”. João vai regressar à ilha, Fernando promete escrever, só que as suas cartas nunca obterão resposta. Tudo está diferente quando ali chega, porque ele é que está diferente. “Poucos meses depois, sem grandes pré-avisos, João despediu-se da família e... emigrou. Até hoje”

É uma obra de grande inspiração lírica, com todo o desassombro a homossexualidade é narrada com afecto e desafectadamente. E não deixa de impressionar o peso esmagador da ilha, omnipresente em João e na tragédia de tanto encontro e desencontro. Para que conste.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 17 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6170: Notas de leitura (94): Crónica dos dias levantados da guerra, com os horrores de Goya e tudo (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6180: Lançamento do livro do Amadu Bailo Djaló: Lisboa, Museu Militar, 15 de Abril (3): Intervenção do Cor Cmd Ref Raúl Folques

 


 Lisboa, Museu Militar, 15 de Abril de 2010. Lançamento do livro do Amadú Bailo Djaló, "Comando, Guineense, Português" (edição da Associação dos Comandos, 2010). Intervenção do Cor Comando Ref Raúl Folques.

 Vídeo (8' 43''): © Luís Graça (2010). Alojado em You Tube > Nhabijoes (conta do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)




Raúl Folques, com o posto de major foi o último comandante do Batalhão de Comandos Africanos, antes do 25 de Abril de 1974, mais exactamente entre 28 de Julho de 1973 e 30 de Abril de 1974, tendo sido antecedido pelo major Almeida Bruno  (2 de Novembro de 1972 a 27 de Julho de 1973), e imediatamente seguido pelo Cap Matos Gomes (1 de Maio a 12 de Junho de 1974).  Os dois aparecem aqui na foto, à esquerda, o Matos Gomes, e à direita o Folques.

Foto editada, extraída de Amadu Bailo Djaló  - Guineense, comando, português. Lisboa: Associação de Comandos, 2010, p., 240 (com a devida vénia...)

Estes três oficiais, juntamente com o cap pára António Ramos, foram os únicos europeus a participar, com os militares do Batalhão de Comandos Africanos, e o Grupo do Marcelino da Mata, na célebre Op Ametista Real, de assalto à base do PAIGC em Cumbamori, no Senegal,  em 19 de Maio de 1973, e cujo sucesso permitiu aliviar a pressão sobre Guidaje. Nessa  dramática operação, o major Folques foi ferido. Os números oficiosos apontam para 9 mortes,  11 feridos graves e 23 ligeiros.

Amadu tem onze páginas (da 248 à 258), de grande intensidade dramática, sobre esta operação, e nomeadamente sobre a retirada dos comandos africanos até Guidaje e depois até Bigene. Cite-se o trecho que começa com a conversa que o Sargento Comando graduado Amadú tem com  o tenenente comando graduado Jamanca , que está ferido [ era o comandante da 1ª CCmds, e será depois fuzilado eplo PAIGC em 1975]:

(...)

- Amadú, anda cá! Mata-me, não deixes o PAIGC levar-me. Mata-me, Amadú, mata-me!
- Tu não ficas, levamos-te de qualquer forma! Não ficas aqui! Descansa um pouco, Jamanca!

Durante esta conversa vi o Alferes Melna, de pé, com dois soldados, um deitado, de frente para eles.
- Melna, de quem é esse corpo ?
- É o Alferes, o Mama Samba Baldé!

Fui para a beira deles. O Melna apontou para uma árvore e perguntou-me se eu sabia de quem era o corpo que estva lá. Não, não sabia, respondi.
- É o corpo do José Vieira,  [sold, 1ª CCmds].

Ouvi o Jamanca chamar-me:
-Vai chamar o Demba.

Dirigi-me para um grupo de soldados e perguntei pelo Demba.
- Já retiraram todos, só estamos nós aqui, respondeu alguém.

Quando transmiti ao Jamanca o que tinha ouvido, ele não queria acreditar. Depois, levantou-se e foi ver com os seus próprios olhos. Não viu nenhum dos seus oficiciais e abanou a cabeça.

No local estávamos 31 militares, três capitães europeus e vinte e oito comandos africanos. Os capitães eram o Folques, o Matos Gomes e o Ramos que era pára-quedista.

O grupo ainda ficou mais reduzido, pouco depois. Quando tentava recuperar o corpo do Alferes Mamassamba, o Melna foi atingido gravemente nas pernas com estilhaços de uma roquetada e os ossos ficaram a ver-se.

(..) De todo o pessoal que partiu, quatrocentos e noventa e tal militares com dois guias de Bigene, estávamos ali vinte e nove, porque um dos soldados do Melna também tinha sido atingido gravemente. Conseguimos abandonar o local, comigo em último lugar, a olhar para trás, de vez em quando, com a imagem, do Melna, que ainda hoje está na minha cabeça. Ele olhava para nós e voltava a cara para o lado de onde faziam fogo contra nós. E ainda consegui ouvir um grito, pareceu-me de contentamento (...). (pp. 252/253).

 Publicam-se mais fotos de camaradas nossos, que se associaram  à festa do Amadu Djaló (*).



Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > O Virgínio Breiote "adiantando serviço" ao Amadú que não teve mãos a medir em matéria de pedidos de autógrafos... A seu lado, inclinado, apenas com a careca visível, o nosso amigo Rui Alexandrinho Ferrera, tratado afdectuosamente como Ruizinho. Recorde-se que foi que o Rui A. Ferreira, nascido em Angola,  cumpriu duas comissões de serviço na Guiné, primeiro como Alf Mil na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67, e depois  como Cap Mil na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72.




Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > Um guineense, Bamba, antigo dirigente do partido Resistência da Guiné-Bissau / Movimento Bafatá, e antigo ministro da Saúde Pública (Partido criado em 1986 como Movimento Bafatá, na sequência da execução de antigos dirigentes do PAIGC como Carlos Correia e Viriato Pã; nas primeiras eleições multipartidárias, realizadas em 1994, o RGB-MB conquistou 19 dos 100 lugares da Assembleia Nacional. Em 1999, tornou-se o 2º maior partido da Guiné-Bissau com 29 lugares dos 102 lugares da Assembleia Nacional). Julgo que viva actualmente em Lisboa. Dei-me o seu contacto de telemóvel.

Na foto, Bamba cumprimenta a Giselda, ladeada pela Alice e pelo Miguel. O Bamba é amigo pessoal do Agostinho Gaspar, recém entrado para o nosso blogue, membro da Tabanca do Centro.



Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010  > Sessão de autógrafos > Na foto, à esquerda e de perfil o nosso camarada António Santos.


Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010  > O Alberyo Branquinho e o Coutinho e Lima, possivelmente à procura de referências a Guileje no livro do Amadú.


Lisboa >  Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > O Rui Silva,  Ten Cor Inf Ref, ex-Cap Mil da CCAÇ 18 (1970/72), membro do nosso blogue, veio expressamente de Viseu, para assistir ao lançameno do livro do Amadú. Em contrapartida, teve a agradável surpresa de encontrar ali, por acaso, o Manuel Gonçalves, ex-Alf Mil Mec Auto da  CCS do batalhão  que estava então sediado em Aldeia Formosa. O Manuel Gonçalves, companheiro actual da minha amiga Tuxa, está em vias de se tornar membro da nossa Tabanca Grande. Um dos soldados do seu pelotão do Manuel Gonlçalves era o Silvério Lobo, membro da nossa Tabanca Grande e da Tabanca de Matosinhos. Os dois já se voltaram a encontrar.

Fotos: © Luís Graça (2010).  Direitos reservados
 
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Nota de L.G.:


Guiné 63/74 - P6179: Convívios (218): 7º Convívio da CART 1746 (Manuel Vieira Moreira)

1. O nosso Camarada Manuel Vieira Moreira, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746 (Bissorã, Xime e Ponta do Inglês, 1967/69), enviou-nos, em 17 de Abril de 2010 com pedido de divulgação, o programa da festa da sua CART 1746:

7º CONVÍVIO DA CART 1746
Camaradas,

No próximo dia 22 de Maio de 2010, vai levar-se a efeito o 7º Convívio Anual da CART 1746, no Restaurante “O Casarão”, em Vale Grande - Aguada de Cima.

O modo como lá chegar e os contactos para as inscrições encontram-se no seguinte programa:

Clicar na imagem para ampliar

Um Abraço
Manuel Vieira Moreira
1º Cabo Mec Auto da CART 1746
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Nota de MR:
Vd. último poste da série em: