segunda-feira, 28 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13441: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (3): Período entre Agosto de 1968 e Janeiro de 1969 (Abel Santos)

1. Continuação do "Diário da CART 1742" de autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves, 1.º Cabo Corneteiro, enviado ao Blogue pelo nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69).




Diário da CART 1742

Autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves
1.º Cabo Corneteiro
Guiné, 1967/1969

Este diário foi oferecido aos camaradas presentes no 9.º convívio da Companhia de Artilharia 1742, em Campeã - Vila Real de Trás-os-Montes em 25 de Maio de 2013.

Eis a razão
Dos momentos
Da nossa indisposição,
Mandaram-nos para a guerra
Sem a nossa opinião.
Por isso o Salazar
Não terá o nosso perdão.


AGOSTO 68
Dia 1 - quinta-feira:
De manhã, por opinião do nosso alferes Cruz, eu e o Oliveira resolvemos deixar de dormir na arrecadação, eu passei a minha cama para o abrigo 7 devido a fazer lá reforço, e o Oliveira continua a dormir no abrigo dos mecânicos.

Dia 2 - sexta-feira:
A manhã passou-se dentro da normalidade, e à tarde veio cá a avioneta com o correio.

Dia 3 - sábado:
De manhã andei ajudar a abrir uma vala no abrigo 7 e a recompor outra que não estava em condições.

Dia 4 - domingo:
Às 9h30 fui à enfermaria dar uma massagem na perna que já está quase boa. Como já há medicamentos para me tratar a fístula na agulha vertebral, deram-me duas injecções para esse efeito.

Dia 5 - segunda-feira:
De manhã foi o pessoal a Camajabá e trouxeram correio.
De tarde às 16h30 estivemos a receber lençóis e outras coisas do pelotão que amanhã vai render o outro que está em Camajabá e em Ponte Caium.

Dia 6 - terça-feira:
Às 13h chegou o pelotão que foi rendido e, estivemos distribuír-lhes entre outras coisas os respectivos lençóis, esses já não tem o mínimo de qualidade.

Dia 12 - segunda-feira:
Foi uma coluna a Bambadinca para reabastecimento da despensa.

Dia 14 - quarta-feira:
Às 11h chegou a coluna com os géneros de Bambadinca, e com o correio.

Dia 15 - quinta-feira:
Tivemos um almoço melhorado, em relação ao costume: batatas com bacalhau, por terem chegado ontem os géneros, ofereceram também uma cerveja pequena a cada um, por causa da vaca que ontem mataram, e não tinham a quem pagar, por outra forma, porque, de outra forma o nosso furriel vagomestre, Romão, só está bem a arranhar para dentro, tal como os macacos.

Dia 16 - sexta-feira:
Tivemos um jantar com alguns amigos, cabrito com batatas no forno e foi comido na arrecadação, acompanhado com uma respectiva cerveja.

Dia 18 - domingo:
Foi um dia bastante atribulado, mas compensado com um jantar de cabrito com batatas assadas no forno. Foi organizado pelo pessoal do nosso abrigo (7), para inaugurar as novas reparações. Participou também no jantar o sargento Bonito, o alferes Cruz, o furriel Nogueira e o furriel Amaro. Comeu-se bem e, bebeu-se ainda melhor sempre acompanhado de boa disposição.

Dia 21 - quarta-feira:
A avioneta veio trazer os frescos, frango e outros artigos.

Dia 22 - quinta-feira:
De manhã saiu uma coluna para Camajabá buscar correio, chegaram às 10h.
Ao meio-dia almoçámos frango e, também houve fruta-maçã, o que é difícil chegar à nossa cozinha.

Dia 27 - terça-feira:
Um dia aborrecido. Estivemos a receber material dos que vão ser transferidos para outra companhia, devido ao castigo que lhes foi aplicado, castigo esse que foi por se terem ausentado durante um ataque do IN, quando a companhia se encontrava no mato debaixo de fogo. Pelo que dizem, a maior culpa foi do alferes Magalhães do mesmo pelotão, que se dirigira aos outros comandos, e deixou as secções sozinhas, isto relatam os camaradas.

Dia 28 - quarta-feira:
De manhã saiu uma coluna para Nova Lamego, chegaram à noite e trouxeram correio.
O resto do dia correu tudo normal, e assim até ao dia 31.

Setembro 68
Dia 4 - quarta-feira:
Da parte de tarde a avioneta veio trazer correio mais o nosso capitão, que chegara de gozar férias em Portugal.

Dia 8 - domingo:
Ao meio-dia veio cá a avioneta para levar um doente para o hospital.

Dia 9 - segunda-feira: 
Ao meio-dia voltou a avioneta e trouxe correio. O resto do dia tudo normal.

Dia 12 - quinta-feira:
Eu, o Lemos e o nosso faxina da arrecadação, fomos ver se comprávamos um frango ou uma galinha mas não conseguimos, já nem com dinheiro se consegue o que é preciso, isto porque no rancho geral só há esparguete e vianda.

Dia 13 - sexta-feira:
Saiu uma coluna para Piche, e regressou às 13h30 com os dois obuses, e com o pelotão que trabalhava com eles. A seguir estivemos a armazenar os cunhetes das granadas dos ditos obuses. Depois distribuímos-lhes mantas, porque as que há são só fitas.

Dia 14 - sábado:
De manhã andámos nós e os mecânicos, a arranjar o chuveiro que serve a eles e, a nós. O conserto foi demorado, porque o dito chuveiro é montado em quatro paus ao alto e, depois umas travessas para aguentar com um bidão de 200 litros com uma torneira e uma lata de coca-cola na ponta para fazer de chuveiro. A água é abastecida com um carro próprio, sempre que possível, e assim é a forma de tomar banho em todos os destacamentos.

Dia 15 - domingo:
Veio cá a avioneta com correio, o resto do dia normal.

Dia 16 - segunda-feira:
Às 11h chegou a avioneta com o capitão de operadores dos obuses, que a seguir estiveram a fazer fogo com eles para um acampamento IN, que segundo eles fica a 10 quilómetros daqui, junto à fronteira.

Dia 21 - sábado:
Foi melhor que os dias anteriores, veio a avioneta trazer-nos correio, tirando isso tudo normal.

Dia 22 - domingo:
Dia especial, porque completámos 14 meses de comissão, e de tarde estivemos a ouvir o relato da bola, que hoje deu para ouvirmos através da emissora de Bissau, talvez daqui em diante utilizem o mesmo sistema, assim o esperamos.

Dia 23 - segunda-feira:
De manhã saiu a companhia para uma operação e, ao passar em Camajabá o capitão verificou que havia falta de luz e, mandou-nos preparar petromaxes para os enviar ao destacamento.
Junto à noite formou-se uma tempestade que tirou os oleados que servem de cobertura da arrecadação e, continuava a arrancar as chapas de zinco, mas ao fim de 15 minutos começou a reduzir a força do vento, e não causou mais estragos.

Dia 24 - terça-feira:
De manhã andámos a estender os oleados na cobertura da arrecadação e a tentar segurá-los o melhor possível. De tarde, em virtude de haver informações de que o IN está a 4 quilómetros, ou seja, na fronteira, preparados com artilharia pesada. A nossa aviação, os Fiat e os T-6, andaram a patrulhar a zona para verem se encontravam algo. Nós redobrámos as precauções, apesar de estarmos sempre à espera de novas visitas.

Dia 25 - quarta-feira:
Veio a avioneta civil trazer alimentos, os chamados frescos: frango, peixe, etc. Mas não trouxe correio.

Dia 26 - quinta feira:
Às 7h estivemos a dar material ao pessoal que vai fazer uma coluna a Bambadinca, e levaram os petromaxes para Camajabá. Até ao final do dia tudo continuou normal.

Dia 27 - sexta-feira:
De manhã o nosso capitão avisou o pessoal do abrigo 7, ao qual eu pertenço, pelo facto de estarmos perto da arrecadação, para montarmos segurança à avioneta que vem cá fazer uma evacuação.

Dia 29 - domingo:
Como não há missa, fui ao abrigo 7 arrancar alguns tomateiros que temos lá em alfobre e, plantei-os aqui junto à arrecadação.

Dia 30 - segunda-feira:
Após o almoço chegou a avioneta com o comandante do sector, vindo de Bafatá e com ele o major de operações. A avioneta regressou e eles ficaram.
À noite, já estávamos no abrigo, quando chegou a informação de que o inimigo estava a caminho daqui para nos atacar. Os obuses fizeram fogo a bater a zona indicada e, o certo é que IN não deu sinal, se vinham retiraram-se.

Outubro 68
Dia 1 - terça-feira
Às 8h chegou a avioneta para levar o comandante e o major. Também nos trouxe correio.

Dia 3 - quinta-feira:
Após o meio-dia veio a avioneta trazer o 1.º sargento Bonito, que estava em Nova Lamego, e veio também o capitão do Batalhão que ficará cá alguns dias.

Dia 4 - sexta-feira:
O capelão rezou uma missa pelo falecido Bagaço, morto durante um ataque que sofremos a 28 de Julho. Como não há capela, a missa foi ao ar livre, e só foram à missa os que não estavam em serviço, como é óbvio.

Dia 5 - sábado:
Em virtude de ser feriado, às 7h foi um milícia chamar-me ao abrigo para ir à arrecadação dar-lhe a bandeira, nós, no abrigo ignorávamos que àquela hora havia missa. Assim eu ainda participei. Restante dia tudo normal.

Dia 6 - domingo:
E hoje sim, um domingo com possibilidade de assistir à missa, o que já não acontecia desde que saímos de Nova Lamego. A missa foi às 16h.

Dia 7 - segunda-feira:
Às 8h fui à missa, e de tarde o nosso capitão chamou-me para eu marcar o mês de férias o qual já lhe tinha pedido, e então marquei entre o dia 1 e o dia 5.

Dia 8 - terça-feira:
Como o capelão vai embora, às 8h rezou uma missa tendo antes confessado o pessoal todo ao mesmo tempo. Este foi um bom dia, porque além de nos termos confessado ainda tomámos o Senhor.

Dia 9 - quarta-feira:
Ao meio-dia chegou a coluna de Bambadinca com os géneros e algum cimento.

Dia 12 - sábado:
Nós, os do abrigo 7, passámos a manhã a esticar o arame farpado que pertence à zona do abrigo.
Após o meio-dia, veio a avioneta e trouxe correio.
Restante dia tudo normal.

Dia 16 - quarta-feira:
Das 7h às 9h eu e o Oliveira andámos a cavar terra no pequeno quintal para plantarmos mais crugidades (cultivos de horta).
De tarde veio a avioneta trazer frescos e o correio, que é o que nós aguardamos com mais ansiedade.

Dia 18 - sexta-feira:O meu turno de reforço foi das 3h às 5h, e a seguir estive a dar material – picas – ao pessoal que vai a Piche buscar um pelotão, que vem reforçar-nos enquanto a nossa companhia vai fazer uma operação às 10h.
Chegaram e estivemos a dar-lhes colchões e mantas para eles dormirem distribuídos pelos abrigos.
Também chegou o sargento Ribeiro com uma encomenda para o Oliveira, que os pais lhe mandaram.
De tarde distribuímos material ao nosso pessoal que vai fazer uma operação.
À noite o Oliveira ofereceu presunto, o Ribeiro também comeu, e até pagou umas cervejas.

Dia 19 - sábado:
De manhã, nós e o sargento Ribeiro, estivemos a receber os lençóis velhos e fronhas, e a entregar novos ao pessoal que não foi para a operação.
Às 10h30 chegou a avioneta com armas G3 novas e os respectivos carregadores, mas não trouxe correio.
De seguida conferimos todo o material, e de tarde metemos-lhes as bandoleiras para entregarmos o mais rápido possível aos homens a quem foram destinadas.
Às 17h30 chegou o pessoal da operação que correu bem.

Dia 20 - domingo:
De manhã continuámos a trocar os lençóis e fronhas aos que ontem chegaram da operação. A seguir, estivemos a encartar os lençóis velhos para os mandar para Bissau, quando os pedissem.
À noite houve informações de que tinha passado a fronteira, um grupo de 200 homens para atacarem um destacamento desta zona, e daqui transmitiram a mesma informação para Nova Lamego, Piche Camajabá e Ponte Caium. Nós preparámo-nos para receber esses amigos.
Às 21h os obuses bateram toda a fronteira que lhe estava ao alcance e à meia-noite voltaram a fazer o mesmo, mas retaliação não houve.

Dia 21 - segunda-feira:
Às 4h, os obuses voltaram a fazer fogo batendo novamente a zona, e só pararam às 7h, mas não houve notícias os amigos tivessem aparecido em qualquer destacamento.

Dia 22 - terça-feira:
Fazemos 15 meses de comissão e, cá vamos andando dentro do possível.

Dia 23 - quarta-feira:
A avioneta civil veio trazer frescos, mas não trouxe correio.

Dia 24 - quinta-feira:
Nós e o sargento Ribeiro andámos a conferir armas entre outras coisas, que já não funcionam bem, para serem enviadas para Bissau. Eu entretanto fui à cozinha buscar as sardinhas a que tínhamos direito e assámo-las, tendo também almoçado connosco o sargento Ribeiro.
Restante dia normal.

Dia 26 - sábado:
Esteve cá o Lima, carpinteiro, a preparar uns caixotes para mandar com armamento velho para Bissau.

Dia 28 - segunda-feira:
Ao meio-dia veio a avioneta trazer algumas armas G3 novas, veio também o furriel mecânico de armas e também o correio.

Dia 29 - terça-feira:
De manhã o furriel mecânico de armamento experimentou as bazucas que tinha reparado, e dos lados de Kandicá responderam também com armas pesadas, das quais duas granadas rebentaram muito perto do nosso destacamento, o que nos levou a reforçar de cautelas para esperarmos pelas visitas pela noite, mas tal não aconteceu.

Dia 30 - quarta-feira:
De manhã o mecânico esteve cá na arrecadação a reparar as avarias de algumas G3 de colegas nossos e continuou de tarde.
Às 23h estava eu a sair de reforço e os obuses fizeram fogo a bater a zona, para o IN não tentar qualquer aproximação.

Dia 31 - quinta-feira:
Às 6h os obuses voltaram a fazer fogo com o mesmo sentido, e repetiram a dose às 11h, enquanto nós, e o furriel mecânico de armamento continuámos a reparar algumas armas, e assim findou mais um mês.

Novembro 68
Dia 2 - sábado:
Às 6h foram-me chamar ao abrigo para dar picas, pois a companhia vai a Piche buscar dois pelotões para se concluir uma operação.
Também veio um pelotão de Nova Lamego para reforço, chegaram às 11h e trouxeram correio.
Resto do dia tudo normal.

Dia 3 - domingo:
Às 14h30 vim eu e o Oliveira à arrecadação dar material à malta que ia fazer a operação. Foi o pessoal da nossa companhia e dois pelotões que vieram para esse efeito.
Às 16h30 chegaram os bombardeiros e o helicóptero para apoio do pessoal.

Dia 4 - segunda-feira:
De manhã chegou o pessoal da operação que correu bem.
De tarde estivemos a receber o material (mantas, etc.) que tínhamos distribuído aos três pelotões que vieram reforçar-nos, e que amanhã vão para as suas companhias, em Piche e Nova Lamego.

Dia 5 - terça-feira:
Ao meio-dia veio a avioneta com o comandante de Nova Lamego que veio despedir-se da companhia, pois vamos passar a pertencer a um Batalhão que vem para Piche, aquartelamento em que só existia uma companhia. Também nos trouxeram correio.

Dia 7 - quinta-feira:
Após o meio-dia, chegou a avioneta com um capitão que já cá tinha estado em 64, a população fez-lhe uma festa formidável, em agradecimento ao tempo em que ele cá esteve, e que pelos vistos deixou saudades.

Dia 8 - sexta-feira:
Dia do meu aniversário.
De manhã começaram a preparar a coluna para ir a Bambadinca aos géneros e eu, ao saber disso, fui à secretaria para ver se podia ir com eles, gozando assim a minha licença. Então disseram-me que só podia ir no regresso da coluna, com as viaturas militares e civis de Nova Lamego, e como era para gozar a licença, ainda não sabiam a certeza dos que iam.
De tarde o nosso capitão chamou-nos e disse que eu podia preparar a mala juntamente com mais 7 colegas.

Dia 9 - sábado:
Preparei a mala para estar pronto para partir no dia seguinte rumo a Bissau.

Dia 10 - domingo:
Às 11h chegou a coluna e, como estava previsto parti para Nova Lamego, onde chegamos às 16h30 e lá pernoitei.

Dia 11 - segunda-feira:
Logo de manhã entreguei a arma na arrecadação do Batalhão, e de seguida fomos tentar arranjar viagem no avião Dacota para Bissau, mas já estava completo, mas havia uma coluna para Bambadinca, nós aproveitamos a boleia, onde chegamos às 14h.
Às 15h abriu a secretaria, fomos fazer a apresentação, e disseram-nos para ir ver se os barcos que estavam na doca nos podiam levar, encontrámos um que saía às 2h30 e lá fomos. Até lá demos um passeio por Bambadinca, e às 21h assistimos a um magusto que o batalhão ofereceu por ser dia de S. Martinho.
Também estava lá algum pessoal de uma escolta, a qual tinha sido atacada nas proximidades do Xitole, entretanto chegaram alguns feridos, e um soldado nativo morto.

Dia 12 - terça-feira:
Às 2h30 partimos no barco chamado Girassol rumo a Bissau.
Às 8h30 o barco ficou preso na areia, devido a maré ter baixado e não ter tido tomado a rota mais aconselhável.
Assim, só às 13h a maré começou a encher, e então recomeçámos a viagem, tendo chegado a Bissau às 19h30. Logo fomos a uma pensão comer, e a seguir tratámos de arranjar transporte para os Adidos, como a secretaria estava fechada ficámos lá a pernoitar.

Dia 13 - quarta-feira:
Às 8h fomos entregar as guias à secretaria, de seguida fomos arranjar pensão para passar o mês, que ficou por 1700 pesos, comer e dormir, fora as bebidas.
Às 14h fui à escola de condução para tirar a carta de condução de ligeiros e pesados.

Dia 14 - quinta-feira:
Comecei as aulas e assim continuei todos os dias, excepto aos domingos.
Só o dia 27, quarta-feira, é que foi diferente, porque recebi cá em Bissau o 1.º correio e dinheiro dos meus pais.
Até ao fim do mês tudo normal.

DEZEMBRO 68
Dia 1 - domingo:
Um dia mais próprio para dar um passeio pela cidade, de resto tudo normal até sexta-feira, dia em que meti o pedido na escola para ir a exame, dia 10 ou 11.

Dia 7 - sábado:
O Sr. Ramos, dirigente da escola de condução, chamou-me para me dizer que o meu registo criminal estava caducado, e por tal não podia pedir o exame, mas consegui que ele mo pedisse com urgência para Portugal, a ver se ainda era possível ir a exame, mesmo atrasando a minha ida para a companhia.

Dia 9 - segunda-feira:
Fui ao médico dos Adidos devido à fístula da agulha vertebral, e então ele marcou-me uma consulta para o hospital, e logo me alertou que tinha que ser operado.

Dia 10 - terça-feira:
Além da escola, fui à secretaria dos Adidos entregar a guia da consulta para o comandante assinar.

Dia 11 - quarta-feira:
Em virtude de me terminar a licença fui aos Adidos fazer a apresentação, e levantei a guia para ir à consulta externa, e agora fico a pertencer aos Adidos até que tudo esteja resolvido.

Dia 13 - sexta-feira:
Fui à consulta e fizeram-me algumas análises.

Dia 14 - sábado:
Voltei ao hospital para fazer mais análises, e fui avisado para marcar a passagem na segunda-feira para regressar à companhia.

Dia 16 - segunda-feira:
Às 7h30 fui à secção de transportes expor o meu caso, tinha consulta marcada para hoje no hospital, e então cancelaram a minha viagem, mas no hospital mudaram a consulta para amanhã.

Dia 17 - terça-feira:
Às 15h fui ao hospital e foram-me entregue os resultados das análises para entregar ao médico, mas hoje não o encontrei.

Dia 18 - quarta-feira:
Também não foi possível encontrá-lo, e só fui possível ter consulta dia 20, sexta-feira às 9h, e aí o médico mandou-me fazer mais análises, e nova consulta para o dia 27.

Dia 22 - domingo:
Faz 17 meses que saímos de Lisboa a caminho desta pobre Guiné.
Restante dia tudo como dantes e assim até ao dia 23, segunda-feira.

Dia 24 - terça-feira:
Dia de consoada. Fui passar o Natal com o amigo Libânio ao quartel da Amura. Foi uma ceia muito bem festejada.

Dia 25 - quarta-feira, dia de Natal:
Almocei cá nos adidos, e também foi um almoço natalício muito bom para o lugar que é.
À noite fui jantar à Amura com o amigo Libânio.

Dia 26 - quinta-feira:
Fui ao hospital tirar sangue para análise.

Dia 27 - sexta-feira:
Fui à consulta, mas esta foi mudada para dia 3 do próximo mês, e próximo ano.
E assim até ao dia 31 terça-feira e fim do ano.
Na passagem de ano também ofereceram um jantar melhorado, e assim terminou o ano 68.

ANO 1969
JANEIRO
Dia 2 - quinta-feira:
Chegou o registo criminal e fui à escola para marcarem o exame, o qual ficou marcado para o dia 7.

Dia 3 - sexta-feira:
De manhã fui ao hospital à consulta, e deram-me alta até ao dia 17, dia em que vou ser internado para me operarem.

Dia 5 - domingo:
Fui à secretaria falar com o primeiro-sargento, e ele chamou o delegado do batalhão a que pertence a minha companhia, para lhe entregar a guia de consulta externa para a mandar ao nosso capitão para a assinar. Só assim podia ser operado.

Dia 7 - terça-feira:
Dia do meu exame de condução de ligeiros e pesados profissional.
Às 16h começou o de código, e a seguir a mecânica, e finalmente a condução. Correu tudo bem, felizmente.
A partir daí foi festejar.
Tudo se passou normalmente até ao dia 12, domingo.

Dia 13 - segunda-feira:
Chegaram quatro colegas da minha companhia, que vêm gozar licença, e trouxeram-me boas notícias da companhia, o correio, e o dinheiro do mês de Novembro e Dezembro.

Dia 14 - terça-feira:
Tudo normal e assim até ao dia 24 em que faz três anos que assentei praça em Vila Real, e assim continuou até ao dia 28, terça-feira.

Dia 29 - quarta-feira:
À noite encontrei-me com um cabo da companhia que tinha chegado ferido com mais dois, um dos quais chamado Adão que é da Amarante, este ficou sem a perna direita numa armadilha, que rebentou a uma pequena distância de Buruntuma, durante a patrulha que hoje de manhã andaram a fazer.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13437: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (2): Período entre Fevereiro e Julho de 1968 (Abel Santos)

Guiné 63/74 - P13439: Notas de leitura (617): “Guiné-Bissau - Páginas de História Política, Rumos da Democracia", por F. Delfim da Silva (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Janeiro de 2014:

Queridos amigos,
Fernando Delfim da Silva é nome proeminente na política guineense. Licenciou-se em Filosofia em Leningrado, esteve ligado ao sistema educativo e foi dirigente da juventude Amílcar Cabral.

Entrou na rampa ascendente em 1990, como diretor geral da Presidência do Conselho de Estado, foi depois secretário de Estado e várias vezes ministro; foi prisioneiro político em 1972/73 e em 1985/86.

Este seu livro é assumido como uma coletânea de memórias da sua experiência política, tem um aporte sobre o processo eleitoral e o modo de o emendar e uma análise aos partidos políticos então existentes (conjuntura de 2003).

Trata-se de um depoimento incontornável, estranhamente silenciado em análises posteriores de gente credenciada. Coisa que faz parte dos chamados silêncios africanos…

Um abraço do
Mário


Fernando Delfim da Silva:
Memórias e considerações de um político guineense (1)

Beja Santos

Desafortunadamente, os escritos oriundos de antigos combatentes do PAIGC e de políticos guineenses pós-independência são raros e nem sempre esclarecedores.

Devemos a Luís Cabral, depois da sua prisão, após o golpe de Estado de 14 de novembro de 1980, um depoimento de inegável importância sobre a vida e obra de Cabral, é uma crónica que não deixa equívocos sobre a articulação estreitíssima entre o líder e a sua obra; Aristides Pereira começou por ser comedido e até entediante sobre a história do PAIGC e o fim da unidade Guiné-Cabo Verde, no final da vida, numa longuíssima entrevista a José Vicente Lopes foi de uma franqueza inesperada; Bobo Keita, uma figura militar de segunda grandeza, aceitou ser entrevistado e trouxe dados pertinentes sobre o regime de Nino e lançou uma outra luz sobre o assassínio de Amílcar Cabral; Filinto Barros, um dos políticos mais experientes e íntegros do PAIGC, escreveu um romance primoroso sobre a condição dos ex-combatentes numa Guiné-Bissau já desalentada, Kikia Matcho, o seu derradeiro testemunho foi publicado sem ser revisto, trata-se de um texto intragável onde o antigo político acusa muita gente de gestão danosa sem explicar muito bem quais os corretivos que deviam ter sido aplicados.

E há outros depoimentos, até aos dias de hoje, basta recordar o que aqui se escreveu sobre os livros de considerações políticas atuais assinados por Leopoldo Amado e Julião Soares Sousa. O nome de Fernando Delfim da Silva e o seu livro “Guiné-Bissau, Páginas de história política, rumos da democracia”, Firquidja Editora, Bissau, 2003, não me podia deixar indiferente.

Convivi com Delfim da Silva em 1991, quando ele, pela noitinha, a caminho de casa, e depois de ter trabalhado nos serviços da Presidência da República, me dava boleia entre a Pensão Central e a Cicer, salvou-me muitas vezes de dar trambolhões na noite sem lua; em 2010, quando eu estava a ultimar “A Viagem do Tangomau”, acedeu várias vezes a conversar comigo sobre a história recente da Guiné-Bissau, registei os seus pontos de vista, estou certo que nos despedimos com respeito e consideração mútuos.

O livro do antigo ministro dos Negócios Estrangeiros divide-se entre considerações de por vezes do grau íntimo sobre políticos guineenses e uma vasta apreciação sobre o processo eleitoral, isto em vésperas das eleições de 2004, após o afastamento compulsivo de Kumba Yalá da Presidência da República onde este, pouco antes da partida, dissolvera a Assembleia Nacional Popular. Por razões compreensíveis, não cabe nesta recensão dissecar as suas opiniões sobre um sistema eleitoral mais apropriado para a Guiné-Bissau, vamos ater-nos às considerações políticas.

Ele chama ao seu depoimento a história de uma geração, “uma história que ninguém sabe quando vai terminar, nem como vai terminar”. Geração vitoriosa, que levou a Guiné à independência, geração do 14 de novembro de 1980, que cindiu o PAIGC a que se seguiu o golpe da polícia política no chamado “caso 17 de outubro de 1985”, e depois a guerra civil de 1998-1999, com outros episódios pelo meio menos relevantes mas muitíssimo significativos de um poder autocrático que procriou um golpismo militar permanente.

É um livro de recordações, por vezes circulares, por vezes ordenadas na cronologia dos factos. Recorda as primeiras eleições legislativas e presidenciais livres, as de julho de 1994, acreditava-se então numa transição política de sucesso. Politicamente, sempre segundo Delfim da Silva, foram falhanços atrás de falhanços, daí ele considerar de primeiríssima importância a necessidade de se construir um modelo de maior justiça eleitoral, o livro termina por uma abordagem e descreve-os resumidamente, são apontamentos de consideração obrigatória para a historiografia política guineense.

Delfim da Silva afastara-se da política quando foi estudar filosofia na então Leninegrado. Em 1990, diz ter acreditado no processo de transição democrática e tornou-se num estreito colaborador de Nino Vieira. Acompanhou a revisão constitucional de maio de 1991 que revogou o artigo 4.º que consagrava o PAIGC como (única) “força política dirigente da sociedade e do Estado”, que tornou possível o aparecimento de legislação sobre os partidos, a liberdade de imprensa, o direito de reunião e manifestação e a liberdade sindical, entre outros.

Ninguém debateu nem ninguém escreveu, nem ninguém anteviu que a competição interpartidária podia vir a acarretar um populismo extremamente corrosivo no quadro de uma democracia parlamentar de fresca data. Parece ter havido uma confiança cega na transição democrática. O PAIGC vivia ferreamente atado aos princípios definidos por Cabral quanto ao partido-Estado, desde 1964. A omnipresença do PAIGC parecia um dogma, como escreveu Amílcar Cabral:

“Estamos organizados como um partido: por tabanca, por zona e por região. O Sul da Guiné é dirigido por um Comité Nacional das Regiões Libertadas do Sul, e o Norte é dirigido por um Comité Nacional das Regiões Libertadas do Norte. Isto constitui uma estrutura básica de Governo. De facto, as regiões libertadas têm já todos os elementos de um Estado – serviços administrativos, serviços de saúde, serviços de educação, forças armadas locais para a defesa dos ataques portugueses, tribunais e prisões. O problema imediato é alargar o nosso Estado até abarcar todo o país. A transição para a estrutura do Estado não será um problema”.

E assim aconteceu, o PAIGC instalou-se em Bissau, em outubro de 1974, e teve a ilusão da sua capilaridade por todo o território, planificou a economia, a direção política imaginou uma industrialização pujante, cercou-se de uma polícia política e instalou o esbirrismo, com os insucessos procuraram-se complôs irresponsáveis, caso dos comandos africanos; a latência da tensão entre os nacionais e os cabo-verdianos atingiu o clímax com uma nova proposta de revisão constitucional.

Nino coordenou o golpe, o poder militar superou o poder político, deu-se a cisão com os cabo-verdianos e a prisão de figuras importantíssimas da luta, guineenses de gema. Reforçou-se o poder autocrático, graças a militares como Ansumane Mané. Delfim da Silva recorda figuras que ele classifica como importantes, caso de Sanussi Cassamá que em julho de 1992 ascendeu a chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, nele se depositou esperança da reforma das Forças Armadas, institucionalizando-as em parâmetros modernos, adequados à tradição democrática. Sanussi Cassamá morreu de doença e sucedeu-lhe Ansumane Mané.

Estava lançada, com insidiosa violência, a questão militar que parecia resolvida desde o Congresso de Cassacá, em fevereiro de 1964. A questão militar entrou de enxurrada na vida política guineense a partir de 1980: o descontentamento dos antigos combatentes, a arrogância dos agentes da segurança do Estado, a clique militar à volta de Nino, uma burocracia de Estado montada à custa dos heróis indiscutíveis, fomentaram rivalidades e espírito de complô que irão desembocar na humilhação de Victor Saúde Maria, na paranóia de um “golpe militar Balanta” e no caso de Paulo Correia e de outros dirigentes, fuzilados em 1986.

(Continua)
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Nota do editor

Ultimo poste da série de 25 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13435: Notas de leitura (616): “Pluralismo Político na Guiné-Bissau", coordenação de Fafali Koudawao e Peter Karibe Mendy (2) (Mário Beja Santos)

domingo, 27 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13438: Efemérides (167): Homenagem aos Combatentes da Grande Guerra do Concelho de Loures, levado a efeito no passado dia 25 de Julho de 2014 (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada  José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/70), com data de 25 de Julho de 2014:


Frente do Monumento 
© - Foto: José Martins


HOMENAGEM AOS COMBATENTES DA GRANDE GUERRA DO CONCELHO DE LOURES

Conforme difundido, teve lugar em Loures, junto ao Monumento aos Combatentes da Grande Guerra, obra de Fernando Soares, inaugurado a 8 de Dezembro de 1929, uma homenagem aos Combatentes do Concelho de Loures (à época incluía o actual município de Odivelas), assim como a apresentação da obra de restauro do citado monumento.

A cerimónia iniciou-se com a colocação de uma coroa de flores, na base do monumento, pelo Presidente da Câmara, Dr. Bernardino Soares.


Presidente da Câmara frente ao Monumento
© - Foto: José Martins

A Guarda de Honra foi prestada por uma secção da Companhia de Comando e Serviços do Regimento de Transportes.
Um terno de clarins e caixa, da mesma unidade, executou o Toque de Silêncio, seguido do toque de Mortos em Combate, enquanto a força militar se postava na posição de “apresentar armas”, findo o qual se fez silêncio, em memória dos combatentes tombados no campo da honra, tendo o Reverendo Padre Francisco, Paróquia de Loures, proferido uma Oração.

Reverendo Francisco, proferindo a Oração
© - Foto: José Martins

Seguidamente fez-se ouvir o toque de alvorada. Se o toque de silêncio e o toque a mortos em combate, nos recorda os camaradas de armas tombados, o toque de alvorada recorda-nos que há um “dia novo”, que é preciso reiniciar a vida e concluir o que aqueles militares não puderam fazer.

Coronel Rodrigues Cardoso, no uso da palavra
© - Foto: José Martins

Tomou seguidamente a palavra, representando a Liga dos Combatentes, o Coronel António Manuel Rodrigues Cardoso, presidente do Núcleo de Lisboa, que estava representado com o guião, lembrando o sacrifício pedido aos portugueses, assim como lembrando a criação da própria Liga, como meio de apoio aos combatentes de então e, actualmente, a prossecução desses mesmos objectivos.

O Presidente da Câmara de Loures
© - Foto: José Martins

A cerimónia ficou concluída com a intervenção do Dr. Bernardino Soares, que recordou que não basta recordar os nossos maiores, mas é preciso manter a sua memória viva, com a conservação do património que os celebra.

Porta-estandarte do Núcleo de Lisboa da Liga dos Combatentes
© - Foto: José Martins

À cerimónia estiveram presente elementos dos Órgãos Municipais, Comandante do Regimento de Transportes, Coronel Vítor Manuel dos Santos Borlinhas, assim como a população, entre os quais se notava a presença de Combatentes da Guerra do Ultramar.

Postal editado para comemorar o acto, pela C.M. Loures (2014)

Guarda de Honra, junto ao monumento. 
© - Foto: José Martins

Texto: José da Silva Marcelino Martins
Sócio da LC nº 80.393/Lisboa
Odivelas, 25 de Julho de 2014

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Links sobre o Monumento de Loures:

Em Ultramar Terra.Web.bis

(1) Inauguração do Monumento

(2) Homenagem aos Combatentes em 10 de Abril de 2011

(3) Combatentes da Grande Guerra do Concelho de Loures (actualização de listagem)


Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné

(1) Inauguração do Monumento

(2) Homenagem aos Combatentes em 10 de Abril de 2011

(3) Combatentes da Grande Guerra do Concelho de Loures (actualização de listagem)
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Nota do editor

Vd. último poste da série de 21 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13425: Efemérides (166): Faz hoje 50 anos que o Pel Caç Ind 953 desembarcou a Bissau (António Bastos)

sábado, 26 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13437: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (2): Período entre Fevereiro e Julho de 1968 (Abel Santos)

1. Continuação do "Diário da CART 1742" de autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves, 1.º Cabo Corneteiro, enviado ao Blogue pelo nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69).




Diário da CART 1742

Autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves
1.º Cabo Corneteiro
Guiné, 1967/1969

Este diário foi oferecido aos camaradas presentes no 9.º convívio da Companhia de Artilharia 1742, em Campeã - Vila Real de Trás-os-Montes em 25 de Maio de 2013.

Eis a razão
Dos momentos
Da nossa indisposição,
Mandaram-nos para a guerra
Sem a nossa opinião.
Por isso o Salazar
Não terá o nosso perdão.


FEVEREIRO 68
Dia 1 - quinta-feira, às 16h:
Ouvi um alarido e saí para ver o que se passava. Era a arrecadação de géneros e a enfermaria a arder. Vieram os carros de água do Batalhão, mas não conseguiram apagá-lo, pois a cobertura era de capim.

Dia 2 - sexta-feira:
O pessoal na limpeza ao espaço que ardeu.

Dia 3 - sábado:
De manhã estivemos a preparar o material, e à tarde foi entregue aos pelotões que vão montar segurança em redor de Nova Lamego ao presidente Américo Tomás, mas houve camaradas que passaram a noite todos encharcados, já que na travessia de um riacho desequilibraram-se do tronco de uma árvore que fazia de ponte, e um deles foi o Abel Santos. Até as ruas estão todas enfeitadas para ele pensar que isto é um paraíso.

Dia 4 - domingo, às 8h
Chegou o tal presidente da República Américo Tomás, mas nós não podíamos sair, para estarmos preparados para algo de estranho, mas correu tudo bem.
Às 13h3o chegaram os pelotões que tinham ido montar segurança.

Dia 6 - terça-feira:
Chegaram os furriéis com o armamento do Batalhão para o prepararmos, a companhia ia sair no dia seguinte, e nós tivemos de fazer serão a introduzir munições nos carregadores e a pôr o material todo em ordem.

Dia 7 - quarta-feira de manhã:
Estivemos a entregar o material aos pelotões que vão fazer escolta a Béli

Dia 12 - segunda-feira, às 16h:
Chegou a companhia da escolta a Béli que fica na zona de Madina.
No regresso hoje de manhã, entre o Che-Che e Canjadude, uma mina rebentou debaixo de uma das Daimler. Morreu o condutor, e o apontador ficou gravemente ferido, eram do pelotão Daimler, que estavam prestes a ir embora.
O IN não ataca a escolta, porque a aviação faz segurança voando sobre o trajecto que era percorrido pela companhia, por isso só com minas os cobardes faziam asneiras.

Foto da Daimler

Dia 21 - quarta-feira:
Chegou o furriel Nogueira para darmos material ao pelotão dele porque ia sair, mas depois houve novas ordens: já não era preciso e voltaram a entregar o material.

Dia 22 - quinta-feira, das 20h às 23h:
Estivemos a ver cinema cá no destacamento, veio cá o furriel Foto-Cine a pedido dos nossos furriéis e oficiais.

Dia 23 - sexta-feira:
Houve correio e voltámos a ver cinema à mesma hora de ontem.

Dia 25 - domingo:
Carnaval em Portugal, mas aqui contínua tudo mais ou menos o mesmo continuando assim segunda e terça-feira de carnaval.

Dia 28 - quarta-feira:
Parte do dia estive a preparar material, porque a companhia vai sair.

Dia 29 - quinta-feira de manhã:
Entregámos o material à companhia que saiu às 7h30 para fazer mais uma escolta a Madina do Boé.

MARÇO 68
Dia 1- sexta-feira:
Dia de correio e, como sempre quando a companhia sai nós temos que fazer de cabos de dia, da guarda e reforços etc.

Dia 2 - sábado:
Recebi uma encomenda que os meus pais me mandaram. O restante tudo normal.

Dia 4 - segunda-feira, às 15h:
Chegou o pessoal da escolta a Madina, em que houve grande azar, além de terem levantado quatro minas, uma rebentou numa viatura que ficou danificada, mas só o alferes Cruz é que ficou com uns ligeiros ferimentos com as areias felizmente.
Tudo normal.

Dia 6 - quarta-feira:
Na formatura do almoço esteve cá o comandante do Batalhão a dar um elogio ao bom comportamento da nossa companhia.

Dia 7 - quinta-feira de manhã:
Entregámos material a um pelotão que saiu de tarde, esteve cá o sargento Ribeiro e estivemos a conferir material.

Dia 8 - sexta de manhã:
Demos material a dois pelotões que saíram, e a seguir continuámos a conferir material com o sargento Ribeiro.

Dia 10 - domingo de tarde:
Os fulas fizeram uma festa com o batuque deles em frente ao destacamento, tirando isso tudo normal, e assim continuou até ao dia 15, dia em que chegou o correio.
À tarde pelas 18h fui á missa em honra do furriel que morreu em Buruntuma.

Dia 19 - terça-feira de manhã: 
Estivemos eu e o Oliveira como sempre, a preparar o armamento a municiar os carregadores da Drayse e fitas da MG42 etc.
De tarde fizemos a entrega do material à companhia que amanhã vai fazer mais uma escolta a Béli, e depois do jantar distribuímos mantas ao pelotão de Canquelifá, que vem para nos ajudar a fazer a segurança cá no destacamento, como sempre.

Dia 20 - quarta-feira, às 5h da manhã:
Chegou o nosso capitão e um condutor para carregar as munições, e continuámos a dar o restante material, o que ainda era necessário, e lá partiram às 6h.
À tarde estivemos a arrecadar o material da companhia de Fá, que ficam cá hoje, para irem amanhã fazer uma operação.

Dia 21- quinta-feira, às 3h da manhã:
Veio a companhia de Fá levantar o material que nós guardámos ontem.
Às 7h30 chegou uma GMC com material da mesma companhia, pois quando caminharam a pé, não o puderam levar todo e deixaram-no aqui guardado.
Também foi dia de correio.

Dia 22 - sexta-feira: 
Faz oito meses que embarcámos em Lisboa.
De dia tudo normal, mas à noite não havia pessoal para fazer reforço. Depois resolveram que seria o pelotão de Canquelifá a fazê-lo, os quais normalmente só estão de prevenção.

Dia 23 - sábado, às 21h45:
Chegou a companhia de Fá e estivemos a arrecadar o material deles. Eles disseram-nos que tinha corrido tudo bem.

Dia 24 - domingo, às 17h30:
Chegou a nossa companhia da escolta a Béli. Correu tudo bem felizmente, e assim estivemos a receber o material, e depois distribuir mantas ao pelotão de Fá que esteve de serviço.

Dia 26 - terça-feira, de manhã:
Demos material a diversos da companhia para irem fazer algumas demonstrações para filmar, e às 18h30 vieram entregar esse material.

Dia 27 - quarta-feira:
De manhã estivemos a fazer limpeza a algum material, de tarde tudo normal.

Dia 28 - quinta feira, às 13h:
Houve ordens para a companhia sair imediatamente e estivemos a entregar-lhe o material, às 17h30 chegaram novamente.
A operação que foram fazer foi em perseguição a um grupo IN, mas como não os encontraram, não demoraram muito.

Dia 29 - sexta-feira:
Dia de correio, e depois tudo normal tal como no dia 30 e 31, em que termina mais um mesito.

ABRIL 68
Dia 1 - segunda-feira de manhã:
Estivemos a descarregar os carregadores das Drayses, que são armas para entregar ao Batalhão.
Às 10h recebemos o pré que habitualmente se recebe no dia 1 de cada mês.
Às 16h estivemos a distribuir material a todos os pelotões da companhia, que amanhã vão fazer uma operação.

Dia 2 - terça-feira:
Sai a companhia para a dita operação.

Dia 3 - quarta-feira, às 17h30:
Chegou a companhia da operação que haviam feito e tudo correu bem felizmente.
E assim tudo continuou normal até ao dia 7 domingo, dia em que o Oliveira partiu no Dacota para Bissau, para ir passar férias em Portugal.

Dia 10 - quarta-feira, de manhã:
Estive a encaixotar material para levarmos a um novo destacamento que segundo dizem, será Buruntuma. E assim tudo normal até ao dia 12, em que às 16h formou a companhia, e dois pelotões receberam ordens para preparar tudo, para amanhã irem para o nosso novo destacamento: Buruntuma.

Dia 13 - sábado, às 5h da manhã:
Vieram os dois pelotões levantar as armas pesadas para levar, e entregar o resto do material que fica nesta arrecadação, também foi outro pelotão escoltá-los, o qual chegou às 13h30.
À noite chegou a companhia PIRIQUITA que nos vem substituir.

Dia 14 - domingo, dia de Páscoa na Metrópole:
Continuei a receber material que era para ficar e, distribui mantas ao nosso pessoal para dormir, porque a caserna foi entregue à nova companhia.

Dia 15 - segunda-feira:
Após o café estive a receber as mantas do nosso pessoal, as quais voltei a entregar à noite, visto que ainda cá continuámos, entreguei também material à companhia nova para amanhã irem fazer uma escolta a Madina.

Dia 17 - quarta-feira, das 5h30 às 7h30:
Estivemos a carregar material para o primeiro pelotão levar para Buruntuma. O sargento Ribeiro foi levantar à arrecadação de lá, e eu fiquei a entregar nesta.
Junto com o furriel Carrola, às 10h, começámos a conferir o material com o 1.º sargento da nova companhia mas de tarde interrompemos por termos recebido a notícia que na escolta a Madina rebentou uma mina, tendo morrido um alferes, e um cabo ficou sem uma perna, e o 1.º sargento deles teve de tratar desses assuntos, mau começo para esses rapazes.

Dia 18 - quinta-feira:
Eu e o quarteleiro da nova companhia continuámos a conferir o material e, no dia 19 prosseguimos com a ajuda do 1.º sargento e do furriel Carrola e assim continuámos no dia 20.

Dia 21 - domingo:
Continuámos no mesmo trabalho e, às17h chegou a companhia PIRA da escolta a Madina, que no regresso foram atacados ao atravessar na jangada o rio Corubal no Che-Che. Houve um soldado e um 1.º cabo, que eram da CCS, que ficaram afogados no rio e não mais apareceram.

Dia 22 - segunda-feira:
Continuámos a conferir o material, quando acabámos o 1º sargento abriu a cantina e pagou umas cervejas ao quarteleiro dele, a mim e ao furriel Carrola.

Dia 23-terça feira:
Depois das 6h andei a carregar o que me competia trazer, a própria bagagem, etc.
Às 7h30 iniciámos a viagem para Buruntuma onde chegámos às 11h30 e, assim tomei conta da nova arrecadação.

Dia 24 - quarta-feira:
Andei a arrumar o material que veio de Nova Lamego e à noite fiz uma hora de reforço, o que irá acontecer todos os dias, visto que as secções dos pelotões estão distribuídas cada uma em seu abrigo, e dá para todos fazerem uma hora por noite.

Dia 26 - sexta-feira, de manhã:
A companhia que vai embora, esteve a carregar o material para estarem prontos para irem manhã cedo.

Dia 27 - sábado:
Às 5h a companhia velha partiu para a Peluda e, foi um pelotão nosso montar segurança e, levou algum material para o destacamento de Camajabá e ponte do rio Caium, onde temos pessoal, instalado.

Dia 30 - terça-feira:
De tarde houve correio e pré, o nosso capitão mesmo aqui no cúmulo do mato e, na fronteira com a Guiné Conacri, exigiu que fossemos receber devidamente fardados.

MAIO 68
Dia 5 - domingo:
Após o meio-dia chegou a coluna com os géneros e o correio e, voltou novamente outro pelotão em outra coluna, para trazer mais géneros, para evitar que aconteça termos só bianda (arroz) para o pessoal comer, como andámos já há bastantes dias.
E assim continua tudo normal até ao dia 10.

Dia 10 - sexta-feira:
Dia em que houve correio, que é sempre um dia especial.
E assim tudo continuou bem até dia 14, em que o capitão me mandou chamar cedo para lhe entregar material, para a companhia sair para uma pequena operação.
Chegaram às 11h30, tendo corrido tudo bem.
Até ao dia 16 tudo normal.

Dia 17 - sexta-feira:
Às 5h estive a entregar material à companhia, pois iam fazer uma coluna para reabastecimento de géneros e não só.

Dia 18 -s ábado:
Chegou a coluna com toda a normalidade e, assim tudo normal até ao dia 21.

Dia 22 - quarta-feira:
Faz 10 meses que correspondem a 10 anos, que embarcámos em Lisboa.

Dia 23 - quinta-feira:
Começamos com o arranjo do nosso abrigo (7), que estava a abater. Os abrigos são cobertos por troncos de árvores grossas, colocadas lado a lado, e a seguir levam chapas de bidões abertos e, por cima algum cimento com areia. Por fim uma boa altura de terra para estarmos mais abrigados das granadas e morteiradas do IN.

Dia 24 - sexta-feira:
Fomos arrastar troncos até dia 26.

Dia 27 - segunda-feira:
Chegou o Oliveira (colega da arrecadação) de gozar a licença em Portugal, mas os trabalhos no abrigo continuam e assim até ao dia 30.

Dia 31- sexta-feira:
Término dos trabalhos no abrigo.

JUNHO 68
Dia 5 - quarta-feira:
Ao meio-dia chegaram os camaradas que foram ajudar a fazer a escolta a Madina e, trouxeram o correio.

Dia 8 - sábado de manhã:
Estivemos a dar material à companhia que foi a Bambadinca aos géneros, os quais chegaram dia 9 às 13h. Também trouxeram correio, tendo sido assim um bom domingo para todos.

Dia 10 - segunda-feira, de manhã: 
Recebemos o material de aquartelamento, da secção que vai para Béli juntar-se ao pelotão que já se encontra em Madina do Boé há alguns dias, mantendo-se a normalidade até ao dia 14.

Dia 15 - sábado de manhã:
Estivemos a dar material aos que vão fazer a coluna a Bambadinca.

Dia 16 - domingo de tarde:
Vieram cá os de Canquelifá e, trouxeram o correio, até ao dia 21 tudo normal.

Dia 22 - sábado:
Faz onze meses que deixámos Portugal.
Depois ao meio dia veio cá o nosso Governador e Comandante-Chefe, o que para nós foi muito agradável.

Dia 26 - quarta-feira:
Hoje saiu a companhia para fazer a operação mensal, tendo corrido tudo normalmente. Prolongando-se assim até ao dia 29.
Fim do mês.

JULHO 68
Dia 1-segunda feira:
É dia de pré e restante tudo normal até ao dia 6.

Dia 7 - domingo:
De manhã os oficiais e sargentos tiveram uma festa de anos, e o nosso capitão queria que eu fosse tocar o clarim para hastear a bandeira, mas os mesmos não estavam em condições, não podendo assim satisfazer-lhe a vontade.
Ao meio-dia chegou o pelotão que tinha ido para Madina, tendo estado ultimamente, no Che-Che.
O pelotão que estava cá que era de Piche regressou à companhia.
E por cá correu tudo dentro da normalidade até ao dia 10.

Dia 11 - quinta-feira:
Às 11h saiu uma coluna para a Bambadinca buscar géneros, e fui também com eles, para ir a Nova Lamego ao médico, derivado a uma fístula.
Ao chegar a Nova lamego, o Moura atropelou uma criança que acabou por morrer.
Quando chegámos o médico já não me consultou por ser tarde, e então ficamos lá.
No dia seguinte às 6h, fui com o meu pessoal a Bambadinca carregar as viaturas. No regresso avariaram algumas e só chegamos a Nova Lamego de noite, onde pernoitamos.

Dia 13 - sábado:
De manhã, a coluna não podia esperar que eu fosse ao médico, então eu regressei com eles mesmo sem ter sido consultado.
As coisas foram correndo bem até ao dia 16.

Dia 17 - quarta-feira:
De tarde veio cá a avioneta e trouxe correio.

Dia 20 - sábado:
Às 10h o furriel enfermeiro veio avisar-me que vai uma escolta a Bambadinca perguntando-me se eu queria ir ao médico, e eu respondi-lhe que desta vez não vinha embora sem ser consultado, aproveitei e partimos ao meio-dia e trinta, chegando a Nova Lamego às 16h, onde fomos logo à consulta, passando cá a noite.

Dia 21 - domingo:
Às 6h30 continuámos a viagem para Bambadinca onde chegámos às 10h30, e ainda assistimos à missa que estava a ser celebrada na capela.
Às 14h30 já os carros estavam carregados e começámos a viagem de regresso.
Depois de Bafatá, o Matos que era o condutor da viatura em que eu seguia, deixou-a encostar demasiado à berma e eu, que trazia o joelho da perna esquerda um pouco saliente, ao chocar com o taipal com uma árvore pensei ter fracturado o mesmo, mas felizmente só ficou pisado.
Ao chegar a Nova Lamego fui à enfermaria, e fizeram-me o curativo.

Dia 22 - segunda:
Às 7h30 iniciamos a viagem a caminho de Buruntuma onde chegámos às 11h30.
De tarde fui à enfermaria fazer o curativo à perna.
A seguir os furriéis e o alferes Cruz - que é provisoriamente o comandante da companhia enquanto o capitão está um mês de férias em Portugal - junto com alguns soldados e levaram o bombo e alguns clarins mesmo danificados. Só não levaram as caixas porque não têm conserto. Então com o Pereiro, com o acordeão que mandou o Movimento Nacional Feminino, foram fazer ronco (festa) em volta dos abrigos, a festejar um ano de Guiné, ou que partimos de Lisboa.
Nos dois dias seguintes tudo normal.

Dia 25 - quinta-feira:
Já de noite, quando o Penafiel me chamou, comecei a ouvir rebentamentos que vinham de Camajabá, era o IN que fez uma visita à malta.

Dia 26 - sexta-feira:
Logo pela manhã foi-nos dado conhecimento que as nossas tropas de Camajabá não sofreram baixas nem feridos graves.

Dia 27 - sábado:
Saiu uma escolta para Nova Lamego. Restante dia tudo normal.

Dia 28 - domingo:
Às 19h15 fomos surpreendidos por uma grande descarga de fogo do IN, e eu, o Oliveira e o Lemos que estava connosco, corremos para o abrigo do primeiro socorro, onde já estava o 1.º sargento Bonito.
Era um estrondo ensurdecedor, pela quantidade de granadas e rajadas de armas ligeiras que caíam cá no destacamento. Só quando o nosso pessoal reagiu abrindo fogo, e umas morteiradas foram lançadas é que eles abrandaram, e foram corridos dali graças à nossa pronta intervenção.
Às 20h20 demos por terminado o ataque ao aquartelamento.
Foi então averiguado o que tinha acontecido ao nosso pessoal, e foi-nos dito que o apontador do morteiro 81, o Bagaço, nome pelo qual era conhecido, ficou gravemente ferido.
Eu e o Oliveira fomos dormir à tabanca dos mecânicos, por ser o abrigo mais próximo.

Dia 29 - segunda-feira:
Bem cedo, foi-nos dado a fraca notícia que o Bagaço acabou por morrer à meia-noite, a seguir andámos a ver os estragos que os morteiros e os roquetes fizeram.
Eu e o Oliveira tínhamos um cão que apesar de pequeno, ficou quase desfeito à porta da arrecadação.
Às 7h30 chegaram duas avionetas para levarem os feridos e o falecido mas, mas como não cabiam todos, e foram os de maior gravidade, e às 18h30 voltaram novamente para levar os restantes todos negros, e só aí foi o falecido.
Também faleceu um negro, mas esse foi enterrado pelos familiares.

Dia 30 - terça-feira: 
De manhã começamos a renovar o abrigo que fica entre a secretaria e a arrecadação, e foi-nos dito que na noite passada no abrigo 9 ia um indivíduo a rastejar em direcção à sentinela, o qual ao dar conta lhe deu um tiro mas não o atingiu e o tipo fugiu por entre as tabancas sem deixar rasto.
De agora em diante para prevenir, o reforço será dois a dois, evidentemente que faremos o dobro do tempo.

Dia 31 - quarta-feira:
Mais um final de mês, que só deixa más recordações.

(Continua)
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Nota do editor

Vd. primeiro poste da série de 24 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13434: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (1): Período entre Agosto de 1967 e Janeiro de 1968 (Abel Santos)

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13436: Monumento aos Mortos da Grande Guerra do Concelho de Loures - Actualização de dados (José Martins)

1. Mensagem de José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 20 de Julho de 2014:


Boa tarde
A partir do post Guiné 63/74 - P7897: Monumento aos Mortos da Grande Guerra do Concelho de Loures (José Martins), desenvolvemos um trabalho de validação dos dados constantes na lápide do Monumento ao Mortos da Grande Guerra do Concelho de Loures.

Não só recolhemos mais informação sobre os nomes inscritos no mesmo, mas obtivemos "novos" nomes que inicialmente não foram inscritos. Ceio que a cause se deve, fundamentalmente, à saida desses cidadãos para outras localidades, deixando de estar presentes na vida do concelho, e cujos nomes só vieram á colação face ao terem Tombado ao Serviço de Portugal.

Aproveitamos para convidar todos os COMBATENTES a estarem presentes na Homenagem que vai ser prestada pelo municipio de Loures, após ter efectuado obras de restauro, obras essas que já se tornavem necessárias há lomgos anos. (Noticia/Convite anexa).

Abraço
José Martins





Guiné 63/74 - P13435: Notas de leitura (616): “Pluralismo Político na Guiné-Bissau", coordenação de Fafali Koudawao e Peter Karibe Mendy (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Janeiro de 2014:

Queridos amigos,
Este livro é uma auscultação a diferentes níveis do que foi a atuação política do PAIGC, a crise económica, a alvorada da liberalização política, o comportamento de múltiplos atores, desde os chefes tradicionais até às ONG.
Com o pluripartidarismo, a sociedade civil reorganizou-se e deu sinais de uma vontade participativa que tinha definhado nos tempos do monolitismo do PAIGC.
É neste contexto que se deve ler com interesse o trabalho de Mamadu Jao acerca das relações entre os poderes oficiais e tradicionais na Guiné-Bissau ao longo dos tempos e detetar, como propõe Carlos Cardoso, o enfrentamento entre as elites dos históricos do PAIGC e os jovens ambiciosos formados sobretudo nas universidades da Europa de Leste.

Um abraço do
Mário


Pluralismo Político na Guiné-Bissau: Para a história da transição para um multipartidarismo, desde 1992 (2)

Beja Santos

“Pluralismo Político na Guiné-Bissau”, coordenação de Fafali Koudawao e Peter Karibe Mendy, INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissau, 1996, é um precioso volume de ensaios em que quatro investigadores com pergaminhos procedem, em diferentes angulares, ao estudo da emergência do pluralismo político na Guiné-Bissau, no período que preludiou e acompanhou as eleições de 1994. Já aqui se fez referência aos importantes trabalhos de Peter Karibe Mendy e Fafali Koudawao. No primeiro, vimos estabelecido o arco temporal entre a assunção do PAIGC desde a luta pela independência, passando pela chegada ao poder, fomos confrontados pelos porquês do autoritarismo e pelas razões que desaguaram no pluralismo. No segundo, foi-nos dado apreciar o desabrochamento das ONG e o seu comportamento no período eleitoral, fica-se com uma ideia como se deu a transição na sociedade civil entre o Partido-Estado e as novas manifestações de participação dos cidadãos.

No terceiro ensaio, Mamadu Jao debruça-se sobre os poderes “tradicionais” no período de transição. Ele estabelece uma grelha para as grandes reviravoltas da política das últimas quatro décadas, entre 1956 e 1994. Teria havido uma fase de concentração humana entre 1956 e 1959, período em que se encarou a possibilidade de conquistar a independência apenas por via da luta política, mas os acontecimentos de 3 de agosto de 1959 revelaram que se impunha uma estratégia assente na captação e mobilização das populações agrícolas. A fase seguinte (1959-1964) permitiu uma primeira aproximação ao mundo rural. Deram-se choques tremendos entre os guerrilheiros e as populações, a coabitação só foi bem-sucedida na região Sul, mas mesmo assim deu azo a que certos caciques tivessem manifestações de despotismo e por isso foram sancionados no Congresso de Cassacá, em Fevereiro de 1964, evento onde se confirmou o combate ao espírito de régulo e dos chefes tradicionais entre os responsáveis do partido.

Mamadu Jao refere que teria sido montada uma espécie de teoria que dividia os habitantes do país em duas categorias: os “nosso povo” e os “nossa população”. Nessa aceção política, o povo da Guiné e Cabo Verde eram só os que queriam correr com os colonialistas, tudo mais era população mas não era do povo. No período de 1964 a 1974 ter-se-ia dado uma neutralização das instituições do poder dito tradicional nos terrenos da luta de libertação. Os chefes tradicionais foram banidos e humilhados, apodados de retrógrados, e como alternativa foram criadas novas instâncias. Logo a seguir, entre 1974 e 1980 entrou-se na fase do ajuste de contas, tempos de violência legal sancionada pelo Tribunal Popular, vários chefes tradicionais foram julgados e condenados à morte. Depois do 14 de Novembro de 1980, teve lugar uma fase de segunda tentativa de aproximação, deram-se passos que permitiram aos chefes tradicionais começarem a sentir que lhes estavam a ser restituídos os seus antigos valores. E, por último, e o período entre 1991 e 1994, abertas as portas às forças políticas opositoras, todos se lançaram no processo de recuperação e capitalização do poder tradicional. O PAIGC partia com vantagem, já tinha uma boa implantação das boas estruturas de base.

O investigador Carlos Cardoso assina o ensaio sobre a classe política e transição democrática na Guiné-Bissau, recorda a mobilidade ocorrida com o advento da nova classe política depois da independência e com o reajustamento operado pelas classes sociais associadas à burguesia do partido e dos negócios, autênticas elites urbanas que, no plano dos princípios, Amílcar Cabral tinha profetizado como uma burguesia que se iria instalar num certo cosmopolitismo e desembaraçar-se das atividades inerentes à consolidação de uma democracia revolucionária. O autor lembra que a classe política guineense é relativamente jovem, as razões devem-se à natureza da colonização do território. O domínio colonial português, após as campanhas de pacificação, levaram à prática de uma política de integração dos chefes tradicionais de cada grupo étnico e Spínola com a sua política da “Guiné melhor” e das assembleias conhecidas por Congressos do Povo, tudo fez para prestigiar os chefes africanos e desvalorizar e elite cabo-verdiana. Sucede que a elite política possuía pouca ou nenhuma formação, os chefes tinham vindo diretamente para a luta armada passando por pequenas ações de treino em países como a China ou a URSS, isto enquanto os mais jovens iam adquirindo formação superior sobretudo em universidade da Europa de Leste.

Vale a pena reter algumas das observações de Carlos Cardoso: “A classe política faz recurso a uma estratégia para esconder a sua falta de superação. Nos anos 1970 proclamam-se intocáveis os que estiveram na luta e escondem-se cada vez mais atrás de uma legitimidade histórica conquistada com a luta de libertação. Mas a fase pós-independência foi igualmente a de constituição de uma elite política e de um poder altamente elitista”. O partido de Estado passou a estar estruturado para ser regido como um poder absoluto por Nino, Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, dominando igualmente o Conselho de Estado e o Conselho de Ministros. Dava-se a assim a concentração de poderes e a sublimação do poder despótico.

Após os desaires económicos, com o sistema financeiro num caos, o Partido-Estado evoluiu para um sistema multipartidário, os dirigentes históricos viram essa evolução como uma ameaça aos privilégios que a elite desfrutava. A transição foi pacífica, mas deram-se clivagens. A classe política prima pela sua heterogeneidade determinada pelo passado político e pessoal dos indivíduos ou grupo de indivíduos que a compõem. Carlos Cardoso faz uma apreciação do comportamento dos líderes históricos, dos quadros jovens dissidentes do PAIGC, estes últimos à data das eleições eram o grupo que era mais entusiasticamente acolhido com as suas propostas de modernização, mas o PAIGC mantinha-se como um pilar, apareciam os verdadeiros herdeiros de Cabral, faziam parte dos “ventos da história”, da vaga de democratização que invadiu África nos inícios da década de 1990. E aqui o autor faz uma apreciação severa: “Do ponto de vista moral, a nova classe política apresenta limitações sérias. Se por um lado, no plano dos discursos, advoga a favor da justiça social e da igualdade dos direitos, na prática e no que diz respeito a uma das suas facões, o seu estilo de vida e a sua conduta em relação aos bens do Estado constitui impedimentos sérios à edificação de um tipo de sociedade assente nesses valores”. Após as eleições de 1994, havia de esperar uma atuação da nova classe política, vê-la batalhar pelo desenvolvimento e mostrar-se generosa, havia de esperar por uma elite que não estivesse ávida em controlar os recursos económicos e aberta à partilha de todos os tipos de poder, a começar pelo político. Como se sabe, estas previsões falharam, o país encaminhou-se para uma guerra civil, no fim do século.
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 21 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13422: Notas de leitura (614): “Pluralismo Político na Guiné-Bissau", coordenação de Fafali Koudawao e Peter Karibe Mendy (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 22 de Julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13430: Notas de leitura (615): "Guiné, Mal Amada, o Inferno da Guerra", por António Ramalho de Almeida (Virgínio Briote)

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Guiné 63/74 - P13434: Diário da CART 1742 (Mário Alves, 1.º Cabo Corneteiro) (1): Período entre Agosto de 1967 e Janeiro de 1968 (Abel Santos)

1. Enviado pelo nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), começamos hoje a publicar o "Diário da CART 1742" de autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves, 1.º Cabo Corneteiro da mesma Unidade.



Diário da CART 1742

Autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves
1.º Cabo Corneteiro
Guiné, 1967/1969

Este diário foi oferecido aos camaradas presentes no 9.º convívio da Companhia de Artilharia 1742, em Campeã - Vila Real de Trás-os-Montes em 25 de Maio de 2013.

Eis a razão
Dos momentos
Da nossa indisposição,
Mandaram-nos para a guerra
Sem a nossa opinião.
Por isso o Salazar
Não terá o nosso perdão.

Eu, Mário dos Anjos Teixeira Alves, nasci a 13 de Novembro de 1945, e fui incorporado no serviço militar em 24 de Janeiro de 1966, no RI 13, em Vila Real, onde fiz a recruta.
Em 13 de Abril do mesmo ano fui para o BC 10 em Chaves, tirar a especialidade de corneteiro e, conjuntamente, a escola de cabos, que concluí como 1.º cabo em 7 de Agosto de 1966.
No dia 21 do mesmo mês fui transferido para o CIOE - Centro de Operações Especiais - em Lamego.
Aí estive até Maio de 1967, pois quando já pensava em ir para casa, fui mobilizado para a Guiné.

E assim, em 28 de Maio de 1967 juntei-me à CART 1742 no RAL 5 em Penafiel.
Em 22 de Julho, um sábado, partiu o barco Timor em direcção à Guiné e, foi aí que eu me lembrei de fazer um diário, o qual vou aqui relembrar apenas partes mais significativas.

Começo por lembrar que o navio deixava muito a desejar: fracos camarotes, maus cheiros e pouca comida e de má qualidade, enfim, lá foi dando para passados cinco dias, no dia 27, às 7h30, chegarmos à ilha do Sal em Cabo Verde.
Aqui o navio encostou para deixar um pelotão independente e levar outro de regresso a Portugal, já com a missão cumprida. Ainda descarregaram muito cimento entre outras coisas.

Navio Timor

Dia 28 de Julho:
À 1 hora da manhã, continuámos a viagem e às oito voltamos a parar na ilha de Santiago para trocar outro pelotão. E tudo continuava igual, incluindo a alimentação.
Às 17h30 continuámos a viagem, mas era cada vez mais difícil, pois o barco baloiçava mais, por ir mais leve e, também devido a uma tempestade de chuva e vento forte. Eu em particular, e muitos outros íamos muito mal dispostos.
Passados oito dias, às 14h00 do dia 30, chegámos à Guiné e assim terminava uma viagem bastante aborrecida.
Após o desembarque entrou-se nas viaturas e fomos para o quartel 600 em Bissau onde nos esperavam uns colchões de praia poucos cómodos, e o jantar que também ajudou a passarem a primeira noite. Deu para conhecer algo lá por perto, e no dia 1 de Agosto cada um foi levantar uma arma para a Companhia continuar a instrução e preparação física.

Passados oito dias - dia 9:
Foi o primeiro dia que recebemos correio de Portugal. Todos ficámos muito animados até ao dia 14, porque aí na refeição da noite fizemos um pequeno protesto por estarmos a ser mal alimentados, mas não houve problemas.

Dia 19:
Foi a primeira noite que dormimos despidos, pois até aqui não o podíamos fazer derivado aos mosquitos.
Hoje entregaram-nos os mosquiteiros, mas foram pagos por nós.

Dia 22:
Fazia um mês que embarcámos em Lisboa e o furriel Alves e o alferes Pinheiro convidaram-me para os ajudar a dar aulas aos que não tinham nem a terceira, nem a quarta classe.

Dia 23:
Demos início às aulas, estas eram das 14 às 17h30.

Dia 29:
Fomos para aplicação militar das 9 às 11h e no dia 30 fomos fazer uma patrulha das 6 às 11h. Foi bastante chato com a chuva, apesar de quente, pois atravessámos bolanhas em que a água nos dava pelo pescoço. Depois fomos compensados com o correio que veio de Portugal.

Setembro 67
Dia 1 - de manhã:
A mesma aplicação militar e de tarde continuámos a dar aulas.

Dia 12 - terça-feira:
Foi-nos dito que íamos para Nova Lamego no dia 15. Foi-nos entregue mais material: cartucheiras, munições, bornal etc. E assim estávamos preparados para uma nova etapa.

Dia 15:
À 1h da manhã deixou-se o Quartel 600, Santa Luzia, e fomos para o cais.
Às 2h30 entrávamos na lancha e às 3h partimos em direcção a Bambadinca onde chegámos às 11h30.
A comida era a ração de combate e umas cervejas no bar do quartel.
Às 23h30 chegaram as viaturas e partimos para Nova Lamego, onde chegámos às 4h do dia 16, mas não havia onde dormir.
Às 14h a secção do furriel Alves à qual eu pertencia, foi mandada para o destacamento de Canja que fica a 25 quilómetros de Nova Lamego. Eu, como pertencia à secção do furriel Alves, fui também com eles fazer segurança ao destacamento, enquanto a secção que lá estava foi fazer uma operação à área envolvente. A refeição da noite foi ração de combate, e dormir debaixo de um coberto que serve de refeitório. Para beber, água da chuva aparada nuns bidões, que também servia para nos lavarmos, tal como os negros.

Hoje, dia 17 - domingo:
De manhã tomámos o café feito da mesma água e pão feito pelos negros num fraco forno de barro.
Às 8h fui com outro colega render os que estavam a fazer segurança na ponte e lá estivemos até às 12h30. Aí fomos rendidos por outros colegas e viemos almoçar. Só depois da refeição da noite entrei de reforço, das 20 às 22h e foi quando chegaram os que tinham ido fazer a operação ou reconhecimento.
Tivemos de dormir novamente em cima dos bancos do refeitório, e eu dormi em cima das caixas da batata.

Dia 18:
Às 14h partimos para Nova Lamego com bastante apetite, porque só tínhamos tomado o pequeno-almoço com ração de combate.
Às 18h chegámos a Nova Lamego, jantámos e já descansámos razoavelmente.

Dia 19:
O alferes Cruz disse-me que às 14h íamos conferir o material da arrecadação de materiais de guerra, para eu tomar conta até chegar o quarteleiro que ficou em Bissau a entregar outra arrecadação. E assim estivemos até às duas da manhã.

Dia 20:
Continuámos a conferir o material e quando terminámos tomei conta das chaves e assumi a responsabilidade. Passados três dias: Era domingo, dia 24, fui com alguns colegas à missa a uma capela que há aqui em Nova Lamego.

Dia 26-terça feira:
Recebi ordens para entregar os lençóis ao pessoal da companhia.

Dia 27:
Foi a primeira vez que recebemos correio em Nova Lamego.
À noite estive a entregar material para a companhia ir fazer uma operação.

Dia 30:
Faz dois meses que chegámos à Guiné e para nós já parece dois anos.

Outubro 67
Dia 1 - domingo:
Tudo normal, e assim foi até ao dia 5.
Aí, às 8h, vieram-me chamar para ir tocar o clarim para hastear a bandeira nacional no batalhão.
Às 18h, fui arriá-la e às 21h fui fazer o recolher.
Agora continuo a ir fazer apenas os toques mais importantes até que a companhia Periquita se instale e que os clarins percam o medo de tocar.

Dia 6:
Foi dia de correio, que é das coisas mais importantes para todos nós.

Dia 7, às 3h30 da manhã:
Veio cá o furriel Pinto e o Bica chamar-me para preparar o material para os dois pelotões deles irem fazer uma operação.
Eram 6h quando saíram.

Dia 8 - domingo:
Chegou o cabo quarteleiro Oliveira, mas por enquanto ficámos os dois na arrecadação.

Dia 9, às 20h30:
Já estávamos na cama e veio cá o furriel Amaro e o Romão vagomestre com uma mentira: disseram-nos que preparássemos o material, que a companhia ia sair para uma operação e que eu ia também. Fizeram isso porque no dia antes tínhamos estado juntos a comer um cabrito assado e connosco esteve também o sargento Bonito, e daí a boa confiança de amigos.
Daqui até ao dia 20 tudo normal, mas fui atacado pelo paludismo, com uma grande febre e o Oliveira foi chamar o enfermeiro que me deu comprimidos, mas não adiantou, Então deu-me duas injecções e a febre sempre baixou.

Dia 21:
Já me sentia melhor e até consegui comer alguma coisa.

Dia 22 - domingo:
Faz três meses que embarcámos em Lisboa, tanto tempo para nós!

Dia 25:
Mais um dia de correio para nos ajudar a espalhar as saudades, neste caso até ao dia 1 de Novembro, em que recebemos mais correio.

Novembro 67
Dia 2:
Esteve cá o major do serviço de material de guerra e deu-nos para modificar algumas coisas e assim passámos a fazer esse trabalho.

Dia 3:
Está o Oliveira com o paludismo, fui chamar o enfermeiro para o tratar.

Dia 4 - sábado de manhã:
O comandante do Batalhão reuniu aqui duzentos negros civis e deu-lhes armas para irem com um pelotão da minha companhia fazerem uma batida a um determinado sector. Fiquei surpreso com tal ordem.

Dia 7, à noite:
O pessoal da companhia veio levantar material para irem de manhã cedo fazer uma operação.

Dia 8, dia em que faço 22 anos:
Às 23h chamou por nós um colega e disse-me que tinha morrido um soldado nosso e havia dois feridos que tinham acabado de chegar ao posto de socorros do Batalhão, sendo o Neto carpinteiro, o que morreu, e o cabo Correia e outro soldado os feridos, por causa de uma armadilha.

Dia 9, depois do almoço:
Fui à missa de corpo presente pelo falecido Neto, e a seguir fui ao Batalhão ver se conseguia ensinar e treinar a marcha fúnebre com os corneteiros do batalhão, mas eles não conseguiram.

Dia 10 - sexta-feira de manhã:
Fui desempenhar as minhas funções de clarim ao funeral e a seguir tentar viver enquanto fosse possível. E assim, tudo normal até ao dia 18, em que, de manhã esteve cá novamente o major do serviço de material a fazer alguns reparos na arrecadação, mas concordou com as nossas desculpas.

Dia 19 - domingo:
De tarde estive eu e o sargento Bonito a cintar a mala do falecido Neto para ser enviada para a família.

Dia 22:
Faz quatro meses que embarcámos em Lisboa, e tudo continua normalmente.

Dia 24 - sexta-feira:
Mais um dia de correio, e assim esperamos até à próxima sexta-feira.

Dezembro 67 
Dia 1:
Com mais correio e o patacão, que é o dinheiro.

Dia 2, de manhã:
Estivemos a entregar material a dois pelotões que vão fazer uma operação, e só chegaram no dia 4, ás 21h, mas felizmente correu tudo bem.

Dia 8:
Mais um dia de correio.

Dia 10:
Tivemos prendas simbólicas de Natal, oferecidas pelo Movimento Nacional Feminino.

Dia 11, de manhã:
Estivemos a dar material a dois pelotões que saíram e chegaram no dia 12 de tarde, também não houve problemas.

Dia 14, de manhã:
Estivemos a dar material aos pelotões para irem ao encontro de uma coluna que foi atacada no caminho de Canjadude, onde morreu um alferes e um cabo, e ficou um soldado ferido, este pessoal já vinha de regresso a Portugal.
Às 18h chegou a companhia, e estivemos a receber o material, o qual estivemos a limpar no dia 15 de manhã.
Às 21h fui ao Batalhão tocar ao funeral dos dois militares que ontem faleceram.

Dia 16:
Estivemos a preparar material para três pelotões levarem no dia seguinte para uma operação, o qual distribuímos dia 17, domingo de manhã.

Dia 18 à noite:
Veio cá o alferes Figueiredo com o pelotão que é o que cá se encontra, levantar material para irem ao encontro do IN que anda a roubar numas tabancas aqui próximo. E assim distribuímos o material, também aos poucos que cá ficaram para estarem preparados se o IN nos viesse chatear.
Chegou o pelotão que saiu à noite para onde o IN tinha levado dez vacas e algumas coisas mais mas já não os encontraram.
Às 8h voltaram a sair para Caboca e rebentou uma mina debaixo da Fox que ficou um pouco destruída, mas a malta não correu perigo.

Dia 20:
Estávamos a receber correio quando chegou o furriel das transmissões com uma mensagem do Batalhão, a dizer que na operação que andavam a fazer desde domingo, o cabo Sousa morreu.

Dia 21, às 18h:
Estávamos a jantar, e chegou o pessoal da operação na mata do Geba (SINCHÁ JOBEL). Tinham ido também dois pelotões de outra companhia, da qual morreram um alferes e um soldado, e outro tinha desaparecido, ou seja, não sabem se ficou morto ou preso pelo IN. Dos nossos ainda chegaram a andar 15 perdidos ao fazerem a retirada, mas depois apareceram.

Dia 22, de manhã:
Estivemos a limpar o material que ontem chegou e também a conferir o que faltou, para assim dar baixa dele.

Dia 23:
Organizámos um pelotão entre os especializados, e todos os que estão permanentes, para fazermos serviço durante uns dias, porque os quatros pelotões operacionais vão dois por noite dormir ao mato e são rendidos de 24 em 24 horas e por isso, também precisam de descansar.

Dia 24:
A consoada não podia ser lembrada, e por isso fez-se esquecer com uns copos.

Natal de 1967 - O Mário Alves é o 2.º a partir da direita, com os olhos postos no menu

Dia 25, dia de Natal - segunda-feira:
Ao meio-dia improvisaram-se umas mesas no refeitório que se anda a construir, e foi lá o almoço: batatas com bacalhau. O vagomestre por muito o chatearmos, deu mais um copo de vinho, e houve uma mini garrafa de vinho do Porto para cada dois, que foram oferecidas pela manutenção militar, o nosso capitão ofereceu uns doces. O que devia ser ontem, foi hoje, devido à companhia só estar junta na refeição do meio-dia. E assim passado o Natal, continuou tudo normal.

Dia 29:
O sargento Bonito chamou-me à secretaria para cintar a mala do falecido cabo Sousa para mandar para a família. E assim chega o dia 31.

Dia 31- domingo:
Fim do ano de 1967.

ANO 1968
Janeiro - Segunda-feira - dia de Ano Novo:
Só conhecido por ir à missa. Depois tudo normal.
E assim até ao dia 6, em que tivemos correio.

E seguiu-se até ao dia 11 - quinta-feira:
Chegou o nosso capitão a dizer-nos para prepararmos o material, porque iam sair três pelotões às 3h da tarde

Dia 12:
Houve correio para os que estão no destacamento, já os que foram para o mato só o receberão quando chegarem.

Dia 13, ao meio-dia:
Saiu daqui o helicóptero, a avioneta e dois bombardeiros para irem ter com o nosso pessoal que anda a fazer a operação no Siai,
Às 13 horas chegou o helicóptero com quatro feridos, dois brancos e dois africanos. Diziam que ainda havia mais feridos, por isso, às 14h chegou novamente o helicóptero com mais três feridos, e às 16h voltou novamente com mais três feridos, estes por uma mina que rebentou na coluna que ia buscar ao Che-Che o nosso pessoal.
Um dos feridos foi o major do serviço de material que foi levado directamente para Bissau, e os outros foram de avioneta. Também ficou lá um furriel morto e um soldado todos da mesma companhia, e ainda alguns feridos menos graves, que por ser já noite não puderam ir buscá-los.

Dia 14 - domingo, às 7h:
Já o helicóptero tinha chegado com mais feridos, e às 8h chegou ainda com os restantes. Após o almoço chegou um carro da administração com um elemento IN morto, que apanharam em Piche, e a população fez um festival, quanto mais não fosse, para agradar às tropas.
Às 17h chegou a companhia e disseram que, quem tinha sido ferido foi o Aníbal enfermeiro e o Martins das transmissões, que foram para Bissau, e talvez tenham que ir para a metrópole.
Houve mais oito feridos com menor gravidade, um era o alferes Magalhães e o furriel Amaro, sendo os restantes cabos e soldados, um deles era o Damásio Fonseca.
Também chegou a má notícia que o major faleceu ao chegar a Bissau, o furriel que morreu era da engenharia e o soldado era africano.

Dia 15 - segunda-feira:
De manhã estivemos a conferir o material que tinha chegado na noite anterior, e também pensávamos no soldado que estava em Bissau ferido, mas afinal estava desaparecido, foi o Aguiar de Arrifana.

Dia 16 - terça-feira:
De manhã estivemos a limpar o material, e às 16h chegou um pelotão de morteiros que estava em Piche e vai para Madina do Boé e arrumaram aqui o material.
Após o jantar o nosso capitão mandou-nos preparar o material e distribuí-lo ao pelotão que vai fazer a escolta à nova companhia que vai para Madina render os que lá estão, pois vão para a peluda. Também entregámos o material ao pelotão de morteiros que vão juntos para Madina.
Às 22h fui à secretaria ajudar a cintar a mala do Aníbal enfermeiro para mandar para Bissau, pois ele ia ser evacuado para a Metrópole.

Dia 19 - sexta-feira:
Dia de correio.

Dia 21 - domingo:
Às 16h chegou o pelotão que foi fazer a escolta a Madina que felizmente correu bem, contando também com a escolta dos Fiat e de bombardeiros T-6 em toda a viagem.

Dia 22 - segunda-feira:
De manhã estive com o furriel Pontes a conferir todas as munições.
Também faz hoje seis meses que embarcámos em Lisboa.

Dia 2 4 - quarta-feira:
Faz dois anos que assentei praça em Vila Real, e aqui ainda sou periquito.
Às 16h chegaram os furriéis com muito armamento do Batalhão para o preparar que amanhã vão sair.
Após o jantar continuámos a preparar material: munições, etc. O Oliveira ajudou pouco, por estar de reforço.

Dia 25 - quinta-feira, às 4h30:
Veio o pessoal levantar o material e partiram para o serviço que lhes foi destinado.

Dia 26 - sexta-feira, 16h:
Chegou a companhia que afinal foi ao Che-Che buscar as viaturas e os mortos de uma companhia que, na passada quarta-feira ia para lá, e, foi atacada pelo IN. Tiveram seis mortos e muitos feridos, dos quais alguns foram ontem para Bissau. Os mortos vieram hoje com a minha companhia e, estiveram aqui na capela para serem colocados nas urnas. Eram quatro africanos e dois brancos. Era uma calamidade vê-los, por estarem queimados pelas viaturas que arderam, foi difícil distinguir os brancos dos negros.

Dia 27 - sábado:
Estivemos a fazer limpeza ao material que chegou ontem.
Até ao dia 31 tudo correu dentro da normalidade.

(Continua)