Quadragésimo oitavo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.
Lembrando o Iafane, o tal barqueiro do rio Mansoa, que
naquela barraca, existente do lado norte da ponte do
rio, ia construindo a sua nova canoa, enquanto fumava com o Cifra os tais cigarros feitos à mão. Talvez seu
pai, seu avô, ou os seus antepassados tivessem construído canais e
superfícies
agrícolas, naquelas
terras alagadiças a
que principalmente
nós os militares,
chamávamos bolanhas,
que circundavam esse
mesmo rio,
principalmente na
altura da maré cheia,
que se enchia de água
turva, cheia de lama
e outras espécies.
Talvez nessa época, do lado
de cá, neste continente, os primeiros habitantes da região onde
hoje é a cidade de Phoenix, no estado do Arizona, que foram os índios “Hohokam”, tivessem construído canais para tornar a região
próspera, principalmente para a agricultura, só que esses
canais, em lugar de trazerem água do rio Mansoa, lá na Guiné,
traziam água do “Salt River”, que ficava neste estado do
Arizona, um pouco mais a sul.
Estou a falar-vos da cidade de Phoenix, no estado do
Arizona, que é a capital e a cidade com mais população neste
estado, onde nos dizem que inicialmente este território era
domínio do “Império
Espanhol”, e que a
cidade começou a
desenvolver-se por
altura de 1860,
quando o governo
americano construiu
o “Fort McDowell”,
que estava
localizado nas
proximidades de onde
hoje está a cidade
de Phoenix.
Para abastecer o forte, Jack Swilling, que na altura devia de ter alguma
influência e, claro, algum poder financeiro, veio com as
tropas para esta região, onde construiu um “rancho”.
Nessa altura, iniciaram a recuperação, reconstruindo os tais
canais, inicialmente
construídos pelos índios
“Hohokam” e, aquela região
deserta passou a abrigar
uma produção forte,
especialmente de trigo.
Assim foi fundada talvez
uma vila ou aldeia, que
começou a ter um
desenvolvimento mais
expressivo a partir do
final do século dezanove, pela sua importância como caminho para o próspero Oeste, na “corrida ao ouro”, principalmente para o estado da Califórnia, recebendo uma grande quantidade de produtos e serviços, assim como a chegada do caminho de ferro a esta região, que por coincidência ou não, se dá também por essa mesma altura.
Ora nós, ainda era manhã, seguindo no nosso carro utilitário, alugado na cidade de Tucson, com o tal espírito aventureiro, felizes por estarmos ainda vivos, sem dores de momento, ouvindo música “country”, e digo o “tal espírito aventureiro”, que todos nós tivemos, não só quando jovens, pois só assim se compreende a nossa aventura, deixando a nossa aldeia, vila ou cidade, seguindo para África, acantonados no porão dum barco de carga, olhando uns para os outros, sem condições ou qualquer informação do lugar para onde íamos passar dois anos, arriscando a vida todos os dias, sofrendo entre outras coisas, humilhações, vendo companheiros a quem tínhamos falado uns momentos antes, mortos, outros sujos de sangue. Muitas vezes andávamos com fome, onde o álcool substituía os alimentos, havia falta de medicamentos de primeira necessidade, todo aquele ambiente de angústia e sofrimento, que
todos nós, antigos combatentes sabemos e, podem escrever milhões de palavras, quem sabe o que foi uma guerra de guerrilha, lá em África, somos nós, mais ninguém, pois sofremo-la no corpo.
Continuando, por favor, “não mais guerra”, vamos sorrir, tomámos a rota do norte, seguimos pela estrada número 17, depressa atravessávamos zonas desertas, com uma povoação aqui e ali, normalmente um pouco retirado da estrada, dando a entender que eram comunidades de casas pré-fabricadas, “rasteiras”, que se confundiam com a pouca vegetação que por ali havia, sempre uma “pick- up” ou duas, já antigas na frente ou no lado dessas casas.
Depois de percorrermos aproximadamente umas 40 milhas, passamos pelas ruínas de “Agua Fria National Monument”, onde se encontram mais de 450 diferentes estruturas de aldeias de “Native Americans”, que formam este monumento, que são estes “pueblos”, ou seja aldeias, onde algumas têm mais de 100 ruínas de casas. Toda a área está protegida, tanto as ruínas, como as plantas e animais que as rodeiam.
Mais à frente passámos pela cidade Camp Verde, onde não parámos. Continuando a nossa rota em direcção ao norte surge-nos a cidade de Sedoma, onde parámos. Hoje, no nosso entender é uma cidade com muito
turismo, para onde se deslocam muitas pessoas, algumas até aqui fixam residência, pois a sua altitude, 4500 pés, (1372 metros), e o seu clima suave, tanto no inverno como no verão, fazem desta cidade um bom lugar para viver.
Está situada na parte alta do Deserto de Sonora, deve de ser a cidade onde há vestígios de presença humana, mais antiga nos USA, pois dizem que 11.500 até 9.000 anos AC, já por aqui andavam pessoas, que habitavam a região a que hoje chamam “Verde Valley”, está rodeada de pequenas montanhas de areia vermelha, com lugares estratégicos, onde se pode admirar a natureza, principalmente ao pôr do sol. Também dizem que é uma cidade “Hollywood”, pois já se rodaram aqui mais de 60 produções, que com o tempo se tornaram famosas, e também por aqui andaram e viveram “Estrelas de Hollywood”, como por exemplo, Errol Flynn, John Wayne, Joan Crawford, James Steward, Robert Michum ou Elvis Presley, chamam-lhe mesmo, “Arizona’s Little Hollywood”!.
Nas montanhas, vêm-se pessoas pintando a paisagem, com um azul no céu, talvez único neste universo. Gostávamos de ter dormido aqui, mas o preço dos hotéis não estava de acordo com as nossas
possibilidades financeiras, portanto, a solução foi rumo ao norte e dormir na cidade que faz parte do itinerário da célebre estrada, “Route 66”, a que chamam de “Flagstaff”, cuja economia ainda hoje sobrevive entre outras coisas, à custa da madeira que fornece para as traves do caminho de ferro, onde perguntamos a uma simpática senhora qual a comida original desta área. Logo nos respondeu que os seus pais comiam carne de búfalo! Já tínhamos comido carne de búfalo na então província da Guiné Portuguesa, onde um familiar do Iafane, o tal barqueiro do rio Mansoa, esperava esses animais, pela madrugada, quando vinham beber água à bolanha de Porto Gole, e lhe “pregava dois tiros nos cornos”, tal como nós militares dizíamos, com a sua velha “mauser”, que já não tinha bandoleira, mas que ele usava, pois também colaborava com as tropas portuguesas, servindo de guia e tradutor.
Tony Borie,
Março de 2014
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Nota do editor
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Guiné 63/74 - P12809: Bom ou mau tempo na bolanha (47): De Encheia pediram reforços (Tony Borié)