1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Cardoso (ex-Soldado de TRMS do Pel Mort 4574, Nova Lamego, 1972/74), com data de 29 de Abril de 2014:
Caríssimo amigo Carlos Vinhal
Completando-se no próximo mês de maio, 40 anos do meu regresso da Guiné, eis-me aqui a dar-te de novo trabalho, enviando-te este texto, que descreve o que ainda consigo ler no meu arquivo neurológico, relativamente ao referido regresso.
Sem mais, para ti Carlos Vinhal e toda a tertúlia, um grande abraço.
J. Cardoso
O meu regresso prematuro da Guiné
Foi em meados do mês de abril de 1974.
Passados que foram 40 anos, não recordo o exato dia da semana nem a quantos dias do referido mês, porém, tomando como ponto de referência o 25 de abril, em que, quando este acontece, tinha sido hospitalizado há cerca de uma semana, presumo que rondasse o dia 20, somando por isso nessa altura, 20 meses de Gabu - Nova Lamego.
Pelas 14 horas de um desses dias, foi-me diagnosticada uma hepatite e, uma ou duas horas depois, fui evacuado para o Hospital Principal de Bissau num avião Nordatlas que se encontrava ocasionalmente estacionado na pista de Nova Lamego.
A hora da descolagem do avião, aligeirou os meus preparativos de partida, seguindo com a farda que na altura envergava e, na mala de viagem, mais algumas peças de roupa militar, alguma roupa civil e, umas pequenas lembranças que havia adquirido na área.
Apesar de me encontrar em estado muito débil, (o meu peso rondava os 48 kg), pensava regressar a Nova Lamego, mas efetivamente não regressei!
Concluída a viagem, dei entrada no Hospital ao anoitecer, tendo sido colocado imediatamente a soro e, posteriormente fiquei a cumprir receituário.
Alguns dias depois de ter sido internado, ouvem-se notícias de um golpe de estado na Metrópole provocado por militares revoltosos que haviam destituído o Governo de Marcelo Caetano, e tomado o poder.
Era a revolução dos cravos, o 25 de abril, a implantação da Democracia em Portugal.
Após cerca de três semanas de internamento, numa consulta de rotina, o médico pergunta-me se estaria interessado em regressar à Metrópole! A esta pergunta fui tentado a responder com outra, perguntando se aquela, era pergunta que se fizesse!
Mas, depois de uma breve pausa, inferi qual a razão por que a fez.
O médico informou-me que, devido à nova situação na Metrópole, estavam a facilitar o regresso dos militares hospitalizados com casos mais complicados, por ali haver cada vez menos condições para os tratar.
Aceitei de imediato.
No dia 18 de maio, embarquei em Bissau num avião 727 dos TAM de regresso a Lisboa, onde cheguei ao fim da tarde.
Tal como havia acontecido na ida, viajei isolado dos meus camaradas.
Na ida, viajei mais tarde cerca de um mês, por motivos por mim desconhecidos. Na volta, viajei mais cedo, por doença, ou seja: fui mais tarde e vim mais cedo em relação aos meus camaradas.
Após a chegada a Lisboa, foi servido o jantar aos presentes num refeitório algures nas redondezas.
O prato que escolhi tinha como condimento o azeite e, quando me preparava para começar a jantar, uma das senhoras do Movimento Nacional Feminino que acompanhavam e davam apoio, abeirando-se de mim, perguntou qual era o meu problema de saúde, uma vez que estava muito magro e amarelo!
Quando respondi que estava com hepatite, a senhora pretendeu retirar-me o prato, dizendo, muito aflita que, com tal doença, não poderia comer gorduras, como era o caso e, que me serviria um prato diferente.
- Não se incomode - disse - Deixe-me comer que este é meu prato preferido e, se isto me faz mal, o que comi na Guiné já me tinha morto há muito tempo!
A senhora insistia com os seus argumentos, e eu contrariava com os meus, acabando ela finalmente por desistir.
Terminada a refeição, fomos transportados em autocarro para os diversos destinos.
Durante a viagem vi, claramente visto e não presumo, (como dizia o poeta), o que jamais havia visto, o entusiasmo, para não dizer loucura, de pessoas anónimas que nas diversas ruas por onde ia passando o autocarro militar, batiam palmas, faziam com os dedos o V de vitória etc.
Sentia-se que a revolução estava em marcha, e era notório o sentimento carinhoso do povo para com o MFA!
Fiquei internado no HMDIC (Hospital Militar de Infeto-Contagiosas).
Ali, senti a enorme diferença nos tratamentos administrados, em comparação com os do Hospital de Bissau.
Na Guiné não me recordo se alguma vez comi algo à base de dieta.
No HMDIC, todas as refeições eram confecionadas nessa base, nada de gorduras e, a tomar soro em permanência.
Ao terceiro dia de internamento aconteceu-me o que na Guiné seria considerado normal, mas que, enquanto lá permaneci, nunca me tinha acontecido, um ataque de paludismo!
Passei cerca de 2 dias como que em estado de emergência.
Recomposto deste último susto, ali continuei internado, e ao fim de um mês e meio, aproximadamente, fui transferido para o Hospital da Estrela, onde estive cerca de um mês.
Dali, segui para um Quartel de Adidos, na Graça, para convalescença, indo a partir daí ao Anexo fazer as várias análises.
Após uma junta médica realizada no Hospital da Estrela, cito o que consta na minha caderneta militar:
Por despacho de 22 de outubro, foi confirmada a opinião da SHI (?), reunida no HMP em 27 de setembro, tendo sido julgado pronto para todo o serviço! (Fim de citação).
Regressado a casa após tão redutora sentença, alguns dias depois fui fazer o espólio ao RI 15 em Tomar.
Ao entregar cerca de metade da roupa que me tinha sido distribuída, o militar do armazém perguntou pelo que faltava. Respirando nessa altura já ares de um país em liberdade, respondi-lhe com ironia que, nada mais tinha para entregar por ter vindo evacuado da Guiné, mas que aguardasse que era provável que um dia chegasse pelo correio!
E para admiração minha, chegou mesmo!
Não pelos Correios, mas pelos Caminhos de Ferro.
Mais de 1 ano depois de ter regressado, recebi um postal da CP, avisando-me que na estação de Vila Meã, tinha uma encomenda para levantar.
Embora de nada estivesse à espera, compareci e, foi-me entregue a respectiva encomenda.
Tratava-se de um caixote em madeira, com cerca de 70×70 centímetros, remetida pelo Ministério do Exército.
Duvidando que fosse eu o destinatário da dita, ali mesmo e na presença do chefe da estação, se retiraram duas tábuas ao referido caixote, para se verificar o que continha.
E o que continha, era roupa militar. Mas nada que se estivesse em boas condições, que eu pudesse usar, dadas as suas dimensões, muito menos em farrapos como era o caso.
No meio de toda aquela miséria, a única peça que se "salvou", foi um quico camuflado, dado a um amigo, a seu pedido que, querendo ser figurante militar por momentos, o colocou na cabeça, batendo a pala ao pessoal presente.
De seguida, solicitei ao chefe da estação o favor de se dignar mandar colocar toda aquela farrapada no lugar correspondente, (caixote do lixo), ficando complementado desta forma o espólio respetivo.
Peluda... Regresso à vida civil.
Nova Lamego - Eu junto ao obelisco da CCS do BArt 6523
Nova Lamego - Mostrando a nossa musculatura, o camarada Graça à esquerda, ao centro o António Santos e eu à direita.
Nova Lamego - Eu de guarda redes, que não era a minha posição em tempos de bola, e o António Santos, amigo inseparável, a rematar em tribela. Não me recordo se deu golo.
Nova Lamego - Eu junto ao obelisco do pessoal das Daimlers.
Nova Lamego - Eu à direita com o António Santos, junto à porta do Centro de mensagens e Posto de Rádio onde fazíamos serviço.
Nova Lamego - Parte da equipa de futebol. Na fila de cima, só recordo o nome de dois: o Morim ao centro de camisola encarnada e à direita o António Santos. Em baixo, à esquerda: eu, o Pereira, o Cunha e o Graça.
Castelões - Penafiel, aos 29 dias do mês de abril de 2014
J. Cardoso
Ex-Soldado TRMS
Nova Lamego - Guiné
1972/74
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Nota do editor
Último poste da série de 13 DE ABRIL DE 2014 >
Guiné 63/74 - P12978: Os Nossos Regressos (30): A nossa vinda foi, em Abril, há 40 anos (Jorge Araújo)