Iemberém, 5 de março de 2010... A Cadi, com a Alicinha, que tinha nascido há mês e meio, a 17 de janeiro
Iemberém, 15 de maio de 2011... A cadi e a Alicinha
Farim do Cantanhez, novembro de 2011
São Domingos, 15 de março de 2012... Já doente, a caminho de Ziguinchor, no Senegal
Bissau, A Cadi, depois de sair do hospital de Cumura... Debilitada, doente... Aqui com a filhota.
Farim do Cantanhez, 7 de dezembro de 2012... A última foto da Cadi (*)
Fotos: © Pepito (2011/2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: L.G.]
Morreu a Cadi
Morreu a Cadi,
a mãe da Alicinha do Cantanhez...
Morreu na sua tabanca,
Farim do Cantanhez,
e vai ser enterrada no quintal do seu pai, Abdu Injai.
A notícia chegou-nos através do António Baldé,
pai da Alicinha,
com a voz embargada pela comoção...
Ele tencionava regressar à Guiné,
dentro em breve,
à sua casa em Caboxanque,
na margem esquerda do Rio Cumbijã.
E tinha um sonho,
tornar-se o maior apicultor do Cantanhez.
Ele queria reconstruir a sua vida
com a Cadi, a sua quarta esposa,
e a Alicinha, a seu lado,
mais o seu filho, rapaz,
que estuda em Portugal.
Esse sonho desfez-se
pela força do macaréu da morte.
A vida vale pouco,
e muito menos na Guiné,
mesmo para quem é crente e temente a Deus.
A Cadi apareceu nas nossas vidas,
há cerca de 5 anos,
em Iemberém, em março de 2008.
Era filha de um ex-guerrilheiro nalu, Adbu Indjai,
inválido de guerra,
que perdeu uma perna lá para os lados do Xitole.
Cadi, de seu nome.
Amorosa.
Uma ternura.
Uma jóia de miúda, a Cadi.
Tinha a graça de uma gazela
apascentando na orla da bolanha.
Era nalu.
Vivia em Farim do Cantanhez.
Filha de um velho combatente da liberdade da pátria.
Estava grávida, em março de 2008.
Soubemos depois que tivera um menino,
a que pôs o nome de Nuno, Nuninho,
por homenagem ao Nuno Rubim e à Júlia .
Vida curta, curtíssima,
a morte o levou aos 4 meses.
Vítima de paludismo
e de falta de cuidados médicos.
... Mais tarde virá a Alicinha.
Em dezembro de 2009,
o João, por um feliz acaso, encontrou-a, grávida,
na consulta médica, em Iemberém.
Não sabia que era a mesma miúda
para quem levava umas roupinhas,
um telemóvel
e algum dinheiro,
lembranças de Portugal...
-Nome do menino ou menina ?
- Si for menino, será Luís...
Si for minina, será Alice.
- Estranho, são os nomes dos meus pais... -
lá pensou o João,
para com os botões da sua bata branca...
Mês e meio depois,
a 17 de Janeiro de 2009
nascia a Alicinha,
robusta e saudável!..
Um hino à vida,
à esperança!
Bissau é um mau lugar
para uma jovem mãe e a sua menina,
uma cidade demasiado palúdica,
colérica e buliçosa
para dois seres que merecem
o direito à vida, ao amor, à felicidade.
Bissau vai matar-te, Cadi!
Depois do nascimento da Alicinha,
ficou tacitamente assumido
que a Alice de Candoz,
a Alice Carneiro,
seria a madrinha daquele pequeno ser,
e que a iria ajudar pela vida fora...
De tempos a tempos
a madrinha ia recebendo notícias,
diretamente da mãe,
ou através do Pepito.
Por sua vez, ia-lhe mandando pelo correio,
para a caixa postal da AD,
peças de vestuário,
calçado
e brinquedos,
em caixas até 2 kg,
de franquia reduzida...
Alice descobre, através do Pepito,
o pai da Alicinha, o António Baldé,
a trabalhar, ali para a zona de Cascais,
como segurança numa empresa de construção civil.
O Baldé tinha vindo para Portugal
em 2003 para aprender apicultura.
Mostrou-nos, há tempos, orgulhoso,
o seu diploma de apicultor.
Natural de Contuboel,
serviu quase 6 anos
o exército dos tugas.
Não conhece a filha,
fala com ela,
ao telefone.
A Cadi mostrava-lhe fotos do pai.
E o Baldé, de 67 anos, feliz,
mesmo desempregado,
encheu a casa de fotos
da Alicinha e da Cadi.
Seriam o seu amparo na velhice.
A tímida gazela nalu já não salta
pela orla da bolanha de Caboxanque.
Nem alegra, com a sua graciosidade,
as ruas de Iemberém,
com a Alicinha às costas.
Um manto de silêncio cobre Farim do Cantanhez
e as suas matas em redor.
Morreu a Cadi,
morreu a Cadi,
sussurra o dari.
Alfragide
Luis Graça & Alice Carneiro, 15 de fevereiro de 2013
______________
Nota do editor:
(*) Postes relacionados com a Cadi e a Alicinha do Cantanhez
3 de setembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3167: Ser solidário (19): Morreu o Nuninho, da Cadi. De paludismo. De abandono (Luís Graça)
(...) Falando nas visitas ….. a Cadi, mãe da Alicinha, afilhada da Alice Carneiro, veio visitar-me. É tão bonita e elegante a Cadi! Como aliás muitas das mulheres guineenses. E que bem que se vestem, muitas vezes até quando andam a trabalhar mas sobretudo quando saem da sua tabaca e em dias de festa.
A Cadi já fala razoavelmente português. O seu marido [, António Baldé, fula de Contuboel, com casa em Caboxanque, futuro apicultor,] está em Lisboa e há 2 anos que não vem cá. Ela mora em Farim de Cantanhez, uma tabanca que fica aqui a uns 10 km. É uma pena ela não viver em Iemberém, poderia ajudá-la a preparar-se para ir para Portugal ter com o seu marido. Mas o mais preocupante é que ela anda doente. Diz-me que sente calor na barriga, diz-me que é do estômago, que tem a tensão baixa mas …. não vomita, quis comer pão com queijo. Depois ouvi-a tossir e fiquei a pensar se não será algum problema pulmonar. Ela veio hoje a Iemberém, a pé, para tentar arranjar transporte para ir a Bissau ao médico. (...)
6 de fevereiro de 2013 >
Guiné 63/74 - P11064: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (5): Em Catesse, com o Pepito... Pela primeira vez tive medo!...Medo de não conseguir corresponder ao tanto que a população espera de todos nós!
(...) Voltemos ainda à minha chegada a Iemberém. Como referi, contávamos almoçar aqui mas houve uma mudança de planos. Depois de despejar a minha bagagem na casa que me foi atribuída, seguimos em direcção a Catesse. Passámos em Farim de Cantanhez, tabanca onde vive a Alicinha , que fazia exatamente 2 anos nesse dia. Lá deixei os presentes que a sua madrinha [, a Alice Carneiro, ] tinha enviado e cantei-lhe os parabéns. É linda a pequena Alice, aliás como muitas das mulheres daqui. E vaidosas. É um gosto vê-las arranjadas. (...)
(**) Último poste da série > 10 de fevereiro de 2013 >
Guiné 63/74 - P11085: In Memoriam (137): Maria Henriqueta Esteves Afonso (Valença, 1922 - Leça da Palmeira, Matosinhos, 2013), mãe do nosso querido co-editor Carlos Vinhal... Corpo em câmara ardente na Capela do Corpo Santo, funeral amanhã às 15h para o cemitério nº 1 de Leça da Palmeira