Foto nº 1
Foto nº 2
Foto nº 3
Foto nº 4
Austrália > Sidney
Fotos e legendas: © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Parte XVIII (Segundo volume, pp. 27-32)
1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias", do nosso camarada António Graça de Abreu, escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências.
É casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.
Sinopse (*):
(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016;
(ii) três semanas depois o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);
(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017). No dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano. Navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;
(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;
(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;
(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016:
(vii) visita à Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016)
Sidney, Austrália
We got into Port Jackson( Sidney) early in the afternoon and had the satisfaction of finding
the finest harbour in the world.
Capitão Arthur Philip, em 1788
Três dias em Sidney mas poderiam e deveriam ter sido três meses. Estou num dos mais prodigiosos conglomerados urbanos do globo.
O navio chega a horas improváveis, 11,45 de uma noite de Primavera australiana, límpida e fria. Faz quilómetros e quilómetros por dentro da sinuosa baía, aproxima-se da Opera House, da Harbour Bridge e vai acostar exactamente entre este dois ex-libris de Sidney [Fotos nºs 1 e 2].
A Ópera está iluminada por um azul tenro, meio intenso, meio suave que sobressai entre ténues vapores da noite. A ponte, concluída em 1932, com quatro pilares e o arco duplo de meia volta, mostrase em tons de cinza clara e os pilares num amarelo forte. Subo ao 11º andar do Costa e faço as que serão as minhas melhores fotografias da estadia em Sidney, slides onde o real do lugar e o envolvente fantasmagórico nocturno se interpenetram.
De manhã, começo o reconhecimento da cidade no alto de um autocarro de dois pisos, Hop On, Hop Off. Subir pela Elisabeth Street até ao Hyde Park cá do sítio, avançar para King’s Road, leio que cheia de vida nocturna -- cem mil histórias, infindáveis etecetras do passado relacionados com drogas e sexo --, dar uma vista de olhos pelos cais onde estacionam as novas naus da marinha australiana, subir outra vez em direcção à Estação Central, passar ao lado da Chinatown, descer para Darling Harbour e seguir para The Rocks, completando o itinerário. Em vez de sair, continuo viagem no autocarro para uma segunda volta pelo burgo. Os mesmos lugares, agora com a noção correcta de onde descer e subir.
Saio em Darling Harbour, frente ao Museu Marítimo. Tenho diante dos olhos uma réplica da nau Endeavour [Foto nº 3], comandada pelo capitão James Cook (1728-1779), o homem que, com este barco, aportou à Nova Zelândia e às terras austrais e é tradicionalmente considerado como o descobridor da costa sudeste da Austrália. No entanto, este vasto continente já teria sido conhecido pelos portugueses, logo no início do século XVI, quando Cristóvão de Mendonça e os seus homens navegaram desde Java até ao norte da Austrália, com chegada em 1522.
A seguir ao Museu Marítimo, a ponte Pyrmont, reservada a peões, atravessa a pequena baía e por aí encaminho os meus passos. Tudo apetecível, colorido, edifícios recentes debruçados sobre as águas, apartamentos de luxo, o museu das figuras de cera da Madame Toussaud, um aquário, outro pequeno museu da Vida Selvagem, e cafés, restaurantes, lojas caras. Até há um gigantesco casino, The Star, também hotel, com apartamentos e mais espaços comerciais. Quanto dinheiro circula todos os dias por esta Sidney?
Avanço por Market Street e subo para o centro da cidade. A Sidney Tower [Foto nº 4], com os outros arranha-céus em redor, ascende elegante aos 268 metros. Em baixo, os edifícios vitorianos de finais do século XIX, com fachadas trabalhadas e os halls de entrada decorados com madeiras e estuques, à moda antiga. Adiante, shoppings e malls do melhor por onde entrei em já tantos anos de vida, lojas de luxo, Dior, Louis Vuitton, Chanel, Versace, etc., e as mais plebeias Zara e H&M. Depois a Town Hall, a câmara municipal, de 1889, com 57 metros de altura, na época o edifício mais alto da Austrália.
Desço para Pittstreet e após voltas e mais voltas pelo centro de Sidney, de ter comprado umas calças em saldo, de excelente qualidade – mas made in China, como descobriria na etiqueta, mais tarde --, foram mais de dois quilómetros a pé até ao Costa, ancorado junto a The Rocks, o primeiro porto de Sidney junto ao qual a cidade nasceu e cresceu. No caminho, encontro uma cervejaria apinhada de gente onde se comemora a Oktober Fest com uma pequena banda de jovens alemães – provavelmente nascidos na Austrália --, tocando concertina, trompa e trompete, música da Baviera para alegrar gente da terra e turistas. Há dezenas de chineses debicando salsichas e outros petiscos germânicos, encharcando-se em canecas de litro, esvaziando a cerveja ao ritmo da música, imaginando-se em plena Munique. Para não destoar em tão singular paisagem humana, e porque também tenho sede, sento-me e peço meia caneca de cerveja alemã, seguramente made in Sidney.
Regresso derreado ao navio.
A manhã do segundo dia começa com visita à Ópera de Sidney.
Espantoso edifício com espantosa história. Pensado nos anos cinquenta do século passado, o desenho acabou por ser da autoria do arquitecto dinamarquês Jorn Utzon. Iniciada a construção em 1959, foram tantas as dificuldades e os custos, sempre a disparar, que o homem da Dinamarca, em 1966, deixou subrepticiamente o acompanhamento da obra e abandonou a Austrália. A Opera House teve honras de ser inaugurada em 1973 pela rainha Isabel II, de Inglaterra.
Tem duas grandes salas de concertos e quatro espaços mais pequenos onde acontecem 2.500 eventos culturais por ano. No Concert Hall, a sala maior, temos agora, em Outubro e Novembro 2016, a integral das nove sinfonias de Beethoven e no outro auditório é a My Fair Lady que enche o palco, sob a direcção de uma grande senhora chamada Julie Andrews, a Maria da “Música no Coração.”
Os edifícios, Património Mundial pela Unesco desde 2007, são soberbos. Uma série de estruturas em forma de velas brancas, ou talvez conchas, levantadas para o céu encaixam na base da construção, num todo harmonioso e único. Se soprar o vento, parece que a ópera pode levantar voo, rumo ao infinito. Mas há pessoas convencidas de que os telhados fantásticos não são velas de navio, nem conchas mas pedaços recortados de bolas de rugby, ou gomos de melão. Gente divertida e maldizente de Sidney descobriu que afinal as coberturas da Ópera correspondem a carapaças de tartarugas, com os simpáticos animais, ao alto, encaixados uns nos outros numa desenfreada orgia sexual. Também pode ser.
Por dentro, os auditórios deixam a boca, os olhos, os entendimentos escancarados de espanto. O Concert Hall está todo forrado a madeiras nobres com diferentes tons de creme e castanho a imperar. Os 2.700 lugares têm estofos de veludo vermelho-escuros. Portentosa harmonia com o todo circundante. O palco, rigorosamente afundado no centro da sala, já abaixo das águas exteriores da baía, promete cem mil maravilhas.
A Ópera de Sidney, criada pela genialidade dos homens, inserida nas margens majestosas de uma cidade única, reverenciará os deuses do céu. Os mesmos deuses que, em dia de descanso, se entretiveram, há cem mil séculos, a abrir uma enseada a quinze quilómetros de distância, e a lá colocar Bondi Beach, a mais famosa de todas as praias da Austrália.
Foto nº 5
De tarde, artilhado com fato de banho, protector solar e o meu chapéu todo o terreno, com alguns dólares no bolso, aí estou em Bondi Beach para uma tarde de intimidades pessoais com a areia e as ondas [Foto nº 5]. Estamos no fim da Primavera, com um calorzinho de 23 graus, a água do mar ainda fria mas não tão gelada como nos nossos verões atlânticos de Espinho, Nazaré ou Cascais.
Deu para uns saborosos mergulhos entre a rapaziada que surfava entusiasmada as pequenas ondas. Bondi Beach tem cerca de dois quilómetros de extensão distendidos por uma baía quase fechada, em forma de meia lua. Belo lugar e bonitas as pessoas na praia. À distância até deu para observar baleias, ao vivo e a cores. Caminhei até ao fim do lado esquerdo de Bondi Beach, subi a uma plataforma rochosa chamada Ben Buckler e, do miradouro, a menos de um quilómetro de distância, três baleias, aí de dois em dois minutos, subiam à superfície das águas para respirar, lançavam ondas de vapor e espuma no ar e voltavam a mergulhar.Tubarões é que não vi e, para meu sossego, dizem-me que os dos mares de Sidney são vegetarianos.
Regressei à cidade de autocarro, pelo alto, circundando as baías de Rose Bay e Double Bay, entre milhares de vivendas ajardinadas sossegadamente distribuídas pelo sobe e desce de ruas e avenidas, por espaços alindados que oscilam até o mar. Tanta gente rica com moradas e habitações de excelência na cidade de Sidney!
Foto nº 6
Foto nº 7
Fotos e legendas: © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Ao terceiro dia, foi tempo de partir ao encontro das Montanhas Azuis, cento e dez quilómetros a noroeste de Sidney [Foto nº 6]. Boa auto-estrada sem portagens –- o que creio acontece em toda a Austrália --, e paragem a meio do caminho, após 45 minutos de viagem para visitar uma espécie de mini-zoo apenas com animais originários da terra austral.
Logo à entrada, uma solícita empregada do parque deposita uma cobra simpática e inofensiva nas mãos da Haiyuan. O réptil sobe-lhe pelos braços e enfia a cabeça no saco que a minha mulher leva suspenso no ombro direito e onde rescende um apetitoso pacote de bolachas. A Haiyuan quase desmaia de susto mas, num ápice, a tratadora dos répteis resolve a questão, pegando na cobra, aconchegando-a em si. ]Foto à esquerda]
Depois da emoção, foi andar pelo meio dos cangurus, emus, koalas dorminhocos, aves esquisitas, até pinguins anões. A propósito, dizem-me que os ingleses, quando chegaram à Austrália, deram de caras com milhares de cangurus à solta por toda a parte e perguntaram, aos primeiros aborígenes que encontraram, qual era o nome de tão estranho animal, que jamais olhos britânicos haviam lobrigado. Os aborígenes, que logicamente não falavam inglês, responderam “kangooroo, kangooroo” o que significa num dos muitos dialectos dos autóctones desta terra “não percebemos, não percebemos nada!” Logo os ingleses, devidamente esclarecidos, passaram a chamar “cangurus” aos estranhos masurpiais.
As Montanhas Azuis, Património Mundial pela Unesco desde 2000, têm apenas 1.100 metros no cume mais elevado, mas a grandiosidade, a cor dos montes e vales que se estendem por um milhão de hectares, ao longo de cem quilómetros, surpreende, extasia, ilumina o viajante. O azulado que cobre os horizontes tem origem na bruma provocada por centenas de milhões de gotículas de óleo libertadas pela respiração das folhas dos eucaliptos gigantes agrupados em enormes florestas que sobem e descem as montanhas. [Foto nº 7]
Leura e Katoomba, duas pequenas vilas encaixadas no trepar da estrada, são poiso de artistas, poetas, amantes da natureza radicados por estes montes, longe da azáfama das grandes cidades, para aqui enxaguar os pulmões, e a alma, de ar puro. Quase todas as casas têm jardins em volta com flores exóticas, agora em tempo de Primavera.
Avanço para o Echo Point, uma plataforma em pedra debruçada sobre o aparentemente infindável vale de Jamison, coberto de bruma rigorosamente azul. Vista de estarrecer! Ao lado, três rochas quebradas pela erosão dos séculos são conhecidas como as Três Irmãs. Uma escadaria com 861 grandes degraus conduz ao fundo do vale. Não desço. Subo para um teleférico que cruza um desfiladeiro a quase trezentos metros do solo. Do outro lado, tomo outro teleférico que desce mais 545 metros até às profundezas do vale. Uma caminhada de quase dois quilómetros no sopé da montanha, que inclui passagem por uma mina de carvão de pedra há muito desactivada, leva-me à mais original estação de comboio que vi em toda a minha vida. Os rails sobem com uma inclinação de 52 graus. Estou na via férrea mais empinada do mundo. A subida é vertiginosa, um chiar e chocalhar constante das pequenas carruagens, numa espécie de mergulho mas ao contrário, em vez de descer, subo a pique por dentro de um túnel rasgado na rocha, saio entre vegetação luxuriante ao lado de uma cascata como que suspensa no ar. Os passageiros debruçados, encavalitados nos assentos do mini-comboio, acabaram de viajar, com todo o rigor, com o coração ao pé da boca.
À saída, lá em cima, da minha parte, nenhuma tensão. Apenas outra vez o sossego, o olhar perdido na névoa das fantásticas Montanhas Azuis.
________________