1. Mensagem da nossa amiga tertuliana Filomena Sampaio com data de 22 de Abril de 2010 com a sua contribuição para a comemoração do 6.º aniversário do nosso Blogue:
Amigo Carlos,
Motivos não me faltam para deixar uma mensagem de parabéns pelo 6º aniversário do Blogue.
Como leitora do Blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, que leio quase diariamente, quero dar os parabéns ao comandante Luís Graça e aos seus co-editores, pelo sucesso deste distinto espaço de leitura e informação. Para além de ficarmos com uma ideia do que foi a vida dos Nossos Militares em Guerra no Ultramar, também vamos adquirindo conhecimento sobre outras culturas e tradições, algumas que nos levam a reflectir e a querer saber mais.
Frequento o Clube de “Cidadania é Cultura” e decidi levar para discussão do grupo o tema “Mutilação Genital Feminina”. Foi através deste Blogue que tomei conhecimento desta tradição, e com base no que li e pesquisei escrevi um texto e fiz uma apresentação em Power Point.
Foi interessante, levantou muitas questões.
Obrigada a todos.
O livro que li – “Pami Na Dondo, A Guerrilheira” que me foi oferecido pelo autor Mário Fitas, (ex-Furriel Miliciano Operações Especiais, Guiné 1965/1966), um homem de palavra sentida, com uma vivência fortemente marcada pela guerra geradora de brutalidade e simultaneamente de forte amizade entre camaradas.
Esta obra varia entre a ficção e a realidade, somos transportados desde a vivência dos militantes do P.A.I.G.C. (Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde) até à acção e forma de viver dos soldados que compõem a companhia, uma Unidade do Exército Português, onde o autor esteve integrado, numa comissão de serviço militar na Guiné.
Nesta obra, o autor retrata a vida duma jovem guerreira que luta pela Independência do seu país, a Guiné.
É uma história interessante, pois relata a vida de Pami em várias fases, fazendo referência entre muitos outros aspectos, ao facto de Pami não ter sido sujeita à mutilação genital feminina, o que na comunidade guineense muçulmana à qual pertencia, era prática tradicional.
Conta a maneira como Pami se transformou numa guerrilheira do P.A.I.G.C. que para ela seguia a prossecução dos objectivos que ela também visava.
Alistada nas hostes da guerrilha, sofre um acidente que lhe incapacita um dos braços e acaba professora do P.A.I.G.C., devido à sua formação escolar, (quarta classe de alfabetização) e pelo facto de falar correctamente o português.
Muito do que sabe, aprendeu sozinha lendo e interpretando um dicionário que um padre lhe ofereceu.
É na escola que ela mentaliza e doutrina os futuros guerrilheiros.
Numa emboscada das N.T. (Nossas Tropas), à tabanca (povoação) Pami e outros guerrilheiros são feitos prisioneiros, são interrogados pelas N.T., uns são mortos outros são libertados, mas Pami, continua prisioneira das N.T. pois não conta a verdade sobre a sua condição, afirma que só responde em balanta, (dialecto da tribo com o mesmo nome, uma etnia muçulmana existentes na Guiné), fazendo-se ignorante a qualquer outra língua.
Pami fica retida no Interior do Aquartelamento, é vigiada e interrogada várias vezes, mas não confessa a sua condição de guerrilheira.
Quando é descoberta, pensa que o comandante das N.T., a vai matar da mesma forma que matou os seus companheiros de luta, mas contrariamente ao que aconteceu com os seus companheiros, foi libertada e deixada livre para seguir o seu caminho.
Não sendo a mutilação genital feminina o tema de maior relevo na história contada neste livro, despertou-me uma certa curiosidade e talvez pelo facto de ser mulher me tenha levado a pesquisar sobre o assunto.
O que li não é de forma alguma agradável, muito pelo contrário.
A mutilação genital feminina praticada em certas partes da África, na Península Arábica e em zonas da Ásia, tem uma origem de ordem cultural.
É rejeitada pela civilização ocidental, considerada um dos grandes horrores do continente africano que pensa que a forma de mudar esta mentalidade é educar as mulheres mais velhas que perpetuam este costume, bem como os homens mostrando os danos físicos e psicológicos causados nas meninas que têm de se sujeitar a esta prática.
Não fundamentada religiosamente, acredita-se que esta prática seja muçulmana e que a mutilação genital feminina está certa. Os pais, mais propriamente a mãe e a avó têm voto na matéria, eles acreditam que se a jovem não for "cortada" nunca irá arranjar um marido, isso é a pior coisa que pode acontecer a uma jovem. Se a jovem se sujeitar à MGF (Mutilação Genital Feminina) é uma condição prévia do casamento. Se uma mulher não for mutilada pensa-se que ela não é pura sendo vista como prostituta e excluída da sua própria sociedade.
Algumas razões apontadas para a realização da MGF são assegurar a castidade da mulher, a preservação da virgindade até ao casamento e a fertilidade da mulher. Por razões de higiene, estéticas ou de saúde, também se pensa que uma mulher não circuncidada não será capaz de dar à luz, ou que o contacto com o clítoris é fatal ao bebe.
A mutilação genital feminina elimina o prazer sexual. A sua prática está cercada de silêncios e é vivida em segredo, acarreta sérios riscos de saúde para a mulher, é muito dolorosa, por vezes de forma permanente, causa danos físicos e psicológicos irreversíveis sendo responsável pela morte de muitas meninas.
A remoção do órgão genital pode ser feito com instrumentos de corte impróprios (faca, caco de vidro ou navalha) não esterilizados e raramente com anestesia.
Um dos motivos para a continuidade deste ritual é a fonte de rendimento para os que a realizam. Mesmo para os médicos que a realizam em algumas clínicas, na tentativa de evitar que as meninas sofram os riscos e traumas resultantes de ablações anti-higiénicas e sem anestesia.
Normalmente é o pai que paga a “cirurgia”, para poder casar as filhas com homens que não aceitam mulheres não circuncidadas.
Têm-se promulgado leis para ilegalizar e criminalizar este costume. Embora muitos códigos penais não mencionem directamente os termos Circuncisão Feminina ou Mutilação Genital Feminina, é perfeitamente enquadrado como uma forma de "abuso grave de criança e de lesão corporal qualificada".
Vários organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), tem envidado esforços para desencorajar a prática da mutilação genital feminina. A ''Convenção sobre os Direitos da Criança'', assinada em Setembro de 1990, considera-a um acto de tortura e abuso sexual.
Em 2003 o Comité Inter-Africano de Práticas Tradicionais que Afectam Mulheres e Crianças, uma rede não-governamental, já levou à adopção de legislação contra as excisões em alguns países, iniciativa patrocinada pela ONU.
Reflexão:
Reconheço que em algumas situações devem ser mantidos os usos, costumes e tradições. Não se deve pôr em causa os valores nem as tradições dos povos. São símbolos de identidade, dentro ou fora do país. No entanto, considero que manter a tradição duma prática que causa um enorme sofrimento, é um atentado à saúde das mulheres e jovens, que as leva frequentemente à morte. É um desrespeito inaceitável pelos direitos humano.
Todos os países deviam adoptar uma legislação contra a mutilação genital.
Bibliografia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mutilação
http://www.acidi.gov.pt
Blogue de: Luís Graça & Camaradas da Guiné (marcadores:
Mutilação Genital)
Filomena
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Nota de CV:
Vd. poste de 24 de Abril de 2010 >
Guiné 63/74 - P6242: O 6º aniversário do nosso blogue (28): O meu bem haja com o vozeirão maior que se possa conceber (Manuel Maia)