quarta-feira, 25 de maio de 2005

Guiné 63/74 - P24: O ataque ao destacamento de Banjara (1968) (1) (Marques Lopes)

Texto enviado por A. Marques Lopes, Coronel (DFA) na situação de reforma.

1. Os que já me conhecem neste grupo, sabem que o meu endereço anterior era banjara@netcabo.pt (o tal que tive de mudar).

Vou-vos falar sobre Banjara. Não havia população civil e estava cercado por mata. Estava só um pelotão, 30 efectivos. A um quilómetro havia uma fonte onde, alternadamente, os nossos e o PAIGC se iam fornecer de água. Às vezes, encontravam-se… Mas havia uma fuga concertada dos dois lados, sem tiroteio. Ficava a 45 kms da sede da companhia (a CART 1690, em Geba).

Como podem ver pelo mapa [do sector de]Geba que já vos enviei, tinha do lado esquerdo a base de Samba Culo do PAIGC e do lado direito a base de Sinchã Jobel. Os abastecimentos eram feitos por terra, com grandes dificuldades. Às vezes demoravam muito tempo, pelo que era necessário recorrer aos "produtos" da natureza, isto é, apanhar algum bicho para comer (javalis, pássaros, macacos e, até, cobras). Neste ataque de que vos dou o relatório, tentaram fazer o mesmo que em Cantacunda, mas sem sucesso.


2. Ataque a Banjara:

24 de Julho de 1968.

"Desenrolar da acção: No passado dia 24, pelas 18H00, o destacamento de Banjara foi atacado por numeroso grupo IN, estimado em cerca de 80 elementos (Bigrupo reforçado) com o seguinte armamento:

-Morteiro 82

-Morteiro 60

-Bazooka

-Lança-Rocketes

-Metralhadoras pesadas

-Armas ligeiras


"O ataque terminou às 19H15. Verificou-se que, durante o ataque, as NT sofreram 1 morto e 2 feridos, tendo sido atingido por uma granada de morteiro a caserna e por uma granada do lança-rocketes o depósito de géneros.

"O ataque foi efectuado no sentido Norte-Sul tendo o IN instalado alguns elementos do lado Sul. Verificou-se que mal o IN abriu fogo com os morteiros 82 e 60, alguns elementos correram imediatamente para a rede de arame farpado, cortando o arame nalguns sítios, procurando penetrar no aquartelamento. No entanto, devido à pronta reacção das NT, não o conseguiram, tendo sido obrigados a retirar, após o que continuaram a flagelar o aquartelamento sem, contudo, causarem mais baixas às NT.

"Diversos: A hora a que o ataque se realizou quase que coincidiu com a hora da terceira refeição. Verificou-se que a maioria dos soldados se encontravam a tomar banho, pois tinham acabado de jogar uma partida de futebol.

"O impacto inicial do ataque foi sustido principalmente pelo soldado Manuel da Costa que, mal se iniciou o ataque, correu para a metralhadora pesada Breda e, sem ser apontador da mesma, pô-la imediatamente [em acção] e manteve-se sempre nesse posto, e pelo soldado José Manuel Moreira da Sila Marques que, sozinho, em virtude dos outros dois camaradas que constituíam a esquadra do morteiro 81, terem sido feridos, funcionou com o mesmo, tendo a presença de espírito para, a certa altura, e após ter verificado que algumas das granadas estavam sujas de terra, despir os calções para limpar as mesmas e poder assim continuar a bater o IN com um fogo bastante certeiro.

"A coluna de socorro, constituída por 1 PEL REC do EREC [Esquadrão de Reconhecimento]2350, 1 GR COMB da CART 1690 e pelo PEL CAÇ NAT 64, saiu de Saré Banda às 07H30 do dia 25 (e tal deveu-se a ter sido necessário recolher as forças que executavam a Operação Iluminado) e atingiu Banjara às 15H00, pois foi necessário picar toda a estrada até ao destacamento de Banjara.

"Quando a coluna lá chegou ordenei que um GR COMB batesse toda a região, tendo o mesmo detectado várias manchas de sangue e pedaços de camuflado IN, e munições de armas ligeiras.

"Devido às baixas, deixei uma secção a reforçar o destacamento de Banjara, tendo em seguida regressado a Geba.

"Resultados obtidos:

"Baixas sofridas pelo IN: dois mortos confirmados; várias baixas prováveis; material capturado: munições de armas ligeiras e uma granada de morteiro 82".

Nota de L.G.
- As fotos sobre Banjara estão (ou vão estar muito em breve) disponíveis na página Subsídios para a História da Guerra Colonial > Guiné (3) > Ontros Sectores da Zona Leste

sábado, 21 de maio de 2005

Guiné 63/74 - P23: Os anjos da morte (Luís Graça)

Excertos do diário de um tuga:

Bambadinca, 20 de Agosto de 1969:


Nisto os páras são bons. Têm de ser bons. Tiram efeito do factor surpresa. Do terror que vem dos ares. Como os anjos do céu das visões místicas de Santa Teresinha, empunhando espadas de fogo, eles caem fulminantes sobre o objectivo e em poucos minutos desbaratam o IN ou obrigam-no a uma retirada desastrosa. Os seus contactos com tudo o que mexe no chão são breves mas mortais. Vejo nos meus camaradas, milicianos, uma secreta, inconfessável, admiração por esta elite da tropa.

A nós, tropa-macaca, puseram-nos no anfiteatro, em semicírculo, nas proximidades da bolanha do Rio Biesse. Eles são os actores, nós os espectadores. Quando muito somos simples figurantes. É uma peça de teatro com três actos. Acto final: um heliassalto, a presa, os roncos... Eles são chitas, especialistas nos 100 metros. Nós, somos chacais, verdadeiros corredores de fundo. Eu cheiro a merda que tresando, aqui postado na orla da mata.

Há um mês que andamos pela região de Camará [ a nordeste de Mansambo, no regulado de Badora, no limite do Sector L1] em patrulhamentos ofensivos. De dia e de noite, ao calor e à chuva, como uma matilha de cães a reconhecer o terreno, a bater a coutada, a farejar a caça, para depois virem os anjos do céu, em formação, em voso raso sobre os palmares, cair sobre as pobres presas encurraladas.

A primeira vaga é lançada a oeste da bolanha, penetrando os paras logo de imediato na espessa mata que se estende para sul e onde há dias tínhamos localizado um acampamento. Eles vêm de Bafatá, de helicóptero. Impecáveis no seu fato camuflado de arcanjos da morte. Frescos, perfumados.

Devido ao mau tempo, os T-6 não puderam bombardear previamente a zona. De qualquer modo, o helicanhão, aterrador como um dragão alado, lança o pânico entre os guerrilheiros, pondo-os em debanbandada, enquanto na estrada as forças de Mansanbo fecham o cerco, cortando uma possível retirada para Biro, do outro lado da estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole.

Cinco minutos depois é capturado um guerrilheiro armado de RPG-2. Do interrogatório sumário, os paras arrancam-lhe poucas informações. Diz apenas chamar-se Malan Mané, pertencer a um bigrupo (reforçado, ou sejam, oitenta homens), comandado por Mamadu Indjai e disperso em pequenos grupos pela mata. Pelo apelido, Mané, parece-me ser mandinga. Ficará aqui preso em Bambadinca, depois de esprimido pelos paras e pelos pides.

Sucedem-se mais duas vagas de helicópteros e os paras passam então a percorrer a mata no sentido norte-sul. Ouvem-se tiros de rajada, para além do matraquear do helicanhão: são feitos dois mortos e capturadas três armas automáticas. Fraco resultado, fraco ronco, para tanto aparato bélico. Afinal, trata-se de uma operação a nível de agrupamento, envolvendo o sector L1 (Bambadinca) e o COP 7 (Bafatá).E, no mínimo,o combate não é leal: há um guerrilheiro para cinco combatentes nossos...

Quanto a acampamentos ou arrecadações de material, nada de importante é detectado. Passado o efeito de surpresa, os guerrilheiros, dispersos em pequenos grupos, conseguem fugir da zona do heliassalto, e retiram-se muito provavelmente na direcção do Biro.

O pano cai sobre o palco: a tropa especial regressa a Bafatá, a tropa-macaca segue para Bambadinca e Mansambo.

PS - Soube-se mais tarde que Mamadu Indjai, o mítico comandante do Sector 2 no meu tempo, foi ferido com gravidade em trocas de tiros com as forças de Mansambo e evacuado. Fiquei com uma secreta admiração por este homem que nunca chegarei a conhecer. Nem sei se hoje está vivo ou morto, depois das lutas fraticidas que ocorreram no seio do PAIGC antes e depois da independência. Lisboa, 21.05.2005.

sexta-feira, 20 de maio de 2005

Guiné 63/74 - P22: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho (Luís Graça)

1. Desde Novembro de 1968 que o itinerário Mansambo-Xitole estava interdito. Nessa altura, uma coluna logística do BCAÇ 2852, no regresso a Bambadinca, sofrera duas emboscadas (uma das quais, a primeira, com mina comandada), a cerca de 2km da Ponte dos Fulas, na zona de acção da unidade de quadrícula aquartelada no Xitole (CART 2413). A coluna prosseguiu com apoio aéreo.

Nove meses depois, fez-se a abertura desse itinerário, mais exactamente a 4 de Agosto de 1969. Na Op Belo Dia, participou o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Destacamento A.

Nessa operação, não foram encontradas minas nem abatizes mas o IN emboscou 1 Gr Com do Dest B, constituído por forças da CART 2413 do Xitole, na Ponte dos Fulas, quando as NT estavam a reabastecer-se de água.

O mês de Agosto de 1969 foi de actividade operacional intensa no regulado do Corubal, onde o IN se tinha instalado, dispondo de uma cadeia de acampamentos temporários que lhe dava ligação às suas bases mais recuadas, junto ao Rio Corubal, a oeste portanto da estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole.

Nesse mês, as tabancas em autodefesa de Afiá, Candamã e Camará, e as NT (CCAÇ 12 e CART 2339) tinham sido atacadas ou flageladas. Por exemplo, a 15 de Agosto, Camará tinha sido duramente atacada por um grupo IN, com armas automáticas, morteiro 82 e metralhadora pesada 12.7,, sofrendo a população (fula) três mortos e nove feridos.

A actividade operacional no mês de Agosto culminaria com a Op Nada Consta, em que intervieram forças paraquedistas, que fizeram um heli-assalto a um acampamento IN previamente identificado, na região de Camará, enquanto as restantes forças das NT (CCAÇ 12, PEL CAÇ 53 e CART 2339) faziam manobras de emboscada, cerco e eventual perseguição, nas proximidades da bolanha do Rio Biesse.

Tratou-se de uma operação conjunta do Sector L1 (Bambadinca) e do COP 7 (Zona Leste, Bafatá). Na primeira vaga de assalto, os paras fizeram um prisioneiro, armado de RGP-2, de seu nome Malan Mané. Através dele soube-se que no local havia 80 homens, comandados por Mamadu Indjai, dispersos em pequenos grupos pela mata. Nessa operação, o IN sofreu ainda dois mortos e vários feridos graves, entre os quais o seu comandante (soube-se mais tarde), vítima de emboscada pelas forças da CART 2339, montada no itinerário Mansambo-Xitole.

O IN retirou na direcção de Biro.Os paras foram a este acampamento no dia seguinte, capturando mais material.

2. A 30 de Agosto, os 1º, 3º e 4º Gr Comb da CCAÇ 12 fizeram um patrulhamento ofensivo na região do Rio Biesse, passando por Demba Ioba, Sambel Bere e Sinchã Mamadi, até à estrada de Mansambo. Ao longo trajecto, e utilizando o prisioneiro como guia, percorreram nada mais do que seis acampamentos do IN, recém-abandonados, ao longo de um trilho principal que conduzia à região de Biro.

No primeiro acampamento, encontrou-se o cadáver de um chefe IN, identificado pelo guia e prisioneiro, e que teria morrido em consequência de ferimentos recebidos em combate, durante a Op Nada Consta, a 18 de Agosto. Em escassos dias, em menos de duas semanas, as formigas carnívoras e os abutres tinham-no reduzido a um esqueleto desconjuntado. Vestia uma espécie de dólmen impermeável, ainda em bom estado, assim como as botas. Num outro acampamento a seguir, foi encontrado um maço de cartas escritas em árabe (Mamadu Indjai era mandinga e muçulmano), com a planta do aquartelamento de Mansambo, as posições da artilharia, a localização dos abrigos-casernas e dos espaldões de morteiro.

3. Para dar uma ideia do carácter quase pioneiro das primeiras colunas que a CCAÇ 12 efectuou na estrada Mansambo-Xitole, com viaturas exclusivamente militares e num itinerário em muitos troços intransitável, esburacado pelas minas e pela erosão das chuvas, invadido pelo capim e pelos arbustos, em que se tornava necessário fazer a picagem de mais de 3O Km, e sempre com o fantasma do IN a acompanhar as NT, vale a pena transcrever aqui um trecho do relatório da Op Belo Dia III, em que participaram o 2º e o 4º Gr Comb da CCAÇ 12, juntamente com forças da CART 2339 (Mansambo), formando o Dest A (A distância de Bambadinca, a Mansambo, Ponte dos Fulas, XItole e Saltinho era, respectivamente, 18, 33, 35 e 55 quilómetros, segundo informação do Humberto Reis, que dispõe dos 73 mapas cartográficos da Guiné-Bissau à escala de 1/50000):

"A coluna de reabastecimento atingiu Mansambo, proveniente de Bambadinca, às 17.30h do dia 7 de Novembro de 1969, tendo 1 Gr Comb da CART 2339 patrulhado e picado o itinerário até ao limite N da sua ZA [Na prática, percorreu a distância de 18 km., entre Bambadinca e Mansambo à velocidade de 1 quilómetro e meio por hora].

"O Dest A [CART 2339 e CCAÇ 12] partiu de Mansambo às 5.00h do dia seguinte para cumprimento da sua missão [ou seja, prosseguir com a coluna até ao Xitole]. A escassas dezenas de metros a sul da ponte do Rio Bissari foram detectadas e levantadas 2 minas A/P [antipessoal], tendo-se verificado pela sua análise que se encontravam montadas há muito tempo (fazendo parte provavelmente do campo de minas implantadas pelo IN e detectadas no decurso da Op Nada Consta).

"Entretanto fora tentada por várias vezes a montagem de guardas de flanco, sem contudo se ter conseguido devido à densa arborização do terreno, o mesmo se verificando a partir do Rio Bissari por a natureza do terreno, bolanha com muita altura de água, capim bastante alto com densas manchas de lianas entrançadas, impossibilitar a progressão.

"Num troço de 3 Km, compreendido entre 1 Km após a ponte do Rio Bissari e 1 Km antes da ponte do Rio Jagarajá, a coluna ia sofrendo atascamentos sucessivos conjugados com avarias [mecânicas]que impossibilitavam uma progressão normal.

"Entretanto verificou-se o atascamento da 7ª viatura que ficou completamente enterrada no lodaçal do itinerário, e de mais algumas viaturas que se Ihe seguiam e que foi impossível desatascar.

"Foi decidido então fraccionar o Destacamento A [CART 2339 e CCAÇ 12] deixando 2 Gr Comb no local a tentar desatascar as viaturas e mandar prosseguir o resto da coluna até ao encontro do Dest B [CART 2413, Xitole], o que se verificou pelas 15.30h.

"Feito o transbordo, foi decidido pelo PCV [posto de comando aéreo] que o Dest B regrasse ao Xitole, vindo no dia seguinte transportar a restante carga. Entretanto deixaria um Gr Com (-) a reforçar o Dest A que pernoitou junto das viaturas, montando segurança próxima à estrada.

"Às 5 da manhã do dia 9 [dois dias depois do início da operação], iniciou-se o transbordo da carga para as viaturas que estavam à frente da viatura imobilizada e que entretanto fora desatascada, embora continuasse avariada. Pelas 8h, contactou-se com o Dest B que entretanto se aproximara, fez-se o transbordo da carga, reorganizou-se a coluna e empreendeu-se o regresso a Mansambo que foi atingido pelas 11.45, não sem ter havido mais alguns atascamentos".


4. A próxima coluna logística realizar-se-ia a 30 de Novembro de 1969, segundo um novo conceito de execução (Op Alabarda Comprida). Foram constituídos 3 Destacamentos:

(i) Ao Dest A (2 Gr Comb da CCAC 12) coube a missão de escoltar a coluna até ao Xitole, formando três fracções (na testa, no meio e na rectaguarda) e reagindo pelo fogo e pela manobra a toda e qualquer acção IN;

(ii) Os Dest B e C (6 Gr Comb, das CART 2339 e 2413) constituíam uma força de segurança descontínua ao longo do itinerário Bambadinca-Mansambo-Xitole (cerca de 35 km), patrulhando e montando emboscadas nos locais de mais provável utilização pelo IN para uma eventual acção contra as NT.

A coluna decorreu normalmente, tendo chegado ao Xitole por volta das 11h da manhã e regressado nesse mesmo dia, contrariamente ao que se estava previsto (e se temia), uma vez que o estado do itinerário era péssimo. Pelo Dest C (CART 2413, Xitole) foram detectados vestígios recentes dum grupo IN, estimado em 20/50 elementos, que teria vindo do Galo Corubal em acção de reconhecimento.

A actividade operacional da CCAÇ 12, durante o mês de Outubro de 1969, caracterizar-se, de resto, pela ausência de contacto directo com o IN que não deixou, no entanto de manifestar-se, apesar de particularmente afectado pela destruição de três acampamentos importantes - Camará e Biro (Op Nada Consta, a 18 e 19 Agosto); e Poindon (Op Pato Rufia, 27 de Setembro) -, captura de material, baixas humanas e evacuação do comandante do Sector 2 (Mamadu Indjai, um dos míticos comandantes da guerrilha do PAIGC que já em 26 de Fevereiro de 1969 se destacara pelo ataque a duas lanchas da marinha no Rio Buba).

No referido mês de Outubro de 1969, o IN flagelou num só dia o destacamento de milícias de Taibatá (pelas 9.30 h.), o Xime (às 14h.) e Mansambo (16h.), estes útimos duas unidades da NT em quadrícula (CART 2520 e 2339, respectivamente).

A 14 de Novembro, a CCAÇ 12 efectuaria a última coluna logística para Xitole/Saltinho, integrada numa operação. Após o regresso, os Gr Com das unidades em quadrícula na área, empenhados na segurança da estrada Mansambo-Xitole, executariam um patrulhamento ofensivo entre os Rios Timinco e Buba, não tendo sido detectados quaisquer vestígios IN (Op Corça Encarnada).

A partir de então, estas colunas de reabastecimento das NT em unidades de quadrícula, aquarteladas em Mansambo, Xitole e Saltinho, tomariam um carácter de quase rotina, passando a realizar-se periodicamente (duas vezes por mês, em média), e com viaturas civis, escoltadas por forças da CCAÇ 12. A segurança ao longo do itinerário continuava, no entanto, a movimentar seis Gr Comb das unidades em quadrícula de Mansambo, Xitole e Saltinho. Na prática, isto significava que o abastecimento das NT nestas tês unidades implicava a mobilização de forças equivalentes a um batalhão (3 companhias).

O Saltinho, embora passasse a depender operacionalmente do Sector L5 (Galomaro), a partir da data em que as NT evacuaram Quirafo, continuava no entanto ligada ao Sector L1 para efeitos logísticos, uma vez que a estrada Galomaro-Saltinho se mantinha parcialmente interdita desde o início das chuvas devido à actividade do IN na região.

(Sobre a situção posterior nesta região, veja-se o depoimento de um operações especial, o Eusébio, que esteve no Saltinho, entre finais de 1971 e Março de 1974).

quarta-feira, 18 de maio de 2005

Guiné 63/74 - P21: O ataque e assalto do IN ao destacamento de Cantacunda (1968) (Marques Lopes)

Texto da autoria de A. Marques Lopes, coronel (DFA), na situação de reforma, que esteve, em 1967, na Zona Leste da Guiné, sub-sector de Geba, integrado na CART 1690:

Caros amigos:

Vou-vos, então, dizer alguma coisa sobre Cantacunda. Era um dos destacamentos da CART 1690, em 1967 e 1968 (regressou em Março de 1969), que tinha sede na tabanca de Geba. Esta companhia tinha uma quadrícula de 1.600 km2 na zona do Óio. Os nomes dos destacamentos estão indicados no mapa do Geba. Mas, desses nomes, Sinchã Jobel e Samba Culo eram bases do PAIGC. Um dia hei-de falar-vos deles.

Conheci bem este destacamento de Cantacunda. Caracterizava-se pelas péssimas condições das instalações do pessoal e pelos deficientíssimos meios e condições de defesa. Ficava a cerca de 50 kms da sede da companhia. Sem luz eléctrica (como todos os destacamentos da CART 1690), nem um miserável gerador. Estava, como se vê pelo relatório (e pelo mapa que vos envio), pegado à floresta.

O armamento era: umas ultrapassadas metralhadoras pesadas Dreyses e Bredas, morteiro 81 e 60. Os abrigos eram uns buracos (ver a fotografia que envio), de difícil acesso e sem condições interiores. E com poucos efectivos, um pelotão, normalmente. No dia deste ataque estavam lá apenas duas secções. Eu não estava, na altura. Situava-se relativamente perto da base de Samba Culo, do PAIGC.

O soldado Aguiar (João Alves Aguiar) foi o único que tentou resistir com a G3 à boca do abrigo e morreu, por isso. Onze foram capturados, entre eles o furriel que comandava o destacamento, o Vaz. Foram libertados, depois, aquando da tentativa de invasão na Guiné-Conakri (Operação Mar Verde). Menos o Armindo Correia Paulino e o Luís dos Santos Marques, que morreram lá de cólera. Apesar das péssimas condições e dos fracos efectivos, é evidente (e sei que foi assim, porque me contaram) que houve desleixo e facilitismo em excesso. Se não tivesse havido, não tenho dúvidas que as coisas não teriam sido tão fáceis para os atacantes.


Ataque a Catacunda. 10/11 de Abril de 1968. Desenrolar da acção:


"No dia 10 do corrente cerca das 00H00, o destacamento de Cantancunda foi atacado por numeroso grupo IN.

"Devido à hora a que o ataque foi realizado, a guarnição do destacamento encontrava-se quase toda a dormir na caserna. Devido à configuração do terreno (do lado Norte do destacamento existe uma floresta que dista, no máximo de 5 metros do arame farpado; do lado Poente essa floresta prolonga-se e verifica-se que havia 2 aberturas no arame farpado:uma que durante a noite era fechada com um cavalo de frisa, outra que devido às obras e construção da pista de aterragem se encontrava aberta; do lado Sul existia a tabanca cujas moranças confinavam com o arame farpado; do lado Nascente existe uma bolanha), e devido também à falta de iluminação exterior, o IN pôde aproximar-se do arame farpado sem ser detectado pelas sentinelas e abrir fogo com bazookas e lança rocketes sobre a caserna, tendo em seguida atacado pelos lados Norte, Poente e Sul: pelo lado Norte o IN atirou com troncos de árvores para cima do arame farpado tendo em seguida ultrapassado o mesmo; do lado Poente afastou o cavalo de frisa e penetrou por essa abertura, e pelo lado da pista; pelo lado Sul infiltrou-se pelas tabancas que queimou e em seguida penetrou no aquartelamento.

"Devido à simultaneidade com que os movimentos foram efectuados (os mesmos foram comandados do exterior por apitos), verificou-se que as NT não puderam atingir os abrigos e foram surpreendidos no meio da parada. Note-se, contudo, que alguns elementos das NT ainda conseguiram atingir os abrigos (por exemplo os 1°s. Cabos Esteves E Coutinho e os Soldados Areia e Aguiar, tendo este último sido morto no local e os restantes conseguido escapar).

"Devido ao numeroso grupo IN não foi possível contudo organizar uma defesa eficaz pelo que as NT foram obrigadas a abandonar o destacamento. No entanto só 9 elementos é que conseguiram escapar, tendo 11 desaparecido (provavelmente feitos prisioneiros) e 1 morto.

"Possíveis causas do insucesso das NT:

- O poder de fogo do IN;

-O grande numero de elementos que constituíam o grupo IN;

-A violência com que o ataque foi desencadeado;

-A pontaria certeira do grupo IN, que acertou os primeiros disparos na caserna das NT;

-O comando eficaz do grupo IN;

-A falta de iluminação existente no destacamento;

-Possível insuficiência de abrigos;

-As proximidades da mata do arame farpado;

-As proximidades da tabanca do arame farpado;

-O reduzido efectivo das NT;

-Possível abrandamento das condições de segurança;

-Longa distância deste destacamento à Sede da Companhia (cerca de 50 kms)

"Comentários: Posteriormente veio a saber-se, por declarações de alguns milícias e elementos da população civil detidos para averiguações, que o ataque teve a conivência do próprio Comandante da milícia e de elementos da população [local]. Todos os elementos que [o IN] precisava, tais como distâncias para colocar as armas pesadas, local da entrada no destacamento e vias de acesso ao mesmo, foram fornecidos por eles."

Um abraço.

A. Marques Lopes

Nota de L.G. - As fotos estão disponíveis na página Subsídios para a História da Guerra Colonial > Guiné (3) > Ontros Sectores da Zona Leste