1. Em mensagem do dia 23 de Setembro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio, o nono, da sua série Pós-Guiné 65/67:
O PÓS-GUINÉ 65/67
9 - E A SAGA UMBIGAL CONTINUA
USOS E COSTUMES
(continuação do balanço)
Outro uso esquisito à brava, era aquele de todos comerem no mesmo prato. Punham lá dentro as mãos, embrulhavam a bianda fazendo bolas e metiam-nas na boquinha ávida.
Nisso não havia grandes diferenças com o que fazíamos no meu Alentejo, onde tragávamos todos do mesmo barranhão, mas aqui, cada um ia tirando para a sua própria malga, usando a sua própria colher.
E qu'alegria quando nos calhava também um pedacinho de conduto.
Experimentei, porque a psico assim o obrigava, amassando relutantemente, com o tamanho dos berlindes com que joguei na escola. Isto inicialmente, porque depois e porque o petisco até nem era nada mau... aviava... aviava, acabando por me tornar "garganêro" quanto baste.
E foi assim bastas vezes na tabanca em Farim, do meu amigo Felupe o 44, mas ao mesmo tempo, vinha a galinha de chabéu preparada por uma das suas mulheres e isso sim, era de comer e chorar por mais. Tudo regado naturalmente, com água de Lisboa, que eu levava num garrafão oval de 14 litros, mas do tinto para que não restem dúvidas.
Frango de chabéu - Foto: © Fernando Gouveia
Completava-se a refeição com um pedaço de ouvido de porco, outro da focinheira do mesmo animal, que previamente haviam salgado e cozinhado (ensinara-lhes eu) só para o "furriel", qu'eles não comiam, por via da religião, o que eu achava óptimo.
Não comiam eles, mas deglutíamos nós depois no K3 o restante do "ólimal", o que era uma festa e aquela rapaziada estava sempre desejosa que eu chegasse.
Assavam o bicharoco em brasas de lume especialmente acendido para a ocasião, não sem que antes o besuntassem com toda a especiaria picante que por ali houvesse. O frigorífico a petróleo ficava vazio de bazucas nestas ocasiões e o vinho jorrava sim senhor, para além daquela bebida barata (50 pesos), o Vat 69, que nunca provara, mas que vira os cow-boys beberem, enquanto se matavam uns aos outros.
A princípio nem gostei por saber a tintura de iodo, mas depois de lhe ganhar o gosto, jamais abandonei. Hoje sorvo-o por imposição médica e às vezes até biso.
A seguir e se houvesse qualquer operação na mata, parece que os IN's eram mais qu'a muitos quando afinal eram só muitos.
Oh maléficos benefícios do álcool!!! Só que então não havia disponíveis os vallium's, lexotans e quejandos.
E DEPOIS DO ABRIL DE 1974
Passaram-se anos, foi-se tornando mais fraco aquele grito da "luta continua", insisto, curiosamente a mando dos que nunca lutaram... em bocas de quem tece elogios aos desertores e fugitivos e na destes.
Mas qu'a raio percebem eles de luta e do sangue que daí advém?
Calem-se de vez e respeitem os combatentes.
Utilizem "o povo unido jamais será vencido" a outra "o povo é quem mais ordena", ainda a outra "a terra a quem a trabalha" (Tá bem dêxa, - deixem-me rir - e quem é que foi ou vai nisso ainda hoje?).
Tentem que sejam verdades, mas não esqueçam o que disse um Presidente dum País que esteve lá onde se reúnem os deputados, coitados que tão sacrificados e mal vistos continuam.
Foi o seguinte:
"a política é para os políticos... o trabalho para os trabalhadores".
Outro, 1.º M cá do burgo na altura, ainda foi mais concreto:
"não gosto nada de ser sequestrado... Bardamerda".
Era o PREC e hoje pergunto-me:
"préc... é qu'isso serviu"?
O pobre povo acreditou, as ocupações iam-se dando numa fugaz tentativa de melhoria de vida e desejo honesto que tal se desse, e as "manifes" no único trabalho útil.
Como dizia o antes citado, numa dessas demonstrações populares:
- "È SÓ FUMAÇA"... enquanto iam rebentando uns realmente fumarentos e barulhentos petardos ali mesmo no Terreiro do Paço.
E acrescentou depois: -
"O POVO É SERENO".
O resultado está à vista: Os pobres estão mais pobres, os coitados dos ricos mais ricos e até estes recorrem à sopa do Sidónio, à Cáritas, às igrejas... e alguns até vão de Mercedes, onde transportam as lancheiras que entram vazias e saem cheias.
Azedume? Qu'al quê!!! Realidades que magoam.
6 DE JANEIRO DE 1992
Enriqueci neste dia e o acontecimento para além do mais, fez-me esquecer as baralhações e a inquietude que me acompanharam nestes anos subsequentes à desmobilização e depois, e pior, após a revolução.
Contudo tinha boas vidas, familiar e profissional.
Nasceu o meu primeiro neto que, para além do mais, foi um ouvinte atento e A GUINÉ SEMPRE PRESENTE.
Nunca me interrompeu (o que fez, sim, quando começou a falar)... e serenamente adormecia.
Contei-lhe as minhas vivências boas e de tal forma que ele agora ao ler os
"Melhores 40 meses da minha vida" apenas diz:
"Já conhecia".
Rejuvenesci, foram-se algumas dores d'alma... ganhei nova vida e a alegria foi tanta que proclamei:
- A PARTIR DE HOJE QUE ESTE DIA SEJA RESPEITADO, CONHECIDO E COMEMORADO, COMO O "DIA DE REIS".
(continua)
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Nota do editor
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Guiné 63/74 - P12069: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (8): Continuação do balanço