sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3120: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (41): Um mês nos Nhabijões

Operação Macaréu à vista

Episódio XLI

UM MÊS NOS NHABIJÕES

Beja Santos

O BCaç 2852 parte, o BArt 2917 chega


A primeira semana de Junho é vivida na efervescência da sobreposição. Entre os dias 29 e 31 de Maio, presencio os preparativos e a organização azafamada de sacos, malas e pacotes de quem junta os trastes, os identifica com letra garrafais, vão todos seguir em embarcações que rumam do Xime para Bissau e daqui seguirão para o porto de Lisboa. São dias em que se misturam centenas e centenas de baús e outros haveres com os de quem acaba de chegar. Os novos militares vêm vestidos com fardamento a cheirar a goma, é o aprumo de quem chega ao teatro da guerra e não aceita displicências, a roupa vem vincada. Os que chegam vêm sorridentes mas retraídos, os que querem partir estão exuberantes, falam ainda mais alto, querem entregar tudo, ter os documentos da transição assinados, era o que faltava partir hoje e num amanhã não longínquo ser molestado porque se extraviou uma tesoura corta-arame, um capacete ou um lençol, nos intermináveis materiais à carga. É um período com muito pouca guerra, houve umas minas detectadas e que felizmente não fizeram vítimas, até as tabancas em auto-defesa foram poupadas. A CCaç 12 e o Pel Caç Nat 52 estão informados de que se conta com eles para a iniciação do novo batalhão: emboscadas, patrulhas, segurança ao transporte de vacas, colunas de reabastecimento ao Xitole e Saltinho, são estas as forças de intervenção que irão trabalhar conjuntamente com as forças do BArt 2917, reconhecendo as imediações dos três importantes aquartelamentos do Xime, Mansambo e Xitole. Com esta cooperação, novas amizades.

Prestes a findar a sua presença em Bambadinca, sou chamado ao comando e recebo instruções do major Herberto Sampaio: "Pá, temos informações feias sobre os Nhabijões, Mero e Santa Helena e até sobre Fá. A malta de Madina e do Buruntoni vai querer intimidar, aliás como já se viu com raptos e canhoadas sobre os Nhabijões, vão querer atacar Fá e os Comandos africanos. O reordenamento dos Nhabijões depende do comando-chefe que pressiona para tudo estar pronto o mais breve possível. Temos lá a engenharia, o trabalho não pode parar e não pode haver medo, temos que impedir as intimidações. Parta para lá imediatamente, vai em piquete durante todo o mês, vigia os movimentos de quem chega, patrulha as zonas de cambança, com as milícias de Amedalai percorre todos os dias a antiga tabanca de Samba Silate. Estes piquetes não podem prejudicar a segurança na ponte de Udunduma nem as emboscadas na missão do sono no Bambadincazinho nem as tarefas de apoio às populações em Badora e Cossé. É um tempo de desenrascanço, felizmente que o IN está pouco activo. Aguente-se, são mais dois ou três meses de trabalho que você tem pela frente".

E, nessa tarde, os Unimog seguiram com colchões, mantas, caixas de munições, tudo para um acampamento improvisado no reordenamento dos Nhabijões. À semelhança do que se passava na ponte de Udunduma, um burrinho trazia os tachos de comida da gente arranchada e os potes com a bianda dos caçadores nativos, um deles vinha diariamente tratar da mafé. Foi mais um tempo de nomadização, uma secção ia de manhã ao correio ou buscar os frescos ao Dakota, em Bafatá, outra secção vigiava o trabalho da equipa de engenharia e dos civis, a outra secção ia buscar doentes a Sansacuta, Candamã ou Afiá. E, quando necessário, seguíamos para o Xitole, para as acções conjuntas com as novas companhias, picava-se até Amedalai. Era a continuação da rotina da guerra, dava-se confiança aos periquitos, estava-se atento à hipótese de dias piores.

O reordenamento dos Nhabijões

Os Nhabijões eram um dos motivos de orgulho dos criadores da política "Por uma Guiné melhor". Samba Silate fora, até ao início da luta armada, uma das mais florescentes tabancas do Leste da Guiné. Com o aparecimento das guerrilhas, as populações dividiram-se, umas partiram para a luta, outras entraram em diáspora em Bambadinca e diferentes regulados. Os seis Nhabijões (Nhabijão Bulobate, Nhabijão Mancanha, Nhabijão Mandinga, Nhabijão Imbume, Nhabijão Bedinca e Nhabijão Cau) viviam o desarrazoado de todas as fugas e partidas para o exílio, era por aqui que as gentes de Madina e do Buruntoni vinham abastecer-se, intimidar ou conquistar adesões, obter informações, até descansar. O plano do reordenamento era juntar os diferentes Nhabijões, tornar mais difícil o aliciamento pelo PAIGC, oferecer às populações alguns equipamentos sociais, enfim, permitir o cultivo tranquilo da fecunda bolanha que circunda de Samba Silate até Bambadinca. Extintas as antigas tabancas, escolhera-se uma posição estratégica junto de Samba Silate, com uma impressionante panorâmica sobre o Geba.

Era um empreendimento de vulto, havia um plano com os desenhos das casas, arruamentos, mesquita, escola, fontanários, tudo estava a ser desmatado à volta, as casas familiares assentavam em quatro pilares de cibe, as paredes eram feitas com blocos de adobe, fazia-se uma trama com rachas de cibe mais finas para o telhado, onde se pregavam chapas de zinco. Tudo cheirava permanentemente a fresco: o fresco do adobe em blocos, as reluzentes chapas, os pregos, até as caixas em madeira em que se preparavam os blocos. A todo o momento chegavam os camiões dos fornecedores, ouvia-se o ruído ensurdecedor dos caterpillar D7 e de algumas máquinas de rodas. A engenharia esteva sempre presente, respondia por todo o traçado da obra, eram eles quem marcavam os eixos do ordenamento, a qualquer momento chegava um dos majores responsáveis (creio que eram os majores Matos Guerra e Carlos Azeredo) que supervisavam, intimidavam, davam sinais de satisfação. Nós cirandávamos, mas, para dizer a verdade, totalmente incapazes de reconhecer forasteiros ao reordenamento. Estávamos há dois dias neste piquete quando num patrulhamento junto à bolanha de Samba Silate, em frente a São Belchior, encontrámos três canoas novinhas em folha enterradas nas lamas do tarrafe.

Sem lembrança do sucedido, pedi a Cherno Suane que me avivasse a memória. Marcou-me encontro na Pérola de São Paulo, no coração do Cais do Sodré.

Os acasos da fortuna na Pérola de São Paulo

Ainda há pessoas a almoçar no espaço das refeições ligeiras, quando me sento a uma mesa a beber uma bica, na companhia de Cherno. Primeira surpresa: Cherno extrai de um bolso do casaco uma folha larga onde arrumou os nomes de todos os militares do Pel Caç Nat 52 de acordo com o seu "chão" de origem. Leio: formação em Bolama, oito meses, chegou o Henrique Matos Francisco, o primeiro alferes, tudo em 1966. Seguem para Porto Gole, está-se no aceso da guerra em frente ao Morés, há emboscadas, flagelações, destruições, a estrada de Porto Gole para o Jugudul fica praticamente interdita. De Porto Gole vai-se para o Enxalé, colabora-se com uma companhia madeirense, Cherno escreveu: "Zagalo era o nosso herói". Missirá é praticamente riscada do mapa, o Pel Caç Nat 52 substitui o Pel Caç Nat 54, a estrada entre Enxalé e Missirá aos poucos vai abandonada. A folha de Cherno traz nomes de furriéis, cabos, soldados, nome de mortos e feridos, e até evacuados. Comove-me este cuidado do Cherno ao estabelecer os dados da sua memória. Lá o consegui apanhar em falta com dois ou três nomes omitidos, ele respondeu-me com o seu sorriso doce: "desculpa".

Quando o Cherno regressou da Guiné, há escassos meses, depois de cerca de 2 anos de ausência, pedi-lhe ajuda por razões fundamentadas. Ele acompanhou-me de perto durante toda a comissão, assumiu ser guarda-costas a tempo inteiro, ouviu conversas, viu a guerra ao meu lado, comunicava-me quem queria falar comigo, era a minha agenda ambulante. Quando me entregou esta folha no café «A Pérola de S.Paulo», no centro da má fama do Cais do Sodré, senti uma irrepremível onda de ternura pelo mais indefectível dos amigos: sabe-se lá com sacrifício ele garatujou as suas recordações, alinhou a tropa por «chão» de nascimento, procurou não se esquecer de ninguém, balbuciou quando lhe disse que o morto era Sadjo Baldé e não Sadjo Seidi, este um rabujento que uma vez até quis andar à porrada comigo... Era inevitável que eu passasse esta prova de muita estima para todos os camaradas da Guiné. Tive a felicidade de fazer amizades inquebrantáveis, assim dá gosto viver. (BS)

Falávamos em voz alta dos Nhabijões, de Chicri, de Mato de Cão, de Malandim e até de Finete. Estou a tomar nota das recordações daquele patrulhamento em que detectámos e destruímos três canoas das cambanças de Madina, quando fomos interpelados.

- Desculpem, estão a falar de Enxalé, Nhabijões e Mato de Cão. Não é possível haver mais coincidência, são nomes de locais da Guiné onde combati entre 1971 e 1973. Vocês estiveram lá nessa altura? É que não me lembro de vos ter visto.

É um homem magro, de estatura média, cabelo esbranquiçado, olhos atentos, perscrutadores. Tem modos calmos mas revela assombro pelo que ouviu, curiosidade sincera pelo que quer saber. Apresento-nos, conto-lhe o que estamos a fazer, ele entusiasma-se e fala da sua comissão.

- Fui alferes da CCaç 12, comandei o 4º pelotão, substitui o Rodrigues que já faleceu. Quando vos comecei a ouvir a curiosidade dominou-me, era coincidência a mais, vocês falavam como veteranos da guerra. Fomos nós que fizemos o destacamento de Mato de Cão, íamos ao Enxalé, fizemos todas essas colunas e patrulhamentos que referiram. Só não fui a Missirá.

À nossa volta pararam as conversas, é inusitado uma conversa destas, gente que combateu há cerca de quarenta anos, juntos por feliz acaso. A conversa prossegue, calorosa, e recebo um cartão-de-visita no termo destas recordações, ele tem de partir e eu estou impaciente por registar as recordações de Cherno. Ele chama-se Jaime Pereira, é engenheiro e trabalha numa empresa de nome histórico, ali na Av. 24 de Julho.

Aquelas três canoas, lembrava-se Cherno, não enganavam ninguém, a época das chuvas não podia encobrir os sinais de passagem de quem atravessava a extensa bolanha por carreiros que discretamente se elevavam naqueles antigos arrozais férteis, era madeira nova, notava-se ainda o talhe das ferramentas. Foram destruídas à bala, mas antes pediu-se a presença de dois chefes de tabanca, que garantiram peremptoriamente nada saber, muito provavelmente, justificaram, era gente que vinha de Madina e ia em direcção da foz do Corubal… Nessa altura, eu ainda engolia estas explicações e não havia reacção possível. Era a força do sangue dos povos divididos que eu desconhecia.

Partem amigos muito queridos, tenho leituras anglo-saxónicas

Transportamos em coluna o primeiro contingente do BCaç 2852 até ao Xime. Vão ali o tenente Pinheiro, o alferes Reis, uma parte importante dos pelotões de morteiros, sapadores, básicos, cozinheiros. O Vacas de Carvalho segue à frente com uma Daimler, grita para o primeiro Unimog onde vai o tenente Pinheiro, assusta-o com os locais de possíveis emboscadas. Na véspera, agradeci-lhes todas as ajudas recebidas, o Reis ainda tentou uma questiúncula, não lhe dei troco. Dentro de dias, haverá coluna semelhante para o resto do batalhão.

Escrevi um poema falhado, "25º Aniversário". Citei Apollinaire, o poeta combatente das trincheiras, autor de «Caligramas»: "L'amour a remué ma vie comme on remue la terre / dans la zone des armées. / J'atteignais l'âge mûr quand la guerre arriva / Les mois ne sont pas longs ni le jours ni les nuits / C'est la guerre qui est longue / Je salue la chemise rouge".

Falo na "abicagem da galáxia numa cabana", em "palmeira ao desbarato" e também em "ano versado, na parede brota o palavrão: guerra. / amor mudado, altar, elegia. / uma mulher chegou, reconheceu". Definitivamente, poesia mais frustre não há. Condicionado pelo tempo (tenho que devolver o livro com urgência a D. Violete), leio e tiro notas do assombroso relatório do administrador da circunscrição de Geba, Vasco Calvet Magalhães. A ver se para a semana tenho o trabalho completo, depois dou-vos conta do entusiasmo que ele imprime às descrições, os registos ingénuos sobre os povos que habitam o Geba, as lutas, a religião, a língua e a cultura. O que pasma é a autenticidade e a informalidade, ele é cáustico com a corrupção e com a exploração dos indígenas, com a impreparação dos funcionários. Nunca li nada até agora tão verosímil, com tanta vontade de informar mesmo com míngua de informações, ingenuidade e omissões culturais.

Li "O Homem que era Quinta-Feira", de Chesterton, de quem só conhecia os ensaios de carácter religioso. É apresentado como uma obra de humor, mas a classificação parece-me errada. É um mundo às avessas, um grupo de anarquistas que afinal não o são, a bondade subitamente transforma-se em maldade, o que parece ser caos logo é apresentado como harmonia, os anarquistas são polícias e até filósofos, o temível chefe dos anarquistas, Domingo, tido como um tipo feroz, um carniceiro, afinal vive obcecado com o sofrimento dos outros. É uma paródia moralista em que o leitor é convidado a reflectir sobre a transitoriedade dos conceitos e os juízos apressados que fazemos dos outros.

Tradução de Domingos Arouca, capa de Tóssan, Portugal Editora, 1960, Biblioteca dos Humuristas. Chesterton adorava o mundo às avessas, cheio de desconcertos, de verdades que se tornavam imediatamente mentira, de saltos bruscos que alteravam profundamente a estabilidade do leitor e sua confiança no escritor. Lucian Gregory apresenta-se como revolucionário e anarquista. Aliás para ele um anarquista é um artista. O seu amigo Syme mostra-se profundamente céptico mas acaba por entrar na direcção do temível grupo anarquista, como Quinta-Feira em que o chefe é Domingo. Os criminosos são polícias, os anarquistas são bondosos, o mundo está longe de ser mau, entre no plano de Deus. Esta obra-prima de Chesterton não é uma paródia, é uma fábula, a vida é tensão, é este axaltante concílio dos dias, é esta constante descida aos infernos, onde somos livres da redenção ou da ignomínia. (BS)

Também não foi fácil nem muito estimulante a leitura de "O Insuspeito" de Charlotte Armstrong, uma conceituada escritora policial norte-americana. Ela parte de uma ideia poderosa, um caçador de fortunas, homem de prestígio cultural, acima de qualquer suspeita, educa meninas casadoiras que fazem testamento a seu favor. Há estranhas mortes, o noivo de uma das vítimas investiga e descobre o plano maquiavélico. Aí a obra perde o nervo, o suspense anda à deriva, o desfecho é fantasioso, a arquitectura da obra desigual. Paciência, não se pode acertar sempre, há decepções em todos os géneros literários.

N.º 66 da Colecção Vampiro, tradução de Elisa Lopes Ribeiro e capa de Cândido Costa Pinto. Charlotte Armstrong parte de uma ideia brilhante mas deu-lhe um desenvolvimento tosco. Um caçador de fortunas, disfarçado de mestre e pai espiritual de ricas casadouras, desfaz-se das suas vítimas depois destas terem feito testamento a seu favor. O noivo de uma das vítimas introduz-se neste círculo restrito e descobre as maningâncias do insuspeito. Quando tudo parece perdido para a denúncia do miserável, o insuspeito consegue o seu sequestro. É uma das futuras vítimas que encontra o local do sequestro e o monstro acaba por morrer. Bem escrito mas com pouco nervo, com muitos altos e baixos no suspense. (BS)

Mesmo no Pel Caç Nat 52 partem e chegam soldados. Gosto da personalidade do novo comandante, Domingues Magalhães Filipe. A rotina prossegue, passei a dar aulas, fazemos colunas ao Xitole, Mamadu Soncó, um dos filhos de Quebá, pede-me para vir comigo para Lisboa, irrompeu brutalmente a época das chuvas. Tenho consciência que é um tempo de transição, faço de estafeta, de polícia, inclusive andámos a varrer à vassoura a missão do sono no Bambadincazinho. É um tempo bom para leituras, vou escrever à família e aos amigos, agarro-me à ideia de recomeçar os meus estudos muito em breve. Discretamente, o meu espírito começa a partir para Lisboa.´

Fotos (e legendas): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.
Texto do
Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), enviado em 2 de Maio de 2008
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Nota de CV

(1) - Vd. poste de 24 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3091: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (40): Operação Beringela Doce: Da cabeça não me sai aquela mulher morta...

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3119: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (4): Ornitologia (Mário Fitas)

1. Como nos prometeu numa das suas mensagens àcerca da nossa nova série Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (1), o nosso camarada Mário Fitas mandou imensas fotos dos seus passarinhos.
Com sua autorização, escolhi as que se seguem e que ilustram mais uma das actividades deste nosso multifacetado amigo.

Lembremos parte da sua mensagem

Caro Luís,

Vi a ideia lançada no blogue sobre aquilo que nos vai distraindo o tempo. Para além da fraca escrita, fui fazendo outras coisas que, para ti e alguns tertulianos, possivelmente será uma surpresa, e que passo a relatar:

Ornitologia:
Fui membro da direcção e posteriormente Presidente da Mesa da Assembleia da Associação dos Avicultores de Portugal.

Quando por motivos de saúde, tive de abandonar as minhas lindas e adoráveis aves, tinha em casa mais de oito centenas de aves. Dedicado essencialmente à criação de Agapornis (nome científico) mais conhecidos por love birds, fui campeão em diversos campeonatos e exposições.

Na primeira oportunidade enviarei fotos dos meus campeões. Que andaram pela África do Sul, Bélgica, etc.
(...)


Foto 1 > Agapornis Personata Cobalto

Foto 2 > Agapornis Personata Verde (Cor da ave em estado selvagem)

Foto 3 > Pardais de Java e Bourques em voadouro (Diversas mutações)

Foto 4 > Massorongo (Domesticado)

Foto 5 > Agapornis (Bateria de gaiolas com casais diversos em criação)

Foto 6 > Agapornis Fishers (Amarelos)

Foto 7 > Agapornis Nigrigenes

Foto 8 > Aves premiadas (Bélgica, Campeonato BVA)

Foto 9 > Diamantes Gold (Colónia de jovens)

Foto 10 > Ave premiada

Foto 11 > Papagaios


Foto 12 > Diamante Gold

Fotos e legendas © Mário Fitas (2008). Direitos reservados.

Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp da CCaç 763, Cufar, 1965/66

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Nota de CV

(1) - Vd poste de 27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3096: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (2): Pirogravuras, de Mário Fitas

Guiné 63/74 - P3118: Ser solidário (14): ONG AD: Relatório de actividades de 2007 - Parte I: A segurança alimentar

Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > 20 de Julho de 2008

Desde o dia 1 de Junho, a Rádio Comunitária Balafon tem melhores instalações. Fruto do impacto anterior das suas emissões para toda a zona compreendida entre Sedengal, Barro e Bigene, os jovens da comunidade de Ingoré meteram mãos à obra e construíram um edifício novo, abandonando as exíguas instalações cedidas temporariamente pela União dos Pequenos Agricultores de Ingoré.

Para além de ser uma fonte de informação de notícias locais e regionais, esta Rádio contribui decisivamente para a participação cívica e activa das organizações de agricultores, jovens e mulheres, tornando-as mais capazes para abordar as eleições legislativas que se realizarão em Novembro próximo.

O radialista Djalam Mané entrevista Maimuna Djaló, presidente da Associação das Mulheres “Nô Djunta Cabeça”, acerca das iniciativas que esta organização está a pensar levar a cabo para aumentar a produção de culturas alimentares.

Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > 13 de Julho de 2008

Os participantes no Simpósio Internacional de Guiledje visitam a TVMassar, a primeira televisão comunitária da Guiné-Bissau a emitir por ondas hertzianas, cobrindo um raio de 20 Km à volta de Iemberém.

Isabel Buscardini, Ministra dos Combatentes da Liberdade da Pátria da Guiné-Bissau, e Diana Andringa, jornalista portuguesa, recebem de Amarildo, Director da TV, explicações sobre a sua organização e funcionamento.

Com base numa equipa voluntária de jovens nascidos em Cantanhez, esta TV produz programas de informação, culturais, ambientais e de saúde que têm vindo a constituir uma referência para toda a população do sul do país.


Fotos e legendas: Cortesia de: © AD- Acção para o Desenvolvimento
(2008). Direitos reservados.




1. Damos início à publicação do relatório de actividades de 2007, da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, com quem mantemos desde finais de 2005 uma relação, franca, aberta, privilegiada, de cooperação, tendo como pretexto inicial o Projecto Guileje que deu origem, entre outras iniciativas que tiveram o nosso apoio, à realização do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008), e que abriu portas a outras iniciativas mais recentes, como por exemplo a recolha de sementes.

Ao nível das individualidades temos sido tratados - de maneira generosa, convenhamos - como parceiros da AD. Sobre o nosso blogue, diz o seguinte o relatório de 2007 desta ONG guineense:

" [O] Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné [...] tem trazido para o seio da AD muitos camaradas que, para além de se interessarem pela recuperação da memória histórica antes da independência, se propõem colaborar com as iniciativas de hoje. O seu envolvimento na promoção do Simpósio de Guiledje é decisivo para o seu êxito".

A publicação desta relatório não é uma mera cortesia nem um simples troca de galhardetes. A sua leitura vai-nos permitir aprofundar o nosso conhecimento dos problemas actuais da Guiné-Bissau, nomeadamente no campo económico, social e cultural. Ao mesmo tempo, ficamos melhor informados sobre (e, portanto, a poder conhecer e a valorizar) o notável trabalho que, com fundos comunitários, portugueses e outros, os nossos amigos da AD estão a fazer com as populações das suas principais zonas de intervenção, duas rurais (S. Domingos - Bigene, no norte; Cubacuré- Quitafine, no sul) e uma urbana (Bissau - Bairro do Quelele).

Dá-nos algum conforto saber que, pelo menos, a estas populações - que nós conhecemos no passado ou com quem nos relacionámos mais recentemente - chegam ajudas, conhecimento, tecnologia, modernidade, programas, ideias, dinheiro, solidariedade, esperança...É bom saber que na Guiné-Bissau há gente competentíssima, fantástica, generosa, guineense e estrangeira, a trabalhar com e através dos outros para que a palavra desenvolvimento não seja uma mera figura de retórica... Desenvolvimento, cidadania, direitos humanos, democracia, liberdade, solidariedade, cooperação... enfim, belas palavras que muitas vezes usamos em vão, ou de ânimo leve...

O citado relatório está disponível do sítio da AD, em formato pdf. Tem 24 páginas. Vamos reproduzi-lo em quatro partes, omitindo apenas as fotos. Tomamos a liberdade de inserir outras imagens, do nosso arquivo ou da própria AD. Uma única ressalva: a publicação deste relatório não significa concordância ou discordância de pontos de vista. Muito menos sugere qualquer tipo de ingerência na vida interna da Guiné-Bissau, o que nos é interdito pelas nossas regras éticas e editoriais.

O nosso blogue, enquanto comunidade colectiva virtual, não têm opinião sobre questões da actualidade, seja em Portugal, seja na Guiné-Bissau. O nosso propósito, como editores, é dar informação relevante sobre o que faz a AD, onde, porquê, com quem, como e com que resultados... Individualmente podemos ter as opiniões que acharmos justas e correctas sobre a metodologia de trabalho da AD, a sua filosofia de acção, os seus colaboradores, os seus programas, a sua eficácia e a sua eficiência, etc.

Esperemos que nos cheguem críticas, comentários e sugestões sobre este documento onde, obviamente, há trabalho colectivo mas onde também é notório o pensamento do co-fundador e actual director executivo da AD, o nosso amigo Pepito, o Eng. Agrónomo Carlos Schwarz com quem estarei hoje em São Martinho do Porto. LG


2. AD -Acção para o Desenvolvimento: Relatório de actividades de 2007 > Parte I


Subtítulos, revisão e fixação de texto: L.G.


A. O CONTEXTO POLITICO

O ano de 2007 fica claramente marcado por uma má campanha agrícola,
caracterizada por um começo tardio da época das chuvas e a sua interrupção brusca no final.

Embora todo o país tenha sofrido as consequências desta situação, ela foi
muito marcante na zona litoral norte e ao longo de toda a linha da fronteira com o Senegal, nos sectores de S. Domingos e Bigene, onde por norma a queda pluviométrica é mais reduzida. Na pene-planície de Varela, as bolanhas entre Sucudjaque e Djufunco viram as suas produções de arroz drasticamente reduzidas e em muitas situações as colheitas foram nulas.


(i) O espectro da fome e a questão da segurança alimentar


Como que de imediato, sobreveio a fome e os jovens iniciaram uma migração para os países vizinhos (Senegal e Gâmbia) e Bissau. A fome, ou se quisermos ser mais precisos o forte défice alimentar que daí resultou, veio trazer à ordem do dia a discussão sobre o contexto político global da segurança alimentar na Guiné-Bissau e a nível internacional.

Em meados dos anos 80, o Banco Mundial (BM) e o FMI, impuseram ao nosso país o chamado ajustamento estrutural e a liberalização económica selvagem: manda o mercado, dono e senhor do crescimento, que tudo regula e tudo dirige. Para quê pensar no aumento da produção de arroz e outras culturas alimentares na Guiné-Bissau, se é preferível apostar na exportação de castanha de caju e com a receita comprar arroz muito mais barato que o produzido localmente. Diziam eles, sem nunca o provarem.

Os técnicos e quadros que então discordaram e se opuseram, foram rapidamente apelidados de “profetas da catástrofe” pelos compadrios internos destas politicas. Nada como a memória para os mais esquecidos, pabia di amanhã. A Guiné-Bissau virou de repente um cajual à beira mar plantado e o caju entrou na máxima força nos sistemas familiares de segurança alimentar.

Ao mesmo tempo que a área ocupada com caju ia crescendo exponencialmente, as superfícies dedicadas às culturas alimentares iam diminuindo. Qualquer agricultor prefere substituir uma cultura que lhe exige muito maior esforço físico e cujas produções estão dependentes de factores incontroláveis como as chuvas e as pragas, por um pomar em que os próprios frutos nem sequer necessitam de ser colhidos nas árvores, bastando enviar as crianças fazer a recolha no chão. É bom enquanto dá, mas quando o preço vem por aí abaixo é impossível transformar o caju em bianda.

Quando a política comercial é liberal, arriscamo-nos a colocar em concorrência os nossos produtos agrícolas a preços reais com os que vêm do exterior, devidamente subvencionados e a medir forças com quem tem capacidade de fazer dumping para conquistar mercados. Por isso não é de estranhar ver-se a maçã Golden a ser vendida habitualmente na jangada de São Vicente, ou a importar-se farinha de trigo, quando com a farinha de mandioca se pode fazer igualmente pão.

Será que, com este tipo de incentivos, os nossos fruticultores e agricultores se sentirão encorajados a produzir mais? É preciso que os nossos decisores procurem conhecer mais a micro-economia, compreender a vitalidade e dinamismo do sector informal, acompanhar mais de perto as preocupações sociais daqueles que podem garantir a segurança alimentar e não se esquecerem que a fome está na origem de muitas convulsões sociais representando uma autêntica arma de destruição massiva.

Hoje assiste-se à emigração descontrolada daqueles que são as principais vítimas das decisões e escolhas macroeconómicas e de um desajustamento estrutural: os jovens. Com o futuro comprometido, sem esperança e a viverem no limiar da fome, refugiam-se na miragem idílica de uma Europa acolhedora, progressista onde poderão ter uma vida digna e condigna. Emigram por necessidade e não porque sejam criminosos ou delinquentes. Se o fazem de forma “ilegal” é porque a História lhes ensina que, antes deles, muitos outros povos europeus emigraram da mesma forma para os Estados Unidos da América, para a Venezuela, para a África e até mesmo para França. Para não falar dos tempos da pirataria dos recursos naturais e da escravatura, em que a Europa chegava a África igualmente de forma “ilegal”, dizendo vir “dar novos mundos ao mundo” e “evangelizar e civilizar os indígenas”.

O que ontem pelos vistos era legal, hoje deixou de o ser...


(ii) O futuro da economia da Guiné-Bissau: Oportunidades e ameaças


Ironia suprema, é ver a forma rápida e prestimosa com que alguns se prestam a fazer serviços de repressão aos “clandestinos”, a troco de campos fortificados em Varela e doações financeiras de vergonha, recusando seguir a posição do presidente argelino Abdelaziz Bouteflika quando afirma: “recusamos construir estes campos porque nunca seremos os estranguladores dos nossos irmãos”.

Mais grave ainda é quando alguns membros da sociedade civil embarcam nestes combates que não são nossos e denunciam a localização dos refugiados, apelando às autoridades policiais para a sua prisão e deportação. Reprimem-se os emigrantes e não os que transformaram a emigração num negócio em que as vítimas são exploradas duas vezes.

Infelizmente, tudo parece conjugar-se para que em 2008 a Guiné-Bissau assista a uma tensão social de origem alimentar, vitima das opções globais de certas multinacionais que fazem da fome negócio e dos seus próprios erros e opções internas.

Os factores internos que estão na sua origem, prendem-se com aspectos de ordem climática, atrás referidos, em particular a diminuição da precipitação nos últimos 30 anos e o muito mau ano orizícola de 2007, de origem económica com a omnipresença do caju como cultura de substituição do arroz e a queda do seu preço a nível internacional, de ordem social com o êxodo rápido dos jovens do campo para a cidade, a deterioração drástica do poder de compra as famílias, a desintegração de núcleos familiares e a redução da solidariedade nos centros urbanos.

A estes devem-se acrescentar os de ordem urbanística, em especial a rápida diminuição dos campos agrícolas e hortícolas na cintura de Bissau, para darem lugar à construção massiva de alojamentos, os de ordem agronómica com o desaparecimento de boas variedades saídas da pesquisa agrícola e do desaparecimento das redes de agricultores produtores de sementes e, finalmente, de ordem política com a falta de uma visão estratégica clara para a segurança alimentar, que vá para além da repetição de banalidades e lugares comuns por parte dos decisores.

Já em termos de factores externos, há a considerar que para certas multinacionais do ramo especializadas na venda de agroquímicos e sementes de transgénicos, a fome tornou-se um negócio muito lucrativo, ao qual se associam comerciantes que vivem da especulação dos mercados.

É preocupante ver organizações internacionais como as Nações Unidas, BM e FMI desenterrar velhas políticas como a Revolução Verde, de tão má memória para os pequenos agricultores africanos, e apostar numa “nova agricultura ao serviço do desenvolvimento”, em que os pequenos agricultores devem modernizar-se utilizando novas tecnologias para se integrarem no mercado internacional liberalizado, sob pena de se excluírem da actividade agrícola e serem obrigados a orientarem-se para empregos não-agrícolas ou emigrarem para os centros urbanos.

Persiste-se em medidas economicistas em vez de se propor uma visão da questão mais social, cultural e ambiental, preparando-se a nova moda dos “planos de acção” que nos irão submergir a todos, em vez de se afinarem e concertarem as políticas dos diferentes actores, públicos, comunitários e privados.

Na moda estarão agriculturas baseadas em produções de elevado valor acrescentado, em que já se fazem anunciar o uso de alimentos para biocombustível, um autêntico paradoxo no nosso país, isto para não considerar um verdadeiro crime contra a humanidade. Mais uma vez os nossos países a resolver as preocupações da alta de preços de energia nos mercados do norte.

Seria interessante analisar em que áreas e sectores, organizações como o PNUD, o BM e o FMI investiram nos últimos 20 anos na Guiné-Bissau e quais os resultados obtidos. Verificou-se um brutal desinvestimento na agricultura com a produção alimentar a ser inserida numa lógica de mercado, a desvalorização do papel fundamental das pequenas unidades familiares agrícolas na segurança alimentar e o abandono total dos programas de pesquisa agrícola, base da inovação e avanço da agricultura alimentar.

A todos estes desafios, impõe-se que a nível nacional se procure uma resposta baseada numa agenda própria que não seja subserviente às políticas dos grandes doadores internacionais, aproveitando-se este momento para se proceder a uma reflexão interna e revisão de políticas, não nos esquecendo que se o colonialismo durou 500 anos foi porque contou com conivências e beneficiários internos, tudo indicando que com a fome, assim voltará a ser enquanto os recursos naturais (petróleo, fosfatos e bauxite) só servirem interesses individuais.

(Continua)

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3117: Álbum fotográfico do Juvenal Amado (1): Imagens de Cancolim

1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, de 6 de Agosto de 2008

Caros Carlos, Virgílio, Luis Graça e restanta Tabanca Grande.

A CCAÇ 3489 pertencente ao BCAÇ 3872 ocupou o Sector L5 em Cancolim.
Substituiu a CCAÇ 2699 em 11 de Março de 1972.
Destacou um Pelotão para Sangue Cabomba e após o reordenamento de Anambé, esse posto ficou com uma Secção de apoio a um Pelotão de Milícias.(*)

Fazia parte desta Companhia, o nosso camarada Fernando Correia natural de Romariz - Sta. Maria da Feira, a quem devo a gentileza das fotos aqui publicadas.
Primeiro Cabo Apontador de morteiro 81mm, tirou Especialidade no RI2 em Abrantes.

Esta Companhia foi efectivamente bastante flagelada e o número de mortes atestam as agruras porque passaram os nossos camaradas. A situação da 3489 era, a dada altura, de forma que teve de ser reforçada por pelotões da 3491 (Dulombi) e pára-quedistas.

(*) - Sangue Cabomba nunca foi atacada. Falava-se que o facto se devia a ser Chão Santo. Pelo o contrário Anambé, que ficava a 1000 metros na direcção de Cancolim, não tardou em ser atacada assim que se fortificou a tabanca.
O sistema de protecção era arame farpado e cavalos de frisa, que se encerravam ao anoitecer. Garrafas de cerveja duas a duas, penduradas no arame farpado completavam de forma rudimentar, os meios de vigilância.
E foi assim que uma noite um grupo de guerrilheiros entrou, pois não é novidade que os milícias, por veses, abandonavam os postos e iam ter com as bajudas.
O soldado Domingos Peixoto natural de Paredes, partilhava uma cubata com a sua Secção, a qual tinha à sua responsabilidade um posto de sentinela. O camarada estranhou movimentos e disparou contra os vultos que entravam pela aldeia dentro. No acto continuo entrou na cubata e tentou sair pela outra porta, foi quando foi atingido mortalmente.
Outro camarada que sofria de ataques epilépticos, foi julgado morto pelos atacantes. Morreram ainda os milícias Califo Baldé e Samba Seide ambos de Anambé.
O IN deixou várias granadas de mão sem retardante, que eram usadas nas armadilhas de tropeçar.

E por hoje é tudo tentei traçar um perfil desta Companhia, espero que o resultado seja satisfatório.

Um abraço para todos
Juvenal Amado



Foto 1 > Um dos famosos baga-baga

Foto 2 > O Correia tocando viola

Foto 3 > Cancolim > Uma pega de cernelha

Foto 4 > Cancolim > Convívio com as bajudas

Foto 5 > Cancolim > Em conversa com a população

Foto 6 > Cancolim > O 81 respondeu ao fogo inimigo

Foto 7 > Cancolim > Abrigo do Morteiro 81

Foto 8 > Cancolim > O Correia de reforço no seu posto

Foto 9 > Cancolim > Dentro espaldar do 81, Alves do Porto, Dias da Maia, Carneiro de Penafiel e o Correia.

Foto 10 > A minha Berliett

Foto 11 > Cancolim > Petisqueira

Foto 12 > Cancolim > Evacuação do Correia com paludismo

Foto 13 > Uma ida à água

Foto 14 > Durante as chuvas, 30 dias de isolamento. As águas levaram as pontes quando os ribeiros se transformaram em rios de águas revoltas. Os atiradores faziam um cordão, dando as mãos, para as viaturas poderem passar.

Fotos e legendas: © Juvenal Amado (2008). Direitos reservados.


Guiné 63/74 - P3116: Convívios (79): Pessoal da CCaç 763, dia 14 de Setembro de 2008 em Mafra. (Mário Fitas).



10º ENCONTRO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 763


Caros Camaradas da C.CAÇ. 763

Cufar, Guiné, 1965/1966


Não pedimos guerras nem as comprámos. Como bons Portugueses amantes da nossa Pátria, quando há quarenta anos fomos confrontados com a hora de partir, não virámos a cara, fugimos ou emigrámos para não irmos para a guerra.

Felizmente a nossa geração, independentemente das origens e apesar da nossa juventude, soube tornarmo-nos homens com H (grande), ao contrário de outros por quem temos sido menosprezados e esquecidos.

Veteranos de Guerra, (nós que a vivemos é que sabemos).
Vamos serrar fileiras, e de novo reunirmo-nos, na amizade dos laços de antanho.

Vamos dia 14 de Setembro, renovar a vontade de nos reunir e que seja por muitos anos.

Um abraço do tamanho do rio Cumbijã!

Pela Comissão organizadora

Mário Fitas

Contactos: Telf. 214684787
Tlm 914908920
Tlm 965591915
E-Mail mariofitas@sapo.pt
Por correio: Rª. D. Bosco, 1106
2765-129 ESTORIL

Nota: Parte deste texto, foi extraído do livro "Guiné", publicado pelo então Ten. Coronel Costa Campos.





LOCAL – Este ano o nosso encontro vai ser em MAFRA

RESTAURANTE “ O CANGALHO”
(Seixal) estrada principal Mafra/Ericeira

PROGRAMA

Concentração frente ao Convento às 11H00
Almoço………………………...…………..…13H00
Bolo e Champanhe……...………..………16H00

PREÇO

Militares………………………………………………24 Euros
Familiares ……………………………..….…23 "
Crianças………até 4 anos..... grátis
de 5 a 9 anos…............10 “

INSCREVE-TE com antecedência
Procura contactar com outros companheiros e convence-os a estarem connosco.
__________

Nota de vb:

1. Mário Fitas, ex-Furriel Mil Op Esp da CCaç 763, Guiné 1965/66, autor de "Pami Na Dondo, A Guerrilheira" e "Putos, Gandulos e Guerra".
2. Artigo relacionado em
27 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3096: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (2): Pirogravuras, de Mário Fitas

Guiné 63/74 - P3115: Blogpoesia (22): No mesmo navio, piscina e música em camarote de 1ª, suor nos porões...(José Belo)

Caros Amigos e Camaradas da Guiné

Nesta distante, e voluntariamente isolada Escandinávia, quando o vento sopra do Sul…chegam saudades! Daí, o atrever-me a compartilhar com a Tabanca Grande dois "poemas" (!?!) de tempos idos.

O primeiro retirado do livro "Trinta Facadas de Raiva", do então Cap. Calvinho, deficiente das Forças Armadas, e meu companheiro de muitos caminhos.
O segundo foi, um dia, dedicado a todos os "Maiorais" da CCaç 2381, Guiné/68-70/, Ingoré-Buba-Aldeia Formosa-Mampatá-Empada.

Um abraço amigo do

José Belo

ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70

__________





O Uíge ao largo de Cabo Verde.

A VIAGEM

Que luxo! Viajar em camarote de primeira.
Que chique! Jantar, num salão de primeira, manjares de primeira.
Que pinta! Ter conjunto privativo, com piano, violino e tudo.
Que relaxante! Ter um bar flutuante onde, em fofos sofás e com ar condicionado, via jogar ao King, ao Bridge e ao Poker.
Que fino! Passar tardes tropicais em privativa piscina, tomando banhos em mar cativo.
Não longe, e no mesmo navio…
Que merda! Mais de dois mil soldados, escravos novos, enjaulados e com grilhetas na alma.
Que tédio! Centenas de homens suados, dormitam nos porões ao som da canção metálica que vem da casa das máquinas.
Que vida insuportável aquela vida de rato, que não levei mas...sentia.
(Ah! as minhas reminiscências de menino e moço, que me habituaram ao convívio dos percevejos, dos ratos e das pulgas...a empurrarem-me para o porão).

Ali jogava-se a vermelhinha, a sueca, o chincalhão, a bisca lambida, (a bisca dos nove era só para aqueles que tinham a quarta classe!).
De vez em quando, a lerpa originava cenas de porrada, e lá ia o Sr. Oficial de serviço ao barco...armado em Vasco da Gama...meter-se na vida e costumes do Povo.



SOLDADOS

Lutas de vida e morte apodrecem em páginas amarelecidas de velhos jornais guardados.
Memórias sem sentido por já não se "intercalarem"!
Gerações novas ignorando raízes de tanta dor.
Ideais morrem em círculos cada vez mais rápidos.
São outros os tempos!
Tempos de...aceitação. Para ti...é tarde!
E, em verdade, poderá um SOLDADO como tu algum dia regressar a casa?!

Joseph Belo


Estocolmo, 30Julho de 2008.
__________

Notas:

1. Fixação de texto: vb
2. artigos relacionados em

17 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2954: A guerra estava militarmente perdida? (18): José Belo.

22 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3084: Poemário do José Manuel (21): O recordar dos sentidos: como é bom ver, sentir, ouvir, cheirar, saborear, falar...

Guiné 63/74 - P3114: Blogoterapia (59): A Sombra do Pau Torto ou a notável capacidade de persistência e resistência de Carlos Schwarz (João Tunes)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > Visita ao antigo aquartelamento de Guileje > À esquerda, o Pepito "apanhado em flagrante", numa formidável manifestação de bom humor e de energia esfuziante, tendo a seu lado um elemento da população local com uma T-Shirt de Amílcar Cabral, em que salta à vista uma grosseira gralha tipográfica na estampagem da fotografia e do nome do fundador da Pátria...



Apesar de ainda vivo na memórias dos antigos guerrilheiros do PAIGC e das gentes do Cantanhez (como eu pude comprovar in loco), Cabral foi e continua a ser maltratado no país onde nasceu e por quem lutou até ao sacrifício da sua própria vida... O promenor pode ser anedótico, mas não de deixa de ser simbólico: até o C tiraram a Cabral, parece quer dizer o nosso amigo Pepito...





Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Reproduzido, com a devida vénia, do blogue do nosso amigo e camarada João Tunes > Água Lisa (6) > 1 de Agosto de 2008 > A Sombra do Pau Torto (*)

Carlos Schwarz da Silva, um engenheiro agrónomo nascido na Guiné-Bissau, com ascendências que misturaram sangues das mais variadas origens (caboverdiano, português, judeu, polaco) e que para a Guiné-Bissau regressou, quando jovem licenciado pelo Instituto Superior de Agronomia (Lisboa), para se dedicar à causa do desenvolvimento das populações do país que o viu nascer e que ele ama entranhadamente, sendo tão difícil, ali, onde a pobreza e o atraso dos povos se casaram com o desleixo, o gangsterismo e a corrupção (muitas destas maleitas são o que sobrou das terríveis experiências do “marxismo-leninismo africano”), resistir aos desenganos. E nota-se que, para resistir e persistir, Carlos Schwarz da Silva (“Pepito”, assim lhe chamam os amigos) ainda se ilumina no exemplo e na obra (incompleta, porque interrompida por Spínola, a PIDE e a traição de alguns dos “seus”) de outro agrónomo guineense, Amílcar Cabral.

Num notável texto autobiográfico, agora e aqui editado, Carlos Schwarz da Silva (na foto, tirada pelo seu e meu amigo Luís Graça) como que faz uma síntese da história épico-trágica da experiência da independência da Guiné-Bissau. Sem ponta de dúvida, uma leitura a não perder. A menos que se queira fechar os olhos à África de hoje, a África que os europeus deixaram aos africanos. E, nesta história, queira-se ou não, goste-se ou deteste-se, Portugal, nós, também entra(mos).

_________


Nota de L.G.:

(*) Tinha prometido a mim mesmo não dar sinais de vida nem, muito menos, aparecer por estas bandas durante o mês de Agosto, deixando as despesas da conversa bloguística aos meus/nossos abnegados e generosos co-editores Carlos Vinhal e Virgínio Briote... Mas não resisti ao reparo do João Tunes, que se queixa de ter enviado um comentário ao poste de 31 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3101: Histórias de vida (13): Desistir é perder, recomeçar é vencer (Carlos Schwarz, 'Pepito', para os amigos), comentário esse que, mais uma vez (!), se terá perdido na blogosfera...

Consultado o seu blogue - Água Lisa (6) - , o que faço com alguma regularidade, encontrei esta peça sobre o Pepito que, para além de nosso amigo e camarada, é uma das vozes mais lúcidas e corajosas da Guiné-Bissau. É da mais elementar justiça dar a conhecê-la, esta peça, ao próprio Pepito e aos demais amigos e camaradas da Guiné que fazem parte do nosso blogue.

O Pepito que está, em Portugal, com a família, a passar férias e a carregar baterias para mais um ano de trabalho à frente da sua AD - Acção para o Desenvolvimento, também precisa do nosso apoio, carinho e solidariedade. Vou, de resto, estar com ele, de novo, no dia 7, em São Martinho do Porto. Sei que o Pepito também deverá receber, no dia 19, uma missão especial dos Gringos de Guileje, com o Abílio Delgado e o Zé Carioca à cabeça... Não sei se lá poderei estar nesse dia, embora da Lourinhã a São Martinho do Porto seja perto... Logo se verá... De qualquer modo, no dia 7, levarei um abraço de toda a nossa Tabanca Grande a este homem que é grande, da cabeça aos pés, da alma ao coração...

Julgo que era basicamente este o comentário que o João Tunes nos enviou e que, por razões técnicas, que nos são alheias, não chegaram ao nosso conhecimento... O João de certo compreenderá que aos nossos pobres editores não pode ser imputado este erro (que já lhe ocorreu pelo menos duas vezes, ao tentar fazer comentários aos nossos postes; e que provavelmente já ocorreu a mais camaradas e amigos nossos; quando for assim, que nos contactem, por favor, por e-mail)...

Embora sujeitos a moderação, todos os comentários que nos chegam são imediatamente publicados, desde que (i) não contenham insultos pessoais e (ii) tragam elementos de identificação do autor (nome ou email). Que fique claro: em caso algum, fora destas duas regras elementares de boa ética e boa convivência, faremos censura aos comentários de quem quer que seja... Seria a total negação do espírito aberto, plural e solidário do nosso blogue... Boa continuação de férias, para os sortudos. Boa saúde, bom trabalho, para os demais. LG

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3113: Os funerais dos nossos camaradas Pára-quedistas (4): As exéquias fúnebres (Idálio Reis)



Idálio Reis,
ex-Alf Mil
CCAÇ 2317
Gandembel/Balana,
1968/69



1. No dia 28 de Julho de 2008, recebemos uma mensagem do nosso camarada Idálio Reis, com um texto alusivo às exéquias fúnebres dos três camaradas Pára-quedistas caídos em combate em Maio de 1973.


Restos mortais dos nossos camaradas Pára-quedistas, Lourenço, Peixoto e Vitoriano, em câmara ardente na Igreja de N. Sra. do Rosário, em Lisboa.

Foto: © Mário Fitas (2008). Direitos reservados.


Meus caros Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote.

Neste fim-de-semana, a quase generalidade dos órgãos de comunicação social difundiram largamente os funerais dos 3 pára-quedistas mortos na Guiné, nas imediações de Guidage e aí enterrados, em Maio de 1973.

Ainda que a Tertúlia seja conhecedora de algumas das circunstâncias que contribuíram para que as trasladações fossem coroadas de sucesso, parece que os afins Poderes instituídos deste País assumiram uma postura bem condizente para com este colectivo acto fúnebre, ao prestarem uma honrosa e justa homenagem a 3 militares que há trinta e cinco anos haviam tombado ao serviço da Pátria.

É minha opinião que houve um elevado e nobre sentimento de dignidade no gesto prestado.

Mas, o Poder não poderia tomar outra atitude que não fosse esta mesma, aproveitando uma oportunidade única de trazer os restos mortais de 3 soldados tombados no tempo da guerra colonial, que inexoravelmente se vai dissipando na voragem dos tempos.
E havia que os entregar ao seio dos seus mais íntimos, com cumprimento e solenidade cerimoniais as mais apropriadas. E assim foi.

Mas, como chegam estes três homens, passados 35 anos?

Após um intenso trabalho de sapa, onde se deu a conhecer localmente aos familiares dos 3 pára-quedistas e lhes transmitiu as diligências que vinha encetando para resgatar os corpos dos seus ex-companheiros, e tendo ouvido das autoridades políticas e militares que não haveria suficiente capacidade financeira para a trasladação dos 8 militares então enterrados em Guidage (os 3 pára-quedistas com 5 elementos do Exército), a 27 de Junho de 2006 no Post 919 (1), o ex-Sargento Pára-quedista Manuel Rebocho lança este forte e pungente apelo:

- Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973.

A partir daqui, surge o eco amplo do Blogue, e o trilho confinado nos seus escolhos burocráticos, foi paulatinamente sendo alargado.

O País vai tomando conhecimento desta saga e abrem-se clareiras firmes no propósito de se atingirem os objectivos em causa, onde ressaltam a TVI com o nosso Vítor Tavares e mais tardiamente a SIC já com perspectivas bem delineadas e fundamentadas.

No fim do comovente funeral do José Lourenço, onde compareceram conterrâneos, Associações de Combatentes, Executivo Municipal e Junta de Freguesia, muitas Boinas Verdes, tive a felicidade de estar algum tempo com o Manuel Rebocho e o Vítor Tavares. Ambos tinham cumprido mais uma nobre missão e reterei para sempre o sentido e terno agradecimento que os familiares do Lourenço, muito em especial o dos seus pais, tiveram para com aquele homem, que me disse simplesmente que tinha cumprido o seu dever.

Reconheci nele, estar um homem de profundas convicções, de alguém com grande determinação e inabalável querer.

O Rebocho já nos tinha afirmado que não conhecia a palavra desistência. A sua tenaz e acrisolada persuasão, trouxe de volta os seus ex-companheiros Vitoriano, Peixoto e Lourenço, os mesmos que há tantos anos lhes prometera uma sepultura condigna para seu repouso eterno. E a sua obrigação acabara de se concretizar!

Recordo as palavras de alguém que um dia afirmou:

- A memória é a nossa única verdadeira defesa contra a traição e o abandono. Que enquanto se lembrar, está vivo. E ao estar vivo, vive, e assim não deixará morrer quem caminhou com ele, ao longo do caminho.

Uma forte lembrança para toda a Tertúlia, do
Idálio Reis.
_________________

Notas de CV

(1) - Vd. poste de 28 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)

(2) - Vd. último poste da série de 4 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3111: Os funerais dos nossos camaradas Pára-quedistas (3): Manuel Peixoto, Gião, Vila do Conde (Albano Costa)

Guiné 63/74 - P3112: História de vida (13): O meu amigo Nelson Batalha (Helder Sousa)



Helder Sousa
ex-Fur Mil de Transmissões TSF
Bissau e Piche
1970/72


1. Recentemente recebemos uma mensagem do nosso camarada Helder Sousa, contando uma História de Vida, desta feita do seu amigo e camarada, e nosso camarada também, Nelson Batalha.

Caros Editor e Co-Editores
Hoje vou dar-vos a conhecer um pouco mais do meu amigo Nelson Batalha, nosso camarada da Guiné que levei o ano passado ao Encontro da Tertúlia, em Pombal.

Já me referi a ele nas histórias que contei sobre a minha (nossa) viagem de Lisboa para Bissau, no Ambrizete, e também nos apontamentos que indiquei sobre os primeiros tempos passados nas Transmissões.

Acontece que este meu amigo não tem passado muito bem (acho que é vulgar dizer-se isso sobre quem esteve em teatro de guerra...), tem problemas de alzheimer (ainda não muito desenvolvidos) e nunca recuperou bem depois de ter acabado a sua profissão (era Despachante Alfandegário), sendo que da guerra da Guiné ainda guarda no corpo alguns estilhaços que foram absorvidos pela massa muscular, estilhaços esses adquiridos em Catió aquando do ataque a esse aquartelamento/povoação em Abril de 1971 (salvo erro a 13 ou 14).

Isto vem a propósito do seu aniversário, que foi no passado dia 15 de Junho, e que mais uma vez me deixou um pouco deprimido pela impotência que sinto em não o poder ajudar mais.

2. O meu amigo Nelson Batalha
Fomos para a Guiné juntos no mesmo barco (com o Manuel M. Martins) e em Bissau juntaram-se os outros 4 elementos do mesmo curso de TSF, num total de 7 rendições individuais que tiveram destinos diversos.

Assim, o Fur Mil António Calmeiro conseguiu ser colocado em apoio administrativo, os Fur Mil Eduardo Pinto e José Fanha (isso, primo do famoso dos concursos da televisão) ficaram adstritos à Companhia de Transmissões onde foram dar corpo à criação e desenvolvimento do aqui já referido Centro de Escuta da Guerra Electrónica e eu, o Nélson, o Martinho e também o Fur Mil Dutra Figueiredo ficámos a receber instrução específica e dedicada no STM para depois seguirmos para Postos no mato. O Dutra foi para Farim, o Martinho para Tite e eu e o Nelson Jogámos às moedas para ver quem ia para Piche (fui eu) ou para Catió (foi ele).

O nosso conhecimento já era anterior à da incorporação na vida militar. Ou melhor, ele já me conhecia, eu nem tanto no que a ele dizia respeito, pois ambos estudávamos no velho Instituto Industrial de Lisboa mas eu teria eventualmente mais alguma visibilidade por via da minha participação na vida associativa estudantil, apesar de cultivar sempre o low profile.

Certo dia (melhor, certa noite) de Agosto de 1970, estando nós no Porto, no antigo Regimento de Transmissões situado junto ao Jardim da Arca d'Água, onde dávamos instrução a várias fornadas de futuros telegrafistas, fomos ficando à conversa sobre diversos assuntos, fazendo tempo para a hora da ronda (a minha seria às 24 horas). Nessa conversa, para além de nós os dois, estava também pelo menos um dos dois colegas de curso que eram naturais do Porto e que iriam naturalmente pernoitar a casa, excepto quando tinham serviço, o José A. Reis e o Fernando Cruz, por sinal excelentes amigos e bons camaradas. O Reis não chegou a ser mobilizado e o Cruz foi para Nampula, Moçambique.

Ora acontece que o Nélson era conhecedor das minhas opiniões quanto à justeza da guerra, sabia do meu empenhamento no movimento associativo estudantil e eu, por meu lado, também conhecia a propensão que ele por vezes tinha para a provocaçãozinha, para a ligeireza no abordar dos assuntos, para avacalhar as conversas. Daí que, pesando tudo isso, não me importei muito quando ele, a partir de certa altura, começou a arrancar com o festival de alarvidades com que foi mimando a nossa conversa, pois isso dáva-me oportunidade para, ao argumentar contra o que ele dizia, ir fazendo a defesa das posições que achava justas e ir fazendo passar as minhas convicções, com todas as cautelas possíveis, não esquecendo que se estava em 1970 e num quartel...

O que eu não contava era que me deixei enredar nas provocações e (lembro-me bem) apesar de perceber que estava a morder o anzol estava a deixar-me ir na onda e as coisas azedaram mesmo! Ele, só para me provocar e puxar por mim (disse-me depois), socorria-se de tudo o que era o mais reaccionário possível, do tipo fazíamos muito bem em ir defender a Pátria em África porque aqueles territórios eram nossos por direito divino, que era sabido que os pretos eram naturalmente inferiores, que de acordo com a teoria da evolução humana descendíamos dos macacos e a prova disso eram os pretos, que estavam entre os símios e os homens, que aqueles que se opunham à guerra estavam a soldo de potências estrangeiras, para fins inconfessáveis e outras bojardas do mesmo quilate.

Fui defendendo os meus pontos de vista com a serenidade possível mas a certa altura, com toda a camarata a dormir (impossível, porque o tom de voz tínha-se elevado pelo empolgamento que a situação proporcionou), excepto os três ou quatro que mantínhamos a discussão, acalmei, e disse-lhe muito solenemente:
- Olha Batalha, tu não acreditas que vai haver uma revolução, mas podes ter a certeza que isso vai acontecer, não te posso dizer quando, mas que vai haver, lá isso vai, e nessa ocasião, a manteres esses pontos de vista, vamos estar em lados opostos da barricada e desde já te garanto e aviso, se tiver que enfiar um tiro nessa tua cabeça dura podes crer que o farei!

Como é natural, houve por breves instantes um silêncio ensurdecedor, depois todos os que dormiam começaram a agitar-se para ver se iria haver algum drama, o que não aconteceu, pois fui fazer a ronda...

A minha amizade pelo Nélson Batalha deve ter começado a cimentar-se naqueles instantes. Deve-se ter feito juz ao velho ditado queres um amigo, dá-lhe porrada. Pelo Cruz e pelo Reis o meu respeito, admiração e carinho são, ainda hoje, enormes. O Nélson é o meu padrinho de casamento (e não só) e vê-lo a perder faculdades dá-me um aperto que acho que precisei de relembrar este episódio para tentar ultrapassar a tristeza.

Que conclusões tirar?
Que a amizade não tem limites?
Que tenho jeito para premonições, porque previ o 25 de Abril quase 4 anos antes?
Que é sempre bom ser assertivo e não contemporizar com as situações com que não se concorda?

Pois, meus amigos, colham vocês as vossas próprias conclusões, que isto é suficientemente plural para cada um tirar a sua!

Um abraço e até breve!
Hélder Sousa
Fur Mil Transmissões TSF

Bissau > Restaurante Pelicano > Helder Sousa, Fernando Roque e Nelson Batalha

Bissau > Santa Luzia > Messe dos Oficiais > Nelson Batalha, Helder Sousa e José Fanha

Fotos: © Helder Sousa (2008). Direitos reservados.


Pombal, 2007 > Nesta foto, o nosso camarada Nelson Batalha está assinalado com a elipse encarnada

Foto: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.

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Nota de CV

(1) - Vd. último poste da série de 31 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3101: Histórias de vida (13): Desistir é perder, recomeçar é vencer (Carlos Schwarz, 'Pepito', para os amigos)

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Guiné 63/74 - P3111: Os funerais dos nossos camaradas Pára-quedistas (3): Manuel Peixoto, Gião, Vila do Conde (Albano Costa)

1. No dia 27 de Julho de 2008, recebemos uma mensagem do nosso camarada Albano Costa (ex-1.º Cabo da CCAÇ 4150, Cumeré, Bigene e Guidaje, 1973/74), dando conta da sua presença no funeral de Manuel Peixoto em Gião, Vila do Conde.

Caros editores
Estive no funeral do Pára-quedista, Manuel Peixoto, de Gião, Vila do Conde. Fiquei bastante emocionado com a recepção feita pelos Pára-quedistas ao seu ex-companheiro, que esteve longe da sua terra natal durante 35 anos, como todos nós sabemos.

Estes momentos costumam ser sempre de tristeza, mas desta vez o que senti, foi uma mescla de várias coisas, alegria pela chegada de um filho à sua terra, pela sua família, - irmã e sobrinhos com quem falei -, e por toda a população de Gião que assistiu, mesmo por aqueles que não o conheceram em vida.

Mas também senti tristeza, lembrei-me dos familiares dos restantes cinco militares portugueses (metropolitanos) que foram exumados, de Guidage para Bissau e não regressaram a Portugal. Lembrei-me muito dessas famílias, como estariam a passar ao verem o regresso de uns, porque não os seus também!...

Não estavam a lutar pelos mesmo objectivos, no mesmo sítio e na mesma altura?

Fiz um registo de 30 fotos da chegada do Peixoto à sua terra de origem, para finalmente descansar em paz junto dos seus.

Um abraço de amizade
Albano Costa

Foto 1 > Na cerimónia estiveram presentes autoridades civis e militares de Vila do Conde. Do lado direito da foto, em primeiro plano, Dr. Mário Almeida, Presidente da Câmara Municipal de Vila do Conde.

Foto 2 > Capelão da Força Aérea que presidiu às cerimónias religiosas

Foto 3 > Restos mortais do Soldado Pára-quedista Manuel Peixoto

Foto 4 > Os Pára-quedistas que assistiam à Missa. Entre eles, o nosso tertuliano Magalhães Ribeiro.

Foto 5 > Deixando a Igreja, agora levado por Veteranos.

Foto 6 > Idem

Foto 7 > Caminhando para a sua última morada

Fotos e legendas: © Albano Costa (2008). Direitos reservados.

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Notas de CV

Vd. Postes de 2 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3105: Os funerais dos nossos camaradas Pára-quedistas (1): Artigo do DN (Afonso Sousa)
e
3 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3108: Os funerais dos nossos camaradas Pára-quedistas (2): Cerimónias nacionais na Igreja N. Sra. do Rosário, em Lisboa (Mário Fitas)