sábado, 24 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11974: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (8): Ainda Bula, 1969: Fotos do meu álbum


Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) >  Foro nº 1 >   Safim – 1969 – Os dois caminhos do meu destino. À esquerda, para Bula, através do Rio Mansoa. Em frente, para Bissorã, via estrada de Mansoa. 



Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) >  Foro nº 2 > Bula, 1969, Porta de armas do Quartel de Bula.


Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) >  Foro nº 3 > Bula – 1969 - Logo após a chegada, o periquito tira o postal para a família ver como estava longe de casa. [... a 2882 km de Lisboa; Mansoa vficava a 256 km; Nhacra a 52; Safim a 67; Bissau a 82]


Guiné > Mapa da província >  1961 > Escala 1/500 mil > Pormenor: posição relativa de Bula, na região do Cacheu




Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) >  Foro nº 4 >Bula – 1969 – Esplanada do quartel, vendo-se o écrã onde eram projectados os filmes que vinham de Bissau.




Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) > Foto nº 5 > Bula – 1969 – Interior do aquartelamento. Em primeiro plano as oficinas auto. À esquerda, casa das transmissões, secretaria do batalhão e, ao fundo, casa do comando.



Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) > Foto nº 6 > Bula – 1969 – Pau de Bandeira, armazém de víveres e oficina de armamento, à esquerda a enfermaria.



Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) > Foto nº 7 > Bula – 1969 – Abrigo e posto de vigia para a estrada de S. Vicente.



Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) > Foto nº 8 > Bula – 1969 – O “bunker” da sala de operações e informações.




Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) > Foto nº 9 > Bula – 1969 – Espaldão do morteiro 81





Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) > Foto nº 10> Bula – 1969 – Fortim de Bula. À saída da vila, onde a estrada bifurcava para S. Vicente e Binar.



Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) > Foto nº 11 > Bula -1969 – Alinhamento de uma coluna de reabastecimento para Binar, fotografado do alto do Fortim de Bula.



Guiné > Região de Cacheu > Álbum fotográfico de Armando Pires (ex-fur mil enf, CS/BCAÇ 2861, Buila e Bissorã, 1969/71) > Foto nº 12>Bula – 1969 – Eu e o David Ventura, fur. mil. mecânico auto da CCAÇ 2466, meu amigo, conterrâneo e colega de escola.


Foto (e legenda): © Armando Pires (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]>


1. Mensagem datada de 5 de agosto  de 2013, enviada pelo nossocamarada e amigo  nosso camarada Armando Pires (ex-Fur Mil Enf  da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70):


Meu Caro Luís Graça, camarada: 

Tal como prometera, envio um conjunto de 12 (doze) fotografias de Bula. Tenho dúvidas quanto à forma de as editar. Por essa razão permito-me enviar duas versões. Como podes ver, a que tem o titulo de Bula 2 ocupa menos espaço no blog, mas algumas das fotos perdem em qualidade. Deixo ao teu critério, ou ao critério do "Editor de Dia", escolher qual das duas versões publicar. Do mesmo modo, também fica ao vosso critério decidir em que série as inscrever. Se na série "furriel enfermeiro, ribatejano e fadista", se em "Álbum fotográfico..." do que for.

Agora que Bula ficou para trás (P11869) (*), para o álbum recordações deixo algumas das suas mais significativas imagens. E começo pela “porta de entrada para a guerra”, a norte de Bissau, que era Safim... Abraço

2. Comentrário de L.G.:

Meu caro Armando: Levantei-me às 5 da manhã, para editar o teu poste, o que fiz com muito gosto, embora com 3 semanas de atraso... Segunda feira vou para no norte, para Candoz, e aí deixo de ter Net. Quanto às fotos, prefiro sempre o seu envio diretamente por email (e não em formato word) , em formato jpg que pode vir em ficheiro zipado ou não, mas com com uma resolução mínima de 0,5 MB, e as legendas àparte.

As tuas fotos, têm menos de 100 KB, o que quiser dizer baixa resolução... Tive que as editar e ampliar. De qualquer modo, o que conta é o teu gesto, magnânimo, generoso, de partilhar com a Tabanca Grande estas imagens, irrepetíveis, de Buba 1969... Estamos a falar, sem nostalgia, muito nenos nostalgia neocolonialista, de um mundo que se perdeu e que não volta mais...  Um dia os historiadores guineenses vão utilizar as tuas fotos de Bula para falar da história da sua terra... O que dirão, não sei. Mas as fotos de Bula 1969 que estarão disponíveis serão as tuas e de mais alguns tugas. E espero que eles tenham, no mínimo,  um sentimento de gratidão para contigo e por todos os tugas que, cinquentas depois, ainda guardam entre o seus trastes velhos estes restos das suas memórias.

Como eu e os nossos mais  de 600 camaradas que fazem parte desta Tabanca Grande, nós temos o direito e o dever de memória. E cultivamos a memória. Nós estivemos lá. Há coisas que ninguém nos pode roubar,  nem vai roubar. Justamente a nossa memória. As nossas memórias. Obrigado, camarada.

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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > 25 de julkho de 2013 > Guiné 63/74 - P11869: Furriel enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (7): O meu adeus a Bula

Guiné 63/74 - P11973: Resumo dos Factos e Feitos Mais Importantes da CCAÇ 3476 - "Bebés de Canjambari" (3): Capítulo II - MAI72/NOV72 (Manuel Lima Santos)




Capítulo II do Resumo dos Factos e Feitos Mais Importantes da CCAÇ 3476 - "Bebés de Cajambari", enviado pelo nosso camarada Manuel Lima Santos (ex-Fur Mil Inf.ª nesta Companhia açoriana que esteve em Canjambari e Dugal, nos anos de 1971 a 1973.





CCAÇ 3476
BEBÉS DE CANJAMBARI

RESUMO DOS FACTOS E FEITOS MAIS IMPORTANTES

CAPÍTULO II

ACTIVIDADES MAIS SIGNIFICATIVAS NO TO DA GUINÉ

MAIO DE 1972

Em 02 – Grupo de Combate na picagem do itinerário Canjambari – Sare Tenem detectou e levantou 02 minas A/P de plástico de cor verde.

Em 19 – Seguiu em coluna para Farim 01 Grupo de Combate desta CCAÇ a fim de reforçar C/P do “Corredor” de Lamel, tomando parte na operação “Cordão Detonante", realizada de 18 a 23 de Maio, conforme directiva da Rep. Oper. do Com/Chefe. Tomaram parte nesta operação ll Grupos de Combate e o Pel Mil Esp 322, das CCAÇ 14, CART 3358, CART 3359, CART 3360 e CCAÇ 3476. O Grupo regressou em 25 deste mês.

Em 26 – O Pelotão de Milicia 283, adido a esta CCAÇ detectou e levantou 01 mina armadilha PMD-6 em Colina do Norte, L C256.

Em 27 – Recebida mensagem do BART 3844 do seguinte teor: ”Este Comando apreciou com agrado actividade desenvolvida por esse, durante período reforço C/P”.


JUNHO DE 1972 

De 01 a 04 – Apoio à operação “Esmeralda Encantada”, realizada por Comandos Africanos, na região Canjambari – Banjara, tendo sido mantida ligação rádio permanente com as NF. Ao mesmo tempo o BART 3844 realizava a operação “Ainda Bem”, tendo em vista reforçar a outra operação, através dum incremento de Contra-penetração dos “Corredores” tradicionais. O BART 3844 dirigiu a todas as Companhias do sector a seguinte mensagem: “Este Comando reconhece com muita satisfação esforço dispensado todas Companhias Sector e espírito missão revelado”.

Em 10 – Inaugurada uma Capela e a nova Central Eléctrica, construídas pela Companhia em Canjambari.

De 25 a 27 – A Companhia Africana de Cuntima realizou, com apoio desta CCAÇ uma operação na região de Bricama – Biribão – Maninhã, com elementos do COE, tendo capturado várias armas e feito prisioneiros.


JULHO DE 1972

Em 03 – Grupo de Combate com uma equipa de Sapadores do BART 3844 efectuou uma patrulha com vista a armadilhar o rio Tufili, junto do carreiro para Ponta – Penói e o rio da Bolanha Grande, junto ao mesmo carreiro.

Em 04 – Grupo de Combate com 01 secção de milícia e a equipa de sapadores do BART 3844, efectuaram a C/P, tendo aproveitado para implantar campos de armadilhas em vários locais do “Corredor” de Sitató.

Em 05 – Procedeu-se à abertura duma picada para Dando – Mandinga a partir da estrada de Fajonquito em Banjara 3E 082.

Em 15 – Após informação de caçador que tinha ouvido rebentamentos na noite anterior na região de Dando, o Comandante da Companhia com 01 Grupo de Combate seguiram para a referida região, tendo verificado que o IN caiu no nosso campo de armadilhas da região de Dando – Farincó. Foram accionadas onze, três das quais reforçadas. Confirmados houve um morto enterrado e 03 ou 04 feridos por restos de trapos com sinais de sangue, havendo outros mortos e feridos prováveis. Encontrado 01 pente com cartuchos URSS 7,62 e um maço de tabaco Russo. As pegadas revelam que o Grupo vinha do Sul para Norte, dispersou e retrocedeu para Sul. Foram implantadas novas armadilhas. Sobre este acontecimento, foi recebida do Comando – Chefe a seguinte MSG: ”SEXA GENERAL COMANDANTE CHEFE felicita sucesso obtido prontidão com que Unidade acorreu verificar rebentamentos implantou novas armadilhas”

Em 29 – Grupo de Combate com o Comandante de Companhia na picagem da estrada de Fajonquito detectou e levantou uma mina A/P PMD-6, muito próxima do desvio da estrada para a nossa nova picada para Dando Mandinga. A mina era de implantação muito recente.

Em 30 – Concluídos integralmente os trabalhos de reordenamento planeados para esta época, apesar de contratempos abundantes que dificultaram imenso o andamento dos trabalhos e que o pessoal soube vencer com determinação, mereceu as melhores referências superiores.

Em 31 – Grupo IN cerca das 16h30 bateu a região de Canjambari Praça/Ponte Penói, durante cerca de 10 minutos com fogo de morteiro, cuja base se situava a Sul do rio Canjambari. Não havia actividade NT na região nesse momento.


AGOSTO DE 1972

Em 13 – Grupo IN não estimado accionou uma armadilha das NT, na região de Ponta Penói, tendo reagido em seguida com fogo de armas ligeiras. Tendo sido feito imediatamente fogo de Morteiro sobre o local, o IN dispersou, continuando a fazer fogo, com baixas prováveis. Admite-se que a aproximação IN tivesse em vista um ataque ao nosso aquartelamento, que deste modo foi anulado.

Em 20 – Ficou concluído o espaldão de artilharia, construído em pouco tempo pelos militares da COMP, muitos dos quais em regime de voluntariado.

Em 30 – Foi instalado um Obus 14mm vindo na coluna de Farim, com uma Sec do Pel Art daquela localidade.


SETEMBRO DE 1972

Em 02 – O Exmo Chefe da Rep. Oper. do Com-Chefe visitou a nossa Companhia, tendo dirigido ao pessoal, em formatura, palavras de muito apreço pela actividade desenvolvida pela COMP no Subsector de Canjambari, salientando que a título de prémio seria brevemente transferida para localidade próxima de Bissau.

Em 09 – Um Grupo de Combate com o Cmdt de Companhia depois de ter picado a estrada de Fajonquito verificou o accionamento de três armadilhas reforçadas, colocadas pelas NT. Estas armadilhas estavam colocadas junto do local onde em 29 de Julho, foi levantada 01 mina A/P PMD-6. Foi picado exaustivamente o local e não foram encontradas novas minas. Implantaram-se novas armadilhas próximo do mesmo local.

Em 13 – Entre Manfonhe (A) e Manfonhe, foram encontrados vestígios de passagem no sentido N/S, que segundo o Guia que acompanhava o GRCOMB eram de cerca de três dias antes .Encontrou-se accionada apenas 01 armadilha. Os vestígios revelam que o IN teve preocupação de dispersar o pessoal provavelmente para evitar novas armadilhas. Dada a chuva copiosa, a nossa actividade foi dificultada pois os vestígios foram apagados.

Em 20 – Concluída a acção “Cintia” efectuada por dois grupos de combate. Saíram às 190600 patrulhando todos os limites do Subsector. Esta acção mereceu do Comando do BART 3844 o seguinte comentário: “Salienta-se o espírito de iniciativa e o esforço despendido, na medida em que a Companhia, do antecedente, já vinha desenvolvendo um apreciável acréscimo de actividade”.

Em 29 – Tendo sido distinguido com o prémio “Governador da Guiné”, pelo seu comportamento nas flagelações de 08Fev72, segui para Bissau, a fim de tomar o transporte para a Metrópole, um militar desta Companhia.


OUTUBRO DE 1972 

Em 02 – Grupo de Combate em patrulha junto ao rio Canjambari encontrou um grande tronco de colocação recente sobre as duas margens do rio, próximo de Ponta Penói. Serviria provavelmente de ponte para o IN efectuar uma acção contra as NT. O extremo do tronco na margem direita foi armadilhado pelas NT.

Em 11 – O IN flagelou o Aquartelamento com granadas de Morteiro 82, durante 7 minutos, da direcção de Tita Sambo, sem consequências. As NT reagiram imediatamente com Mort.81 sobre a base IN, não tendo o obus feito fogo por desnecessário. No dia seguinte foi encontrada a base dos fogos IN utilizada na flagelação. De notar que foi a primeira vez, durante a permanência desta CCAÇ no Subsector que o IN instalou a base de fogos dentro da nossa ZA. O IN utilizou para cambar o rio o tronco mencionado em 02 de Outubro, tendo accionado 01 armadilha nossa com baixas prováveis. Foi recebido do BART 3844 o seguinte comentário a esta flagelação: “1. A CCAÇ 3476 tinha detectado, poucos dias antes da flagelação, uma passagem no rio Canjambari que oportunamente armadilhou. 2. O IN instalou a base de fogos a Norte do rio Canjambari e utilizou a passagem anteriormente referida, vindo a accionar as armadilhas montadas e referidas em 1, com possíveis baixas. 3. As NT reagiram com disciplina de fogo”.

Em 13 e 14 – Apoio à CCAÇ Africana de Cuntima, em operação na área de Maninhã, tendo como ponto de partida e local de recolha o Aquartelamento de Canjambari.

Em 19 – Grupo de Combate na picagem da estrada Canjambari - Junbembem detectou e levantou em Sare Tenem 04 minas A/P PMD-6 e 02 minas A/C TMH-46. Foram accionadas duas, com feridos graves sendo 01 milicia e o outro Soldado Sapador de Farim, que foram evacuados em DO-27. Houve mais dois milícias feridos ligeiramente que foram evacuados na manhã seguinte. Neste mesmo dia chegou a CCAÇ 4143, a fim de nos render no Sector.

Em 20 – Detectado por Grupo de Combate em patrulha na região de Sare Tenem 01 trilho IN na direcção da área de Bricama. Neste dia a CCAÇ 4143 iniciou o seu treino operacional, orientado por esta CCAÇ. 

De 23 a 26 – Realizadas as acções “Caloiro”, “Chibata” e “Capricho”, na região de Dando, Farincó, Manfonho, com forças da CCAÇ 4143 e desta CCAÇ.

Em 27 – Realizada a operação “Ousadia Pira” por forças da CCAÇ 4143 e desta CCAÇ conjugando a C/P com patrulha, batida e emboscada. A operação desenrolou-se desde a região de Dando até Sinchã Massa, Canhacó e região de Cabelo Mandinga. Não foram encontrados quaisquer vestígios IN recentes. 

Em 30 – Um Furriel em diligência nesta CCAÇ teve morte instantânea ao accionar um fornilho IN colocado próximo do tronco referido em 02 de Outubro. O Grupo de Combate patrulhava a região de Canjambari Praça e Ponta Penói pouco depois de ter levantado todas as armadilhas das NT na referida zona.

Em 31 – Recebida a apreciação do COM-CHEFE sobre a actividade operacional: “Salienta-se no período, a boa actividade da Companhia eventual de Cuntima (Africana) e a muito boa e bem orientada actividade operacional da CCAÇ 3476 (Canjambari )".


NOVEMBRO DE 1972

De 02 a 04 – Forças da CCAÇ 3476 e CCAÇ 4143 a 05 Grupos de Combate, organizadas em 02 escalões, com os respectivos CMDTs de COMP efectuaram a operação “Caloiro Dinâmico” na região de Bananto – Samba Candó – Maninhã – Missirã. Apenas foram ouvidos alguns tiros distantes, provavelmente de caçadores a Sul do rio Canjambari. Na região de Maninhã – Missirã o capim estava muito alto e não se viam quaisquer vestígios de utilização recente do IN desta região. Foram encontrados alguns restos de culturas abandonadas.

Em 04 – Terminou o treino operacional da CCAÇ 4143, iniciando-se o período de sobreposição de 10 dias.

Em 07 – Na coluna para Farim partiu um Alferes Milº que veio estagiar durante quatro meses na nossa COMP, para o curso de Comandante de Companhia, tomando parte activa em toda a actividade da COMP, nos seus vários sectores, incluindo o operacional.

Em 14 – A CCAÇ 4143 assumiu a responsabilidade da ZA de Canjambari.

Em 16 – Em coluna da Companhia de Transportes, deixámos Canjambari, rumo ao novo Sector. A população veio toda ao quartel e dispôs-se ao longo da estrada até à saída da povoação, tributando à Companhia uma despedida comovida. Chegados a Farim, pernoitámos no Quartel.

Em 17 – Vindos pela estrada asfaltada, passando por Saliquinhedim, Mansabá, Cutia, Mansoa, Uaque e Rossum, chegámos ao Dugal. Os pelotões previamente destinados aos destacamentos, seguiram imediatamente para Fatim e Chugué. Por falta de instalações, a maioria do pessoal ficou em tendas na parada.

Em 19 – Inicio da actividade operacional no novo Sector, em sobreposição com a CART. 3332.

De 21 a 24 – Período de prevenção, com patrulhas conjugadas com emboscadas de 24 horas.

Em 25 – Assumimos a responsabilidade da conclusão de 02 grandes reordenamentos no Subsector – os de Changue Bedeta e Jugudul/Com-Cadé.

Em 28 – Fim de sobreposição e data em que assumimos a responsabilidade da ZA do Dugal, precisamente um ano depois de termos assumido a da ZA de Canjambari. Operacionalmente a COMP ficou dependente do COP 8, que tem sede em Nhacra e administrativamente do CMI (Cumeré).

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 20 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11959: Resumo dos Factos e Feitos Mais Importantes da CCAÇ 3476 - "Bebés de Canjambari" (2): Capítulo II - OUT71/ABR72 (Manuel Lima Santos)

Guiné 63/74 - P11972: Os nossos seres, saberes e lazeres (53): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (1) (Tony Borié)

1. Em mensagem do dia 18 de Agosto de 2013, o nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), enviou-nos o primeiro episódio da sua viagem/aventura de férias, num percurso de 7000 milhas (sensivelmente 11.265 quilómetros) através dos Estados Unidos da América.




...7000 milhas, através dos USA - 1

Todos, quase todos na nossa idade, temos um projecto, um projecto que ao primeiro olhar parece impossível, e pensamos, pensamos, e vamos fazendo as contas, preparando isto e aquilo, e por fim vemos que o impossível até é possível, se cortarmos aqui e ali, mais um pouquinho acolá e no final até vemos que é possível, e vai daí, realizamos esse ao primeiro olhar, impossível projecto.
Isto foi o que aconteceu com o Tony e a sua esposa e companheira, percorreram mais de 7000 milhas, viajando pelo Este, Oeste, Centro e Norte dos USA, no espaço de aproximadamente 15 dias.

Foi uma experiência maravilhosa, e vai reparti-la com todos vocês, portanto durante um tempo fiquem atentos, pois este relato vai ser interessante.

Aproximadamente no fim do mês de Julho de 2013, o Tony preparou o Jeep, mudou o óleo do motor, verificando os pontos essenciais de todo o veículo, como a pressão dos pneus que estavam em estado quase novo, a estado da bateria, retirou os bancos de trás, para haver mais espaço interior, colocando uma caixa frigorífica, onde haveria de ir fruta, água e outras comidas rápidas, assim como pão, duas malas ligeiras, com roupa simples, diversos cobertores, uma pequena pá portátil, uma corda de 16 milímetros para possível reboque, um limpa-vidros com um extensão de 36”, dois tanques de cinco galões, para água e gasolina extra, normais sandálias de verão, botas de inverno, e mais umas tantas coisas que se podiam usar no dia-a-dia, como por exemplo, capas para chuva e até um guarda-sol!

Quase um mês antes já tinha preparado o itinerário, fez um “roteiro”, que foi alterado quatro vezes, pois algumas localidades por onde ia passar, verificando bem, ou não tinham lá muito interesse, ou então não havia facilidades de sobrevivência no seu acesso, nesse itinerário fez etapas de 180 a 200 milhas, onde tivesse acesso a estações de serviço, hotéis e outras facilidades, assim como locais de interesse turístico, passando pelas principais cidades, mas o seu interesse eram as povoações o mais remotas possível, zonas desabitadas com lugares poucos visitados pelas pessoas, onde ainda existisse pouca civilização, portanto depois de quatro alterações no roteiro, finalmente acreditou que a rota que iria tomar era a melhor.

No primeiro dia de viagem, eram seis horas da manhã, tanque cheio de gasolina, GPS ligado e colocado na rota certa, saíram de casa na Florida, em direcção ao norte, tomando a estrada número 95, tomando de seguida a estrada número 10, que fica ao norte da Florida, entrando no estado do Alabama, pela povoação de Marianna, onde um “simpático” polícia, os parou e explicou que lhes ia dar uma multa porque iam a 61 milhas por hora, numa área onde só se podia transitar a 45. O Tony nem argumentou, recebeu o papel da multa, que guardou, lembrando-se sempre durante o resto da jornada que não podia abusar da velocidade, portanto a multa funcionou positivamente.

O Estado do Alabama está localizado na região sudeste dos USA, limita-se com os estados do Tennessee ao norte, Geórgia a leste, Flórida e Golfo do México ao sul e Mississippi ao oeste.
Resumindo um pouco a sua história, dizem que os franceses se estabeleceram neste Estado, na talvez aldeia de Mobile, hoje grande cidade, em 1702 e todo o sul do Alabama foi francês desde esta data até 1763, quando passou a ser controlado pelo Reino Unido até 1780, e pela Espanha até 1814.
Já a região centro-norte de Alabama foi colonizada inicialmente pelos britânicos, em 1763, anexado pelos norte-americanos em 1783, tornando-se o 21.º Estado norte-americano em 1819. Ainda dizem, que o Alabama se separou da União em 11 de Janeiro de 1861, juntando-se aos Estados Confederados da América em 18 de Fevereiro, e que 120 mil soldados de Alabama lutaram durante a Guerra Civil Americana contra os Estados da União. Os confederados foram derrotados em 1865, e Alabama foi readmitido à União em Junho de 1868.

Neste Estado, tomando o rumo do norte, seguiram até à cidade de Montgomery, que é a capital de Alabama, parando e apreciando alguns lugares da cidade, que foi fundada em 1814 com a designação de “Forte Montgomery”, tornando-se a capital do Estado em 1847. Alguns habitantes têm orgulho em dizer que Montgomery, também foi a capital dos Estados Confederados da América entre 4 de Fevereiro e 20 de Maio de 1861. Foi nesta cidade de Montgomery, que entre 1955 e 1956 aconteceu um boicote anti- segregacionista que desencadeou o movimento dos direitos civis dos afro-americanos.

Continuando na rota do norte, atravessaram a cidade Birmingham, que é a maior cidade de Alabama, fundada em 1871, tendo sido palco de violentos conflitos raciais durante a década de 1960. Até esta data, Birmingham foi um dos centros mais industriais do sul, até lhe chamavam “The Pittsburgh of the South”, onde existia uma grande indústria de ferro e aço, onde havia grandes fábricas que produziam componentes para o caminho de ferro. Hoje ainda mantém muitos negócios de indústria, bancos, telecomunicações, transportes, componentes eléctricos, uma Universidade de Medicina, continuando a ser um grande centro de negócios do sudeste dos USA.

De Birmingham, rumaram para norte oeste, atravessando o Estado do Mississippi, que é um estado que se caracterizou pela existência de grandes “plantações”, (fazendas) e algumas pequenas cidades. Actualmente possui uma economia diversificada, com uma indústria de manufactura e turismo em pleno crescimento. Dizem que o nome Mississippi, se deve ao rio com o mesmo nome, que corre ao longo da sua fronteira oeste, que é um nome de origem “algonquina”, que significa “Grandes águas”, ou “pai das águas”.
O Mississippi, foi inicialmente colonizado pelos espanhóis, depois anexado pelo Reino Unido, mas com a independência das “Treze Colónias”, a região passou a fazer parte dos Estados Unidos, sendo um dos Estados mais afectados pela guerra civil, que arruinou a sua economia.

Seguiam pela estrada número 25, já era quase noite, o Tony e a sua esposa e companheira, resolveram parar para dormir e ficaram na simpática povoação de New Albany, no Mississippi.

Tony Borie,
Agosto de 2013

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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11499: Os nosssos seres, saberes e lazeres (52): João e Vilma Crisóstomo, "just married", são notícia no New York Times e no LusoAmericano

Guiné 63/74 - P11971: Parabéns a você (616): António Fernando Marques, ex-Fur Mil da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11967: Parabéns a você (615): Carlos Cordeiro, ex-Fur Mil do CIC (Angola, 1969/71) e J.L. Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2206 (Guiné, 1969/71)

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11970: Convívios (525): 50 anos depois da partida para o CTIG, os camaradas da CART 494 reencontraram-se em Viana do Castelo, a 21 de Julho de 2013 (Coutinho e Lima)







1. Texto enviado pelo nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel na situação de Reforma (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné, 1968/70 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73), com data de 22 do corrente:

Convívio da CART 494, comemorativo dos 50 anos da partida para a Guiné

Conforme fora planeado, foi efectuado, em 21JUL13, o convívio comemorativo dos 50 anos da partida para a Guiné da CART 494.

- Às 10H30, no Castelo de Santiago da Barra, em Viana do Castelo, foi descerrada uma placa comemorativa da partida para a Guiné, em 16JUL63.

- Às 11H30 teve lugar uma missa, na Igreja Paroquial de Vila Fria, concelebrada pelos Padre Joaquim Soares (Padre do Batalhão de Caçadores 513- BCAC 513, ao qual pertencia a CART 494) e Padre Gaudêncio Gigante, Pároco da Freguesia de Vila Fria.

- Às 13H00 iniciou-se o almoço convívio, no Restaurante Camelo, em Santa Marta de Portuzelo.

Estiveram presentes cerca de 100 pessoas, incluindo os componentes da CART 494, seus familiares e amigos, bem como alguns convidados, dos quais se destacam:

- Coronel de Cavalaria, Castro Neves, que foi o Comandante (Tenente) do 1.º Pelotão de Reconhecimento Fox, que esteve de reforço à Companhia em Gadamael.

- Dr. Branquinho de Carvalho, que era o Médico do Batalhão e outros elementos do Comando do mesmo.

- Dr. Manuel Reis (era Alferes Miliciano, Comandante de Grupo de Combate da CCAV 8350 – Piratas de Guileje) e o Pinto Neves (especialista de Armas Pesadas da mesma Companhia).

- Pedro Silva, que foi o Comandante da CCAV 8352 (Caboxanque), Companhia que foi formada, tal como a CCAV 8350, no Regimento de Extremoz.

No final do almoço, na minha qualidade de Comandante da CART 494, proferi algumas palavras.
Comecei por pedir que fosse guardado um minuto de silêncio, em memória das 4 baixas da Companhia:

- Alferes Miliciano Manuel Tavares da Costa, morto em combate.

- Soldado Armando Barreiro de Amorim, que faleceu em consequência de ferimentos em combate.

- Soldado António, morto por afogamento, no rio, poucos dias depois de chegar a Gadamael.

- Caçador nativo Budi Jau, falecido em consequência de desastre em serviço.

Foi observado rigoroso silêncio, como não podia deixar de ser, contrariamente à modernice, do meu ponto de vista inadequada, de bater palmas, em situações idênticas.

As baixas da Companhia já tinham sido evocadas, durante a missa.

Depois de agradecer a presença de todos, especialmente dos convidados já indicados, li as seguintes mensagens:

- 1. Do Sr. Chefe de Gabinete do Sr. Presidente da C. M. de Viana do Castelo

Exmo. Sr. Coronel Alexandre Coutinho e Lima

Encarrega-me o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo de agradecer o amável convite em assunto e de informar que, por motivos de agenda, não poderá comparecer nem fazer-se representar.

Mais me encarrega o Sr. Presidente de felicitar V. Exª. e a CART 494 pela efeméride e desejar os maiores sucessos para o convívio.


- 2. Do Dr. Luís Graça (blog luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com)

Não vou poder aceitar o teu convite.

De qualquer modo, desde já um ótimo e fraternal encontro. Espero que depois nos mandes um textozinho e fotos do evento. 50 anos é obra...

Transmite as nossas calorosas saudações à tua rapaziada da CART 494 que, julgo, e tirando o teu nome, não temos cá nenhum representante da na tabanca Grande.

Vê se apadrinhas um “periquinho”, para engrossar as nossas fileiras!...


- 3. De José Filipe Fialho Barata (era o Oficial Sapador do BCAÇ 513)

Meu caro Coronel “Capitão” Alexandre Coutinho e Lima

Recebi e fiquei muito agradecido pela convocatória que teve a gentileza de me enviar para estar presente na vossa comemoração dos 50 anos de Guiné.

Com muita mágoa não poderei comparecer porque nessa altura estarei nos Açores onde irei passar com o meu filho os seus 45 anos.

Certamente que me dispensará dada a minha justificação.

Creia que lamento não poder ir dar-lhe pessoalmente um abraço pelo evento, mas tomo a liberdade de lhe enviar esta carta pedindo-lhe que a transmita a todos aqueles, muitos certamente, que vão estar presentes.

Tenho por certo que esse almoço será um espaço de franca, alegre e grande camaradagem que a sua presença sempre proporciona.

Renovando os meus agradecimentos abraça-o com muita amizade.

Barata (sapador)


- 4. Do Dr. Julião Soares Sousa, do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS 20) da Universidade de Coimbra

Mensagem
Aos amigos da CART 494 reunidos em Viana do Castelo

Prezados

Comemoram-se hoje os 50 anos de partida da CART 494 para a Guiné. 50 anos é muito tempo na vida de um ser humano, mas na história dos países e das nações e pela importância que os acontecimentos por vezes assumem na vida desses mesmos países e nações meio século é uma gota de água no oceano do tempo. Na altura do tal sucesso estavam ainda na flor da idade, como sói dizer-se. Na idade dos sonhos e das utopias. Contudo, por força das circunstâncias quis o destino que deixassem as vossas famílias e o vosso torrão natal, arriscando esses melhores anos das vossas vidas e da vossa juventude em busca de outros sonhos, de outras esperanças e de outras utopias.
Neste momento em que rememoram esses anos problemáticos e já longínquos queria (se acaso me permitirem) lembrar-vos simplesmente que a Guiné-Bissau continua à espera dos seus amigos, do vosso apoio, da vossa solidariedade e da vossa amizade para sair da situação em que se encontra. Estou convencido de que enquanto tiverem forças para isso não deixarão de colocar o vosso coração aberto e grande amor que sei muitos de vós nutrem por aquela terra ao serviço do bem-estar, progresso e felicidade dos vossos irmãos guineenses. Esta é talvez a mensagem que gostaria de partilhar convosco neste dia se eventualmente pudesse estar fisicamente nesse encontro de Viana do Castelo. Saúdo a todos e a cada um de vós com um abraço de profunda amizade e cheio de esperança de que este dia sirva também como um dia de reflexão sobre a melhor maneira de continuarem a manter estreitas ligações com a Guiné. Ao Coronel Coutinho e Lima o abraço de sempre, pela amizade que me tem dispensado desde que nos cruzamos em Bissau, aquando do Colóquio Internacional sobre Guiledje, já lá vão cinco anos. Ainda hoje a forma como a população de Guiledje o recebeu e homenageou, quando visitamos o aquartelamento em ruínas, continua a interpelar a minha consciência, numa demonstração inequívoca de que a guerra também tem, por vezes, surpreendentemente, uma componente humana e de reconhecimento que ultrapassa a compreensão humana. Fui, felizmente, testemunha deste grande acontecimento que muito me comoveu e ainda comove. A todos as minhas saudações tropicais.

Coimbra, 21 de Julho de 2013 
 Julião Soares Sousa


Foi também feita referência a outros convites enviados aos quais responderam, lamentando não poder comparecer. Alguns, poucos, nem sequer se dignaram responder, o que se regista.

 Relativamente à Comunicação Social, importa realçar, pela positiva, a única colaboração do jornal AURORA DO LIMA, de Viana do Castelo que, na sua edição de 11de Julho de 2013, publicou o programa que lhe tinha sido enviado, bem como um artigo do Sr. Brito Felgueiras, correspondente do jornal em Vila Fria. Na pessoa do seu Director, aqui fica o nosso agradecimento.

No final, foram recordados vários aspectos da vida da CART 494, a começar pela “má notícia”, recebida no Castelo de Santiago da Barra, após a cerimónia de entrega do guião e subsequente desfile. Por informação telefónica, foi-me comunicado que o nosso destino era a Guiné e não Moçambique, como me tinha sido indicado anteriormente.

Também o desembarque em Bissau, em 24JUL63, tendo sido postos à nossa disposição, como alojamento, para Oficiais, Sargentos e Praças, 2 barracões da Alfândega, junto ao Rio Geba; para dormir, foram-nos fornecidos uns colchões de espuma e nada mais. Acrescenta-se que embarcamos sem armas e em Bissau não existia armamento para nos ser distribuído; só viemos a receber as armas individuais de uma Companhia que regressou no barco que nos levara. Ironizando um pouco, parecia que éramos protagonistas de “uma guerra do Solnado”, só que esta guerra não era fictícia, mas sim verdadeira, como tivemos a confirmação, pouco tempo depois.

Foi também recordada a viagem, de barco, para Ganjola (norte de Catió), nosso primeiro destino, o baptismo de fogo em 17SET63, dia de chegada, (às 16h30), a nossa permanência até DEZ desse ano de 1963, viagem para Gadamael, estadia nesta localidade, ida para Bissau em MAI65 e regresso em Agosto de 1965

Tudo isso será relatado num livro que já comecei a escrever e que terá como título AS MINHAS 3 COMISSÕES, POR IMPOSIÇÂO, NA GUINÈ. Oferecerei um exemplar deste livro, a cada elemento da CART 494.

Terminou em ambiente de festa mais este salutar convívio, este ano devidamente assinalado, por terem passado 50 anos da nossa partida para a Guiné.

Em 2015, faremos uma comemoração semelhante, por altura dos 50 anos de chegada da CART 494, no antigo Regimento de Artilharia Pesada nº. 2, na Serra do Pilar, nossa Unidade mobilizadora.

Coronel Alexandre Coutinho e Lima
(Comandante da CART 494 – Guiné 63/65)
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Nota do editor:

Último poste da série de 12 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11932: Convívios (524): 5.º Encontro dos Ex-Combatentes do Seixal, Lourinhã, participantes na Guerra Colonial: 18 de agosto de 2013 > Programa e convite

Guiné 63/74 - P11969: Notas de leitura (513): "Misiones en Conflicto, La Habana, Washington y África, 1959-1976", por Piero Gleijeses (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Maio de 2013:

Queridos amigos,
Trata-se de uma obra fundamental para conhecer o que foi a participação dos cubanos ao lado do PAIGC.
O encontro entre Che Guevara e Cabral, em Conacri, terá sido determinante, numa primeira fase. Depois, quando Cabral participou na Conferência Tricontinental, em Havana, Fidel ficou impressionado pela sua ideologia e determinação. 1966 é o ano que marca a presença de cubanos a formar artilheiros, como médicos, como consultores. Será assim até à independência efetiva.
Para os cubanos, foi o seu maior êxito em África. E os comandantes do PAIGC nunca esqueceram esta colaboração.

Um abraço do
Mário


Os cubanos na Guiné (1)

Beja Santos

“Misiones en Conflicto, La Habana, Washington y África, 1959-1976”, por Piero Gleijeses, Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2007, é o livro indispensável para conhecer a natureza da participação dos cubanos na luta armada da Guiné. Piero Gleijeses é um prestigiado investigador de origem italiana, professor nos Estados Unidos, que durante anos procedeu a uma minuciosa pesquisa nos arquivos e entrevistou pessoalmente centenas de participantes em diversos conflitos africanos onde houve intervenção cubana. Em Janeiro de 1967, Fidalgo Castro não escondia o seu pessimismo sobre as questões africanas. A única exceção era o PAIGC, e este ponto de vista coincidia com as informações que a diplomacia norte-americana transmitia para Washington (que o PAIGC era o movimento de libertação nacional mais bem-sucedido de África). Para um movimento revolucionário cubano, a Guiné tornara-se na sua prioridade estratégica em África.

O professor Gleijeses procura caraterizar Cabral. O líder do PAIGC era admirado pela maneira como tinha desenvolvido a mobilização política e sabido estabelecer novas estruturas políticas nas zonas libertadas. Era respeitado por toda a gente. Os seus estudiosos mais próximos não ignoravam a sua influência marxista, mas reconheciam que ele não era marxista. E cita-se um dos seus principais biógrafos, Patrick Chabal: “Chegou a ver o marxismo como uma metodologia e não como uma ideologia. Se considerava útil para analisar a sociedade guineense, servia-se dele. Quando o método era insatisfatório, abandonava-o sem hesitação”. De igual modo, os cubanos sabiam que ele não era comunista, definiam-no como um líder progressista com ideias muito avançadas e uma grande clareza sobre os problemas africanos. Além disso, era considerado um grande comandante e tático militar, as suas decisões eram acatadas e ele sentia-se diretamente responsável pela coordenação das operações. Aprendeu muito com o desaire de Novembro de 1966, os líderes do PAIGC julgavam que iam tomar Madina do Boé e tiveram um enorme fracasso, Cabral aprendeu a lição, adotando a técnica do desgaste e do confinamento das unidades militares portuguesas dentro do arame farpado.

Os primeiros contactos do PAIGC com Cuba datam de 1963, cinco membros do PAIGC receberam bolsas e foram Cuba em 1964. Che Guevara esteve em África três meses, em 1964, foi então que se consolidou o vínculo com o PAIGC. Che reuniu-se em Conacri com Cabral, em 12 de Janeiro de 1965. Começaram a chegar armas e medicamentos a partir de Maio. Em Julho desse ano, um punhado de cabo-verdianos que havia estudado na Europa, partiu de Argel para Havana para receber treino militar. Em Janeiro de 1966, Cabral fez a sua primeira viagem a Cuba, participou na Conferência Tricontinental. Os serviços secretos norte-americanos consideraram que foi o mais influente dos participantes africanos e que tinha causado uma boa impressão nos anfitriões. Fidel e Cabral encontraram-se em privado, acompanhados de Oscar Oramas. Cabral pediu insistentemente artilharia e instrutores, Fidel compreendeu que também necessitavam de médicos e meios de transporte mais eficazes. Após estas conversações, Fidel convidou Cabral para uma viagem que durou três dias em Cuba. Cabral pediu igualmente que fosse nomeado um novo embaixador para Conacri que servisse de ligação com o PAIGC, e Fidel nomeou Oscar Oramas.

É partir daí que começa o fornecimento de bens muito apreciados: tabaco, peças de algodão, açúcar, uniformes, camiões com peças de substituição, munições. Em Março de 1966, Oramas entrega a Sékou Touré uma mensagem de Fidel informando-o que Cuba tinha decidido dar uma ajuda ao PAIGC importante e pedia a melhor colaboração de Conacri.

Dois artilheiros e três médicos chegam a Conacri em 8 de Maio, a seguir vieram os técnicos cubanos. As promessas de Fidel a Amílcar começavam a ser cumpridas. Em pouco tempo, estavam 31 voluntários (11 especialistas em artilharia, 8 motoristas, 1 mecânico, 10 médicos) ao serviço do PAIGC coordenados por um oficial dos serviços secretos, o tenente Aurelio Ricard. Fidel tinha pedido voluntários de cor escura, para não dar nas vistas, data dessa altura a determinação de Cabral no uso da maior discrição na participação militar cubana, que será sempre omitida, mesmo quando, em 1969, o capitão Peralta for preso. Mas rapidamente os cubanos se tornaram notados em Conacri, a fumar os seus charutos.

A missão militar cubana destinada ao PAIGC tinha o seu quartel-general em Conacri. O relacionamento entre o PAIGC e Aurelio Ricard foi muito mau. Será substituído por Dreke, que tinha regressado do Zaire. Dreke virá a ser muito apreciado pelos comandantes do PAIGC.

Em Abril de 1967, havia quase 60 cubanos na Guiné. No ano seguinte, Schulz será substituído por Spínola, numa altura em que a situação militar se debilitava do lado português. O embaixador norte-americano em Dakar escrevia para os seus superiores: “Resta saber se a ajuda cubana será suficiente para conter a ofensiva portuguesa". Depois do insucesso parcial da invasão de Conacri, quando se agravou o isolamento diplomático português, Cabral pediu novas armas para os seus cerca de 7 mil soldados bem armados e treinados. Entretanto, o PAIGC ia-se convertendo num símbolo de orgulho que chegava aos afro-americanos, o partido das Panteras Negras quis mandar voluntários para a Guiné, o seu dirigente Stokely Carmichael viajou para Conacri, Cabral recebeu a proposta de apoio com imensa prudência. Depois Carmichael casou-se com Miriam Makeba e nunca mais se falou em apoios ao PAIGC.

Em que consistia a assistência militar cubana? É preciso ir atrás e recordar que o PAIGC não aceitava voluntários estrangeiros, ou melhor, e dito por Cabral em várias entrevistas, só aceitariam assessores militares, e nada mais, considerava que os voluntários iam roubar aos guerrilheiros a grande oportunidade de se afirmarem perante a história. Ora os cubanos chegaram a Conacri a pedido de Cabral. A luta armada, na ótica de Cabral, era o melhor remédio para ultrapassar as questões étnicas, mas cedo reconheceu que necessitava de especialistas sobretudo para as armas de longo alcance. Cabral limitou a participação estrangeira de duas maneiras: primeiro, só aceitou os cubanos, eles foram os únicos estrangeiros que combateram na Guiné, com a exceção de médicos, um vietnamita e um outro panamiano; segundo, reduziu a intervenção cubana a questões essenciais, recusou sempre a vinda de centenas de militares cubanos para os ajudar a atacar os quartéis portugueses.

Com o evoluir da guerra, o armamento sofisticado requeria artilheiros que soubessem fazer cálculos. Os cubanos eram também especialistas na colocação de minas e no uso de armas de infantaria mais sofisticadas. Os cubanos estiveram preparados para fazer rebentar a ponte de Ensalmá, Cabral reconsiderou e disse que não, não queria ver destruída uma ponte que viesse a exigir novas construções, ele queria no futuro uma cooperação para outras áreas e por isso recuou quanto à destruição de infraestruturas essenciais.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11954: Notas de leitura (512): Uma Breve História de África, por Gordon Kerr (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11968: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné-Bissau (José Martins Rodrigues) (4): Da adaptação ao Xitole, até ao baptismo de fogo

1. Quarto episódio da série "Conversas à mesa com camaradas ausentes", pelo nosso camarada José Martins Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72:

A todos os ex-combatentes da Guiné
Só peço ao meu futuro que respeite o meu passado

No baú das memórias de cada um de nós existem inúmeras “Estórias da Guerra” por contar.
O convívio semanal na Tabanca de Matosinhos e o nascimento da ONG Tabanca Pequena-Amigos da Guiné a que me honro pertencer, despertaram-me para o desafio de retirar do baú as minhas “estórias da guerra”. Para ultrapassar a minha manifesta falta de jeito para a escrita, socorro-me de um método narrativo baseado na descrição cronológica de episódios, a que chamarei “Conversas à mesa com camaradas ausentes”. Do outro lado da mesa estará sentada a esperança de encontrar alguém que se reveja nas “estórias” relatadas e sinta a emoção do reencontro com realidades da nossa vivência na Guiné.


CONVERSAS À MESA COM CAMARADAS AUSENTES

ESTÓRIAS DA HISTÓRIA DA GUERRA COLONIAL - GUINÉ-BISSAU

4 - DA ADAPTAÇÃO AO XITOLE ATÉ AO BAPTISMO DE FOGO

Ainda mal refeitos das primeiras impressões, fomos literalmente “abafados” pelos velhinhos que íamos render, na ânsia de encontrarem entre nós alguém conhecido. Uns e outros, por diferentes razões, tínhamos rajadas de perguntas prontas a disparar.
Como é isto aqui? Quantas baixas tiveram? Quantas vezes foram atacados... e tantas e tantas perguntas para conseguirmos obter alguma acalmia na nossa inquietude.

E os velhinhos disparavam.
- Queres que te arranje uma “lavadeira”?
- De onde vens tu?
- É pá és de Matosinhos? Eu sou de lá perto, sou da Maia e conheço bem a tua terra.

Impelidos por emoções e sentimentos que as circunstâncias ditaram, formamos uma massa humana cuja convivência diária se repartia entre a carinhosa ajuda vinda dos velhinhos e o respeito, e quase admiração, com que os tratávamos. Singular era a forma como os velhinhos se referiam ao tempo que ainda lhes faltava cumprir para acabarem a comissão. Seriam uns quantos dias, horas e minutos e, como estavam felizes por estarem tão perto do fim dos cerca de dois anos de pesadelos.

Vasculhamos o aquartelamento para conhecermos os cantos da casa.
- Olha, ali é a cozinha, olha ali um abrigo e mais outro e outro, olha ali è o depósito de géneros e ali o paiol das munições.
- Olha ali a messe dos Sargentos, o Posto das Transmissões e do outro lado a casa do Chefe de Posto.
- Olha a pista para aviões ligeiros, a placa para os helicópteros e o indispensável campo de futebol,
- Olha aqui é a messe dos oficiais e o quarto do Comandante da Companhia e olha ali ao centro a nossa Capelinha de costas para o bar dos Soldados, e mais para ali fica o Posto de Socorros e a Oficina Mecânica.

Se a tudo isto, juntarmos as valas e os abrigos das armas pesadas, ficamos com um cenário digno de um qualquer Apocalypse Now.

A partilha do mesmo espaço físico por duas companhias implicou o desconforto na acomodação em tendas, alimentação a ração de combate e, por outro lado, saídas conjuntas às tabancas e aos patrulhamentos às zonas envolventes.

Quantos de nós sabiam o que era a Coca-Cola, a Fanta, a Seven-Up? E quantos teriam tido acesso a Whisky, Gin, Vodka, etc.?
Era um mundo de coisas novas, quase irreais, e a guerra ainda não tinha chegado.
Ainda na companhia dos velhinhos fomos iniciados no relacionamento com as populações locais, nomeadamente nas tabancas de Cambessê, Sinchã Madiu, Tangali e Gunti, em que começamos a privar com os Homens e Mulheres Grandes dessas aldeias e em particular na aproximação às “bajudas”.

Até que o dia da partida dos velhinhos chegou.
Uma agitação febril, em que viaturas se misturavam com civis e militares. Com o aproximar da hora, choviam os abraços e os votos sentidos de boa sorte que novos e velhinhos mutuamente trocavam. Ficamos sós, entregues à nossa sorte e aos imponderáveis do nosso futuro próximo.

Os postes que suportavam e garantiam a iluminação dos contornos físicos do aquartelamento, limitavam a área da nossa “Casa”. Tínhamos agora uma percepção do nosso refúgio de segurança. Marcante para um novato que vem duma cidade é a sensação de que, à noite, para além das luzes do quartel, só existe o domínio do escuro profundo da África, tão escuro como nenhum outro até aí sentido.

Aos sons do “silêncio” da noite juntam-se amiúde, tão longe e tão perto, os estouros do despejar de armas pesadas. É a noite sedenta de morte e o afugentar dos nossos fantasmas.

Estávamos por estas alturas no início da época das chuvas.
Eram, a imensa quantidade daqueles enormes morcegos, quase nuvens, que ao fim da tarde toldavam a luz do dia, eram os insectos que rodopiavam numa incessante dança em volta das lâmpadas da iluminação do quartel, eram os pequenos tornados que, levantando poeira e folhagens, anunciavam a proximidade das bátegas de chuva, eram as violentas e assustadoras trovoadas que “rachavam” o horizonte numa demonstração de beleza e poder da Natureza, eram os mangueiros e cajueiros carregados de fruta madura mas que ainda não haviam conquistado o nosso paladar, eram as terríveis formigas e abelhas de tão má memória, era enfim a lenta descoberta dos segredos que a África nos escondia.

Como foi chocante e dolorosa a noite em que tombou o nosso camarada no seu posto de sentinela. Enquanto a maioria do pessoal se divertia, assistindo a um filme projectado no grande depósito de géneros e protagonizado pela actriz espanhola Sarita Montiel, o Sargento de dia na sua ronda pelos postos, apercebeu-se de que algo de anormal se passaria com a sentinela junto da Casa do Chefe de Posto.

Dado o alarme, a equipa de Enfermagem tentou, até à exaustão, todas as manobras de reanimação ao camarada prostrado no chão e que não dava sinais de vida. Foram infrutíferas todas as tentativas realizadas. Perdemos o nosso primeiro camarada, e não conseguimos evitar um sentimento de sofrida impotência por não lhe podermos valer. Era a primeira lição da vida para esta dura e amarga realidade que nos cerca, que é a brutalidade da morte. Havendo dúvidas sobre a causa do falecimento, foi destacado de Bissau um médico para se proceder à autópsia do cadáver do nosso camarada.

Lembram-se camaradas? Foi no topo da pista, resguardados dos olhares pela colocação de viaturas e, seguindo as indicações do médico, executamos pela primeira vez na vida essa difícil e arrepiante tarefa.

Após termos terminado o nosso trabalho, o médico concluiu que o nosso camarada caíra fulminado por um ataque cardíaco e, teve o cuidado de nos mostrar a lesão causadora da morte. Este era o enredo do filme que estávamos a viver, porque o outro já não foi projectado até ao FIM.
Assim se ia adquirindo a carapaça que nos tornaria mais experientes e capazes de enfrentarmos as dificuldades que iríamos inevitavelmente encontrar.

E a vida continuava, cada um carregando o fardo onde continuavam a caber todos os sonhos e esperanças. A malária atingia já um número significativo de camaradas e constituía uma grande preocupação para o pessoal do Serviço de Saúde e para o Comando da Companhia.
Segundo informações que nos chegaram de Bissau, a percentagem de pessoal com baixa devido à malária era, naquela época, a mais elevada em toda a Guiné. O apoio na assistência sanitária às populações das tabancas mais afastadas era, para o pessoal de Enfermagem, uma oportunidade de conhecimento das realidades culturais e humanas daquelas gentes simples e acolhedoras, a quem nos ligamos irremediavelmente para toda a vida.

Continuaram os patrulhamentos no mato circundante para se garantir o domínio da zona. As idas às proximidades de Seco Braima, zona de confluência do rio Pulon com o rio Corubal, apesar de regulares, eram motivo de muita preocupação, porque não raras vezes se assistiam a movimentos de agricultores do PAIGC nas bolanhas para além das margens do Pulon. As repetidas sortidas a essa zona, sem registo de qualquer confronto, criaram uma falsa e perigosa sensação de segurança. Até que o inevitável aconteceu.

No regresso de mais uma patrulha às proximidades de Seco Braima e, quando 1.º GRCOMB, por se encontrar muito próximo do Xitole aligeirou os procedimentos de segurança, surgiu uma gazela que em fuga se cruzou com o pelotão.
Um dos camaradas, dando-se ares de caçador, levanta a arma e faz um disparo. Foi uma atitude que, pelos insondáveis percursos do destino, salvaria alguns dos nossos.
Os nossos camaradas, ao disparo, procuraram protecção nas árvores e nos baga-baga.

Nas proximidades estava emboscado um grupo do PAIGC que interpretou o disparo como um sinal de que haviam sido detectados e, mesmo reagindo de imediato e intensamente, encontraram os nossos camaradas fora da zona de morte e protegidos.

A resposta pronta ao fogo do inimigo e o apoio do pelotão dos morteiros do Xitole que bateu a zona, obrigaram o PAIGC a retirar, deixando no local rastos de sangue.

Foi o nosso BAPTISMO de fogo... felizmente sem qualquer consequência para o nosso pessoal, para além das bocas secas provocadas pela elevada tensão do momento.

E como num conto infantil, “A gazelinha salvou os meninos”.

O PAIGC veio testar a nossa capacidade de resposta e, se possível, marcar negativamente o inicio da nossa Comissão com as consequências que traria ao moral da Companhia.
E assim, tivemos a primeira aula prática do curso “VAIS VER COMO ELAS TE MORDEM”


Apoio sanitário às tabancas

Com Galé Djaló, auxiliar da equipa de saúde

Vista da zona central do Xitole

Chegada do helicóptero com o correio ou algo mais

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11945: Conversas à mesa com camaradas ausentes - Estórias da História da Guerra Colonial – Guiné Bissau (José Martins Rodrigues) (3): Da chegada a Bissau ao aquartelamento no Xitole

Guiné 63/74 - P11967: Parabéns a você (615): Carlos Cordeiro, ex-Fur Mil do CIC (Angola, 1969/71) e J.L. Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2206 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11961: Parabéns a você (614): Vasco Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6 (Guiné, 1972/73)

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11966: Memórias de um passado (Joaquim Cardoso) (1): O começo foi assim

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Cardoso (ex-Soldado de TRMS do Pel Mort 4574, Nova Lamego, 1972/74), com data de 12 de Agosto de 2013:

Camaradas e Amigos
Envio este texto que considero ser a primeira parte das memórias que guardo da passagem pela vida militar, do Continente à Guiné.
A sua publicação dependerá dos meus amigos em considerar ter ou não algum interesse para a causa da Tabanca, na certeza de que, ao escrevê-lo, para me envaidecer ou a alguém influenciar, haja posto aqui mais do que vi, senti e imaginei.
Joaquim Cardoso


MEMÓRIAS DE UM PASSADO

1 - O COMEÇO FOI ASSIM: 

Antes de seguir para o Ultramar, no Continente passei pelas seguintes Unidades:
- GACA 3 em Espinho: Recruta - Outubro de 1971.
- BC 5 em Campolide: Especialidade de Transmissões - Janeiro de 1972.

Terminada a Especialidade, em Março desse ano, segui para o CIOE em Lamego onde fiquei colocado, passando a desempenhar serviço na Secretaria de Mobilização.

O tempo foi decorrendo com normalidade, até que em princípio do mês de Agosto chegou o momento esperado, mas jamais desejado.
Estando afeto ao citado serviço, ao abrir-se o correio, um dos envelopes continha um dossiê que me dizia respeito!
Tratava-se da minha mobilização para o Ultramar que, não sendo agradável, tinha a agravante de ser para a Guiné, de onde tão más notícias chegavam a respeito da guerra.

Foi um choque!
Depois de receber algum conforto dos companheiros mais próximos, cerca de três ou quatro dias depois segui para o R15 em Tomar, (U. Mobilizadora) e à chegada, deu-se um caso para mim bastante insólito.
Entreguei a guia de marcha na Secretaria e, quando esperava orientações para me juntar aos companheiros que faziam parte do Pelotão de Morteiros 4574/72, o militar que me atendeu, após consultar pastas no arquivo e trocar algumas impressões com outros militares ali em serviço, informou-me sem mais explicações, que o dito Pelotão,  de que eu iria fazer parte, já estava na Guiné há quase um mês, tendo, por esse motivo, de seguir "sozinho".

Fiquei desolado.
Perante esta situação, imaginei desde logo o que iria sentir sem a presença dos meus companheiros com quem pudesse aliviar a pressão do momento, e interrogava-me:
- Será que chegando ao destino, encontrarei alguém conhecido?
Seria bom, mas era uma incógnita.

Um dia depois de ter chegado ao RI 15 em Tomar, recolhi à minha residência paragozar os 10 dias de licença para a despedida, findos os quais segui para um Quartel na Calçada da Ajuda em Lisboa, (se a memória não me atraiçoa, era da PM), para dali seguir para o Aeroporto .
Porém, como o avião atrasou, fui de novo mais três dias para casa havendo, por esse motivo, nova despedida, desta vez de menor intensidade emocional, (a segunda nunca é como a primeira!).

Regressado ao Quartel e transportado bem cedo ao Aeroporto, num dia de sábado, 26 de Agosto de 1972, o 727 dos TAM desta vez não falhou.
Sem bater asas levantou voo, tomou a devida altura e passadas que foram algumas 3 horas, aterrou no Aeroporto de Bissau por volta do meio dia.
Sendo para mim a primeira viagem de avião, não gostei! À passagem pelos chamados "poços de ar" o avião perdia altura e causava-me desagradável sensação. Ficou-me essa ideia, que ainda hoje é meio de transporte que procuro evitar.

Começava então a pisar chão Guineense, bem diferente do que estava habituado.
Este "queimava" devido ao tórrido calor que se fazia sentir, ficando em poucos minutos encharcado com suor.
Um militar "velhinho", ao ver-me naquele estado, disse para me pôr à vontade, que ali não havia grande rigor com o modo de trajar. (Em Nova Lamego não fora bem assim, como mais tarde constatei). Esteve lá um tal "Hitler"!).

O militar o disse, e eu melhor o fiz.
De camisa bem arregaçada, sem gravata, e com a ajuda do ar, embora quente, provocado pelo movimento da viatura que me transportou ao Depósito Geral de Adidos em Brá, senti-me menos acalorado.
Após a chegada, fiz a minha apresentação, sendo-me dito que iria aguardar transporte, barco ou avião, para Nova Lamego, indicando-me de seguida o refeitório e a caserna onde comer e pernoitar.
Chegada a hora do almoço, lá fui para a fila. Nunca tinha visto um Quartel com tantos militares mas, sendo um Depósito de Adidos por onde passavam praticamente todos os militares que chegavam e partiam, era compreensível.

No interior do refeitório sentia-se um calor sufocante e o cheiro à comida era tão intenso, que quase nada comi.
Aquando da tomada da refeição, através dos orifícios na parede que permitiam o arejamento do refeitório, pude ver o que infelizmente outros já tinham visto.No exterior permaneciam ali algumas crianças, umas nuas outras seminuas, que espreitando pelos ditos orifícios, fixavam os olhitos em quem comia, à espera que lhes dessem alguma coisa para comer e, na latita que uma delas possuía, lá pus um pouco do muito fraco que me haviam servido.
Notava-se a fome daquelas crianças que não "olhavam" a cheiros ou gostos, e se nada mais houvesse, até os restos comiam!

Este e outros episódios que mais tarde presenciei nos tabancais, onde pessoas com ferimentos horríveis e ausência total de tratamento, foram suficientes para perceber até que ponto ia a miséria daquele povo!

Após o período de refeição, deambulei pelo interior do Quartel na expectativa de, como disse, encontrar alguém conhecido. No primeiro dia o resultado foi negativo. No segundo, exatamente o mesmo. Porém, ao terceiro dia "se fez luz"!

A cerca de 200 metros, passava em sentido transversal um militar que pelo seu aspeto físico e forma de movimentos, despertou-me desde logo a atenção.
Dirigi-me de imediato em sua direção e, quanto menor era o espaço que nos separava, maior era a minha convicção.
Já próximos, estavam desfeitas todas as dúvidas: Ali, na minha frente, e surpreendentemente, estava o Graça, companheiro de Pelotão na Especialidade de Transmissões no BC 5 em Lisboa!
Abraçámo-nos e pergunta-me ele:
- Para onde vais?

Respondi-lhe:
- Vou para guerra em Nova Lamego - e perguntei - já ouviste falar desse local?

Resposta pronta:
- Eu também estou em Nova Lamego! - Estou aqui em Bissau para uma consulta externa.

De seguida fez outra pergunta:
- Qual o Batalhão ou Companhia que integras?

Disse-lhe que não se tratando de uma rendição individual, desconhecia o porquê de ir sozinho para fazer parte do Pelotão de Morteiros 4574/72 e, segundo me haviam dito, já estava na Guiné há cerca de um mês.
Admirado, retorquiu que também ele pertencia a esse Pelotão, incluindo o Santos e o Vasco! (éramos todos do mesmo Pelotão e Especialidade no BC5 em Lisboa), e sendo assim, por ironia do destino, nos iríamos juntar de novo!

Confesso que na altura duvidei do que acabava de ouvir. Não por pôr em causa a honestidade do Graça, mas por considerar ser bom demais para ser verdade. Para tirar dúvidas, dirigi-me de imediato à secretaria, onde me confirmaram o que eu há pouco havia duvidado. Nesse momento, o sentimento de tristeza e melancolia que estava vivendo, se modificou, pois estava convicto que, estando junto dos meus ex-companheiros, estaria certamente entre família, o que mais tarde realmente se provou.

Passando mais de uma semana a dormir numa caserna cujo ambiente deixava muito desejar, fui avisado para que na manhã do dia seguinte, presumo que era quarta-feira(?), pelas 5 horas da manhã, estar pronto a fim de ser transportado ao cais e prosseguir a viagem de barco.
Sendo também a minha primeira viagem neste tipo de transporte, não imaginava ser transportado numa LDG (Barco de Guerra), mas como não tinha contrato de viagem aceitei sem reclamações.

Embarcadas as cerca de 40 ou 50 pessoas, a maior parte nativas, foram retiradas as amarras, e o barco começou a afastar-se do cais para seguir rio Geba acima.
À saída, imaginei ali no Cais o Velho do Restelo, maneando três vezes a cabeça descontente e, com o saber só de experiência feito, estas e outras palavras tirar do esperto peito: (Ó glória de mandar, ó vã cobiça Desta vaidade a quem chamamos Fama!).

Estaria-se a navegar talvez a meio do percurso, quando no céu se formaram escuras nuvens de enorme dimensão, dando origem pouco tempo depois, a assustadores relâmpagos e trovões e, de seguida, a uma intensa chuvada que me deixou "ensopado".
Com esta situação, também aqui me lembrou o Canto Sexto dos Lusíadas, com a descrição da Tempestade, (ressalvando naturalmente as devidas proporções), considerei ter sido aquela o meu batismo das tempestades tropicais.
Como normalmente, a seguir à tempestade chega a "Bonança", também ali se cumpriu o ditado e, passado que foi cerca de meia hora, o sol voltou a brilhar e forte como de costume, alterando rapidamente o meu estado de molhado a seco e assim se continuou a navegar.

Pouco tempo depois, alguém avisava que por questões de segurança, todas as pessoas que ocupavam as partes cimeiras do barco, se deviam deslocar para as partes mais baixas. No momento que se cumpria tal ordem, as anti-aéreas que o barco dispunha, começaram a fazer movimentos, prontas a disparar se preciso fosse, ao mesmo tempo que dois aviões Fiat faziam voos por cima do barco a baixa altitude, com ruídos ensurdecedores, e no sentido circular, visionando a envolvência nas duas margens do rio.

Surpreendido com os aparatosos movimentos, pensei que certamente se estaria a chegar ao verdadeiro "Teatro de Guerra"!
Soube depois que este cenário se repetia e justificava, sempre que barco passasse naquele local que, por ser dos mais estreitos do rio, se tornava estratégico para o IN praticar as suas ações de guerrilha, o que já tinha acontecido.
Felizmente nada de especial aconteceu e, passado o perigo, tudo voltou à normalidade.

A viagem prosseguia mas, aproximava-se do fim.
Pouco tempo depois, seriam 11horas(?)  chegou-se ao Xime, local indicado para o desembarque.
À chegada, encontravam-se ali vários militares e diversas viaturas para dar continuidade à viagem, mas desta vez por terra.
Como durante a viagem de barco não tinha sido dado qualquer alimento, pouco tempo depois da coluna iniciar a viagem, fez uma paragem no Quartel de Bambadinca, onde foi distribuída meia ração de combate que constava de: uma lata de atum, um pacotinho de leite e umas bolachas de água e sal.

Após este almoço de compreensível brevidade, a coluna fez-se de novo à estrada que não sendo nenhuma Via-Rápida, era considerada um luxo por aquelas bandas por ser asfaltada, e assim se rolava em direção ao Leste.

Atravessaram-se pequenas pontes de madeira, de segurança bastante duvidosa. Passou-se à Cidade de Bafatá e, percorridas que foram as cerca de 5 dezenas e meia de quilómetros sem sobressaltos de maior, pelas 2 horas da tarde mais ou menos, eis-me chegado finalmente ao destino, o Gabu-Sára em Nova Lamego.

À chegada estavam para me receber, (e que bem recebido fui!), os ex-companheiros: o Santos, o Graça e o Vasco.

No momento dos abraços, fui como que praxado com alguns "piu... pius", oferecendo-me mancarra, (palavra nova para mim que significava amendoim), e o Santos, que foi sempre o primeiro entre nós nos momentos de descontração, cantarolava "piriquito vai no mato que a velhice está cansada".

Foi um momento de alegria e também de bom humor, porque ao terem somente um mês de Guiné, a sua velhice era muito infantil.

Terminada a viagem, estava no local de guerra que me foi destinado.
Felizmente, durante os cerca de 21 meses de permanência, não feri nem fui ferido, simplesmente adoeci, que não sendo coisa pouca, deu para sobreviver.

Passadas que foram mais de 4 dezenas de anos sobre estas histórias, aqui as vou deixando escritas para que constem, certo não só, das naturais imprecisões que o tempo já passado lhes provoca, mas também pela reconhecida falta de conforto académico do autor para as melhor compor e contar.

"Desgastado" da viagem, é altura de fazer um interregno para descanso.
Não será certamente como o de 1383/85 porque, o assunto aqui tratado, além de ser incomparável, é de muito menor importância relativamente àquele, e assim pouco tempo bastará para recuperar forças e regressar ao mesmo local para as continuar.

Despeço-me com um grande Alfa Bravo a todos os Tertulianos e até breve.

Castelões-Penafiel.
Neste dia de domingo, aos 11 dias do mês de Agosto de 2013
Joaquim M. Cardoso
Ex-Soldado de Transmissões
NM 19453071

Guiné 63/74 - P11965: Memória dos lugares (244): Hospital Militar de Bissau: não há duas memórias iguais (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Maio de 2013:

Queridos amigos,
Mais uma fotografia descoberta na Feira da Ladra, uma imagem de todos conhecida.
Primeiro entretive-me com a singularidade do que a câmara registou, uma autêntica câmara clara, seguramente ainda anos 1950. E recordei-me de uma peripécia ali vivida, algures em Novembro de 1991, um médico colérico que fez um aranzel para me explicar que trabalhava em condições muito deficientes (o que saltava à vista, nem era preciso ter entrado no bloco operatório) e que depois serenou, acabámos por jantar juntos, tivesse havido mais tempo e teríamos ficado amigos.
Quando vemos uma fotografia, há sempre duas histórias diferentes, a minha foi esta.

Um abraço do
Mário




Hospital de Bissau: não há duas memórias iguais

Beja Santos

Encontrei esta fotografia num dos meus mais prestáveis fornecedores, o Eduardo Martinho, comerciante da Feira da Ladra. Sei muito bem que no blogue este hospital aparece repetidas vezes, mas tenho razões fundadas para a distinguir por uma razão estética e por uma razão ética. A estética prende-se com a luminosidade, aquele recorte de alvura que se espraia pela varandas do primeiro andar. Terá sido tirada ainda nos anos 50, veja-se um pouco da carripana, um modelo que nenhum de nós encontrou a circular. Um piso arranjado, canteiros ajardinados, não há um papel no chão, tudo cheira a novo, um hospital assim era um antro de respeitabilidade. É uma luz tão convincente que o olhar, numa segunda mirada, reconhece as janelas desenhadas a branco.

A razão ética tem a ver com uma experiência que ali vivi, salvo erro em Novembro de 1991. Andava afobado a preparar guiões para os programas que eram emitidos regularmente uma vez por semana “Um milhão de consumidores”. O programa em causa que me levara ao Hospital Simão Mendes era preparar com um médico que seria entrevistado sobre a importância da lavagem das mãos e dos espaços de confeção de alimentos para evitar doenças. Fora-me indicado um médico, comparecia ao encontro, vi animais a cirandar no adro, a refocilar no lixo, vi pessoas com colchões às costas, e seguramente familiares doentes que traziam fogareiros para cozinhar refeições, o hospital já estava na penúria, dava assistência médica e enfermagem, o resto estava por conta do doente e família. Esperei pelo menos duas horas, foi tempo que deu para examinar o sofrimento, a indignidade, a total ausência de direitos dos doentes. O médico recebeu-me numa sala vazia, reduzida a um arremedo de secretária e duas cadeiras partidas, lá nos equilibrámos. O médico estava muito crispado, falei-lhe do programa televisivo e do que se pretendia do seu depoimento, a ser registado ou ali ou nos estúdios da RTP Bissau. Abruptamente, o rosto ficou contorcionado e fez-me um discurso apoplético, parecia impossível não ter percebido que estava há mais de 24 horas no banco operatório onde praticamente faltava tudo, os colegas tinham-se raspado, estava esgotado, era uma imprevidência deixar um profissional de saúde entregue a si próprio, à fome e ensonado. Só acalmou quando lhe procurei fazer compreender que nada sabia da situação, o seu nome fora-me indicado por um colega, seguiu-se um longo queixume sobre as carências da vida de médico, a falta de dinheiro, a falta de estímulos, trabalhar naquelas condições degradantes, ver morrer pela ausência de meios, etc. E acordou-se dar-me o apontamento para a televisão, no dia seguinte, o que aconteceu.

E aceitou jantar comigo, na Pensão Central. Estudara e diplomara-se na RDA, já perdera as esperanças de exercer clínica, não tinha incentivos para a formação contínua, e não passava fome porque colaborava em vários projetos da Organização Mundial de Saúde. Tenho impressão que já falava meio a dormir, felizmente alguém tinha ali um transporte e fomos levá-lo a casa, ali em Santa Luzia.

Juro que foi o que me ocorreu quando comecei a olhar esta fotografia com um conteúdo aparentemente banal, e depois das razões ética e estética fiquei a pensar como sofrem os doentes que ali entram, que nada sabem de sistemas de saúde como o nosso, nem de taxas moderadoras nem de listas de espera, nem de medicamentos genéricos.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11908: Memória dos lugares (243): Núcleo Museológico Memória de Guileje - Parte II (Carlos Afeitos, ex-cooperante, 2008/2012)