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Guiné > Região de Tombali Gadamael Porto > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > Julho de 1968 > Eu, com duas mulheres oriundas de Sangonhá
Guiné > Região de Tombali > Gadamael Porto > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > Julho de 1968 > Foto para enganar a gamília... E saímos de Gadamael a 10 de outubro de 1968
Fotos (e legendas): © Mário Gaspar (2014). Todos os direitos reservados.
1. Texto enviado em 12 do corrente, pelo Mário Vitorino Gaspar [ex-Fur Mil At Art, MA, CART 1659, "Zorba", Gadamael e Ganturé, 1967/68; autor do livro "O corredor da morte", a ser lançado no Forte do Bom Sucesso, Belém, Lisboa, no próximo dia 22 de maio. (Tem prefácio do dr. Afonso de Albuquerque, psiquiatra, e ex-alf mil médico, em Moçambique).
(i) Ganturé, até julho de 1967
Começámos a conhecer os hábitos daquelas gentes, acordando diariamente com o troar do pilão. Havia um refeitório para as praças, com mesas feitas de caixotes de munições e bancos improvisados, e uma Messe para um Alferes Miliciano, um 2º Sargento e dois Furriéis Milicianos. Nunca entendi, visto existir somente um Pelotão reforçado com uma Secção.
As primeiras avionetas começaram a aterrar em Gadamael Porto, em Ganturé não existia pista, e a ansiedade do correio começou por ser natural.
Tínhamos que ir à sede da Companhia buscar o correio.
Comecei ao fim de dois dias a fazer o estrangulamento do cordão lento com o detonador, com os dentes. Estava já “apanhado pelo clima”, como se costumava dizer.
As operações sucediam-se: Guileje, Mejo, Sangonhá , Cacoca, Cameconde e Cacine.
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Visto a água ser salobra e imprópria para o consumo, fiz a promessa ao fim de poucos dias depois de estar na Guiné, num dia muito quente, e não estando habituado àquelas altíssimas temperaturas, numa patrulha feita na fronteira da República da Guiné, depois de ingerir um líquido do charco, mesmo com pastilhas, que era mijo, ficar só a beber cerveja. Bebia ao pequeno almoço, ao almoço, ao jantar e nos intervalos, só cerveja.
Rebentamentos na área, e o matraquear do pilão vivia ali e depressa ficou a fazer parte das nossas vidas. Enquanto a grande parte das mulheres com as mamas escorrendo até à cintura batiam com o pilão com um toque cadenciado, juntando-se as bajudas, algumas com a mama firme, aproximávamo-nos destas últimas, procurando uma pequena oportunidade para lhes tocar no corpo. Éramos jovens. “Mim cá nega!”, respondiam. Visto Ganturé ser a sede do Regulado, Abibo Injassó era o régulo este era o elo de ligação entre a nossa CART e os informadores.
Entretanto sucede uma calamidade. Dez mortos e mais de duas dezenas de feridos graves, no dia 4 de julho de 1967.
(ii) Julho de 1968, um mau mês da CART 1659
Até 8 de julho de 1968, durante o abandono dos aquartelamentos de Sangonhá e Cacoca, comandei um Grupo de Combate na montagem de segurança. Ficaram de pé as paredes das habitações – se é que se podiam chamar àquilo casas – os abrigos e o arame farpado. Chapas de zinco e todo o material seguiram para Gadamael Porto, onde a população civil – por volta de 300 indivíduos – se instalaram em 44 moranças, com o apoio das nossas tropas.
Assim as tabancas de Gadamael Porto e Ganturé aumentaram, não só pelo abandono de Sangonhá e Cacoca como também motivado pelo número de apresentados, oriundos da República da Guiné. Juntaram-se à CART 1659 catorze caçadores nativos devido ao Reordenamento da Populações. Pode-se dizer que o processo terminou em 28 de julho.
Guiné > Região de Tombali > Gadamael Porto > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > Gadamael Porto > Julho de 1968 > Eu de calções de banho como era hábito
Mas, após terminada a segurança, fomos para Gadamael Porto, sem picarmos visto ter havido movimento de tropas todo o dia. Dei ordens ao pessoal para irem ao banho. (…).
Bebi, como era hábito, as minhas sete cervejas de seis dl, tomei banho e fui jantar. Depois de termos comido aquela sopa que denominávamos de “sopa de 365 dias” – visto não existir outra durante o ano – e termos mastigado um peixinho da bolanha, esperando beber o café, de borras, ouvimos a primeira saída das armas pesadas. Era um flagelamento do PAIGC.
Corremos para as zonas que nos estavam atribuídas na defesa do aquartelamento. Eu como responsável do morteiro 60 e em calções de banho fui para o abrigo do mesmo e, a meio caminho, voltei para trás.
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Sentia que à minha volta caiam granadas, e que algo me tinha batido nas costas. Estava novamente na Messe e os rebentamentos não cessavam. Não sabia conscientemente o que pretendia fazer, e segurei a cafeteira de café, que não havia sido servido, e num copo de inox – uma inovação na CART 1659 – visto os nossos anteriores copos serem de vidro, recuperado de garrafas de cerveja. Sentia o barulho constante dos rebentamentos e cheguei ao abrigo. Encontravam-se 4 militares à minha espera. Pedi que me vissem se tinha ferimentos nas costas, e com um candeeiro improvisado – uma garrafa de 6 dl com uma gaze enfiada na carica – viram, depois de afastaram terra colada nas costas, que não tinha ferimentos. Perguntaram-me:
– Furriel, o que fazemos?... – Já havia analisado a situação, respondi:
– Não podemos fazer nada. Com o morteiro 60 não atingimos a zona onde eles estão! Vamos beber café.
E começámos todos a beber o nosso café. Afinal tinha razão quando voltara atrás para buscar o café, e debaixo de fogo intenso Canhões Sem Recuo e Morteiros 82.
O nosso Morteiro 81 funcionou com eficácia, o que não impediu que de seguida flagelassem o aquartelamento de Gadamael Porto, também sem consequências, mas durante mais tempo. Mas ainda hoje me interrogo: “Porque fui buscar a cafeteira de café debaixo de fogo?”
Pergunto: O PAIGC já não estaria no local quando passámos?. Possivelmente preferiram o ataque a Gadamael Porto e Ganturé.
As fotos que enviava – excluindo as que eram para os amigos – eram uma autêntica mentira. Para além de ter de matar para sobreviver, é evidente, era um mentiroso. Consegui inclusive enganar o meu pai, enganar a minha mãe foi complicado porque não acreditava que estivesse a passar férias em África.
Mário Vitorino Gaspar
Ex Furriel Miliciano nº 03163264, de Artilharia de G3
e Especialista de Minas e Armadilhas
CART 1659 - Zorba, 1967/68
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