domingo, 5 de junho de 2005

Guiné 63/74 - P44: A estória da cabra do mato e do prémio Governador Geral (David Guimarães)

Uma estória do David J. Guimarães, passada no Xitole, nos primeiros tempos da comissão da CART 2716 (1970/1972).

Um dia, novinhos ainda, piras, com as fardinhas novinhas em folha, aí vamos nós. Sai o 1º Grupo de Combate. Patrulha em volta do aquartelamento para os lados de Seco Braima, o que era normal: acampamento IN....

Era bem de manhã. E a certa altura, zás, ouve-se o matraquear de espingardas automáticas:

- Que coisa!... Oh diabo, estão a enrolar

Os morteiros fixos lá fazem fogo de barragem. Novamente os experientes homens de armas pesadas. E que eficientes! Como eles faziam aqueles morteiros dispar tão amiúde e certeiro... Cessar fogo, tudo silêncio à volta, fora os abutres que logo foram ver o que acontecia.

- Que aconteceu? E agora... Estará alguém ferido ? O que aconteceu ? O que vamos fazer ?

Nenhum deles disse nada... mas voltaram depressa. E nós nem percebíamos ainda porque que é que eles voltaram assim tão rapidamente... Bem, lá regressa, da patrulha, o 1º Grupo de Combate. Ofegantes, e agora dentro do aquartelamento esboçando sorrisos, todos pretos... Que coisa, sempre que havias tiros ficava-se todo preto!

- Que aconteceu ???

Lá vem a explicação: o grupo estava a instalar-se, para um tempinho em posição de emboscada. Uma cabra de mato passa em frente... Um soldado diz para o Alferes muito baixinho:
- Alferes, cabra de mato!
- Atira-lhe, responde o Alferes… Há rico tiro, pum, pum!!!

E não é que o IN estava lá emboscado, do outro lado da cabra ? Seriam poucos, mas ao sentirem-se detectados deram uns tiros e fugiram, pois que entretanto também começaram a cair bem perto as granadas do morteiro do aquartelamento....

- Manga de cu pequenino…
Olha que sorte, a santa cabra do mato! ... Foi ela, afinal, o nosso anjo da guarda. O Correia voltou com o seu grupo de combate inteiro e o soldado que detectou a cabra... herói. Mais tarde foi-lhe proposto e concedido o prémio Governador Geral. Todos achámos muito bem, veio à metrópole. Se não fora assim, nunca iria lá de férias, porque não tinha dinheiro para isso...

Ninguém soube se a cabra morreu ou não, mas os homens, depois de contados, estavam todos... E os abutres também voltaram ao aquartelamento e continuaram a comer o que restava da vaca morta nesse dia...

A guerra tinha disto também, e ainda bem... Como entendê-la ? Só um combatente... Este era o nosso tempo de recreio de guerra dentro da guerra.

David J. Guimarães

sábado, 4 de junho de 2005

Guiné 63/74 - P43: Antologia (1): O que era ser periquito... (Luís Graça)

Há páginas na Net que correm o risco de desaparecer... Miseravelmente. Como aconteceu com as páginas no Portal Terrávista. O maior portal, em língua portuguesa, da segunda década de 1990.

Algumas das páginas que encontramos na net têm um maior ou menor interesse documental para a história da guerra colonial na África Portuguesa. Por exemplo, mostram, com maior ou menor propriedade, rigor e talento, o que era a vida de um tuga na Guiné. Por isso merecem ser objecto de antologia.

Hoje seleciono aqui a página de um ranger, que esteve na Guiné entre 1971 e 1974. É um ranger convicto, endoutrinado, disciplinado, "como mandava a puta da sapatilha". A guerra acabou, não serei eu seguramente a alimentar as idiotas rivalidades que levaram a troca de insultos e até confrontos físicos, em Bissau, entre a tropa de elite (paras, comandos, fuzileiros, operações especiais) e o resto: a tropa-macaca (como a CCAÇ 12 ou a CCAÇ 3) ou os cassanhos (como a CART 1690, do Alferes Lopes).1.

Comneça por escrever o nosso ranger:

"A viagem durou aproximadamente cinco dias a bordo do navio Niassa e decorreu sem incidentes, com chegada ao largo do porto de Bissau ao anoitecer do dia 24 de Dezembro de 1971.

"Ali aguardámos, fizemos a nossa ceia da noite de Natal e desembarcámos nas primeiras horas da manhã do dia 25 de Dezembro. A excitação do jantar, a ansiedade do desembarque, de conhecer aquela terra tantas vezes falada (com apreensão!), aquelas gentes, não deixou que alguém pregasse olho. Bebemos, conversámos, cantámos até ao amanhecer cinzento, tórrido. Cansados, desembarcámos quase em silêncio".

2. "Uma vez desembarcados, fomos transportados para o aquartelamento do Cumeré que dista da cidade de Bissau uns 40 km por estrada e 12 km em linha recta, e onde permanecemos cerca de vinte dias.

"Este período foi destinado à habituação física, ao contacto com os naturais e, principalmente, ao primeiro encontro com a operacionalidade versus realidade da guerra. Daqui fomos transferidos para as localidades do interior do território (denominado mato).

"Pelo Rio Geba acima, em lanchas de desembarque da Marinha [LDG], fomos levados até ao Xime onde desembarcamos já ao fim da tarde".

3. E a viagem continua, pelas estradas da zona leste (Xime, Banbadinca, Galomaro, Saltinho):

"Ali, no Xime, esperava-nos um esquadrão de cavalaria com os blindados chaimite que nos iriam escoltar até á próxima paragem, Bambadinca.

"Já noite, pernoitámos e ganhámos forças para o dia seguinte que, segundo os velhos (aqueles que já lá estavam, na Guiné), seria bem mais difícil pois o risco de flagelação à distância ou emboscadas era muito grande, ou quase certo. Iríamos ter de atravessar o Rio Pulom onde fatidicamente algumas vidas já se tinham perdido. É um local de selva densa, temível.

"Dirigimo-nos então para Galomaro onde deixámos uma Companhia (CCS) e, de seguida, para o Saltinho sempre acompanhados de perto pelos caças FIAT e bombardeiros T6 da Força Aérea. A tensão era muita, uma grande prova de nervos, mas, felizmente, não chegámos a ser presenteados pela hospitalidade do PAIGC

"Chegámos finalmente ao local onde eu iria passar a maior parte do meu tempo de comissão".

4. No Saltinho, "fomos recebidos pelos velhos como periquitos, com muita alegria e carinho. Estavam ansiosos pelo regresso às suas casas, e nós quase sentíamos inveja disso. Finalmente foram e assim ficámos entregues a nós próprios num misto de orgulho e saudade.

"Começámos então o nosso trabalho concentrados num objectivo: Havemos de fazer um grande ronco, estar cá para receber os nossos periquitos e regressar.

"Para isso passamos de imediato à acção que não se fez tardar,com algumas escaramuças com o PAIGC de Amilcar Cabral e de Nino Vieira.

"A vida ali não sofria grandes alterações para além das constantes incursões pelo mato, as operações de maior ou menor envergadura, as emboscadas, as flagelações nocturnas, os apoios a outras unidades em perigo, o bater à zona, a preparação no terreno de mais uma coluna de reabastecimento, o pedir apoio aéreo ou artilharia, o montar e desmontar de minas e armadilhas, fazer fornilhos, esticar arame farpado, abrir e restaurar abrigos, as noites sem dormir... os ataques de abelhas, os mosquitos e outros mais, o calor abrasador, a micose insustentável,... o whisky, a cerveja... e muita saudade!

"O aquartelamento do Saltinho era formado por abrigos em betão, capazes de resistir ao temível foguetão 122 mm,de origem soviética, cuja granada ao explodir produz cerca de 15.000 fragmentos mortais.

"Situava-se junto á fronteira com a Guiné-Conacri, na margem do Rio Corubal e constituía a defesa da ponte sobre o mesmo rio. Na outra margem tínhamos um destacamento. Mais para lá era terra de ninguém. Havia por perto, a Norte (a uns 30 km), uma das principais bases de ataque do PAIGC, a base de Kambera.

5. Prossegue o nosso ranger:

"A Sul, sensivelmente à mesma distância, a não menos importante base de Kandiafara que muitos e graves problemas causou aos nossos camaradas de Guileje e Gadamael Porto. A Sul do Saltinho, contavamos com o apoio dos obuses da eficaz artilharia do aquartelamento da Aldeia Formosa [hoje, Quebo].

"Água não faltava todo o ano (embora imprópria para consumo), de um rio que variava bruscamente o seu caudal conforme a época, seca ou das chuvas.

"Entretanto formei o meu grupo (GE) de nativos, por mim instruído e preparado para a execução de qualquer operação, reconhecimento ou acção irregular.

"Era um grupo constituído por naturais da etnia Fula e Futa Fula, homogéneo, com excelentes capacidades de combate, resistência física e grande camaradagem.

"Passámos juntos por situações de muito perigo como, por exemplo, em operações para além da nossa fronteira onde se tornava difícil qualquer apoio que não fosse o aéreo (quando possível !). Tomamos parte em grandes operações um pouco por toda a região de Bafatá, Galomaro, Bambadinca e Aldeia Formosa.

"Estávamos equipados com o tipo de armamento utilizado pelos guerrilheiros do PAIGC, desde a HK-47 (Kalashnikov) até ao temível lança granadas foguete RPG-7. Não havia dúvidas de que estas armas de origem soviética eram mais eficazes, tendo em conta as características da guerra que se travava (guerrilha), as acções a levar a cabo no terreno, assim como pela facilidade de manejo. No entanto o objectivo da utilização deste equipamento prendia-se sobretudo com a intenção de confundir o inimigo e obter daí as vantagens do efeito surpresa.

"Lamento sinceramente não saber qual o foi destino destes homens após a independência da Guiné. Pressuponho apenas que não terá sido o mais feliz, desgraçadamente.

"Terminado o tempo que a própria conjuntura determinou para a minha comissão (teoricamente 18 meses mas na prática dois anos e 94 dias), regressei à Metrópole novamente embarcado no navio Niassa cuja tripulação, pelo carinho e atenção que nos dispensaram, merece todo o apreço.

"A reintegração para mim não foi difícil. Com traumas da guerra não fiquei, caso contrário não me teria servido para nada a forte acção psicológica a que fui submetido durante a instrução do meu curso de Operações Especiais. Lá, no CIOE, formam-se Rangers, de Firme Vontade e Indómito Valor".

sexta-feira, 3 de junho de 2005

Guiné 63/74 - P42: Convívios: CART 1690 (Geba), CART 2716 (Xitole), CCAÇ 12 (Bambadinca), CART 3494 (Xime), BCAÇ 2852 (Bambadinca)

3 de Junho de 2005:

Caros amigos

Amanhã, sábado, vou-me encontrar em Lisboa com os alferes da CART 1690 (com os que ficaram vivos).

No dia 18 de Junho haverá um encontro (dos ainda sobreviventes) perto de Sever do Vouga.

Estes encontros têm sido promovidos pelos sempre amigos e gloriosos furriéis. Quem quiser saber mais histórias da CART 1690 apareça. Eu lá estarei.

Um abraço. A. Marques Lopes


1 de Junho de 2005:

Luís Graça:

Estive no sábado passado a minha reunião e almoço com os ex-militares da minha CART 2716 [Xitole]. Informei-me correctamente sobre o nome do Capitão do Xime que Comandava a CART 2715 que seguiu com o BART 2917. Era o Capitão Amaro dos Santos. Foi evacuado após essa célebre operação em que tu foste testemunha tomando parte [Op Abencerragem Candente, 25-26 de Novembro de 1970, na região do Xime].

Estou a recolher mais material e histórias para poder enviar. Oportunamente terás noticias (...).

David J. Guimarães

30 de Maio de 2005:

Carvalhido da Ponte:

Antes demais apresento-me. Sou o Castro, de Vila Fria, Viana do Castelo, como deves estar lembrado. Apanhei o teu endereço electrónico num artigo escrito por ti no jornal Aurora do Lima ( "O 'Santa Luzia dos meus amores...' num djemberem de Cacheu" ).

Também é para informar que apareceu um djubi, de seu nome J. C. Mussá Biai, natural do Xime, Guiné, mas a viver em Lisboa, formado em engenharia florestal. Diz ele que queria encontrar o Carvalhido da Ponte, o professor de ensino primário que ele teve no Xime em 1972 e que nunca o esqueceu. Mandei o teu endereço para o caso de poder contactar-te.

Anexei uma hiperligação onde está o texto dele e muitas estórias da Guiné e para que aceites o convite para contares as tuas experiências vividas na Guiné enviando para o Luís Graça .

Espero encontrar-te no convívio em Pataias, a 11 de Junho de 2005, com concentração na Batalha, pelas 10 horas. Cumprimentos. Sousa de Castro .

26 de Maio de 2005:

(...) Fui eu que o meti [,ao Manuel Castro,] nestas andanças, trabalhamos ambos na mesma empresa, a ENVC (Estaleiros Navais de Viana do Castelo), e o facto é que ele já conseguiu encontrar alguns colegas da CART 6254 a que ele pertenceu ["Os presentes", que estiveram no Olossato, e cuja missão na Guiné vai de Março de 1973 a Agosto de 1974].

Eu ando há muito tempo nisto, tenho feito alguns apelos pela NET e ainda não apareceu ninguém da minha CART 3494, "Os Fantasmas do Xime" (Dezembro de 1971/Abril de 1974).

Já agora digo-vos que irei participar no XX Convívio da CART 3494 a realizar em Pataias, Marinha Grande, no dia 11 de Junho de 2005.

Cumprimentos, Sousa Castro.

25 de Maio de 2005:

O pessoal que esteve em Bambadinca, no leste da Guiné, entre 1968 e 1971, vai encontrar-se mais uma vez, para o seu convívio anual. Este ano será na Ria Formosa, com local de encpontro em Faro, no próximo dia 11 de Junho. A festa está a ser organizada pelo José Manuel Amaral Soares (Largo Vieira Caldas, 6A, 3º Dtº, 1685-585 Caneças), que pertencia â CCS do BCAÇ 2852 (Bambadinca).

Há uma lista de endereços que vai sendo actualizada todos os anos. Eu próprio (Luís Graça ou, como era conhecido, Henriques) e o Humberto Reis (ambos furriéis milicianos da CCAÇ 12) podemos tomar nota de novos contactos.

É partir desta lista que têm sido convocados os antigos camaradas de armas que estiveram, connosco, naquela região da Guiné, a saber (entre outros):

(i) Comando e Companhia de Comando e Serviços do BCAÇ 2852 (que esteve sedeado em Bambabinca desde finais de 1968 até Julho de 1970, altura em que foi substituído pelo BART 2917);

(ii) Forças de intervenção: CCAÇ 12 / CCAÇ 2590 (Bambadinca); Pelotão de Caçadores Nativos 52 (Missirá) (a partir de Junho de 1970, Pel Caç Nat 53, aquartelado em Fá-Mandinga);

(iii) Subunidades em quadrícula: CART 2530 (Xime), CART 2339 (Mansambo) e CART 2413 (Xitole), substituídas em Junho de 1970 pelas CART 2715, 2714 e 2716, respectivamente (estas três companhias pertenciam ao BART 2917).

Guiné 63/74 - P41: A região do Xitole, por onde andou o Nino... (David Guimarães)

Texto do David J. Guimarães:

Tocou-me a vez... Creio que vale a pena no momento consultar o Mapa do Sector L1 / Zona Leste - Xitole.

A Zona de intervenção do Xitole não era muito grande em área - bem, mas era uma zona bem quentinha, sim. A norte era limitada pela ponte do Rio Jacarajá onde começava a Zona de Intervenção de Mansambo; zona de Salifo, a leste do R Jacarajá. Salifo tinha sido uma tabanca importante que, quando fizemos um dia uma operação de assalto para a destruir, eles já tinham feito o favor de se retirar de lá... Ufa, que alívio!...

Continuando a nossa Zona de Intervenção tínhamos depois toda a outra zona até ao Rio Corubal, Galo Corubal, Satecuta, até às matas do Fiofioli, Seco Braima. Seguindo a estrada na direcção do Saltinho íamos até ao limite deste mapa, onde havia uma tabanca (Sincha Mádio, deve ser assim) que era depois de Cambessé. Tabanca importante que estava confinada a outra e onde existia o Cussilinta - a parte mais bela, ainda hoje, [do Rio Corubal],parecia uma colónia balnear....

Todas essa s zonas eram diariamente pratrulhadas. Um grupo de combate seguia para os lados periféricos do aquartelamento, para os lados de Seco Braima. Outro grupo seguia sempre para as tabancas (em missão psico). Um grupo instalava-se na Ponte dos Fulas onde residia e era rendido ao fim do mês... Vida monótona, rotinas e sempre armados até aos dentes...

Assinalarei aqui um facto importante e que sempre nos incomodou: a margem esquerda do Rio Corubal, na nossa zona, que era uma área de intervenção no COM-CHEFE [Comando-Chefe]. Era daí que eles [o IN] apontavam os canhões sem recuo e, enfim, tentavam fazer tiro ao alvo para o nosso quartel....

Pelas sete, oito horas, da noite aí estavam eles: Nino e seus canhões, assim dizíamos nós... Digo Nino e ele mesmo confirma isso, como o Luís Cabral (Este na Crónica da Libertação). O Nino, ele mesmo em pessoa, falou, antes de voltar recentemente para a Guiné. Ele morava aqui, em Vila Nova de Gaia... Um dia o ex-comandante da CART 2716 [, a minha companhia], passou por ele e disse:

- Olha o Comandante!... Bem lá falaram. O Nino confirmou ser aquela a zona [a região do Xitole] onde ele andou, sim, no tempo da Guerra Colonial....

Mas a grande chatice eram as colunas e o reabastecimento:

- Ora amanhã há coluna... Porra, um dia no mato!... Mas tem que ser!...

Três grupos de combate instalados desde a Ponte dos Fulas até Rio Jacarajá. E lá começava a passar o comboio de viaturas: uma Daimler, depois o resto dos camiões, enquadrados por viaturas militares. Pior:

- Quem vai a picar hoje? - E lá ia o 1º grupo, depois o 2º e, outra vezes, o 3º ou o 4º. Como eu residia no Destacamento da Ponte dos Fulas, bem, eram os outros...

Tocou-me a mim num belo dia. Eu é que ia a comandar o grupo (o Alferes estava de férias). E lá já bem perto de Jacarajá:

- Mina, mina, porra!... E agora!?

Tocou-me a mim: afinal eu é que era o artista. Em Tancos tinham-me ensinado a trabalhar com aquilo: "manga de cu piquinino", protecção feita, suores frios ao sol quente... Bem, lá consegui operar... Tínhamos que comer... Lá ficou o buraco feito e do chão extraí isso que envio em fotografia... Um Mina PMD-6, espoleta MUV, duas barras de trotil de 4 kg, mais aqueles dois calcinhos do mesmo material a 200 gr cada cada um, sendo que dentro da mina lá estavam os 400 gr habituais da carga base onde actuaria o detonador depois de accionada a espoleta...

- Ufa, que merda!... Já está! - e daqui a pouco lá vinha a coluna, o barulho daqueles motores e, à frente, a Daimler do [Alferes]Vacas de Carvalho....

Prontos, e lá ficamos o dia inteiro até que lá a coluna volta a passar, mas de regresso a Bambadinca. Nós, por nossa vez, lá regressamos ao quartel no Xitole.

Mais tarde lá me deram os 300 escudos (prémio por levantamento de material explosivo):

- Pronto, mais um dinheirinho para beber umas bazucas [cervejas] ...

Foi um dia de rotina, um pouco diferente - uma mina sempre é uma mina.....

Envio uma outra fotografia da época: é do abrigo onde estavam instalados a maioria dos furriéis, junto à casa dos sargentos... Era ai que dormíamos. Era um abrigo amplo, voltado para o aeródromo. Lá dispunha do explosor que faria rebentar, caso necessário, um fornilho que eu tinha armado do outro lado do arama farpado, não viessem eles lembrarem-se de virem por aí... Nunca foi preciso, ainda bem....

A outra é a fotografia da mina com as cargas de trotil ao lado... Ainda bem que a Daimler não lhe passou por cima, era menos uma que ficava...

PS - A Daimler é um carro muito lindinho, de rodas maciças... Só tinha um defeito: era o depósito de combustível estar exactamente por debaixo da viatura ... Percebe-se que isso fosse um rebenta-minas?

David J. Guimarães

Nota de L.G.- O Guimarães era especialista em... minas e armadilhas. E fez muito bem o seu trabalho. A foto que nos mandou da mina PDM-6 ainda me causa calafrios... É que voei, numa GMC, com o meu grupo de combate [na altura, o 4º Gr Com da CCAÇ 12], quando accionámos uma mina deste tipo... Um dia deste falaremos dessa trágica amanhã, às portas do reordenamento de Nhabijões...

Estas duas fotos do Guimarães irão ser inseridas no respectivo álbum.