sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17699: (De) Caras (90): notícias da nossa "menina" Tina Kramer, hoje senhora e doutora, membro da nossa Tabanca Grande

A investigadora alemã Tina Kramer com a Dona Berta,
em Bissau, em 2011. Foto: cortesia de Tina Kramer (2011)

1. O nosso camarada, amigo e colaborador Beja Santos deu-nos conhecimento, em 21 do corrente,  da correspondência trocada com a doutora Tina Kramer, antropóloga, da Universidade de Leipzig, Alemanha, membro da nossa Tabanca Grande:


(i) Mensagem de Tina Kramer para Beja Santos, com data de 14 do corrente:

Caro Mário, fico muito contente por saber que estejas de boa saúde. Desejo-te muito alegria e sucesso para as novas investigações.

A minha família está bem e a pequena Edda Maimuna cresce bem. Já fala muito e muito bem.

Como tenho muito saudade de vocês e de Lisboa,  espero que pudermos vir no próximo ano.
Gosto de fazer um sumário da minha tèse em alemão, porque o meu português já está um bocado enferrujado. Só que a tèse ainda não foi publicada, então ainda não tem um rosto lindo.

Como tenho muito saudade de vocês e de Lisboa espero que pudermos vir no próximo ano. Já estou ansiosa pelo reencontro contigo e com o Abdu [Abudu Soncó, guia e intérprete, durante a expedição de Tina Kramer, na Guiné-Bissau, no 1º semestre de 2011, e que lhe foi sugerido na altura pelo Beja Santos].

Também estás sempre bemvenido aqui em Leipzig! É uma cidade linda.

Com votos de muita saúde para ti e para os teus e com muitos beijinhos,

Tina


(ii) Mensagem de Beja Santos para Tina Kramer,  de 9/8/2017:


Minha nunca esquecida Tina, em primeiro lugar, votos de muita saúde e prosperidade para ti e para os teus. 

Por aqui, continuo com as minhas investigações à volta da Guiné. Descobri um filão novo, os arquivos do velho Banco Nacional Ultramarino que se instalou em Bolama no início do século XX, havia relatórios anuais em que os gerentes exprimiam pontos de vista por vezes muitíssimos curiosos. Tenho largos meses pela frente neste estudo. Tem saído bastante bibliografia sobre a Guiné, dela dou notícia no blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. 

O nosso comum amigo Abudu Soncó tem a saúde estável, em Portugal tem os medicamentos que o fazem viver uma vida com qualidade, faz trabalhos leves, eu bem gostaria que ele trouxesse a mulher para Portugal, mas não consigo perceber a embrulhada em que está o processo da naturalização dele. 

Tina, fico feliz pelo teu doutoramento, estou ansioso que se publique uma notícia grande e esclarecedora sobre o teu trabalho. Se não tens meios para produzir aí uma síntese de três a quatro páginas em língua portuguesa, peço-te o grande favor de as escreveres em alemão, eu pediria ao senhor Reinhard Naumann, da Fundação Friedich Herbert ajuda para pormos o texto em português. 

O teu doutoramento é uma peça científica que tem que ser conhecida em Portugal, creio que é a primeira vez que um investigador alemão relata o estado de espírito dos antigos combatentes do PAIGC. É um documento importante para Portugal e para a Guiné-Bissau, confio que acederás ao meu pedido e produzirás tal documento. 

Preciso também de imagens de ti, do teu doutoramento, do rosto do documento do mesmo doutoramento. 

Quando quiseres visitar Portugal com a tua família, terei muito gosto em receber-te em minha casa e de igual modo terei muito gosto em visitar-te na Alemanha, ando com uma vontade enorme de voltar a Berlim. 

Sem mais, fico a aguardar a tua resposta. Recebe muita amizade e um beijinho de ternura do Mário Beja Santos

(iii) Já em janeiro último, tínhamos recebidos (boas) notícias da TinaKramer, nossa amiga e grã-tabanqueira, que na altura não publicámos por ser mais pessoal:


23 de janeiro de 2017:

Querido Mário,
desculpa, tanto tempo, nao dei notícias. Por favor não fiques zangado.

Como estás?
Já tens um novo livro. Muitos parabens!

Estamos bem. A minha filha cresce muito rápido. Já comeca a ser uma pequena dama.

Há um ano que terminei a tese (finalmente!), más ainda não foi publicado. No momento trabalho numa pequena organização cultural em Leipzig que gosto muito.

Olha, estou preocupada do Abdu. Já não ouvi nada dele há alguns meses. Não responde aos e-mails, o número que tenho dele já não existe.

Tens notícias dele? Está de bom saúde?

Um abraço,

Tina

24 de janeiro de 2017


Minha querida Tina, Fico felicíssimo com as tuas notícias, por teres uma filha linda, por teres concluído a tese, por trabalhares em Leipzig, cidade que muito aprecio, que tem uma das estações ferroviárias do mundo, um esplêndido museu de farmácia, por estar cheia de lembranças de um génio da música chamado Bach.

Continuo a escrever sobre a Guiné, foram três livros sobre a história da Guiné Portuguesa e da Guiné-Bissau, preparo agora referências a textos incontornáveis, desde o cronista Zurara até aos grandes escritores guineense, Filinto Barros e Adulai Silá. 

Se for possível fazeres para o blogue uma síntese de duas ou três páginas da tua tese de doutoramento, prestarás um relevante serviço à nossa cultura. O número de telefone do Abudu é [...] e o mail é  [...].

Despeço-me cheio de alegria por te saber bem, qualquer dia vou visitar-te a Leipzig, a ver se descubro um voo low-cost, e depois vou a Dresden, também estou cheio de saudades dessa encantadora cidade, felicidades, Mário.

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P17698: Em busca de... (277): Júlio Rodrigues, natural de Viseu, engenheiro formado no Porto, divorciado, com dois filhos e vivendo actualmente em São Tomé e Príncipe grande parte do ano... Ex-combatente, conhecemo-nos nas ilhas, e deveríamo-nos encontrar neste período de férias em Portugal mas não tenho o seu contacto telefónico... Será que a Tabanca Grande me poderia ajudar a localizá-lo? (Renata Monteiro Marques)


1. Mensagem da nossa  leitora, Renata Monteiro Marques:

De: Renata Marques <marquesrenata@ymail.com>
Data: 23 de agosto de 2017 às 18:32
Assunto: Júlio Rodrigues


Caro Luís Graça:

Muito boa tarde.

Tomo a liberdade de lhe escrever para o email disponibilizado no blogue que partilha com outros camaradas que combateram na Guiné, por uma razão particular na qual não sei se poderá ajudar-me... mas, não custando tentar, aqui segue a pergunta: conhecerá, porventura, um ex-combatente de nome Júlio Rodrigues? 

Ele é natural de Viseu, engenheiro formado no Porto, divorciado, com dois filhos e vivendo actualmente em São Tomé e Príncipe grande parte do ano. Conhecemo-nos nas ilhas, deveríamos agora encontrar-nos cá em Portugal neste período de férias, mas infelizmente o contacto telefónico que tinha dele ficou no telefone que uso em São Tomé e não tenho maneira de localizá-lo.

Bem sei que será uma espécie de procurar uma agulha num palheiro, mas sabendo também do envolvimento dele nos encontros anuais dos ex-combatentes e da rede fortíssima que estabelecem entre vós, decidi arriscar na grandeza da vossa tabanca e na ajuda que me possam eventualmente prestar nesta localização num mundo que, sendo pequeno, continua para várias coisas a ser razoavelmente enorme.

Grata desde já por qualquer informação que se lhe afigure útil,
Renata Monteiro Marques
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Guiné 61/74 - P17697: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (17): Págs. 129 a 136

Capa da brochura "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra"

Gabriel Moura

1. Continuação da publicação do trabalho em PDF do nosso camarada Gabriel Moura, "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", enviado ao Blogue por Francisco Gamelas (ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto, 1971/73).


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17690: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (16): Págs. 121 a 128

Guiné 61/74 - P17696: Parabéns a você (1305): Manuel Carmelita, ex-Fur Mil Radiomontador do BCAÇ 3852 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17695: Parabéns a você (1304): António Fernando Marques, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17694: Os nossos seres, saberes e lazeres (227): De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: À procura do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena (6) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 28 de Abril de 2017:
 
Queridos amigos,
Aqui ficam os últimos registos de Malta, entre os vestígios opulentos da cultura megalítica até à monumentalidade da cidadela da lha de Gozo.
Em jeito de balanço, o orgulho pela presença portuguesa neste cadinho que é prova provada dos cruzamentos europeus frente ao Mediterrâneo.
É bom partir sabendo que há condições para voltar, preside o bom-senso de que se visitou algum património e entre o deve e haver, já se está saudoso pelo haver, o mesmo é dizer a hipótese de regressar. E num tempo em que avulta o pessimismo pelo projeto da União Europeia não deixa de impressionar o que os malteses edificam, melhoram e transformam num país eminentemente turístico, onde a História e as belezas naturais são determinantes.

Um abraço do
Mário


De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: 
Nos templos de Tarxien e na ilha de Gozo (6)

Beja Santos

Em Tarxien situa-se o maior dos complexos de templos de Malta, a cultura megalítica deixou aqui vestígios impressionantes. Podemos ver e deslumbrar-nos com as técnicas arquitetónicas e decorativas que marcam o estilo dos Construtores de Templos. Tarxien tem quatro estruturas de templo trifólias e foi usado durante a era de construção de templos. As peças preciosas estão no museu nacional de arqueologia mas é possível encontrar aqui uma voluptuosa deusa/sacerdotisa de saia. Resta informar quem se prepara para visitar Malta que aqui se encontra o maior templo central de Malta com seis absides, data de cerca de 2800 a.C. E para quem gosta da arte pré-histórica dá-se a saber que temos aqui exemplares requintados da arte megalítica, a decoração espiral é magnífica, vejam só.




O viandante parte para a ilha de Gozo com uma certa melancolia, está na contagem decrescente para se sair de Valeta para Bruxelas, gostava de voltar a deambular sem tempo nem horas por Valeta, visitar a Casa Rocca Piccola, que é uma janela para a vida quotidiana de tempos idos, passear-se pelas fortificações, sentar-se num balcão altaneiro diante do porto grande, voltar as bairros antigos, caso de Birgu, não desdenharia descer aos gabinetes de guerra de nome Lascaris, um complexo ultrassecreto das operações aeronavais nesta tão sensível região do Mediterrâneo durante a II Guerra Mundial. O tempo urge e em dia ensolarado, saiu uma só nuvem, atravessa-se toda a ilha para apanhar o ferry num local com nome estranhíssimo Cirkewwa em direção a Gozo. Sofreu muito com os ataques otomanos, depois do grande cerco de Malta, os Hospitalários fortificaram a ilha, deram-lhe uma cidadela que parece inexpugnável, réplica das muralhas ciclópicas de Valeta. Era fim de semana, os transportes públicos rareavam, à cautela o viandante meteu-se num autocarro de turismo, descobriu que também há preços low-cost, uma menina bradava que agora eram 13 euros quando anteriormente eram 19. Alguém avisou que uma das maiores atrações da ilha, a janela azul, um belo rochedo que lembra uma janela, tinha ruído na semana anterior. Indiferente a tal perda, o viandante lançou-se em direção à cidadela, ainda se passeou pela catedral de Victoria, mais um templo de barroco requintado, era um sol abrasador, desceu à procura de refúgio, e imprevistamente deu com uma casa de ópera nesta ilha minúscula.



A música é um dos elementos que associam Malta à presença italiana: bandas, filarmónicas, inúmeros grupos musicais… e a ópera. Recorde-se o Teatro Manoel em Valeta, o teatro estava fechado mas o viandante ficou impressionado com o belíssimo cartaz a anunciar a ópera em dois atos “Os palhaços”, de Ruggero Leoncavallo. Prossegue a excursão com belas panorâmicas, santuários, igrejas, povoações típicas. E assim se regressa a Valeta.



Está na hora da despedida, o depósito de aprazimento é enorme. Como os gostos não se discutem, o viandante não fica de boca aberta perante tão belo barroco, mas não esconde as sólidas impressões que trará de palácios e mansões, de múltiplos sinais de cultura, encruzilhadas europeias onde se entrepõem religião, misticismo, empreendimentos por todo o Mediterrâneo, e a omnipresença da Ordem de Malta. Algo mais tocou o viandante: a estatuária como farol de identidade. Podia aqui prosseguir-se com um rol de centenas de imagens de ícones malteses, pais da cultura até líderes políticos que consagraram a independência. De tudo quanto viu, esta imagem de memória a vítimas dos bombardeamentos sofridos entre 1942 e 1943 ganha para o viajante um peso específico: vejam o sacrifício da juventude para que a nossa pátria não arrede pé, leiam este livro aberto do nosso heroísmo.


É como se fosse a despedida, no alto dos jardins de Barrakka desfruta-se a vista impressionante de um porto e de um complexo de fortificações sem rival. Aqui se travou a armada turca, aqui o marquês de Niza se cobriu de glória com os seus marinheiros portugueses, aqui transitaram as embarcações britânicas que sulcavam em direção à Índia. E como marca final o viandante impressionou-se com o desenvolvimento trazido pela adesão à União Europeia, Malta é um caso de sucesso, de beleza e de património histórico europeu.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17674: Os nossos seres, saberes e lazeres (226): De Lisboa para Lovaina, daqui para Valeta: À procura do Grão-Mestre António Manoel de Vilhena (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17693: (De) Caras (89): Abna Na Onça, balanta, capitão de 2ª linha, morto em Bissá, em 15/4/1967... Fotos precisam-se... Foi conhecido do Jorge Rosales, João Crisóstimo, Abel Rei e Henrique Matos


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > c. 1965/66 > O alf mil da CCAÇ 1439, João Crsóstomo, ao fundo, na ponta da mesa; em primeiro, de costas, o Abna Na Onça, capitão de 2ª linha.

Foto (e legenda): © João Crisóstomo (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Mensagem, com data de ontem, do João Crisostomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67, que vive hoje em Nova Iorque) , em complemento do poste P17686 (*)

Caro Luis Graca,

Admiro-me que ninguém tenha ainda enviado fotos do Abna Na Onça. Quando voltar a Nova Iorque vou procurar, pois -- se não as perdi -- sei que tenho alguma coisa: tenho mesmo uma foto com ele (só nós os dois) em que eu pareço quase um anão ao lado dele. 

Entretanto envio-te uma que encontrei aqui no meu “arquivo” do meu computador em que ele aparece. Se a memória me não engana esta foto foi tirada quando eu fui a Porto Gole pela 1ª vez mas ainda não era para ficar . Só sei que o chefe de posto resolveu convidar-me para almoçar . acredito que estava apenas de visita (talvez para reabastecer quem lá estava),  pois vejo dois sargentos que,  se me não engano,  não pertenciam à nossa CCAÇ 1439. 

Na foto,  vê-se na cabeça da mesa Abna Na Onça de costas, mas ainda dá para o identificar sem qualquer dúvida; depois, pela direita, o chefe de posto (cabo-verdiano) e a esposa dele; a seguir um sargento cujo nome não lembro mais; eu estou na cabeça da mesa oposta ao Abna na Onca; a seguir um outro sargento cujo nome me não lembro ( oxalá isto não seja princípio de Alzeimar, mas a verdade é que estou a esquecer tudo e só me lembro de metade dos nomes…); a seguir está um furriel que me lembro de chamar “Tony” e sei havia algo de especial a respeito dele ( conhecimentos dele com pessoas célebres, penso eu); e a seguir ao lado dele o filho do chefe do posto. 

Quanto a outras memórias de Porto Gole… quem não tem memórias dos lugares por onde passou???… No meu caso, embora começam a ficar já “enevoadas”: além de Porto Gole, não me faltam memórias de Enxalé, Xime, Bambadinca, Missirá…. e outros . 

 Acredito que qualquer um de nós tem material para escrever um livro de recordações se se puser com vontade de as partilhar . E creio que muitos outros, cingindo-se apenas a factos sem qualquer precisão de "florear" , têm até muito mais a contar do que eu. É neste espírito de confiança que eu leio o que outros escrevem, quando escrevem no teu/nosso blogue. Se há alguém que quer escrever para “fazer literatura”, então eu espero bem que escrevam um romance ou o que quiserem, mas não o façam no teu/nosso blogue. Esse é para mim como um arquivo de memórias que merece todo o respeito (embora compreenda que há muita gente que como eu já se lembre só metade das coisas e, sem querer, comece mesmo a baralhar coisas). 

As brancas são  "próprias da idade" e há que respeitar, mesmo que haja incongruências e confusões. Por minha parte de coração agradeço que quando virem que estou dizer coisas “erradas" me corrijam imediatamente ; que isso só vai ajudar (a mim e a todos os que leem) a história como se passou .
Um abraço a toda a malta que ler isto.

João Crisóstomo


2. Comentário do editor:

Obrigado, João, é uma foto preciosa. De facto, como te disse, não tenho nenhuma foto do lendário Abna Na Onça. Pelo menos que me lembre... em todos estes 13 anos e meio de blogue...

Sobre o Abna Na Onça, temos uma versão do Jorge Rosales, que é de 1964/66 (**):

(...) Diz-me que era muito amigo do mítico Capitão de 2ª linha, o Abna Na Onça, chefe espiritual, poderoso, da comunidade balanta da região, a quem o PAIGC havia cometido o erro fatal de “matar duas mulheres e roubar centenas de cabeças de gado”. O seu prestígio, a sua influência e e o seu carisma eram tão grandes que ele sabia tudo o que se passava numa vasta região que ia de Mansoa a Bambadinca (nomeadamente, importantes informações militares, como a passagem de homens e armas do PAIGC).

Jovem (teria hoje 72/73 anos se fosse vivo), era um homem imponente, nos seus 120 kg. Schultz tinha-lhe oferecido um relógio de ouro e uma G3 como reconhecimento pelos seus brilhantes serviços … Mais tarde, será morto, em Bissá, em 15/4/67, com seis dos seus polícias administrativos, todos eles residentes em Porto Gole… Nesse dia o destacamento é abandonado pelas NT: “ um dia trágico para quem estava no inferno de Bissá, como escreveu o Abel Rei no seu diário( Entre o paraíso e o inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné, 1967/68, editado em 2002, pp. 68/70) (**)…


O Henrique Matos também o conheceu:

(...) Capitão de 2ª linha Abna Na Onça (...) era régulo de Porto Gole (não do Enxalé) e comandava a Polícia Administrativa, um grupo de pouco mais de 20 elementos que tinha uma farda esverdeada e estava armada com Mauser. Era um homem muito respeitado, não me esqueço que os soldados do [Pel Caç Nat ] 52 o tratavam por pai. Morreu em Bissá (ele e muitos outros), um chão balanta dominado pelo IN, onde alguém se lembrou de montar um destacamento sem o mínimo de condições (...).

Esperemos que apareçam mais fotos de (e depoimento sobre) o  Abna Na Onça (****).

PS - Pesquisando melhor, com tempo e vagar (que é coisa que não se tem quando se está de férias...), econtrei mais referências do Jorge Rosales  ao "homem grande" Abna Na Onça, incluindo uma foto de dele (!)n (*****). É  talvezx o poste mais completo sobre este guineense, que esteve do lado das NT e morreu em circunstâncias trágicas, em Bissá, ao tempo da CART 1661, conforme nos relatou aqui o Abel Rei (******).

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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 9 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4488: Tabanca Grande (151): Jorge Rosales, ex-Alf Mil, Porto Gole, 1964/66, grande amigo do Cap 2ª linha Abna Na Onça


Guiné 61/74 - P17692: Parabéns a você (1303): Fernando Cepa, ex-Fur Mil Art da CART 1689 (Guiné, 1967/69)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de Agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17689: Parabéns a você (1302): Carlos Cordeiro, ex-Fur Mil Inf do Centro de Instrução de Comandos (Angola, 1969/71) e José Luís Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2206 (Guiné, 1969/71)

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17691: Fotos à procura de... uma legenda (89): o sol, o pôr do sol, o eclipe parcial do sol, os adoradores do sol... (Luís Graça)


Foto nº 1  > Lourinhã > Praia da Areia Branca > 21 de agosto de 2017 > 19h50 > Eclipse parcial do sol, visto da varanda dos meus amigos Orlando e Helena Rolim.


Foto nº 2  > Lourinhã > Praia da Areia Branca > 21 de agosto de 2017 > 19h55 > Eclipse parcial do sol, visto da varanda dos meus amigos Orlando e Helena Rolim.


Foto nº 3  > Lourinhã > Praia da Areia Branca > 21 de agosto de 2017 > 19h36 > Eclipse parcial do sol, visto da varanda dos meus amigos Orlando e Helena Rolim.


Foto nº 4 > Lourinhã > Praia da Areia Branca > 20 de agosto de 2017 > 19h43 > Pôr do sol (1)


Foto nº 5 > Lourinhã > Praia da Areia Branca > 20 de agosto de 2017 > 19h51 > Pôr do sol (2)


Foto nº 6 > Lourinhã > Praia da Areia Branca > 20 de agosto de 2017 > 19h55 > Pôr do sol (3)


Foto nº 7 > Lourinhã > Praia da Areia Branca > 20 de agosto de 2017 > 19h55 > Pôr do sol (4)


Foto nº 8 > Lourinhã > Praia da Areia Branca > 20 de agosto de 2017 > 19h43 > Pôr do sol (5)

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Confesso que sou um adorador do sol. Venero o sol como um deus. Devo a vida ao sol. Perturbam-me os eclipses, totais ou parciais do sol. Extasio-me com o pôr do sol, e não tanto com o nascer. Sei que o sol é um dado adquirido. Mas um dia, daqui a alguns milhões de anos, o sol apaga-se. Pensava-o imortal: quando descobri, aos catorze ou quinze anos, que um dia o sol vai morrer, tornei-me ateu. 

Nunca liguei ao sol na Guiné. Ou melhor: odiei-o, com um ódio de morte. Não tinha o mar, no interior, no mato, para me deslumbrar com o nascer e o pôr do sol. Além disso, detestava o sol porque havia guerra, e penosas operações que nos levavam à desidratação e, "in limine", à morte. Odiei o sol na Guiné, razão por que sempre preferi a noite. Dormia de dia, sempre que podia. E, quando morrer, e se eu ainda puder escolher, quero morrer ao pôr do sol. Ainda não escrevi o meu testamento vital, mas quero lá pôr essa cláusula. Minha querida Chita, não posso morrer na tua/nossa Quinta de Candoz, onde o sol se põe às cinco da tarde, emparedado pelas montanhas...

Como um dia te escrevi, em 8 de setembro de 2008, na Praia da Peralta:

"(...) Posso gostar das tuas montanhas
e das tuas albufeiras
e das tuas florestas de castanheiros e carvalhos,
da gente rude e franca do teu norte,
mas preciso de regressar ao meu sul,
de vez em quando,
para respirar como as baleias" (...) 

E ainda antes, no verão de 2004:

(...) Volto à Peralta,
dando o dito por não dito, 
o mar do Cerro em frente,
para partilhar contigo,
como sempre,
a magia do sol posto,
no Atlântico norte,
o amor em agosto
e. com sorte,
um prato de choco frito (...)

Um prato de choco frito, um copo de vinho branco, um fatia de broa de milho, no Peraltabar, na praia da Peralta, ao pôr do sol, reconcilia-me com a vida e ajuda-me a preparar a última viagem que farei, a tal donde não se regressa mais, através do rio de Caronte... (LG)
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Guiné 61/74 - P17690: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (16): Págs. 121 a 128

Capa da brochura "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra"

Gabriel Moura

1. Continuação da publicação do trabalho em PDF do nosso camarada Gabriel Moura, "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", enviado ao Blogue por Francisco Gamelas (ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 3089, Teixeira Pinto, 1971/73).


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17680: "Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra", brochura de 2002, da autoria do nosso camarada Gabriel Moura do Pel Mort 19 (15): Págs. 113 a 120

Guiné 61/74 - P17689: Parabéns a você (1302): Carlos Cordeiro, ex-Fur Mil Inf do Centro de Instrução de Comandos (Angola, 1969/71) e José Luís Vacas de Carvalho, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2206 (Guiné, 1969/71)


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Nota do editor

Último poste da série de > Guiné 61/74 - P17687: Parabéns a você (1301): Vasco Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6 (Guiné, 1072/73)

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17688: Notas de leitura (990): “Cartas do Mato, Correspondência Pacífica de Guerra”, por Daniel Gouveia, Âncora Editora, 2015 (3) (Mário Beja Santos)

"Cartas do Mato, Correspondência Pacífica de Guerra”
Autor: Daniel Gouveia - Âncora Editora, 2015


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Agosto de 2017:

Queridos amigos,
Daniel Gouveia foi vasculhar a correspondência que enviou à sua dama e deu-lhe forma de uma soberba viagem humana, em pontos do Norte de Angola. Não enfatiza os tiroteios das emboscadas, o pavor dos fornilhos, as provações de imensas patrulhas, por todo aquele território imenso. Dá-nos a revelação, sem uma ponta de jactância, de que esteve ali a aprender e a cuidar em consonância com as suas possibilidades.
Em vez do tumulto ou da crispação, a sua narrativa é bonacheirona, todo o seu olhar é amplo por onde aquela terra o permite, pode sufragar as pitadas teóricas que levava de etnologia e etnografia.
Este livro é um testemunho de crescimento, onde não faltam fotografias prodigiosas, imagens que vão ao encontro do texto, são o rosto de todo esse processo de aprendizagem que constituiu um privilégio para muitos combatentes, o saber de experiência feito.

Um abraço do
Mário


Cartas do mato, por Daniel Gouveia (3)

Beja Santos

De Daniel Gouveia já aqui se saudou o seu notável “Arcanjos e Bons Demónios – Crónicas da Guerra de África 1961-75”, DG Edições, 3.ª edição, 2011. Em abono dessa sua preciosa narrativa, vamos continuar a dar atenção a “Cartas do Mato, Correspondência Pacífica de Guerra”, Âncora Editora, 2015.

O que distingue este escritor dos seus pares, é o permanente estado de espírito, o sentido da observação, a vontade de aprender, a capacidade de se deslumbrar, de com pouco fazer muito, estar atento aos problemas da sua gente e das populações. Já está em Quiximba desde Julho de 1968, em Maio do ano seguinte inicia-se a Operação Robusta, que deslocará quatro mil homens e mulheres, sustentáculo de numerosos grupos do MPLA. Vamos ficar a dever a este escritor magníficos parágrafos, é grande a expectativa que reina no povoado, desabafa na carta para a sua dama:
“Para mim a coisa terá ainda mais interesse: desiludido pelo contacto com populações que os padres, os chefes de posto, o transístor e a tropa se encarregaram de deteriorar, do ponto de vista etnográfico, vou voltar a ter matéria de estudo. Sabendo como as populações africanas são ligadas à terra onde nasceram, sabendo como em tantos pontos se fracionam e individualizam de região para região, vai-se assistir ao transplante de um grupo étnico para uma região que não é sua, onde não tem, onde a língua é diferente, como diferentes são a paisagem, o clima, os recursos. Acrescentam-se problemas políticos. Essas famílias vêm com uma acusação às costas. Serão controladas militarmente, num regime de semi-internamento, de prisão sem grades”.

Aquilo que ele chama deportação em massa acontece dias depois. “O que a administração civil tinha preparado para os receber revelou-se insuficiente. A maior parte não coube nos abrigos rudimentares de capim. Ficaram no chão, ao relento, e de manhã as camisas dos que nem uma manta tinham podido trazer colavam-se-lhes ao corpo, completamente encharcadas do cacimbo”. Começa a adaptação, quem chega vai preparando a comida, recebeu panelas, pratos, talheres, púcaros, enxadas e duas catanas. Vai nascer vida: “As famílias ocupam os talhões que a máquina niveladora lhes dividiu e estão a construir casa própria, de pau-a-pique e capim, antes da definitiva, de adobes. Vêem-se em cada talhão uma pequena cabana de capim, um monte de imbambas (tarecos) onde não falta, às vezes, uma bicicleta ferrugenta ou uma máquina de costura, e a família propriamente dita: o pai a afiar uma catana para cortar mais paus e mais capim, a mãe a regressar do rio com uma panela de água à cabeça, um filho nas costas e outro na barriga, os miúdos de roda do pilo, a pilar mandioca no jeito caraterístico e ancestral de espetar o rabo e encurvar os rins quando o pilão vem abaixo”. Nosso alferes faz perguntas, medita nas respostas, procura perscrutar o que virá mais adiante. A sanzala vai crescendo, as operações continuam, não se vive só com a preocupação de realojar as 1140 pessoas da dita “Operação Robusta”.

O novo destino da Unidade do nosso alferes é Marimba, três casas de comerciantes brancos, a Casa da Administração, o Armazém do Algodão (empresa COTONANG), a casa do guarda do armazém (branco), o posto da Junta Autónoma das Estradas e o Quartel. A missão da tropa é estar, patrulhar, cumprimentar o soba, nosso alferes irá comandar o destacamento de Mangando, a 50 km de Marimba. Por lá irá aparecer o padre Campos, a capelanar. Não se perde a ocasião para descrever uma brejeirice, contada pelo próprio padre Campos:  
“Ouvia em confissão uma mulher. A certa altura, o filho que ela trazia às costas aparece a espreitar, por trás da cabeça dela. Encara-o com o padre, estranha-lhe o claro das feições e começa num berreiro. A mãe, sem deixar de contar os seus pecados, introduz a mão no decote, saca uma bem fornecida e avantajada mama, passa-a por debaixo do braço, mete o mamilo na boca do miúdo, que se calou depois de uns grunhidos de satisfação, continuando a confissão, imperturbável”.
A guerra de nosso alferes é agora diferente: é a guerra de informação, ambiente de fronteira, diplomacia a nível internacional, troca de salamaleques com os sobas e as rainhas nativas. É nestes termos que se pode também avaliar como se distinguiam os três teatros de operações, o que ele vai dizer era impensável na Guiné:  
“Militarmente, comando uma área correspondente a metade do Algarve, com este quartel, onde está apenas o meu pelotão, e mais outro mesmo sobre a fronteira, na margem de cá do rio Cuango, num sítio chamado Tembo Aluma. Do outro lado, uma povoação no Congo-Kinshasa, da qual podemos ver as sanzalas. Um pouco mais a Sul, vê-se o quartel da UPA de Quizamba. O quartel do Tembo é ocupado por dois pelotões de tropa indígena (GE), constituindo o Grupo Especial n.º 205. São armados por nós, mais ou menos mercenários, absolutamente fiéis na medida em que têm a cabeça a prémio do lado de lá da fronteira”.

Ainda irá a Marimba, mas Mangando marcou-o profundamente, a sua capacidade de observar e ironizar continua num ponto elevado, um exemplo:
“O ‘pretoguês’ ainda é mais atrasado que o do Tomboco ou Quiximba. Nas sanzalas ninguém fala senão mahungo ou quimbundo, e os que se abalançam a articular a língua de Camões dão completos espetáculos. Habituados a que se fale com eles na segunda pessoa, respondem do mesmo modo, tratando por tu e tudo: 
- Noss’Arfer vais descurpar, mas eu tens que ir embora. 
O alferes Alhinho, perguntando ao seu lavadeiro porque é que a roupa não estava pronta, visto tê-la entregado no dia anterior, ouviu a seguinte resposta: 
- Dormiste no Omo, noss’Arfer… 
Queria ele dizer que a roupa ficara, de um dia para o outro, mergulhada no detergente OMO”.

Ficou dito atrás que comanda GE. Dedica-lhes a seguinte observação:  
“É curiosa a sensação, quando lá vou e recebo as honras militares devidas, de que comando um bando de assassinos. Mas que hei de fazer? Meteram-mos na mão. Não os posso modificar na sua essência étnica, velha de séculos: um grupo de aguerridos mahungos, que ainda limam os dentes em bico para atemorizar o adversário, a quem o meu Governo deu instrução militar, armas e uniformes, é certo, mas mahungos de cabeça aos pés, para quem a guerra, quanto mais cruel, mais digna é. São ótimos soldados. Esforçados, obedientes, de uma resistência inaudita, qualquer deles excelente pisteiro”.
Vai dando notícias do estado dos movimentos de libertação, naquela época o vento soprava de feição para o lado português, naquela região, as autoridades congolesas estavam dispostas a impedir a presença da UPA, que não dava mostras de largar a fronteira. É impossível ler estes troços de cartas sentindo tédio ou procurar analogias com o que sobre a guerra se escreveu, o sulco que se gravará nas nossas memórias é de uma prosa bonacheirona, não há travos de azedume, calhandrice, maledicência. Nosso alferes procurou sempre tirar bom partido dos processos de aculturação, a seu favor e dos outros, tratando com dignidade até as confusões do uso atrabiliária da língua portuguesa, e assim nos despedimos saudando a obra e recomendando-a de forma incondicional:
“Ao pôr do sol, o João, lavadeiro da messe e moço de recados, pede licença para entrar no quarto dos alferes, mas fica à porta respeitoso. 
- Que é que queres? 
- Venho buscar o Pedro Marques. 
- Quem? 
- O Pedro Marques, noss’Arfer… 
- Mas não há cá ninguém com esse nome… 
- Esse Pedro Marques aí, noss’Arfer… P’ra acender… 
E apontava para o candeeiro PETROMAX que estava na mesa-de-cabeceira”.
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Nota do editor

Postes da série de:

14 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17669: Notas de leitura (988): “Cartas do Mato, Correspondência Pacífica de Guerra”, por Daniel Gouveia, Âncora Editora, 2015 (1) (Mário Beja Santos)
e
18 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17681: Notas de leitura (989): “Cartas do Mato, Correspondência Pacífica de Guerra”, por Daniel Gouveia, Âncora Editora, 2015 (2) (Mário Beja Santos)