DIAPASÃO E PERSISTÊNCIAS TEMÁTICAS NA NOVISSÍMA LITERATURA DE GUERRA COLONIAL: O CASO DA GUINÉ-BISSAU
Por Leopoldo Amado (*)
(Fixação do texto e subtítulos do editor, vb)
Apesar de a literatura da guerra colonial sobre a Guiné ter sido forjada ainda na decorrência da guerra colonial e a sua evolução ter sido altamente condicionada pela censura e a PIDE, o seu boom só ocorre após o 25 de Abril.
Apesar de a literatura da guerra colonial sobre a Guiné ter sido forjada ainda na decorrência da guerra colonial e a sua evolução ter sido altamente condicionada pela censura e a PIDE, o seu boom só ocorre após o 25 de Abril.
Antes disso, as duas origens remontam a 1965 quando Armor Pires Mota [1], ex-alferes do Exército português começou a publicar as suas obras. Tendo seguido para a Guiné em 1963 na qualidade de operacional, Armor chegou mesmo a participou pessoalmente em vários recontros entre o Exército português e guerrilheiros do PAIGC, incluindo a grande batalha de Como, além de ter igualmente combatido no Norte da Guiné. Regressado da comissão militar em 1965, dedicou-se à escrita de suas memórias da guerra, tendo dado a estampa inúmeras obras, entre poemas e narrativas, das quais se destacam Baga-baga[2] (1968), livro de poesia galardoado com o prémio Camilo Pessanha; Guiné: Sol e Sangue (1968); Tarrafo [3] (1970); Mau país de si inimigo (1974) e, mais recentemente, Amado Chão Vermelho [4] (a aguardar publicação).
Na verdade, Armor é, de longe, o autor que mais livros literários produziu sobre a guerra colonial da Guiné, o que certamente não é alheio ao facto de nele existir uma indefectível ligação com a Guiné e suas gentes, como de resto o próprio m confessa. Ao dizer que “ (...) aquela terra misteriosa com rondas de feitiços e magias, terra de cruz, sonho e glória, céu liso e tardes de sol em brasa calcinando o chão, as almas (…) é um pouco de ti e da tua gente: tenho no sangue as tuas veias, porque amoldei tanta vez o meu corpo, a tremer, à poeira dos caminhos avermelhados ou às algas dos pântanos doentios. Tenho no sangue o sangue da tua gente: carreguei com um negro ferido, dei pão ao garotio, admirei o ébano das raparigas, tenho, para recordação, uma tábua de marabú, um terço de mandinga e uma ligeira cicatriz. Por que será que, embora, sofrendo, hoje te adoro, terra de sol e azul em fogo? (...) ”[5].
Contudo, a sua extensa obra abarca apenas a fase inicial da guerra (1963 à 1965), ou seja, o período correspondente à comissão militar que autor cumpriu na Guiné numa altura em que os elementos para ali destacados eram utilizados onde era preciso, o que lhe valeu a experiência de ter estado onde se fazia sentir a guerra com maior intensidade, pelos que os seus livros afiguram-se cumulativamente como o reflexo dessa intensa experiência vivida, embora aqui e acolá se descortine neles uma espécie de fantasia resultante da livre recriação literária dessa mesma experiência.
Aliás, os primeiros escritos de Armor, que se reportam a fase pioneira da guerra, diferem ideograficamente dos que os seguiram, tanto é que na generalidade dos casos, só mais tarde os fautores literários se revelariam possuidores de uma aguda consciência política dessa mesma guerra. Consequentemente, Amor exaltava amiúde a missão civilizadora de Portugal, na linha do que Margarida Calafate Ribeiro considerou de “visões e fantasias organicistas e apocalípticas do final do século XIX que percorrem a literatura portuguesa e o pensamento crítico português do século XX, num longo epitáfio a nação portuguesa imperial (...)[6]”.
È nesse sentido Amor enaltece inclusivamente a guerra em que o próprio estava envolvido e na qual acreditava residir “o mistério da continuidade da missão histórica-imperial de Portugal”. Dizia ele, aliás, que “ (...) estamos aqui e agora. Em frente do cais da fortaleza de S. José da Amura, bastiões erguidos, bombardas apontadas para o rio numa evocação do passado, digna da memória histórica e são 25 de Junho de 1963. Voz marcial de clarim nos ajuntou aqui para render os Mortos e os vivos: Nuno Tristão que morreu flechado pelo gentio, Honório Barreto, homem de cor que alargou as terras e pacificou, o Tenente que, há dias foi estilhaçado por uma mina na área de S. João de Bolama, o soldado anónimo que repousa junto à Bolola. Nós estamos aqui e agora, a ganharmos força para erguer o nosso cântico (...)[7]”.
Mas o que verdadeiramente chama à atenção nas obras de Armor é o facto curioso de o inimigo, ou seja, os guerrilheiros do PAIGC, terem sido invariavelmente retratados como “terroristas”, “bandidos” ou “bandoleiros”, apesar dessas asserções terem começado gradativamente a rarear nas obras que sucessivamente foi publicando, a ponto de desaparecerem quase completamente nos publicados após o 25 de Abril, podendo-se por isso aferir-se das várias transfigurações ideográficas de que a sua produção literária foi alvo, tanto é que na descrição das grandes operações militares em que, invariavelmente, os mortos eram sempre os terroristas e os perdulários da acção militar o PAIGC[8], ideografia essa que, curiosamente, passou a assentar, sobretudo na produção literária pós 25 de Abril do autor, num enredo apologético de amizade “entre os portugueses de outrora e de hoje e os povos da Guiné-Bissau”, figurando Armor Pires Mota, por isso, como um autor de charneira entre o velho discurso que caracterizava a literatura de guerra colonial da Guiné e uma outra, de conteúdo radicalmente diferente, assente fundamente numa ideografia de questionamento da sua legitimidade.
José Martins Garcia
Ora, no caso da Guiné, o novo discurso foi introduzido no panorama literário José Martins Garcia[9], com o livro O Lugar de Massacre[10], aliás, uma obra que, para lá do seu inquestionável valor literário, inaugura sem pejos uma forma completamente sarcástica de desmontagem da roupagem ideológica de que se revestia a guerra colonial, procedendo, outrossim, a criação de um enredo literariamente ficcionado, mas que propiciou uma realística torrente evocativa da incomensurável hipocrisia e o absurdo de homens confrontados com a contingência de uma guerra cuja essência não compreendiam e, pior ainda, fazendo vir ao de cima a pungência e o drama de jovens que, na aurora da juventude, eram obrigados a confrontarem-se com o as adversidades ontológicas de um meio estranho e com a morte (ter de matar ou morrer para sobreviver), pois “ (...) o fim do Império, o movimento do 25 de Abril, como imagem essencial, o fim de Portugal como nação imperial, desde logo expresso nas primeiras obras de Guerra Colonial pós 25 de Abril, que unanimemente repudiam essa imagem-mito que tantos sacrifícios reais e recentes tinha levado, definindo esse espaço imaginário como Lugar de Massacre (...) ”[11].
Com efeito, O Lugar de Massacre apresenta-nos a guerra colonial com uma arena lúgubre, ou seja, um supremo lugar de massacre dos valores humanistas de toda uma geração, numa narrativa em que sem eufemismos, o autor, ou melhor, o narrador, denuncia os valores do Estado Novo, socorrendo-se de uma intriga textual que vai justamente rebuscar a homossexualidade como simbólica máxima do definhamento moral dos políticos de então, sintomaticamente, um sistema pensamento preso teimosamente à uma ideologia tida pelo autor como caquéctica e démodée, mas em cujas cinzas renasceram a aguda sátira de que, aliás, alimentaram a chacota:
“ (...) Vocês... – Vocês, quem? – A ordem. Vocês, a ordem...vocês têm tudo. Exércitos, clínicas, igreja e família. (...)[12]". Assim, em crescendo o narrador foi interpelando o Estado Novo: “Exmo. Senhor, tendo chegado ao meu conhecimento que a minha peregrinação por este martirizado território foi motivada por sórdidos interesses que nada têm a ver com a Pátria; tendo mais chegado ao meu conhecimento que alguém cobardemente nos confundiu, dignos e indignos, à sombra do uniforme do Exército Português; atendendo a que tal confusão mancha a minha dignidade de homem e de militar, solicito a V. Exa. se digne ordenar um inquérito referente às condições da minha peregrinação neste território, para se apurar as razões históricas que podem legitimar o assassinato duma juventude. Respeitosamente... (...) ”[13].
Na verdade, a guerra colonial marcou profunda e indelevelmente toda uma geração de jovens, pelo que a literatura por eles produzida “ (...) veio revelar com uma força artística moral que não tem paralelo em nenhuma outra fase da nossa cultura – a guerra de 14-18 nada suscitou entre nós que se comparasse com a vindima saída das guerras de 1961 a 1974 que (...) na situação-limite do conflito humano total e extremo que é guerra onde se mata e se morre ou se vê morrer, constituindo assim, globalmente, a maior catarse intelectual e colectiva sobre os horrores de um drama que marcou a ferro e fogo, cor, tatuagem de impossível apagamento, a nossa história contemporânea (...) ”[14].
E esse género literário que afina o seu diapasão ideográfico por essa toada geral entrou no panorama literário português como algo que ganhou corpus e que, pelo seu eivado realismo, interpela inexoravelmente a consciência critica portuguesa, isto é, antecipando-se à catarse histórica e propondo ao mesmo tempo uma catarse no imaginário colectivo. Por outras palavras, dir-se-ia que estes literatos mais não fizeram (e vão ainda fazendo) do que interpelar a sua própria identidade por intermédio de um exercício que visa encontrar o seu próprio lugar numa sociedade que consciente ou inconscientemente os violentou física, social e psicologicamente, aliás, razão porque é temática transversal em todos os literatos a descrição de terríficas situações em que ocorrem as mortes ou a imagem do feridos gangrenados, decepados, esfacelados e ainda, essoutra faceta da guerra, a solidão, o medo e o tédio, a folia, individual ou colectiva (“Pois é! Estamos todos doidos”[15]), as neuroses, a embriaguez, a masturbação, a homossexualidade, aliás, factores esses que, cumulativamente, no dizer de Margarida Calafate Ribeiro, constituem “ (...) poderosas imagens de uma pátria em exercício solitário de espera no vazio (imagem de masturbação), ao mesmo tempo que se vai deixando corroer por dentro (imagem da gangrena) e destruindo-se a si mesma (corpos esfacelado e mortos) (...) ”[16].
E esse género literário que afina o seu diapasão ideográfico por essa toada geral entrou no panorama literário português como algo que ganhou corpus e que, pelo seu eivado realismo, interpela inexoravelmente a consciência critica portuguesa, isto é, antecipando-se à catarse histórica e propondo ao mesmo tempo uma catarse no imaginário colectivo. Por outras palavras, dir-se-ia que estes literatos mais não fizeram (e vão ainda fazendo) do que interpelar a sua própria identidade por intermédio de um exercício que visa encontrar o seu próprio lugar numa sociedade que consciente ou inconscientemente os violentou física, social e psicologicamente, aliás, razão porque é temática transversal em todos os literatos a descrição de terríficas situações em que ocorrem as mortes ou a imagem do feridos gangrenados, decepados, esfacelados e ainda, essoutra faceta da guerra, a solidão, o medo e o tédio, a folia, individual ou colectiva (“Pois é! Estamos todos doidos”[15]), as neuroses, a embriaguez, a masturbação, a homossexualidade, aliás, factores esses que, cumulativamente, no dizer de Margarida Calafate Ribeiro, constituem “ (...) poderosas imagens de uma pátria em exercício solitário de espera no vazio (imagem de masturbação), ao mesmo tempo que se vai deixando corroer por dentro (imagem da gangrena) e destruindo-se a si mesma (corpos esfacelado e mortos) (...) ”[16].
Augusto Pimenta
Este ambiente de tédio permanente, longe da pátria, era de resto sublimado através de uma atroz solidão que, por sua vez, era exorcizada com lenitivos de toda a espécie a que os soldados se socorriam ou a que a sua imaginação ou sensação de abandonados propiciava. Era, em suma, uma vida de sofrimento no mato para a qual era utilizada os expedientes possíveis para espantar a solidão, recorrendo para tal a expedientes vários, a saber a embriaguez até formas menos ortodoxas de sublimação das inquietudes.
Este ambiente de tédio permanente, longe da pátria, era de resto sublimado através de uma atroz solidão que, por sua vez, era exorcizada com lenitivos de toda a espécie a que os soldados se socorriam ou a que a sua imaginação ou sensação de abandonados propiciava. Era, em suma, uma vida de sofrimento no mato para a qual era utilizada os expedientes possíveis para espantar a solidão, recorrendo para tal a expedientes vários, a saber a embriaguez até formas menos ortodoxas de sublimação das inquietudes.
Augusto Pimenta confirma-o ao dizer que “ (…) aqui, até por não termos pais ou filhos à mão, éramos sempre nós a inventar uma farra, já que fazer anos, na casa dos vinte, é sempre pretexto para festejar. Comemorar um aniversário em campanha foi sempre um duplo pretexto: festejar os anos e a vida. O acrescido risco de ser o último que se celebrava, introduzia irreverência maior nos votos que se formulavam e o facto de ser uma festa exclusivamente entre homens levava a comportamentos que, noutro contexto, seriam, no mínimo, bizarros (...). Também então, éramos irremediavelmente portugueses na nossa quotidiana mediania, nos lampejos de génio e na fascinante capacidade de improvisar. (...) O caminho dos abrigos tornava-se subitamente longo e, não raro, difícil de encontrar. Todos quantos não estavam de piquete, ou na mata, ou não tinham que sair ao alvorecer, aproveitavam a ocasião para a curta cura de esquecimento que o álcool providencia. Em maior ou menor grau (...) ”[17].
Outrossim, este género literário reflecte, na sua forma, às más condições da vida no "quartel", designadamente, em termos de alimentação, acomodação e isolamento. À isto juntavam-se muitas vezes a desocupação e o tédio, pelo que todos os motivos são rebuscados para se reproduzir a dimensão e o tom real que as contendas assumiam no ambiente encrespado da guerra: o azar ao jogo, as convicções religiosas, a má qualidade da comida ou a disputa por uma guineense negra ou mulata da aldeia que fosse alvo da cobiça generalizada, entre outros aspectos. Aliás, na literatura de guerra colonial, segundo Daniel Lopes, “ (...) a indisciplina é justificada porque o quartel aparece como um contexto viciado de interacção e trabalho, com problemas comuns a muitos outros contextos institucionais. (...) Acrescentem-se ainda as tensões derivadas da própria hierarquia militar, com a sua torrente de ordens e castigos, muitas vezes incompreensíveis, provocadores, revelando autênticos abusos de poder. Neste campo, as praças uniam-se contra os sargentos, os sargentos e as praças uniam-se contra os oficiais, os oficiais operacionais uniam-se contra os oficiais "do ar condicionado", e as ordens continuavam a ter que ser cumpridas mas, de preferência, com má vontade (...) ”[18].
Outrossim, este género literário reflecte, na sua forma, às más condições da vida no "quartel", designadamente, em termos de alimentação, acomodação e isolamento. À isto juntavam-se muitas vezes a desocupação e o tédio, pelo que todos os motivos são rebuscados para se reproduzir a dimensão e o tom real que as contendas assumiam no ambiente encrespado da guerra: o azar ao jogo, as convicções religiosas, a má qualidade da comida ou a disputa por uma guineense negra ou mulata da aldeia que fosse alvo da cobiça generalizada, entre outros aspectos. Aliás, na literatura de guerra colonial, segundo Daniel Lopes, “ (...) a indisciplina é justificada porque o quartel aparece como um contexto viciado de interacção e trabalho, com problemas comuns a muitos outros contextos institucionais. (...) Acrescentem-se ainda as tensões derivadas da própria hierarquia militar, com a sua torrente de ordens e castigos, muitas vezes incompreensíveis, provocadores, revelando autênticos abusos de poder. Neste campo, as praças uniam-se contra os sargentos, os sargentos e as praças uniam-se contra os oficiais, os oficiais operacionais uniam-se contra os oficiais "do ar condicionado", e as ordens continuavam a ter que ser cumpridas mas, de preferência, com má vontade (...) ”[18].
Salgueiro Maia
O exemplo mais sonante de loucura, traço muito comum à literatura de guerra colonial, é-nos dado por Salgueiro Maia, ao referir-se à caricata figura do major Gaspar, cuja irreverência abeirava-se da loucura, aliás, motivo pelo qual acabou ser hospitalizado:
“ (...) o major Gaspar vai comandar o CAOP 2 em Mansabá, onde, dando boa conta do recado, é solicitado para se deslocar a Bissau, à reunião semanal do Com. Chefe, onde deveria ser salientado o seu comportamento. Só que a coluna que, vinda de Farim, o devia transportar a Bissau nunca mais chegava. Farto de esperar, avança para Mansoa só com o condutor, percorrendo um itinerário onde eram frequentes as emboscadas, pois passava ao lado do Morés. À sua chegada a Mansoa, umas centenas de elementos da população agitam-se, pegando nas suas mercadorias com vista a ocupar lugar na coluna. Aí, o major Gaspar acha conveniente mandar parar o jipe. A população acerca-se e ele explica: «Meu povo, permaneçam mansos, porque a coluna ainda não vem aí, só vem o Gaspar.» Continua só em direcção a Bissau. Começa por visitar os seus amigos paras à entrada da cidade, depois o seu amigo director do Hospital Militar, os seus amigos comandos, etc. Entra em Bissau feliz e, desejando dar saída à sua alegria, descobre que o único sítio da Guiné onde havia uma peanha para um polícia dirigir o trânsito tinha um PSP guineense, que o major Gaspar considerou estar a fazer mal o seu trabalho. Fez parar o jipe ao lado da peanha e fez sair o polícia do sítio e, de pistola-metralhadora ao pescoço, o major Gaspar foi dirigir o trânsito. Lá, como noutros sítios, os condutores, apesar de na maioria serem militares, não eram obedientes, e assim o nosso amigo fartou-se de desobediências. Tanto, que atirou uma rajada por cima de urna camioneta da engenharia militar que não lhe obedeceu. Continuou em funções, mas surge mais uma camioneta, do Depósito de Adidos, que também não lhe obedece, e aí vai o resto do carregador. O Palácio do Governo, onde se encontrava o general Spínola, distava uns 400 m em linha recta, pelo que os disparos eram nítidos e originaram que a polícia do Exército fosse chamada ao local. Postas perante a realidade, as entidades competentes determinaram a baixa à neuropsiquiatria do major Gaspar. Mas alguns, suficientemente conhecedores da maneira de ser do «doente», conseguiram autorização para o director do Hospital Militar convencer o major a descansar uns dias no Hospital, onde os amigos o visitaram com assiduidade, criando talvez o único período de verdadeiro descanso e convívio que este homem teve ao longo de vários anos de guerra e de guerras com o sistema. As histórias do major Gaspar foram para muitos combatentes o escape natural nas vicissitudes da vida em campanha; quem o conheceu guarda dele a imagem do lutador pela dignidade e pela justiça, a certeza de que a sua luta foi imortal (...) ”[19].
Beja Santos
Outro traço comum aos literatos da guerra colonial é a forma como exteriorizam de forma pungente a vontade de regresso à terra. Nesse sentido é significativo a imagem que Beja Santos nos fornece, logo ele que, na sua comissão pela Guiné era também fotógrafo, aliás, razão porque operou de forma transcendental a transposição para o campo literário das suas imagens fotográficas. Diz ele: “ (...) Fotografias? Sim, mas também sinais trémulos de asco e alegria incontida no sacrifício inútil. Estas fotografias a preto e branco são fogo e água. Crianças a caminho de homens. Defuntos despojados de olhos pávidos e conflitos sibilinos. Amigos de abandono. Como um poeta que dilacera o vagido do poeta, tenho um álbum, um animal feroz, estes cabelos, esta arma, esta vontade de regressar já a Lisboa. Foi assim e não foi. Peco-vos, por último, o corpo da compreensão. Nenhuma palavra, som, barco, amigo, amanhecente equatorial, falta aqui. O meu álbum é um viaduto aberto à côncava galáxia. Nestes álbuns de militar em campanha na última guerra de Portugal, a obra de amor em português fulge no silêncio. A preto e branco. Células vivas que povoam a nossa resistência à barbárie. Fotografias da guerra do fascismo. Terraços a prumo. (...) As minhas e as vossas fotografias gritam: não esmoreçam; na vossa bolanha continuai a lavrar. A minha câmara dispara fotografias em série, feita trem e luar textual. Cada fotografia é um concerto polar, sangue lustral de esperança. Repito: a preto e branco. Afinal, a cor dos actores. (...). Encerro o meu álbum. Despeço-me desta poalha afectiva. Em cada fotografia deixo um poeta perene, atado ao peso do próprio feito. E porquê? Porque houve uma guerra onde preparámos a fotografia da paz. Não se mexam. Fixo-vos para todo o sempre (...) ”[20].
Outra temática sobremaneira recorrente na Literatura de Guerra Colonial prende-se justamente o confronto com o “outro civilizacional”, esse “outro” estranho, simultaneamente compreensível e incompreensível, o qual, aliás, despoletou toda uma narração que testemunha a perplexidade inicial dos europeus transpostos para a África, secundando-o, obviamente, tentativas de elucidação das mesmas. Esse “outro”, para lá das agruras da guerra e da diferente coloração do guineense, também contemplava uma geografia e uma paisagem adversas que provocavam, para lá do medo, outras reacções, próprias do homem. Disso nos dá conta Armor Pires Mota ao dizer que “ (...) quem entra pela primeira vez na selva sente um mundo diferente, terrível, negro e agressivo. Quem entra, de arma aperrada, passo miúdo e silencioso, sabe que, mais perto ou mais longe, pode saltar a onça, o inimigo, com armas que vieram de Praga ou Moscovo. Mundo terrível. São cantos de aves medonhas como agouros, são os pesados e sinistros. São ruídos trazidos no vento por entre o capim. No capim o vento aguça a voz que parece vir de fojo de serpentes. São grunhidos de macacos, gritos selvagens que nos bolem com o ser. Por isso, os olhos de cada um dos soldados são faróis, o coração bate e treme todo à flor da pele (...)[21]”.
Fernando V. Pinheiro
Omnipresente, era também a temática da morte. O medo da própria morte, a dor da morte do companheiros de campanha, o acto de ter que matar para não morrer. É a imagem que nos transmite Fernando V. Pinheiro ao confessar-se “ (...) um pouco assustado comigo mesmo, podes crer, porque no momento em que ficámos de peito feito freme aos guerrilheiros, no primeiro recontro debaixo de fogo, nem as misérias dos «deuses guerreiros» lá da terra nem o sorriso luminoso dos filhos foram suficientemente capazes de se sobrepor à intensidade da febre provocada pelo vermelho vivo das balas que nos procuravam. Apenas uma sensação indefinida como aquela que agora me avassala talvez um misto de medos recalcados e o desejo alarve de matar para não morrer, ou a vitória funesta do raciocínio frio sobre a coerência da parte humana que habita em todos nós (...) ”[22].
No mesmo sentido, Armor Pires Mota deixa-nos de forma crua a emoção de ter participado numa luta de morte ou de vida:
(...) Regresso da metralha, Senhor!
A luta foi terrível, feroz,
E sujei as mãos de sangue
E lama
E matei para ganhar horas de vida (...) ”[23]
Marcos Vidigal
Nesse exercício de sublimação colectiva, a música apresentava-se como o melhor paliativo espiritual, numa mescla e que eram adaptadas as letras das canções à sua situação de sofrimento, denotando estas adaptações alguma consciencialização contra a própria guerra. Havia inevitavelmente uma guitarra para pretensos ou reais tocadores e uma data de fadistas prontos a provar que não existe audiência menos exigente do que a de soldados em teatro de guerra. Assim, a rígida separação entre oficiais, sargentos e praças, que a tropa tanto prezava, há muito se havia diluído, pelo que os galões e divisas só tinham significado se traduzissem coragem, capacidade de comandar, solidariedade efectiva e respeito, muito respeito, pela vida e individualidade de cada um. Tal ambiente, acentuado sobretudo a partir de 1968 – sintomaticamente, altura em que o PAIGC endurece o ritmo, a intensidade e a violência da guerra, aliás, ambiente esse que Marcos Vidigal descreve com particular perspicácia:
“ (...) Num certo dia, igual a tantos outros, havia uma excitação desusada no Comando Operacional. As últimas notícias confirmavam a ideia de que o PAIGC preparava uma acção de grande envergadura na zona. Onde será? Interrogava-se o oficial de informações debruçado sobre mapas e relatórios. Chegaram mais mensagens, agora da Companhia do Saltinho e do Quartel-General, mas nada de novo. São mais notícias, a juntar às muitas outras que se acumulavam na pasta de trabalho, sem que fosse possível tirar conclusões. Por enquanto apenas papéis sem sentido, que ficavam todos esborratados quando se colavam ao suor dos braços apoiados na mesa. (...) O oficial de informações voltou para os seus papéis – a sua preocupação era mais do que evidente. Mas as horas passavam e os enigmas continuavam. Felizmente, naquela noite, não houve nenhum ataque na Zona Leste, o que quase se poderia considerar uma excepção. Quando os havia, metia medo mesmo para quem estava longe; na tranquilidade das planuras da Guiné, a quarenta quilómetros de distância, viam-se os clarões e ouvia-se claramente, tanto o crepitar das armas ligeiras como o estrondo infernal dos rebentamentos. Era assustador! (...) Mais mensagens do centro de transmissões – será que desta vez vão aparecer notícias a sério? – O oficial de informações devora-as, com a vista a correr, na ânsia de encontrar elementos mais concretos. Ah! Finalmente parece que tudo começa a ficar mais claro, o «puzzle» joga certo.
Na manhã seguinte, realizou-se o «brieffing» diário, na sala de informações com a presença de todos os oficiais do comando, como era habitual. Começou por falar o oficial de informações:
– Notícias recebidas recentemente levam-nos a admitir que o PAIGC prepara uma operação de grande envergadura, provavelmente uma flagelação à cidade de Bafatá, que deverá ter lugar nos próximos dias. Estas notícias vêm ao encontro da informação recebida do Quartel-General, de que um alto responsável inimigo declarou, em entrevista a um jornal europeu, que além das áreas onde já exercem soberania, têm liberdade de movimentos em grande parte do território e que a cidade de Bafatá está ao seu alcance. O comandante, que não conseguia esconder o seu nervosismo, atalhou:
– Mas então há alguns indícios sobre o dia do ataque?
– Meu comandante, se me permite, já lá chegaremos.
– Continue lá – continue lá.
– Pois conforme já referi, é previsível que a acção tenha lugar nos próximos dias, por ter sido detectada volumosa concentração de inimigos junto à fronteira com a República da Guiné, na região de Gabú. Tendo em atenção as Ultimas acções verificadas na região, é de admitir que o efectivo a empenhar seja da ordem dos quatro bigrupos – portanto entre duzentos a duzentos e oitenta homens.
- E o senhor oficial de operações o que é que tem a dizer – perguntou o comandante.
- Como é do conhecimento de todos, desde que a companhia de pára-quedistas recolheu a Bissau, que este comando não dispõe de qualquer força de intervenção. A pressão, que se continua a sentir ao longo de toda a fronteira norte, impede que se desfalquem as unidades responsáveis naquela área para reforçar o sul. Continua a não se poder contar com o apoio aéreo, visto os pilotos se recusarem a voar enquanto não for conhecida a natureza dos mísseis antiaéreos do PAIGC e a forma de lhes fazer face. Tendo em atenção a previsão dos efectivos empenhados pelo inimigo e o desgaste a que têm sido submetidas as várias unidades que se situam nos itinerários previsíveis para Bafatá, será de considerar o reforço deste comando com três companhias, uma para ser atribuída ao batalhão de Bafatá, outra para o de Galomaro, e a terceira, que deverá ficar à disposição deste comando, como sua força de intervenção.
Bem, faça já uma mensagem para o Quartel-General dizendo que, tendo em vista a possibilidade de ataque a Bafatá, se solicita reforço urgente deste comando com três companhias. Faça também mensagens para Bafatá e Galomaro, alertando para a possibilidade de ataque a Bafatá e ordenando a montagem de emboscadas nos itinerários de acesso, em especial Cansamba Jau, Cantaúde e Ponte de Anambé. Mas, meu comandante, olhe que neste momento cada uma das companhias poderá dispor quando muito, de um pelotão para empenhar nas emboscadas, e os homens poderão ter de se confrontar com três ou quatro bigrupos inimigos, sem disporem de apoio aéreo.
O que é que quer que eu lhe faça? Ou tem alguma alternativa para sugerir?
Não, meu comandante. O ar estava carregado e o calor parecia ainda mais quente. Maldita guerra que nunca mais tem fim! Naquele fim de tarde a ponte das bajudas[24] ficou vazia, tal era a preocupação de todos. Já ao cair da noite apareceu o alferes Pires. Vinha de Bissau, de regresso à sua companhia, que era em Cabuca, para onde seguiria no dia seguinte. Como sempre fazia-se acompanhar da viola.
– Ah! grande Pires, ainda bem que apareces. Venha de lá esse abração. Então quais são as novidades de Bissau? – Quase berrava o Vasques pulando com a alegria de ver o amigo.
– Ora! a mesma merda de sempre. Agora há para lá uma «guerra» por causa dum congresso dos combatentes que ainda não percebi bem o que é. Sei é que anda tudo doido. Olha, já só me faltam três meses para me pôr a andar e isso é o que me interessa.
– Se eu pudesse dizer o mesmo. Ainda tenho de aguentar mais um ano se isto durar até lá. Olha, reunimo-nos logo à noite no meu quarto. Tá bem?
– Ok, Ok, lá estarei.
– Tenho lá um bagaço que até faz cantar quem não tem voz, como eu. Entro com o bagaço e tu com a viola.
– Ok, é mesmo disso que eu estou a precisar.
À noite cantou-se até altas horas. O Zeca Afonso e o Adriano Correia de Oliveira era como se estivessem ali presentes. O Pires sabia-as todas e, quanto a voz, também não ia nada mal. O major das informações, os dois capitães milicianos adjuntos do comando, o alferes da acção psicológica e o das transmissões, além do Pires, passaram uma noite que decerto nunca mais esquecerão por mais anos que vivam. No auge da guerra, com o espectro da derrota a curto prazo, havia qualquer coisa de místico e de ritual – as rimas chicoteavam e as palavras calavam fundo porque exprimiam os sentimentos de todos:
..........................................
..........................................
No chão do medo tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos na noite abafada
Jazem nos fossos vítimas dum credo
E não se esgota o sangue da manada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Menina dos olhos tristes
O que tanto a faz chorar
O soldadinho não volta
Do outro lado do mar
O soldadinho já volta
Está quase mesmo a chegar
Veio numa caixa de pinho
Desta vez o soldadinho
Nunca mais se faz ao mar
Para terminar todos cantaram em coro uma canção muito conhecida dos militares da Zona Leste. Tinha a música do Guantanamera, então muito em voga, e a letra – sabe-se lá – era de algum militar com veia de poeta:
Vão à bardamerda
Com esta merda da guerra
Eu sou um pobre soldado
Que vim para o ultramar
Obrigado
A pela pátria lutar (...)”[25]
Pela última estrofe deste poema (adaptado), descortina-se na Literatura de Guerra Colonial sobre a Guiné que estes literatos-soldados acabaram por ser alvos de um profundo processo de auto-consciencialização com a própria guerra. De facto, abjura-se quase sempre os mais elementares conceitos estratégicos de defesa, designadamente os que foram colhidos noutras guerras e transportados dogmaticamente para os compêndios e as salas de aulas da Academia Militar, na medida em que para eles a guerra era para ser feita pelos soldados e pelos oficiais e sargentos milicianos, uns e outros sem qualquer preparação prévia, antes arrancados abruptamente das suas famílias e dos seus amigos, com ordens expressas para matar ou morrer. Por outro lado, o contacto com as populações, as afeições várias que daí resultaram, se não conduziram de imediato a compreensão e a aceitação das reivindicações independentistas sustentada pelo movimento de libertação a quem combatiam, conduziram ao menos a uma espécie de cumplicidade interactiva – tão próprias do português e das gentes da Guiné – isto é, a cumplicidade entre os soldados-literatos e a população, passando, na já imensa produção literária da guerra colonial a olhar as mesmas estas como alvos e vitimas da opressão do Estado Novo.
Daniel Gouveia
Na realidade, já o referimos, rapidamente o PAIGC caminhava a partir de 1968 para uma guerra de tipo convencional sem todavia abandonar completamente a táctica de guerrilha, o que lhe permitia fustigar com os modernos e eficazes armamentos bélicos os soldados portuguesas praticamente reduzidos a quadrícula e aos aquartelamentos e recolher de seguida às bases, algumas situadas no além-fronteiras. Nesse sentido, a clausura a que os soldados estavam sujeitos, associados as acções de constantes ataques de que eram alvos, propiciavam ainda mais as condições para neuroses de vários tipos. Referindo-se a estas, Daniel Gouveia considera e bem que “(...) a cerca de arame farpado fazia do quartel um cárcere, pouco diferente de um campo de concentração. Tinha até postos de vigia a toda a volta. A única diferença era os vigilantes estarem virados para fora e não atentos a cada passo dos presidiários. Melhor era andar em operações. Na mata, ao menos caminhava-se, havia um destino, uma missão (...)[26].”
Ao que acrescenta Carlos de Matos Gomes, dizendo que na Guiné “(...)a guerra tinha ultrapassado o limite. As duas últimas operações dos generais Spínola e Bettencourt Rodrigues, na Guiné, envolveram vários batalhões, navios e outros meios próprios de uma guerra convencional. A situação invertera-se: eram os militares a colocar as minas e a rebentar pontes para que os guerrilheiros não chegassem aos seus quartéis (...)[27]”
Ouvem-se os gritos na noite abafada
Jazem nos fossos vítimas dum credo
E não se esgota o sangue da manada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada
Menina dos olhos tristes
O que tanto a faz chorar
O soldadinho não volta
Do outro lado do mar
O soldadinho já volta
Está quase mesmo a chegar
Veio numa caixa de pinho
Desta vez o soldadinho
Nunca mais se faz ao mar
Para terminar todos cantaram em coro uma canção muito conhecida dos militares da Zona Leste. Tinha a música do Guantanamera, então muito em voga, e a letra – sabe-se lá – era de algum militar com veia de poeta:
Vão à bardamerda
Com esta merda da guerra
Eu sou um pobre soldado
Que vim para o ultramar
Obrigado
A pela pátria lutar (...)”[25]
Pela última estrofe deste poema (adaptado), descortina-se na Literatura de Guerra Colonial sobre a Guiné que estes literatos-soldados acabaram por ser alvos de um profundo processo de auto-consciencialização com a própria guerra. De facto, abjura-se quase sempre os mais elementares conceitos estratégicos de defesa, designadamente os que foram colhidos noutras guerras e transportados dogmaticamente para os compêndios e as salas de aulas da Academia Militar, na medida em que para eles a guerra era para ser feita pelos soldados e pelos oficiais e sargentos milicianos, uns e outros sem qualquer preparação prévia, antes arrancados abruptamente das suas famílias e dos seus amigos, com ordens expressas para matar ou morrer. Por outro lado, o contacto com as populações, as afeições várias que daí resultaram, se não conduziram de imediato a compreensão e a aceitação das reivindicações independentistas sustentada pelo movimento de libertação a quem combatiam, conduziram ao menos a uma espécie de cumplicidade interactiva – tão próprias do português e das gentes da Guiné – isto é, a cumplicidade entre os soldados-literatos e a população, passando, na já imensa produção literária da guerra colonial a olhar as mesmas estas como alvos e vitimas da opressão do Estado Novo.
Daniel Gouveia
Na realidade, já o referimos, rapidamente o PAIGC caminhava a partir de 1968 para uma guerra de tipo convencional sem todavia abandonar completamente a táctica de guerrilha, o que lhe permitia fustigar com os modernos e eficazes armamentos bélicos os soldados portuguesas praticamente reduzidos a quadrícula e aos aquartelamentos e recolher de seguida às bases, algumas situadas no além-fronteiras. Nesse sentido, a clausura a que os soldados estavam sujeitos, associados as acções de constantes ataques de que eram alvos, propiciavam ainda mais as condições para neuroses de vários tipos. Referindo-se a estas, Daniel Gouveia considera e bem que “(...) a cerca de arame farpado fazia do quartel um cárcere, pouco diferente de um campo de concentração. Tinha até postos de vigia a toda a volta. A única diferença era os vigilantes estarem virados para fora e não atentos a cada passo dos presidiários. Melhor era andar em operações. Na mata, ao menos caminhava-se, havia um destino, uma missão (...)[26].”
Ao que acrescenta Carlos de Matos Gomes, dizendo que na Guiné “(...)a guerra tinha ultrapassado o limite. As duas últimas operações dos generais Spínola e Bettencourt Rodrigues, na Guiné, envolveram vários batalhões, navios e outros meios próprios de uma guerra convencional. A situação invertera-se: eram os militares a colocar as minas e a rebentar pontes para que os guerrilheiros não chegassem aos seus quartéis (...)[27]”
Aliás, mesmo antes de 1968, a avaliar pela experiência de Armor Pires Mota, pode-se concluir-se de que já era perceptível no seio das forças armadas portuguesa o questionamento do “inimigo”: "Quem é o inimigo? Porque nos combatemos mutuamente? Porque somos igualmente o inimigo do ponto de vista de quem combatemos?. Dir-se-ia constituírem estas e outras indagações afins acerca do inimigo a panóplia dos questionamentos que os soldados colocavam. Com efeito, diz-nos Armor Pires Mota que “(...) não é a floresta tentacular que me curva a alma. É este não saber a terra que piso, a água que bebo, o ar que respiro. É não saber a verdadeira cor do inimigo (a cor negra não é a sua cor). Esta não é uma guerra aberta. É uma guerra absurda, cega, permanente, sem quartel. É um atirar de pedra e esconder a mão (...)”[28].
Gustavo Pimenta
Mas é Gustavo Pimenta é quem, nesse sentido, nos fornece uma imagem sarcástica da guerra, ao dizer que “(...) deslocarmo-nos para as tarefas mais comezinhas, para uma simples mijada fora do abrigo, tornara-se numa espécie de jogo do gato e do rato. Nunca sabíamos se eles estavam à coca e nos sairia na rifa o tiro isolado do dia. Aos mais afoitos, ou mais loucos, já lhes dava, às vezes, para subirem ao alto de um abrigo e despejarem insultos a tudo quanto fosse guerrilheiro inimigo e respectiva família, enquanto evidenciavam convenientes manguitos. Foram os mais insustentáveis tempos da nossa guerra. As múltiplas inscrições que o pessoal foi colocando, em estacas ou nas árvores, um pouco por todo o lado, eram significativas. As imediações do quartel, a maior ou menor distância, eram patrulhadas diariamente segundo um esquema que nos permitia ter sempre pessoal na mata, fora do perímetro defensivo. Simultaneamente, estava sempre um grupo de combate preparado para sair em socorro dos que estavam em patrulha ou emboscados. O outro dos três grupos operacionais descansava. Esta atitude, se bem que nos tenha proporcionado frequentes e violentos combates com as forças do PAIGC, sobretudo no início, revelava-se vital para a nossa sobrevivência. Se nos víssemos remetidos a viver permanentemente dentro do arame farpado, rapidamente estaríamos reduzidos a uma força desmoralizada e incapaz de enfrentar com dignidade o olhar que o espelho nos devolvia. Para além disso, importava não consentir que a indisciplina pudesse minar a nossa capacidade de resistir, ou que a desocupação acolhesse os inevitáveis maus presságios que a situação facilitava. Não era difícil admitir ser alta a probabilidade de o regresso a Portugal se verificar numa caixa de chumbo tapada com quatro tábuas (…)[29]”.
Salgueiro Maia descreve-nos, também de forma pungente, a forma como a morte o afectou, e como aquela guerra que era feita de mortes o guindou para a uma tomada de consciência para a necessidade de uma revolução que bulisse com os fundamentos do Estado Novo. Eis o relato:
“ (...)A acção decorre na Guiné no ano de graça de 1973, num Maio em fim de época de chuvas Pelas 7 horas, ouviu-se forte tiroteio, pelo que, tendo-me dirigido ao rádio, ouvi grossa confusão de pedidos de apoio aéreo, de apoio de artilharia, de evacuação, etc. Para cúmulo, tudo aquilo partia de um destacamento a cargo de um pelotão da minha companhia e sem eu ter conhecimento de qualquer acção das NT' nessa zona. Face à confusão no rádio e ao desconhecimento do que se passava na zona, segui para o meu destacamento com o efectivo disponível, que eram dez homens. No destacamento de C., transformado em posto de comando avançado, amontoavam-se, sentados no chão, cerca de 150 homens, que se encontravam de reserva; o ambiente era de nervosismo.
"Pouco depois de ter chegado, novo contacto do PAIGC com outro bigrupo das NT. Dos primeiros contactos resultaram seis mortos para as NT, incluindo três milícias, vários feridos graves e o destroçar do bigrupo, que deixou no terreno os mortos com tiros de armas ligeiras. Na fracção de segundo em que, deitado no chão, tento perceber o que está a acontecer, começamos a ouvir como que o barulho de aviões a jacto. São os «jactos do povo», foguetões de 122 mm, que o PAIGC atira para a povoação sede do batalhão. Como a guerra não é connosco, mando retirar. O ferido na perna é acondicionado com as roupas do morto e todos os panos disponíveis na caixa do Unimog. O cabo enfermeiro segue sentado a seu lado com um frasco de soro nas mãos. O morto é colocado ao lado, embrulhado num pano de tenda; tem o peito aberto, parece um porco no talho.
"Pouco depois de iniciar o regresso, o ferido na perna morre. Nunca falou ou gritou. Guardo dele uns olhos assustados a brilhar numa pele branca e seca, a ficar vazia de vida, porque, em 60 homens, ninguém sabia o mais elementar em primeiros socorros: fazer um garrote.
"Chego ao destacamento de C. Está à minha espera uma coluna com ambulância para evacuar os feridos por terra. O médico do batalhão receita injecções e dá conselhos aos enfermeiros. Sigo no Unimog, que agora só tem cadáveres. Agradeço ao pessoal que saiu comigo a sua dedicação e digo-lhe que, mais que os agradecimentos, a nossa consciência nos recompensará. Mando preparar a minha secção para regressar ao meu destacamento. Enquanto se forma a coluna para Bissau e o meu pessoal se prepara, dou comigo a contemplar os mortos de boca e olhos abertos, com aspecto de quem não compreende nada do que aconteceu. Mecanicamente, tiro os atacadores das botas dos mortos, ato-lhes os queixos, ponho-lhes as mãos em cruz, os pés juntos. Com a água do cantil molho-lhes os olhos e fecho-lhos. Olho para a minha obra e também não entendo. Entretanto, os seus camaradas contemplam de longe, mas não se acercam. Ainda agora, sempre que um senhor general da «brigada do reumático» diz que «a guerra estava ganha» me vem à memória a morte estúpida daqueles homens e a vitória que eles ajudaram a preparar(...)”[30].
Foi efectivamente a guerra colonial na Guiné que despertou nos soldados em geral e nos soldados-literatos em particular uma aguda consciência política , consciência essa que, avolumando-se, viriam a implodir o 25 de Abril. Socorremo-nos mais uma vez de Beja Santos que sobre escreveu o seguinte:
“(...)foram vinte e seis meses e dezassete dias, que vi a surucucu mortal, que enterrei os miolos de Madiu Colubali, que são fotografias a preto e branco, sabedoras, cavaleiros fulas, a retórica da bandeira portuguesa, catanas sem capim, ditos e desditas. Deste homem guardo um memorial sem fé, mas o rascunho definitivo de todos os moinhos de que uma só esperança é a mó e velas da tribulação ao vento. Falo-vos verdade: não tenho medo desta câmara escura, um pouco ardente de tanto chicote colonial e maratona no sentido inverso da história. Nem sofro de pesar. Porque venceu quem tinha Pátria. Porque em todos nós o capim despontou da lama. E aprendemos a atravessar bolanhas de arroz e lodo fétido. Aqui, inexoravelmente, nasceu-me a fonte de Abril. Quando outros, por emboscada, golpe de mão, mina, bazucada, subiam a pulso o seu dia de Abril (...)”[31].
É justamente essa aguda consciência de que um outro autor, Fernando V. Pinheiro, faz eco, através da evocação e espezinhar da ideologia colonial do Estado novo. Pungente na sua narrativa, este autor, a dado passo da sua obra, remata:
“(...) repara bem, aqui, onde o nacionalismo balofo dos governantes de além-mar não passa de um mero exercício de retórica apodrecida e se impõe o raciocínio mais frio para podermos sobreviver sem «vender a alma ao diabo», não há mistérios de qualquer natureza em tudo quanto se move à nossa volta, nem se deve confundir uma guerra de libertação com outra de rapina(...)Se te lembras das aulas «teóricas», as colónias dos governantes, dos exploradores e dos seus medíocres propagandistas, eram o prolongamento natural do nosso país e só por isso se justificava que o melhor da nossa juventude lá morresse, ou deixasse um pedaço do seu corpo sem um queixume de raiva ou uma interrogação de desespero, porque, se nada mais houvesse, «a pátria sempre recompensa os seus heróis com honras e medalhas mesmo que elas tenham de ser concedidas a título póstumo(...)”[32].
Rui Alexandrino Ferreira
Podíamos desdobrar-nos em exemplos afins para ilustrar essa profunda tomada de consciência política que diversos autores fizeram referência. Porém, paradoxalmente, esta mesma guerra, não obstante as agruras que lhe eram intrínsecas, permitiu a alguns soldados, como tão bem demonstra Alexandrino Ferreira, de se tornarem homens, simplesmente mais amadurecidos:
“(...) O nosso comportamento em situação de guerra desdobra-se numa constante dialéctica entre a agressão diária da nossa participação em algo cuja justificação e compreensão não é facilmente perceptível e a permanente recusa dessa mesma participação. O desgaste resultante do enorme esforço físico e ainda maior desgaste provocado pelo afastamento das pessoas que amamos, pela angustia, pela incerteza e, porque não dize-lo, pelo próprio medo e pela necessidade de o suplantar, deixam, inevitavelmente, marcas muito profundas e, em alguns casos, irreversíveis. Todavia, a guerra fez-nos homens. Eventualmente, fizemo-nos homens à pressa, mas, seja como for, ficamos homens (...)”[33].
Alpoím Galvão e Sérgio Pereira
Porém, embora a grande parte da Literatura de Guerra Colonial contemple essa aguda tomada de consciência, autores há que, escrevendo de forma marginal, optaram por uma narração em que simplesmente se encontra ausente esse desalento colectivo. Nessas obras, ausentes também estão o medo, a mote ou uma perspectiva de culpabilização do regime ou do sistema. Ora, essas ausências são largamente compensadas por uma narrativa quase acéfala, isto é, desprovido das pieguices das ideologias, remetendo o leitor para a leitura dessa outra perspectiva, que é a dos militares que, assumindo-se plena e absolutamente como tal, apenas se preocuparam com a observância da obrigação e disciplina militares. É, entre outros, os casos de Alpoim Calvão ou de Sérgio Pereira, ambos autores do livro Contos de Guerra[34]”.
Neste livro, os autores, essencialmente o primeiro, geralmente considerado como o temível combatente português da guerra colonial, narra o espírito guerreiro despido de qualquer sentimento de culpa ou interrogações existenciais. Aliás, na sua narrativa, a morte surge como uma fatalidade natural no cenário da guerra, privilegiando nelas o enaltecimento da camaradagem e a coragem das forças especiais que estiveram sob o seu comando, fazendo contrastar a sua bravura com àqueles a quem, pretensa ou realmente, se pautaram pela indisciplina e pela cobardia, apelidando-as depreciativamente, de “tropa magala”, segundo as palavras do autor. Como quer que seja, esta está longe de ser a temática dominante da Literatura sobre a guerra colonial da Guiné. É-a aguda consciência que levava a generalidade dos soldados e geral e os soldados-literatos em particular a compreenderem que aquela guerra não era propriamente sua e o que interessava era cumprir a missão e regressar vivos a Portugal, chegando mesmo algumas as unidades de combate do Exército português a fazerem tudo para evitar recontros violentos com os combatentes do PAIGC, havendo casos em que as mesmas estabeleciam, com estes últimos, acordos tácitos ou explícitos para que não se incomodassem mutuamente, como de resto ilustra um trecho da autoria de Marcos Vidigal:
“(...) De Bissau chegou, via aérea, uma companhia de pára-quedistas desfalcada, único reforço possível, mas diminuto, tendo em conta as três consideradas necessárias. Seguiram de imediato para reforçar a Companhia de Cancolim, pertencente ao Batalhão de Galomaro, por se considerar que era ali que poderia ser travado o avanço da coluna inimiga.
Passados dois ou três dias, uma força constituída por cerca de cinquenta homens desta Companhia, estava então emboscada em Cansamba Jau, ponto de passagem considerado importante. Era manhã e um soldado afastou-se – o corpo tem as suas imposições. Passado algum tempo, regressa ofegante e apavorado.
– Meu alferes, estão ali manga de turras.
– O quê? Tu’ tás é parvo!
– Já lhe disse meu alferes, venha cá ver.
E era verdade. Tranquilamente, dispostos numa clareira, cerca de sessenta guerrilheiros ouviam as instruções que lhes eram transmitidas pelo seu comandante. O alferes lá foi deslizando sem ser visto, para estudar o terreno e poder decidir como reagir, quando localiza um segundo grupo noutra clareira e ainda um terceiro noutra. Que fazer com os seus cinquenta homens, em terreno que não era favorável, perante aquela avalanche? Nunca tinha sentido o medo a entrar-lhe pelos poros com tanta força. Ter medo é natural, é preciso é saber dominá-lo e reagir friamente – tinham-lhe ensinado. Mas decidir o quê? A guerra não é minha. Lerpar aqui para defender o quê? O Spínola que venha cá e combata ele. O raio que o parta, desabafava consigo mesmo. Dirigiu-se ao rádio e pediu reforços para Galomaro, onde não os havia; o comandante de Galomaro pediu para Nova Lamego, onde também não os havia; o comandante, em Nova Lamego, informou o Quartel-General em Bissau da situação e pediu apoio aéreo, que já se sabia não existir. O alferes manteve a cabeça fria e tomou a única decisão possível, retirando com a sua tropa para Cancolim, sem ter sido detectado pelas forças inimigas. O coronel comandante era um homem prático e pouco falador. Mantinha a calma em situações difíceis e às vezes conseguia fazer rir os parceiros com as suas tiradas oportunas e cheias de espírito. (...) Apesar de tudo, também ele sentia o absurdo da guerra, mas era preciso aguentar até ao fim da comissão que ainda estava longe – o último que feche a porta! Sabia muito bem que o problema que se vivia ali era de natureza política e que só por essa via se poderia solucionar, mas não se manifestava sobre isso, como é evidente. Pouco dado a gestos heróicos, também não os exigia ou esperava dos seus subordinados. No entanto, tinha de fazer o possível por merecer as estrelas de general e este desaire podia pô-las em causa. Logo no dia seguinte mandou proceder ao reconhecimento do caminho seguido pela coluna inimiga, tendo-se então verificado que ela passara por Cansamba Jau, Cantaúde e Ponte de Anambé, o que significava que as emboscadas tinham sido previstas correctamente e o contacto não podia deixar de se ter verificado. Só que, efectivamente, a coluna do PAIGC se deslocou até à base de ataque, instalou-se, flagelou Bafatá e continuou o seu caminho até regressar ao território da Guiné-Conakry, sem nunca ter sido incomodada.
O comandante deslocou-se a todos os quartéis que tinham tido tropa empenhada na operação. Falou com os comandantes e com os alferes que tinham sido encarregados das emboscadas. Não se mostrava admirado e talvez estivesse mais aliviado que agastado. Afinal tudo correra bem. Para defender as possíveis estrelas de general cumprira a sua obrigação dando a ordem para as emboscadas. Poderia ter sido o responsável moral por muitas mortes, o que afinal não sucedera. Era melhor não agitar muito o assunto. Foi por isso que, as conversas com os alferes pareciam autênticos diálogos de doidos:
– Então, oh senhor alferes, você montou a emboscada no local que lhe foi determinado?
– Sim senhor, meu comandante. – E estava lá ontem à tarde e à noite?
– Com certeza, meu comandante.
– Não viu a coluna inimiga que foi atacar Bafatá? – Não senhor, meu comandante.
– Mas olhe que eles passaram lá.
– Se passaram não os vi, meu comandante (…)”[35].
Outro autor que retrata de forma concisa esta espécie de desejo colectivo de regressar são e salvos, e que se assoberbou das tropas portugueses na Guiné, foi Gustavo Pimenta que nos diz que “(...) restava a ameaça – talvez a única – mais temida: uma mina anti-pessoal que nos inutilizasse para a vida sonhada. A morte era cenário em que já não se acreditava, mas que, apesar de tudo, nos parecia bem mais preferível do que o de deficiente das forças armadas. Com a comissão quase a findar, o sentido da nossa presença em África revelava-se-nos mais opaco do que fora na hora da partida de Portugal. Cada um de nós assumia quotidianamente um duplo objectivo: honrar a nossa condição de combatentes sem pôr em causa o regresso a casa. Inteiros e a mexer. Ao longo dos meses fôramos adquirindo a consciência de que aqueles que combatíamos e nos combatiam não eram o nosso inimigo. Eram apenas a provável hipótese de um futuro reduzido. Mais do que não sentirmos nosso o que defendíamos, o dilema estava em não sabermos, não entendermos, o que estávamos a defender. Eles minavam os trilhos da aventura de cada nosso patrulhamento, emboscavam-nos, atacavam com armas pesadas o almejado sossego do nosso tempo de repouso. E se nos perguntávamos porquê, sobrava a única resposta plausível: queriam que nos fossemos embora. Porque não íamos? Aquela terra, aquelas gentes, por mais hospitaleiras que se nos oferecessem, nada nos diziam. Não éramos dali. Fôramos parar à Guiné como, na roleta das mobilizações, poderíamos ter ido parar a qualquer outra colónia. Coubera-nos em rifa o cu do mundo, dizíamos. Porque o cu do mundo, se existe, é sempre o sítio da nossa perplexa angústia. (...) Não desejávamos a morte, nossa ou deles, mas ninguém abdicava do direito à valentia. Cada combate era sempre uma questão pessoal onde se não prescindia do melhor desempenho. É por isso que os portugueses serão sempre bons soldados (...)”[36].
Conclusões
Ao procurarmos esboçar uma panorâmica da literatura de guerra colonial sobre a Guiné, duas constatações se impõe:
(i) a de que do lado português, praticamente desde o início da guerra, começou a ser notório a existência de uma grande actividade literária, sobretudo por parte dos oficiais subalternos, dado não somente a sua formação, que contrasta com a baixa instrução dos soldados em geral, mas igualmente porque as suas funções especificas eram um chamariz relativamente as actividades literárias sobre a guerra. Consoante o estrato social do soldado-literato e a mundividência que essa literatura espelha, influenciado ou não por uma determinada ideologia [37] ou por factores que decorrem de processos e percursos próprios de socialização, a ideografia dessa literatura privilegia, em termos de conteúdo, aspectos tão variados para além dos atinentes à experiência individual ou colectiva.
(ii) Pela sua abundância e papel acrescido que nela tiveram muito ex-combatentes, a literatura de guerra, quer em forma de poesia como de prosa, desdobra-se ainda em simples narrativas descritiva-análitica, apresentando traços de uma profunda observação sociológica do meio circundante, descortinando-se também nela outros géneros literários, tal como o lírico, o bucólico, a realidade ficcionada (a ficção), o romance, o conto, a poesia, a crónica, o teatro, etc. À propósito, diz-nos João Medina que “ (…) a nossa literatura das guerras coloniais do séc. XX, em suma, não tem paralelo com as suas predecessoras nacionais na capacidade estética, narrativa e até moral de mostrar o horrível, o abominável do negrume das trevas da alma humana: ela é, a seu modo, feita por toda uma geração, a nossa incomparável viagem ao «coração das trevas». O sofrimento, o silêncio e as selvajarias humanas têm ali momentos de incomensurável altitude no registo do horrível, no até ali indizível (…)[38].
(iii) Assim, visando chamar a atenção para a importância que essa literatura vem assumindo, quisemos tão-somente inventariar e partilhar, sumariamente que seja, alguma amostra dos poisos temáticos a ela recorrentes, os quais poderíamos resumir numa só palavra: inquietude. Na realidade, a ideia mais generalizada é a de que toda a gente sente medo na guerra e disso faz eco essa literatura: “tremer de medo", "borrar-se de medo", “ficar paralisado pelo medo", "fugir a sete pés", mas também "entrar em pânico", "perder a calma", ou ficar "fora de si", "tensão", "cagaço", "stress", "nervos", consoante os vários vocabulários transpostos para a Literatura de Guerra Colonial da Guiné com bastante frequência, mas que têm na realidade operacional da guerra um sentido literal[39].
(iv) Mas a guerra era também sinónimo de tão dilatada privação do contacto com as mulheres, o isolamento físico sob todas as suas formas, a abominação da dor, da angústia perante a morte, da agonia em combate, com as tripas furadas ou outras mutilações infligidas pelas armas adversárias; corpos esfacelados, mutilados ou agonizantes, feridos e/ou mortes, emboscadas cruéis, violências espantosas, torturas, fuzilamentos e outras infâmias que, curiosamente, não poupa nenhum dos contendores, nem mesmo o lado da barricada do literato-soldado.[40]”.
(v) Outra temática privilegiada, que é quase transversal as obras que lemos, prende-se com uma quase obsessão em explorar literariamente os contrastes culturais ou civilizacionais, a começar pelos hábitos, a moral, “as estranhas e pitorescas tradições dos guineenses”, o “antiquíssimo”, o “ingénuo” modo de ser dos “indígenas”; a sua “mentalidade primitiva”, “o seu folclore”, “a sua história oral”, os seus “mistérios religiosos”, a candidez nativa de “raças escravas”, enfim, a descrição desse outro mundo de sombras e imagens que se associa a curiosidade sagaz e à imaginação criadora, em cujas entrelinhas se vai desenvolvendo o enredo da guerra, ou seja, a vida obscura e interminável da epopeia do soldado português na Guiné: admirável de energias empreendedoras e activas, de astúcias felinas, de intrigas burlescas ou trágicas, de situações imprevistas, de humor, de simplicidade, de derrotas e triunfos que se arrevesam, para além do tempo vivido numa guerra absurda, atravessada pelo trauma da solidão, o sofrimento pessoal, a derrelicção no meio de uma terra alheia e hostil e o horror físico que os combates em terra estranham engendravam no sentir íntimo dos soldados.
(vi) Por toda essa carga de enorme tédio e privações, há também na literatura de guerra colonial laivos de desprezo por uma burocracia injusta que nunca reconheceu e que tende a não reconhecer o papel desempenhado pelo soldado em nome da pátria, pelo que não escapam à fúria dos soldados-literatos nem os “comandantes de ar-condicionado, nem as estruturas e entidades do aparelho de Estado. A linha de demarcação é sempre acentuada pelos soldados-literatos, como se de duas concepções antagónicas se tratassem – a da experiência vivida na carne, que encontrou o seu tropo na ferida da guerra, e o código oficial da burocracia – sempre em diálogo de surdos, pois representam dois níveis diferentes de registo. É esse realismo extremo que faz com que a Literatura de Guerra Colonial testemunhe, com singular gravidade, o que é viver e morrer na guerra contra “os outros” e até contra si próprio.
(vii) Apesar de em certo sentido a literatura de guerra colonial sobre a Guiné comportar esforços louváveis para dar vida a um momento passado e exaltante e assim apropriar-se desse mesmo passado, deve-se olhar com reservas para a possibilidade de a mesma ser usada como fonte histórica, na medida em que é preciso sempre ter em linha de conta de que ela não foge propriamente à natureza do mito, uma vez que é o resultado de uma categorização que visa compreender e explicar uma realidade complexa pela via das reanimações das categorias conceptuais com que se tenta interpretar uma guerra mutante e sulcada por múltiplas variantes, entre as quais, a das estruturas mentais, do qual dimana, por seu turno, o quadro ideológico que a subjaz.
(viii) Contudo, pela sua qualidade estética e conteudístico, a Literatura de guerra colonial tem vindo a conquistar aos poucos um estatuto próprio no panorama literário português, contribuindo para isso o facto de comportar - para lá de mera descritiva da experiência militar vivida - uma profunda observação sociológica da envolvente antropológica e ontológica, numa inextricável mescla em que o exotismo e o eivado realismo se confundem com mitos que, amiúde, roçam os limites do paroxismo[41].
Julho de 2008
Leopoldo Amado
_________
Notas do autor
[1] Armor Pires Mota é empresário, escritor e jornalista. Nasceu em Águas Boas (Oiã) em 4 de Setembro de 1939: Frequentou o seminário em Aveiro onde cursou Teologia. Exerce desde há uns a esta parte as funções de Director do Jornal da Bairrada.
[Nota de vb: vd. no nosso blogue os seguintes postes:
29 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3100: Bibliografia de uma guerra (29): Romance de Armor Pires Mota: A Cubana que dançava flamenco (Virgínio Briote)
Gustavo Pimenta
Mas é Gustavo Pimenta é quem, nesse sentido, nos fornece uma imagem sarcástica da guerra, ao dizer que “(...) deslocarmo-nos para as tarefas mais comezinhas, para uma simples mijada fora do abrigo, tornara-se numa espécie de jogo do gato e do rato. Nunca sabíamos se eles estavam à coca e nos sairia na rifa o tiro isolado do dia. Aos mais afoitos, ou mais loucos, já lhes dava, às vezes, para subirem ao alto de um abrigo e despejarem insultos a tudo quanto fosse guerrilheiro inimigo e respectiva família, enquanto evidenciavam convenientes manguitos. Foram os mais insustentáveis tempos da nossa guerra. As múltiplas inscrições que o pessoal foi colocando, em estacas ou nas árvores, um pouco por todo o lado, eram significativas. As imediações do quartel, a maior ou menor distância, eram patrulhadas diariamente segundo um esquema que nos permitia ter sempre pessoal na mata, fora do perímetro defensivo. Simultaneamente, estava sempre um grupo de combate preparado para sair em socorro dos que estavam em patrulha ou emboscados. O outro dos três grupos operacionais descansava. Esta atitude, se bem que nos tenha proporcionado frequentes e violentos combates com as forças do PAIGC, sobretudo no início, revelava-se vital para a nossa sobrevivência. Se nos víssemos remetidos a viver permanentemente dentro do arame farpado, rapidamente estaríamos reduzidos a uma força desmoralizada e incapaz de enfrentar com dignidade o olhar que o espelho nos devolvia. Para além disso, importava não consentir que a indisciplina pudesse minar a nossa capacidade de resistir, ou que a desocupação acolhesse os inevitáveis maus presságios que a situação facilitava. Não era difícil admitir ser alta a probabilidade de o regresso a Portugal se verificar numa caixa de chumbo tapada com quatro tábuas (…)[29]”.
Salgueiro Maia descreve-nos, também de forma pungente, a forma como a morte o afectou, e como aquela guerra que era feita de mortes o guindou para a uma tomada de consciência para a necessidade de uma revolução que bulisse com os fundamentos do Estado Novo. Eis o relato:
“ (...)A acção decorre na Guiné no ano de graça de 1973, num Maio em fim de época de chuvas Pelas 7 horas, ouviu-se forte tiroteio, pelo que, tendo-me dirigido ao rádio, ouvi grossa confusão de pedidos de apoio aéreo, de apoio de artilharia, de evacuação, etc. Para cúmulo, tudo aquilo partia de um destacamento a cargo de um pelotão da minha companhia e sem eu ter conhecimento de qualquer acção das NT' nessa zona. Face à confusão no rádio e ao desconhecimento do que se passava na zona, segui para o meu destacamento com o efectivo disponível, que eram dez homens. No destacamento de C., transformado em posto de comando avançado, amontoavam-se, sentados no chão, cerca de 150 homens, que se encontravam de reserva; o ambiente era de nervosismo.
"Pouco depois de ter chegado, novo contacto do PAIGC com outro bigrupo das NT. Dos primeiros contactos resultaram seis mortos para as NT, incluindo três milícias, vários feridos graves e o destroçar do bigrupo, que deixou no terreno os mortos com tiros de armas ligeiras. Na fracção de segundo em que, deitado no chão, tento perceber o que está a acontecer, começamos a ouvir como que o barulho de aviões a jacto. São os «jactos do povo», foguetões de 122 mm, que o PAIGC atira para a povoação sede do batalhão. Como a guerra não é connosco, mando retirar. O ferido na perna é acondicionado com as roupas do morto e todos os panos disponíveis na caixa do Unimog. O cabo enfermeiro segue sentado a seu lado com um frasco de soro nas mãos. O morto é colocado ao lado, embrulhado num pano de tenda; tem o peito aberto, parece um porco no talho.
"Pouco depois de iniciar o regresso, o ferido na perna morre. Nunca falou ou gritou. Guardo dele uns olhos assustados a brilhar numa pele branca e seca, a ficar vazia de vida, porque, em 60 homens, ninguém sabia o mais elementar em primeiros socorros: fazer um garrote.
"Chego ao destacamento de C. Está à minha espera uma coluna com ambulância para evacuar os feridos por terra. O médico do batalhão receita injecções e dá conselhos aos enfermeiros. Sigo no Unimog, que agora só tem cadáveres. Agradeço ao pessoal que saiu comigo a sua dedicação e digo-lhe que, mais que os agradecimentos, a nossa consciência nos recompensará. Mando preparar a minha secção para regressar ao meu destacamento. Enquanto se forma a coluna para Bissau e o meu pessoal se prepara, dou comigo a contemplar os mortos de boca e olhos abertos, com aspecto de quem não compreende nada do que aconteceu. Mecanicamente, tiro os atacadores das botas dos mortos, ato-lhes os queixos, ponho-lhes as mãos em cruz, os pés juntos. Com a água do cantil molho-lhes os olhos e fecho-lhos. Olho para a minha obra e também não entendo. Entretanto, os seus camaradas contemplam de longe, mas não se acercam. Ainda agora, sempre que um senhor general da «brigada do reumático» diz que «a guerra estava ganha» me vem à memória a morte estúpida daqueles homens e a vitória que eles ajudaram a preparar(...)”[30].
Foi efectivamente a guerra colonial na Guiné que despertou nos soldados em geral e nos soldados-literatos em particular uma aguda consciência política , consciência essa que, avolumando-se, viriam a implodir o 25 de Abril. Socorremo-nos mais uma vez de Beja Santos que sobre escreveu o seguinte:
“(...)foram vinte e seis meses e dezassete dias, que vi a surucucu mortal, que enterrei os miolos de Madiu Colubali, que são fotografias a preto e branco, sabedoras, cavaleiros fulas, a retórica da bandeira portuguesa, catanas sem capim, ditos e desditas. Deste homem guardo um memorial sem fé, mas o rascunho definitivo de todos os moinhos de que uma só esperança é a mó e velas da tribulação ao vento. Falo-vos verdade: não tenho medo desta câmara escura, um pouco ardente de tanto chicote colonial e maratona no sentido inverso da história. Nem sofro de pesar. Porque venceu quem tinha Pátria. Porque em todos nós o capim despontou da lama. E aprendemos a atravessar bolanhas de arroz e lodo fétido. Aqui, inexoravelmente, nasceu-me a fonte de Abril. Quando outros, por emboscada, golpe de mão, mina, bazucada, subiam a pulso o seu dia de Abril (...)”[31].
É justamente essa aguda consciência de que um outro autor, Fernando V. Pinheiro, faz eco, através da evocação e espezinhar da ideologia colonial do Estado novo. Pungente na sua narrativa, este autor, a dado passo da sua obra, remata:
“(...) repara bem, aqui, onde o nacionalismo balofo dos governantes de além-mar não passa de um mero exercício de retórica apodrecida e se impõe o raciocínio mais frio para podermos sobreviver sem «vender a alma ao diabo», não há mistérios de qualquer natureza em tudo quanto se move à nossa volta, nem se deve confundir uma guerra de libertação com outra de rapina(...)Se te lembras das aulas «teóricas», as colónias dos governantes, dos exploradores e dos seus medíocres propagandistas, eram o prolongamento natural do nosso país e só por isso se justificava que o melhor da nossa juventude lá morresse, ou deixasse um pedaço do seu corpo sem um queixume de raiva ou uma interrogação de desespero, porque, se nada mais houvesse, «a pátria sempre recompensa os seus heróis com honras e medalhas mesmo que elas tenham de ser concedidas a título póstumo(...)”[32].
Rui Alexandrino Ferreira
Podíamos desdobrar-nos em exemplos afins para ilustrar essa profunda tomada de consciência política que diversos autores fizeram referência. Porém, paradoxalmente, esta mesma guerra, não obstante as agruras que lhe eram intrínsecas, permitiu a alguns soldados, como tão bem demonstra Alexandrino Ferreira, de se tornarem homens, simplesmente mais amadurecidos:
“(...) O nosso comportamento em situação de guerra desdobra-se numa constante dialéctica entre a agressão diária da nossa participação em algo cuja justificação e compreensão não é facilmente perceptível e a permanente recusa dessa mesma participação. O desgaste resultante do enorme esforço físico e ainda maior desgaste provocado pelo afastamento das pessoas que amamos, pela angustia, pela incerteza e, porque não dize-lo, pelo próprio medo e pela necessidade de o suplantar, deixam, inevitavelmente, marcas muito profundas e, em alguns casos, irreversíveis. Todavia, a guerra fez-nos homens. Eventualmente, fizemo-nos homens à pressa, mas, seja como for, ficamos homens (...)”[33].
Alpoím Galvão e Sérgio Pereira
Porém, embora a grande parte da Literatura de Guerra Colonial contemple essa aguda tomada de consciência, autores há que, escrevendo de forma marginal, optaram por uma narração em que simplesmente se encontra ausente esse desalento colectivo. Nessas obras, ausentes também estão o medo, a mote ou uma perspectiva de culpabilização do regime ou do sistema. Ora, essas ausências são largamente compensadas por uma narrativa quase acéfala, isto é, desprovido das pieguices das ideologias, remetendo o leitor para a leitura dessa outra perspectiva, que é a dos militares que, assumindo-se plena e absolutamente como tal, apenas se preocuparam com a observância da obrigação e disciplina militares. É, entre outros, os casos de Alpoim Calvão ou de Sérgio Pereira, ambos autores do livro Contos de Guerra[34]”.
Neste livro, os autores, essencialmente o primeiro, geralmente considerado como o temível combatente português da guerra colonial, narra o espírito guerreiro despido de qualquer sentimento de culpa ou interrogações existenciais. Aliás, na sua narrativa, a morte surge como uma fatalidade natural no cenário da guerra, privilegiando nelas o enaltecimento da camaradagem e a coragem das forças especiais que estiveram sob o seu comando, fazendo contrastar a sua bravura com àqueles a quem, pretensa ou realmente, se pautaram pela indisciplina e pela cobardia, apelidando-as depreciativamente, de “tropa magala”, segundo as palavras do autor. Como quer que seja, esta está longe de ser a temática dominante da Literatura sobre a guerra colonial da Guiné. É-a aguda consciência que levava a generalidade dos soldados e geral e os soldados-literatos em particular a compreenderem que aquela guerra não era propriamente sua e o que interessava era cumprir a missão e regressar vivos a Portugal, chegando mesmo algumas as unidades de combate do Exército português a fazerem tudo para evitar recontros violentos com os combatentes do PAIGC, havendo casos em que as mesmas estabeleciam, com estes últimos, acordos tácitos ou explícitos para que não se incomodassem mutuamente, como de resto ilustra um trecho da autoria de Marcos Vidigal:
“(...) De Bissau chegou, via aérea, uma companhia de pára-quedistas desfalcada, único reforço possível, mas diminuto, tendo em conta as três consideradas necessárias. Seguiram de imediato para reforçar a Companhia de Cancolim, pertencente ao Batalhão de Galomaro, por se considerar que era ali que poderia ser travado o avanço da coluna inimiga.
Passados dois ou três dias, uma força constituída por cerca de cinquenta homens desta Companhia, estava então emboscada em Cansamba Jau, ponto de passagem considerado importante. Era manhã e um soldado afastou-se – o corpo tem as suas imposições. Passado algum tempo, regressa ofegante e apavorado.
– Meu alferes, estão ali manga de turras.
– O quê? Tu’ tás é parvo!
– Já lhe disse meu alferes, venha cá ver.
E era verdade. Tranquilamente, dispostos numa clareira, cerca de sessenta guerrilheiros ouviam as instruções que lhes eram transmitidas pelo seu comandante. O alferes lá foi deslizando sem ser visto, para estudar o terreno e poder decidir como reagir, quando localiza um segundo grupo noutra clareira e ainda um terceiro noutra. Que fazer com os seus cinquenta homens, em terreno que não era favorável, perante aquela avalanche? Nunca tinha sentido o medo a entrar-lhe pelos poros com tanta força. Ter medo é natural, é preciso é saber dominá-lo e reagir friamente – tinham-lhe ensinado. Mas decidir o quê? A guerra não é minha. Lerpar aqui para defender o quê? O Spínola que venha cá e combata ele. O raio que o parta, desabafava consigo mesmo. Dirigiu-se ao rádio e pediu reforços para Galomaro, onde não os havia; o comandante de Galomaro pediu para Nova Lamego, onde também não os havia; o comandante, em Nova Lamego, informou o Quartel-General em Bissau da situação e pediu apoio aéreo, que já se sabia não existir. O alferes manteve a cabeça fria e tomou a única decisão possível, retirando com a sua tropa para Cancolim, sem ter sido detectado pelas forças inimigas. O coronel comandante era um homem prático e pouco falador. Mantinha a calma em situações difíceis e às vezes conseguia fazer rir os parceiros com as suas tiradas oportunas e cheias de espírito. (...) Apesar de tudo, também ele sentia o absurdo da guerra, mas era preciso aguentar até ao fim da comissão que ainda estava longe – o último que feche a porta! Sabia muito bem que o problema que se vivia ali era de natureza política e que só por essa via se poderia solucionar, mas não se manifestava sobre isso, como é evidente. Pouco dado a gestos heróicos, também não os exigia ou esperava dos seus subordinados. No entanto, tinha de fazer o possível por merecer as estrelas de general e este desaire podia pô-las em causa. Logo no dia seguinte mandou proceder ao reconhecimento do caminho seguido pela coluna inimiga, tendo-se então verificado que ela passara por Cansamba Jau, Cantaúde e Ponte de Anambé, o que significava que as emboscadas tinham sido previstas correctamente e o contacto não podia deixar de se ter verificado. Só que, efectivamente, a coluna do PAIGC se deslocou até à base de ataque, instalou-se, flagelou Bafatá e continuou o seu caminho até regressar ao território da Guiné-Conakry, sem nunca ter sido incomodada.
O comandante deslocou-se a todos os quartéis que tinham tido tropa empenhada na operação. Falou com os comandantes e com os alferes que tinham sido encarregados das emboscadas. Não se mostrava admirado e talvez estivesse mais aliviado que agastado. Afinal tudo correra bem. Para defender as possíveis estrelas de general cumprira a sua obrigação dando a ordem para as emboscadas. Poderia ter sido o responsável moral por muitas mortes, o que afinal não sucedera. Era melhor não agitar muito o assunto. Foi por isso que, as conversas com os alferes pareciam autênticos diálogos de doidos:
– Então, oh senhor alferes, você montou a emboscada no local que lhe foi determinado?
– Sim senhor, meu comandante. – E estava lá ontem à tarde e à noite?
– Com certeza, meu comandante.
– Não viu a coluna inimiga que foi atacar Bafatá? – Não senhor, meu comandante.
– Mas olhe que eles passaram lá.
– Se passaram não os vi, meu comandante (…)”[35].
Outro autor que retrata de forma concisa esta espécie de desejo colectivo de regressar são e salvos, e que se assoberbou das tropas portugueses na Guiné, foi Gustavo Pimenta que nos diz que “(...) restava a ameaça – talvez a única – mais temida: uma mina anti-pessoal que nos inutilizasse para a vida sonhada. A morte era cenário em que já não se acreditava, mas que, apesar de tudo, nos parecia bem mais preferível do que o de deficiente das forças armadas. Com a comissão quase a findar, o sentido da nossa presença em África revelava-se-nos mais opaco do que fora na hora da partida de Portugal. Cada um de nós assumia quotidianamente um duplo objectivo: honrar a nossa condição de combatentes sem pôr em causa o regresso a casa. Inteiros e a mexer. Ao longo dos meses fôramos adquirindo a consciência de que aqueles que combatíamos e nos combatiam não eram o nosso inimigo. Eram apenas a provável hipótese de um futuro reduzido. Mais do que não sentirmos nosso o que defendíamos, o dilema estava em não sabermos, não entendermos, o que estávamos a defender. Eles minavam os trilhos da aventura de cada nosso patrulhamento, emboscavam-nos, atacavam com armas pesadas o almejado sossego do nosso tempo de repouso. E se nos perguntávamos porquê, sobrava a única resposta plausível: queriam que nos fossemos embora. Porque não íamos? Aquela terra, aquelas gentes, por mais hospitaleiras que se nos oferecessem, nada nos diziam. Não éramos dali. Fôramos parar à Guiné como, na roleta das mobilizações, poderíamos ter ido parar a qualquer outra colónia. Coubera-nos em rifa o cu do mundo, dizíamos. Porque o cu do mundo, se existe, é sempre o sítio da nossa perplexa angústia. (...) Não desejávamos a morte, nossa ou deles, mas ninguém abdicava do direito à valentia. Cada combate era sempre uma questão pessoal onde se não prescindia do melhor desempenho. É por isso que os portugueses serão sempre bons soldados (...)”[36].
Conclusões
Ao procurarmos esboçar uma panorâmica da literatura de guerra colonial sobre a Guiné, duas constatações se impõe:
(i) a de que do lado português, praticamente desde o início da guerra, começou a ser notório a existência de uma grande actividade literária, sobretudo por parte dos oficiais subalternos, dado não somente a sua formação, que contrasta com a baixa instrução dos soldados em geral, mas igualmente porque as suas funções especificas eram um chamariz relativamente as actividades literárias sobre a guerra. Consoante o estrato social do soldado-literato e a mundividência que essa literatura espelha, influenciado ou não por uma determinada ideologia [37] ou por factores que decorrem de processos e percursos próprios de socialização, a ideografia dessa literatura privilegia, em termos de conteúdo, aspectos tão variados para além dos atinentes à experiência individual ou colectiva.
(ii) Pela sua abundância e papel acrescido que nela tiveram muito ex-combatentes, a literatura de guerra, quer em forma de poesia como de prosa, desdobra-se ainda em simples narrativas descritiva-análitica, apresentando traços de uma profunda observação sociológica do meio circundante, descortinando-se também nela outros géneros literários, tal como o lírico, o bucólico, a realidade ficcionada (a ficção), o romance, o conto, a poesia, a crónica, o teatro, etc. À propósito, diz-nos João Medina que “ (…) a nossa literatura das guerras coloniais do séc. XX, em suma, não tem paralelo com as suas predecessoras nacionais na capacidade estética, narrativa e até moral de mostrar o horrível, o abominável do negrume das trevas da alma humana: ela é, a seu modo, feita por toda uma geração, a nossa incomparável viagem ao «coração das trevas». O sofrimento, o silêncio e as selvajarias humanas têm ali momentos de incomensurável altitude no registo do horrível, no até ali indizível (…)[38].
(iii) Assim, visando chamar a atenção para a importância que essa literatura vem assumindo, quisemos tão-somente inventariar e partilhar, sumariamente que seja, alguma amostra dos poisos temáticos a ela recorrentes, os quais poderíamos resumir numa só palavra: inquietude. Na realidade, a ideia mais generalizada é a de que toda a gente sente medo na guerra e disso faz eco essa literatura: “tremer de medo", "borrar-se de medo", “ficar paralisado pelo medo", "fugir a sete pés", mas também "entrar em pânico", "perder a calma", ou ficar "fora de si", "tensão", "cagaço", "stress", "nervos", consoante os vários vocabulários transpostos para a Literatura de Guerra Colonial da Guiné com bastante frequência, mas que têm na realidade operacional da guerra um sentido literal[39].
(iv) Mas a guerra era também sinónimo de tão dilatada privação do contacto com as mulheres, o isolamento físico sob todas as suas formas, a abominação da dor, da angústia perante a morte, da agonia em combate, com as tripas furadas ou outras mutilações infligidas pelas armas adversárias; corpos esfacelados, mutilados ou agonizantes, feridos e/ou mortes, emboscadas cruéis, violências espantosas, torturas, fuzilamentos e outras infâmias que, curiosamente, não poupa nenhum dos contendores, nem mesmo o lado da barricada do literato-soldado.[40]”.
(v) Outra temática privilegiada, que é quase transversal as obras que lemos, prende-se com uma quase obsessão em explorar literariamente os contrastes culturais ou civilizacionais, a começar pelos hábitos, a moral, “as estranhas e pitorescas tradições dos guineenses”, o “antiquíssimo”, o “ingénuo” modo de ser dos “indígenas”; a sua “mentalidade primitiva”, “o seu folclore”, “a sua história oral”, os seus “mistérios religiosos”, a candidez nativa de “raças escravas”, enfim, a descrição desse outro mundo de sombras e imagens que se associa a curiosidade sagaz e à imaginação criadora, em cujas entrelinhas se vai desenvolvendo o enredo da guerra, ou seja, a vida obscura e interminável da epopeia do soldado português na Guiné: admirável de energias empreendedoras e activas, de astúcias felinas, de intrigas burlescas ou trágicas, de situações imprevistas, de humor, de simplicidade, de derrotas e triunfos que se arrevesam, para além do tempo vivido numa guerra absurda, atravessada pelo trauma da solidão, o sofrimento pessoal, a derrelicção no meio de uma terra alheia e hostil e o horror físico que os combates em terra estranham engendravam no sentir íntimo dos soldados.
(vi) Por toda essa carga de enorme tédio e privações, há também na literatura de guerra colonial laivos de desprezo por uma burocracia injusta que nunca reconheceu e que tende a não reconhecer o papel desempenhado pelo soldado em nome da pátria, pelo que não escapam à fúria dos soldados-literatos nem os “comandantes de ar-condicionado, nem as estruturas e entidades do aparelho de Estado. A linha de demarcação é sempre acentuada pelos soldados-literatos, como se de duas concepções antagónicas se tratassem – a da experiência vivida na carne, que encontrou o seu tropo na ferida da guerra, e o código oficial da burocracia – sempre em diálogo de surdos, pois representam dois níveis diferentes de registo. É esse realismo extremo que faz com que a Literatura de Guerra Colonial testemunhe, com singular gravidade, o que é viver e morrer na guerra contra “os outros” e até contra si próprio.
(vii) Apesar de em certo sentido a literatura de guerra colonial sobre a Guiné comportar esforços louváveis para dar vida a um momento passado e exaltante e assim apropriar-se desse mesmo passado, deve-se olhar com reservas para a possibilidade de a mesma ser usada como fonte histórica, na medida em que é preciso sempre ter em linha de conta de que ela não foge propriamente à natureza do mito, uma vez que é o resultado de uma categorização que visa compreender e explicar uma realidade complexa pela via das reanimações das categorias conceptuais com que se tenta interpretar uma guerra mutante e sulcada por múltiplas variantes, entre as quais, a das estruturas mentais, do qual dimana, por seu turno, o quadro ideológico que a subjaz.
(viii) Contudo, pela sua qualidade estética e conteudístico, a Literatura de guerra colonial tem vindo a conquistar aos poucos um estatuto próprio no panorama literário português, contribuindo para isso o facto de comportar - para lá de mera descritiva da experiência militar vivida - uma profunda observação sociológica da envolvente antropológica e ontológica, numa inextricável mescla em que o exotismo e o eivado realismo se confundem com mitos que, amiúde, roçam os limites do paroxismo[41].
Julho de 2008
Leopoldo Amado
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Notas do autor
[1] Armor Pires Mota é empresário, escritor e jornalista. Nasceu em Águas Boas (Oiã) em 4 de Setembro de 1939: Frequentou o seminário em Aveiro onde cursou Teologia. Exerce desde há uns a esta parte as funções de Director do Jornal da Bairrada.
[Nota de vb: vd. no nosso blogue os seguintes postes:
29 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3100: Bibliografia de uma guerra (29): Romance de Armor Pires Mota: A Cubana que dançava flamenco (Virgínio Briote)
5 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2916: Recortes de Imprensa (5): Armor Pires Mota lança novo romance de temática guineense, A Cubana que Dançava Flamenco ]
[2] Baga-Baga, nome por se designa as térmitas no crioulo da Guiné-Bissau. Porém, também serve para designar os montes de areia que as térmitas pacientemente constroem, chegando as mesmas a atingir dois a três metros de comprimento.
[3] Expressão por que designa no crioulo da Guiné-Bissau o mangal, arbusto marinho que abundam nas bordas dos imensos rios e riachos na Guiné-Bissau.
[4] Mota, Armor Pires, Guiné – Sol e Sangue, Editora Pax, Braga, 1968, p. 62.
[5] Mota, Armor Pires, Guiné – Sol e Sangue, Editora Pax, , Braga, 1968, p. 62.
[6] Ribeiro, Margarida Calafate, Uma História de Regressos: Império, Guerra Colonial e Pós-Colonialismo, site http://www.ces.fe.uc.pt/publicacoes/oficina/188/188.pdf, Centro de Estudos Sociais, p. 29.
[7] Mota, Armor Pires, Guiné – Sol e Sangue, Editora Pax, Braga, 1968, p. 23.
[8] Curiosamente, Amândio César, contemporâneo e amigo de Armor Pires Mota e, em certo sentido seu tutor ideológico, usava amiúde a expressão “terrorista” quando se referia as populações e aos guerrilheiros que estavam do lado do PAIGC, associando-os normalmente aos que foram alvo fácil da “cabala de Amílcar Cabral e do comunismo”.
[9] José Martins Garcia foi oficial de transmissões na Guiné em 1967. Esteve depois em França e Estados Unidos, acabando por voltar aos Açores; é doutorado em Letras com uma tese sobre Fernando Pessoa. Este currículo sobressai na linguagem da sua obra, muito trabalhada, que funde um discurso erudito com o calão mais directo.
[Nota de vb: vd. no nosso blogue o poste de 27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2889: A verdade e a ficção (1): Op Tridente, Ilha do Como, Jan / Mar 1964 (Mário Dias) ]
[10] Garcia, José Martins, O Lugar de Massacre, Circulo de Leitores 1996. A primeira edição, com a chancela das Edições Salamandra data de 1975.
[11] Ribeiro, Margarida Calafate, Op.Cit., p. 27.
[12] Garcia, José Martins, O Lugar de Massacre, Circulo de Leitores 1996, p. 182
[13] Garcia, José Martins, O Lugar de Massacre, Círculo de Leitores, 1996, p.165.
[14] Medina, João, As guerras coloniais em África, Escrita Vária, Sintra, 1998, n.º 5, p. 29
[15] Garcia, José Martins, O Lugar de Massacre, Círculo de Leitores, 1996, p.104
[16] Ribeiro, Margarida Calafate, Uma História de Regressos: Império, Guerra Colonial e Pós-Colonialismo, site http://www.ces.fe.uc.pt/publicacoes/oficina/188/188.pdf , Centro de Estudos Sociais, p. 28.
[17] Pimenta, Gustavo, SaiòmeM – Guerra Colonial, Palimada Editores, 200, pp. 68-70.
[18] Lopes, Daniel Alexandre Seabra, Dissertação de tese mestrado sobre “Ex-combatentes da Guerra Colonial: Experiências e Identidades (Ensaio sobre a construção de um objecto antropológico, ISCTE, 1988, passim.
[19] Maia, Salgueiro, O Acaso, In Capitão de Abril – Memórias da guerra do Ultramar e do 25 de Abril, Editorial Notícias, pp. 56 e 57.
[20] Santos, Beja, Fotografias a Preto e Branco, In Memórias da Guerra Colonial, (Cruz de Guerra), Andrómeda Publicações, 1984, p. 91.
[21] Mota, Armor Pires, Tarrafo, Editora Pax, Braga, 1970, p.30.
[22] Pinheiro, Fernando V., A tragédia desceu do Espaço, In Memórias da Guerra Colonial, (Cruz de Guerra), Andrómeda Publicações, 1984, pp.56-579.
[23] Mota, Armor Pires, Guiné – Sol e Sangue, Editora Pax, , Braga, 1968, p. 28
[24] “Badjuda” ou “Bajudas” são expressões no crioulo da Guiné-Bissau para designar raparigas.
[25] Vidigal, Marcos, As clareiras das emboscadas, In Memórias da Guerra Colonial, (Cruz de Guerra), Andrómeda Publicações, 1984, pp.116-119.
[26] Gouveia, Daniel, Arcanjos e bons demónios : crónicas da guerra de África, Hugin, 2a edição, Lisboa, 2002, p.86.
[27] Citado por Azevedo Rui, A guerra Colonial, Romance Português, Editorial Notícias, 2ª edição, 1998.
[28] Mota, Armor Pires, Guiné – Sol e Sangue, Editora Pax, Braga, 1968, p. 20
[29] Pimenta, Gustavo, SaiòmeM- Guerra Colonial, Op. cit., p. 92-94.
[30] Maia, Salgueiro, Capitão de Abril – Histórias da Guerra do Ultramar e do 25 de Abril – Depoimentos, Editorial Notícias, Lisboa, 1994, pp. 61 e 12.
[31] Santos, Beja, Fotografias a Preto e Branco, In Memórias da Guerra Colonial, (Cruz de Guerra), Andrómeda Publicações, 1984, p.90.
[32] Pinheiro, Fernando V., A tragédia desceu do Espaço, In Memórias da Guerra Colonial, (Cruz de Guerra), Andrómeda Publicações, 1984, pp.55-56.
[33] Ferreira, Rui Alexandrino, Rumo a Fulacunda, Palimage Editores, 2000, p.18.
[34] Calvão, Guilherme Almor de Alpoim e Pereira, Sérgio A., Contos de Guerra, 1ª edição, Lisboa, 1994.
[35] Vidigal, Marcos, In Memórias da Guerra Colonial, As clareiras da emboscada, (Cruz de Guerra), Andrómeda Publicações, 1984, pp.120-121.
[36] Pimenta, Gustavo, SaiòmeM - Guerra Colonial, Palimada Editores, 200, p. 16-17.
[37] Segundo João Medina, “(...) crescimento das universidades, bem como um maior acesso de estratos médios da população ao ensino superior e às academias militares, que se vão tornar pólos de oposição formados por jovens com mais cultura, influenciados pelas mudanças desta década, cristalizadas em acontecimentos como o Maio de 68 ou a guerra do Vietname. As Forças Armadas vão recorrer a um grande número destes jovens, muitos deles atraídos por ideologias de esquerda, e isso vai-se refletir na composição e na mentalidade dos combatentes em África(...)”.
[38] Medina, João, As guerras coloniais em África, Escrita Vária, Sintra, 1998, n.º 5, pp.. 44-45.
[39] Lopes, Daniel Alexandre Seabra, Dissertação de tese mestrado sobre “Ex-combatentes da Guerra Colonial: Experiências e Identidades (Ensaio sobre a construção de um objecto antropológico, ISCTE, 1988, passim.
[40] Medina, João, As guerras coloniais em África, Escrita Vária, Sintra, 1998, n.º 5, p. 40-41
[41] cf. Amado, Leopoldo, Literatura Colonial Portuguesa, Soronda, n.º 9, INEP, Bissau, pp. 77 e ss.
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Notas de vb:
(*) Leopoldo Amado, Doutor em História Contemporânea pela Universidade Clássica de Lisboa (Faculdade Letras de Lisboa), sob a temática “Guerra Colonial da Guiné versus Luta de libertação Nacional (1961 – 1974); membro da nossa tertúlia; edito do blogue Lamparam II.
Sobre o Leopoldo Amado, vd. ainda os seguintes postes:
7 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXIX: Leopoldo Amado, guinense, historiador, novo membro da nossa tertúlia
24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1782: O nosso doutorando Leopoldo Amado vai ter o seu 'baptismo de fogo' no próximo dia 28, na Universidade de Lisboa (Luís Graça)
24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1783: Tese de doutoramento de Leopoldo Amado: Guerra colonial 'versus' guerra de libertação (João Tunes)
29 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1794: Blogoterapia (21): Falar da guerra, com pudor... e com alegria do novo Doutor, Leopoldo Amado (Luís Graça)
(**) A época das chuvas tinha início em meados de Maio (nota do editor).