quinta-feira, 10 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9879: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte IV : Em Piche, com um Pel Art com 3 peças de 11.4


Foto nº 73/199 > Setembro de 1968 > Chegada da LDG a Bambadinca [Sobre a viagem de Bissau a Piche, vd. poste 9593]




Foto nº 85/199 > Setembro de 1968 > A caminho de Piche, antes de Nova Lamego > Furo em plena picada. Últimos da coluna. Sós. Aguardando ajuda ou o inimigo...



Foto nº 90/199 > > Paragem obrigatória para descansar... [Em primeiro plano, uma das 3 peças de artilharia, 11.4]




Foto nº 103/199 > Setembro de 1968 > Nova Lamego > Pedro Sá da Bandeira, antigo colega de turma no Liceu Nacional de Oeiras e vizinho da mesma rua em Algés.



Foto nº 98/199 > Setembro de 1968 > Piche > Os meus camaradas, alferes de cavalaria.




Foto nº 99/199> Setembro de 1968 > Piche > Em Piche nunca entrei em combate, mas tive encontros imediatos de grande perigo, porque facilitei em demasia... [Na foto, canhão s/r montado em jipe... Não era uma arma de acavalaria, mas uma arma pesada de infantaria...]




Foto nº 101/199> Setembro de 1968 > Piche > [O JoãoMartins com uma temível granada de canhão s/r]


Foto nº 109/199 > Piche > 1968 > Portugueses da Guiné solicitando a ajuda Nacional.


Foto nº 112/199 >  Piche  > 1968 > Mulher amamentando uma cabrinha (!)...


Foto nº 111/199 > Piche > [Fulas partilhando uma refeição]



Foto nº 108/199 > Piche > Setembro de 1968 > Régulo afirmando a sua amizade, veio cumprimentar-nos.




Foto nº 117/199 > Piche > s/d > [Uma bela paisagem, não tenho a certeza se é de Piche... ou de Catió por onde o autor passou, a caminho de Bedanda].



Fotos do álbum do João José Alves Martins, em grande parte disponíveis na sua página do Facebook... 


Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. (Fotos editadas e parcialmente legendadas por L.G.)


Memórias da minha comissão na Província Ultramarina da Guiné - Parte IIV (*)

por João Martins (ex-Alf Mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69)

(Continuação)



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ÍNDICE

1 – Curso de Oficiais Milicianos
1.1 – Mafra – Escola Prática de Infantaria
1.2 – Vendas Novas – Escola Prática de Artilharia – Especialidade: PCT (Posto de Controlo de Tiro)
2 – Figueira da Foz – RAP 3 - Instrução a recrutas do CICA 2
3 –Viagem para a Guiné (10 de Dezembro de 1967)

4 – Chegada à Bateria de Artilharia de Campanha Nº. 1 (BAC 1) e partida para Bissum

9 – Gadamael-Porto

10 – Guilege

11 – Bigene e Ingoré
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7. Piche


Chegado a Bissau [, de férias na metrópole], novo pelotão e novo destino me esperavam, Piche, e em Setembro de 1968 embarquei numa Lancha de Desembarque Grande (LDG) com um pelotão constituído por três peças de Artilharia 11,4 cm.

Em Nova-Lamego encontrei um ex-colega de turma do Liceu Nacional de Oeiras, o Pedro Sá da Bandeira, a quem tirei uma fotografia.

A viagem estava a decorrer sem qualquer contacto com o IN, até parecia que já não estava em teatro de guerra, e, como tinha vindo da Metrópole, já tinha esquecido um pouco o que era entrar em combate.

Quase a chegar a Piche, depois de passadas Bambadinca, Bafatá e Nova Lamego, indo eu na última viatura da coluna para me certificar que tudo à minha frente decorria da melhor maneira, a viatura teve um furo na roda esquerda dianteira,  como mostra a fotografia. Éramos dois ou três, isolados, sem armas, só com munições de artilharia que para o efeito não serviam para nada, e assim ficámos bastante tempo, parados na picada à espera que acontecesse alguma coisa.

Apareceram então elementos da população, muito simpáticos e prestáveis como são em geral os fulas e os futa-fulas. Prontificaram-se a remover algumas caixas de munições e a arranjar o pneu da viatura. Entretanto, chegou o auxílio vindo da coluna porque acabaram por dar pela nossa falta.

Por feitio, gosto de interagir com os outros, para mim, era essencial compreender as motivações, as queixas, o que ia na cabeça daquela gente, de modo que mantive sempre uma relação muito próxima, não só com os soldados dos meus pelotões mas também com os que tinham sido colocados circunstancialmente na sede, BAC 1, por começarem a especialidade, por irem ou regressarem de férias ou por estarem a terminar o serviço militar, na sua grande maioria recrutados de todas as etnias da Guiné, e ainda, com todos os que me rodeavam, muito particularmente, quis compreender o verdadeiro sentir das populações e a sua relação com aquela guerra.

O que me deixa verdadeiramente satisfeito, é ter conhecido aquelas gentes, melhor dizendo, aqueles portugueses, verdadeiros portugueses na medida em que, na sua maneira de ser, se aproximam muito de nós, muito provavelmente pela ação missionária e de evangelização a que todos nós, portugueses, fomos de algum modo chamados desde a “Fundação de Portugal”.

Assim como os portugueses da Metrópole têm ideologias diferentes, religiosidades específicas, modos de convivência diferenciados, com o sentimento do “amor ao próximo” vivido de maneiras diferentes, uns, mais crentes, portadores de uma religiosidade mais profunda, outros, menos crentes ou até ateus, também na Guiné fui encontrar as maiores disparidades, até porque não se trata de um povo, mas de uma miscelânea de povos das mais diversificadas origens com dialetos distintos, tendo inclusivamente alguma dificuldade em comunicar uns com os outros, pelo que têm o crioulo em comum que lhes permite entenderem-se. Inclusivamente, informaram-me que os membros de uma das etnias, os felupes, eram canibais.

A única característica comum para além de serem africanos era o fato de serem portugueses. Só esse facto os une, pelo que muito dificilmente se poderão constituir como uma Nação. Mais, o sentimento mais profundo que trago como recordação, é que, na Guiné, eu não estava no estrangeiro, mas em Portugal, e quando estou com alguém de lá, não posso deixar de lhe dar o meu abraço de “irmão”, porque vejo nele um português que vive no estrangeiro.

O mesmo não se passa com os espanhóis com os quais ainda temos um diferendo fronteiriço, o caso de Olivença, e recordamos que no passado, fomos uma região autónoma espanhola, nem temos afinidades com os franceses que nos invadiram no tempo do imperador Napoleão Bonaparte, cujas tropas “saquearam” o que puderam, e ainda menos, com os alemães, com os quais estivemos em guerra e recordo a batalha de “La Lys”, durante a 1ª Guerra Mundial, em que estivemos envolvidos sem grande justificação, entrando em combate em condições verdadeiramente desumanas e em que, em consequência, muitos portugueses perderam a vida.

Parte de mim ficou na Guiné, para sempre, não só pelo sentimento do dever cumprido que é independente do regime que vigorava na altura, mas sobretudo, pela experiência e pelo reconhecimento de cerca de 500 anos de convivência e de pertença à mesma Nação, e esta realidade não se esquece, não se apaga e não está à venda…

Em Piche, aconteceu-me um episódio que não esquecerei. Como não sentia qualquer animosidade por parte da população, nem pressentia qualquer perigo, não pensei que o perigo sempre espreita. Nem mesmo pensei nisso quando chegou ao aquartelamento um carregamento de garrafas de cerveja, e, como estava calor e tinha sede, dirigi-me ao bar para comprar uma; para meu espanto, informaram-me que já tinham sido todas vendidas; não queria acreditar, e perguntei como é que podia ser. Responderam-me que tinham sido vendidas a um libanês que tinha uma tasca a poucos metros do aquartelamento; fiquei sem saber quem é que lucrava com aquele “negócio”.

Sem alternativa, fui até lá e pude apreciar o ambiente. Realmente, sentíamo-nos fora do quartel, e como não estava acompanhado fui-me inteirando do que se passava à minha volta, reparei que havia quem conversava de uma forma muito discreta e pus-me a ouvir, falavam em francês, o que era estranho, mas mais estranho foi o facto de, quando repararam que eu os estava a escutar, terem-se posto em fuga. Realmente, podia concluir que, verdadeiramente, nenhum lugar era seguro, mas não dei demasiada importância.

Dias mais tarde, vieram-me dizer que havia falta de géneros e que era conveniente procurar nas tabancas das redondezas quem vendesse alguns frangos. Como não tinha muito que fazer, dispus-me a dar uma volta para ver se encontrava alguns e também para quebrar a monotonia. Meti-me num “jeep” e fui com um furriel, levava comigo uma G3 e uma pistola à cintura.

Andámos alguns quilómetros para Norte, passámos por uma palhota onde se encontrava uma mulher a dar de mamar a uma cabra, tirei-lhe uma fotografia, e continuámos na esperança de encontrarmos uma tabanca com galinhas.

A certa altura, chegámos a uma, mas só depois de muito andarmos; não se vislumbrava ninguém, o que achei muito estranho, pedi ao furriel que fosse à procura de alguém, e, como estava muito calor, sentei-me à sombra de uma árvore ficando descontraidamente à espera e a descansar de tanto solavanco a que nos obrigavam aquelas picadas.

Passados uns cinco a dez minutos, para espanto meu, vindos do fundo da tabanca, vejo a cerca de cinquenta metros, uns seis africanos cobertos de panos compridos a correrem para mim e a fazerem muito barulho, com catanas nas mãos e com ar de “poucos amigos”… Percebi que estava em “maus lençóis”, e que tinha que tomar rapidamente uma decisão.

Se fugisse, não ia longe porque algum deles correria mais do que eu, se puxasse pela pistola, também não me safava porque nem sabia se estava carregada, a solução só podia ser uma, rezar e encomendar a minha alma ao Senhor, entregando a minha vida nas sua mãos; e foi o que fiz, e serenamente, na “graça do Senhor”, fiquei à espera…

Face à serenidade que se apoderou de mim, e à “Luz” intensa que me envolvia, ficaram espantados, e resolveram espetar as catanas na árvore, mesmo por cima da minha cabeça, e foram-se embora.

É claro que não ganhei para o susto… Pouco depois, apareceu o furriel dizendo que estranhamente não tinha encontrado ninguém porque tinham fugido todos e a aldeia encontrava-se deserta.

Metemo-nos no “jeep” e viemo-nos embora. No caminho, deparámo-nos com uma árvore de pequeno porte a barrar a picada e uns tantos homens, mas poucos, “à nossa espera”. Tinha-me safado de uma vez e não quis abusar da sorte, disse ao furriel que acelerasse a viatura passando por cima da árvore, enquanto eu de G3 em posição e devidamente carregada, apontava para os nossos “amigos”, agora era eu que estava com “ar de poucos amigos”; é claro que nem se mexeram, passámos sem mais problemas e regressámos ao aquartelamento.

Dias mais tarde, por sinal, andando na mesma viatura, observei que algo de anormal se estava a passar; à entrada da povoação encontravam-se uns quatro homens vestidos com os tais panos, portanto, de uma forma diferente do que era normalmente usado pelo pessoal de Piche. Estavam rodeados por muitos populares, que olhavam para eles muito intrigados quanto às suas pretensões, e era bem visível a diferença de uns e de outros porque os habitantes locais, usavam regra geral, calções e camisas.

Por curiosidade e sentido de responsabilidade, aproximei-me convencido que havia problema, parei a viatura relativamente perto e nem queria acreditar no que via. Eram aqueles que tinham corrido para mim com as catanas na mão, sem dúvida sem as melhores das intenções, e que agora se dirigiam para mim.

Ficaram muito felizes quando me viram, demonstrando-o dando-me grandes abraços como se fossemos amigos de longa data que não se viam há muito tempo, o que não era propriamente o caso, e deixando atónitos os populares que apreciavam toda a cena; devem ter concluído que “eu estava feito com os turras”; não falavam português, provavelmente só o crioulo, mas deu para perceber que o que pretendiam era entrar na povoação para comprar agulhas e linhas para cozerem os seus panos; pelo menos, foi o que eu entendi por gestos e por algumas palavras. É claro que esta cena era completamente incompreensível para quem a observou, e devem ter transmitido isso mesmo ao comandante da companhia que mais tarde me perguntou o que se tinha passado.

Como a realidade era um pouco “sui generis”, resolvi dizer que aqueles homens me tinham salvado a vida, na verdade, devia ter dito que me tinham poupado a vida, de qualquer modo, o que quer que dissesse era pouco compreensível, pelo que não deve ter acreditado na minha versão e poucos dias depois tinha uma guia de marcha para me apresentar em Bissau. 

Lembro-me de ter regressado num “Dakota”, que parecia ser da última grande guerra tal era a vibração da fuselagem e o barulho que fazia o motor. (**)

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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > Guiné 63/74 - P9857: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte III - BIssau e férias em São Martinho do Porto, em agosto de 1968


(**) Vd. ta,bém poste de 10 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9593: Álbum fotográfico de João Martins (ex-Alf Mil Art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69) (1): Viagem de Bissau a Piche, pelo Geba e pela picada, com 3 peças de arilharia 11.4, em julho de 1968

Guiné 63/74 - P9878: Agenda cultural (200): O António Batista, o nosso "morto-vivo do Quirafo", e os projetos solidários da Tabanca de Matosinhos, hoje, 5ª feira, dia 10, às 10h, no programa Praça da Alegria, RTP1


 1. Pelo correio do nosso camarada e amigo José Teixeira [, foto à esquerda, operador de câmara da RTP, em Empada, no Natal de 69], chegado por volta das 22h50 de ontem, ficamos a saber o seguinte:


Boa noite.

Caríssimos:



Amanhã, dia 10, no programa Praça da Alegria, RTP1,  vai estar o António Batista a quem carinhosamente chamamos “ o morto vivo do Quirafo” para falar do que lhe aconteceu na Guiné durante a Guerra Colonial.




No mesmo programa vai-se falar da Associação Tabanca Pequena e dos seus projectos de apoio ao desenvolvimento da Guiné-Bissau, bem como da Tertúlia da Tabanca de Matosinhos.

Abraços
Zé Teixeira



2. Informação sobre o programa Praça da Alegria, na página da RTP na Net:


Género:Talk-Shows
Informações Adicionais: Todo o Público


Participe nesta festa e faça parte da Família RTP. Fique com a Praça da Alegria, pela simpatia, pela amizade e pela companhia!

A PRAÇA DA ALEGRIA continua a ser o programa de todos os encontros, onde se cruzam amizades e gerações.

Gente de todas as áreas e portugueses de todo o mundo partilham dicas e sugestões, conselhos úteis para o dia-a-dia.
Emitido diariamente a partir dos estúdios do Porto, a PRAÇA DA ALEGRIA é uma produção da RTP que aposta em manhãs divertidas e informativas, com rubricas de saúde e moda, culinária e estética, sem esquecer os cuidados de jardinagem e a decoração da casa. Boas conversas e passatempos animados garantem o tempero.
Nomes de respeito da sociedade portuguesa são garante de qualidade na análise feita às principais notícias da atualidade.
Numa casa que é a sua, encontramos a simpatia dos melhores comunicadores da televisão portuguesa, Sónia Araújo, Serenella Andrade, Jorge Gabriel e Hélder Reis, que recebem como ninguém os convidados vindos dos quatro cantos do mundo. (...)
 _____________

Nota do editor:

Último poste da série > 2 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9841: Agenda cultural (199): Intervenção de Mário Beja Santos na Tertúlia sobre o livro de sua autoria "Adeus até ao meu regresso", realizada no passado dia 26 de Abril em Lisboa

Guiné 63/74 - P9877: Parabéns a você (418): Daniel Agostinho Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2861 (Armando Pires)

1. Mensagem do nosso camarada Armando Pires, ex-Fur Mil Enf.º da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70, com data de 3 de Maio de 2012:

Meu Caro Editor. Camarada. 
O Daniel faz anos já no dia 10 de Maio. 
O Daniel Agostinho Silva foi meu Soldado Maqueiro. 
No dia 1 de Agosto de 1969 accionou uma mina anti-pessoal e foi-lhe amputado um dos pés. 
Eu quero contar a sua história e o Daniel merece que eu a conte. E que a conte aqui, no nosso mural, lugar certo e único para fazer das nossas histórias, história. 

Abraços
Armando Pires


Sem ressentimentos 

Chovia desesperadamente naquela manhã do primeiro dia de Agosto.
Eu e o furriel miliciano Moncada Cordeiro estamos à conversa, sentados na torre da sua Panhard. Falamos da cidade onde nascemos, dos nossos lugares, dos amigos comuns, enquanto, em João Landim, aguardamos que a jangada traga do outro lado do Mansoa, vindas de Bissau, as duas últimas viaturas que por nós irão ser escoltadas até Bula e, daí, levadas através da estrada de S. Vicente. É o último movimento do último dia da “Operação Chave de Ouro”.

Uma operação de três dias que visava proteger as colunas de transporte de um Batalhão de Caçadores para S. Domingos, do pessoal e máquinas da Engenharia que iriam abrir e asfaltar a estrada desde Bula até às margens do Cacheu.

A importância estratégica daquela estrada levara a um grande empenhamento militar do PAIGC, com o objectivo de travar a sua construção. Daí o forte dispositivo militar que, do nosso lado, foi colocado no terreno. Uma Companhia de Comandos, a 122 de Paraquedistas, a CCAÇ 2312, a CCAÇ 2466, as Panhard’s do EREC 2454 e o Poletão de Sapadores da CCS do BCAÇ 2861. Portanto, eu e Cordeiro falávamos, olhos postos no lado de lá do rio onde a jangada se tomava de viaturas e homens.

Eram para aí umas onze da manhã, mais uma horita estavam do lado de cá, descarrega e põe-te a andar, seis quilómetros dali a Bula, era só deixá-los já na estrada de S. Vicente, sempre a rodar para norte, na segurança que lhes fora montada. Com tudo a correr bem, do nosso lado, lá pela uma e meia estávamos a almoçar “em casa”.

O rádio da Panhard acordou e o Cordeiro ajeitou os auscultadores. Olhei-o, para ouvir notícias, e ele olhou-me como se, de facto, tivesse alguma coisa para me dizer.

- Estão a pedir uma evacuação lá para cima.

Para onde:
- Perguntei-lhe, num estranho e súbito alarme.

Quis saber se de lá tinham dito quem iam evacuar.
- Népia, pá. Pedem o heli para Ponta Fortuna. O indicativo é da 2466.

Num raio, o Daniel veio-me ao pensamento.

- Furriel, o Daniel está a querer baldar-se. Diz que logo à noite não sai – foi o aviso de ontem, feito pelo Maltez.

Sobressaltei-me, ainda mais do que já ficara, saltei da Panhard e meti-me a pensar ao mesmo tempo que caminhava de um lado para o outro. Só pode ter sido uma mina. Tinham embrulhado, forte e feio, mas bem mais cedo, Logo pelas sete da manhã. E sem consequências. Na véspera, sim, houvera porrada da grossa, quase toda a manhã, a 2466 tivera um ferido grave e o EREC 2454 dois feridos ligeiros, resultado de um roquete que atingira superficialmente uma Panhard. Agora só podia ter sido uma mina.

Voltei a ontem, lá para o fim da tarde, e ao aviso do Maltez.
- Furriel, o Daniel está a querer baldar-se.

Por razões diferentes, a CCAÇ 2466, que ficou em Bula junto do Batalhão, o 2861, ficara privada da sua equipa de enfermeiros. Nessa altura, falei com o meu médico, o alferes miliciano José Manuel Oliveira, e disse-lhe que, depois de ter conversado com os meus homens, os enfermeiros da CCS iam passar a sair com eles. Quando juntei a minha equipa e lhes disse das minhas intenções – que dali nenhum homem saía sem enfermeiro – nem um só recuou.

Reinava, desde então, o acordado princípio da rotatividade. Tinha chegado a vez do Daniel e disse ao Machado, 1º cabo enfº., que lhe comunicasse. Às 22, junto da 66 para sair. Eram para aí umas seis e picos da tarde, no alpendre entre os quartos e a messe, batíamos uma quingalhada a fazer horas para jantar.

- O Daniel está a querer baldar-se – foi avisar-me o Maltez, meu soldado maqueiro.

Perguntei-lhe porquê e ele, o Maltez, mordendo o sorriso, disse-me uma razão, para mim, tão absurda quanto estranha.
- Diz que está de diarreia.
- Ó Maltez, diz-lhe que vá cagar e que às dez esteja no sítio combinado.

Mergulhei, de novo, a cabeça nas cartas, mas já sem atinar com as vasas, sem ser capaz de perceber quem tinha o King nem como me safar das duas últimas. Mas o que é que deu agora neste gajo, hem?

Levantei-me, irritado, coisa que sempre me acontecia para as primeiras impressões, procurando uma explicação para aquela ideia parva da diarreia.

1969 – O Daniel no quartel de Bula 

O Daniel, Daniel Agostinho Silva, Soldado Maqueiro, era um mocetão nascido em Cela, ali para os lados de Alcobaça. Alto, braços de quem cedo tinha começado a fazer pela vida, andar de quem está sempre com receio de chegar atrasado, senhor de um sorriso que até dava gosto e dono de uma farta bigodaça negra, que lhe valeu ter passado a chamar-lhe o Pancho Vila. Nunca o vira nem contrafeito nem de cara virada à luta. E se, às vezes, a coisa até ficava sem graça nenhuma.

Como daquela vez, por exemplo, em que de uma operação, já noite dentro, entrou no aquartelamento um homem da 2466 com o crânio desfeito por estilhaço. Houve quem quisesse enviar o corpo assim mesmo para Bissau.

- Furriel, não senhor. O homem não sai daqui assim. A gente vai tratar do assunto.

“A gente”, eram o Daniel e o Maltez. Curioso estarem sempre juntos aqueles que andavam sempre à porra e à massa, um com o outro.

Lavaram-no, limparam-lhe o crânio feito de massa encefálica e sangue seco, onde já os mosquitos enxameavam, encheram o vazio com maços de algodão, ligaram-lhe a cabeça como se apenas tivesse ocorrido um golpe mais azarado e deram a tarefa por acabada.

Então, e vinha agora aquele gajo dizer-me que estava de diarreia? Decido-me a ir à enfermaria, que ficava junto à porta de armas do quartel, e tirar tudo a limpo.

Estavam lá o Daniel e os outros. Os outros eram o Machado, 1º Cabo Enfermeiro, o Maltez, o João e o Teixeira, todos soldados maqueiros.

- Então, conta lá que merda andaste a beber para estares de diarreia. O Daniel encaixou e respondeu-me naquele tom de quem diz “que se lixe, digo já tudo”.
- Ó furriel, não é nada. Eu é que estou com um pressentimento. É um mau pressentimento, tá a ver?

Aquela fracção de segundo entre a resposta dele e a minha decisão, pesou como chumbo dentro da sala. Oito pares de olhos estavam cravados em mim. Como em outros momentos, aquele era, para mim, um assunto de fácil resolução. Mandaria o Daniel à merda, pegaria na trouxa e sairia eu com a Companhia. Mas senti que esse impulso, tão fácil em mim, significaria perder os meus homens. Não que me vissem, depois, como alguém incapaz de impor o respeito. Não, nunca houve, entre mim e eles, necessidade de chegar a esse ponto. O que percebi foi que, dali para a frente, não mais haveria decisões conjuntas, acordos firmados e cumpridos, desse por onde desse.

Danado por me ver forçado a seguir o caminho que não era o meu, disparei para o Daniel:
- Eu quero que tu e os teus pressentimentos se f… Ou estás às 10 horas pronto para sair com a Companhia ou embrulho-te numa folha de papel azul que nunca mais sais daqui.

Nem bom dia nem boa tarde, nem mais uma palavra, virei costas e saí.

O tempo que se seguiu foi de cigarro atrás de cigarro e olhos sempre postos nos ponteiros do relógio. Passava um bom bocado das dez quando o Maltez me tornou a aparecer.

- Furriel, o Daniel já saiu com a Companhia. Eu respirei de alívio e o Maltez colocou aquele ar de “final feliz” para me contar.
- O Furriel não quer saber que ele foi tomar banho, vestiu roupa lavada e até estreou um par de cuecas. Disse que se lhe acontecesse alguma coisa não queria que o vissem com roupa suja. Ó furriel, e não quer ver que quando saiu a porta de armas baixou um joelho e benzeu-se? Aquilo é que é, hem!?

Todo o resto da manhã, desde que o Cordeiro ouviu, no rádio, pedir uma evacuação, passei-o sempre ocupado a rememorar este filme. De tal forma me absorveu que mal dei por já estar a entrar no quartel, em Bula. Saltei do Unimog, corri na direcção da enfermaria, entrei e estavam lá todos. Incluindo o Dr. Oliveira.

- Já sabes?

Não, não sabia, não precisava de saber, não precisava que me dissessem. Bastou-me aquele silêncio. Aqueles rostos. Os olhos do Dr. Oliveira.
- Foi uma mina, pá – disse o Doutor – Só agora é que chegaram para o evacuar. A chuva atrasou o helicóptero. Ou é o pé ou a perna, vamos ver. O resto parece estar tudo bem.

Levantou-se, passou por mim colocando a mão sobre o meu ombro, fez uma ligeira pressão para me transmitir o seu afecto, e saiu porque, conhecendo-me, percebeu que aquela era a “nossa” hora.

Ficámos ali, a fumar, os que fumavam, a olhar para o vazio, sem palavras, sem descartar que éramos todos, em equipa, culpados de não termos entendido os pressentimentos do Daniel. Só ao fim da tarde, quando a Companhia regressou ao quartel, é que o Xana, furriel miliciano do grupo de combate onde ia o Daniel, é que me contou pormenores.

Fizeram auto, ali na área de Ponta Fortuna, principiaram a instalar-se, um ou outro procurou sítio para uma mijadela, o Daniel ia advertindo para terem cuidado
- “É pá, vejam lá se não há por aí alguma mina” – quando, junto de um bága-bága, pisou aquela que estava ali, à espera que se realizasse o seu pressentimento.

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Passados meia dúzia de dias estava em Bissau. Ia de férias a Lisboa. Fui, eu e outros, ver o Daniel ao Hospital Militar. Fora-lhe amputado o pé, pelo terço inferior da perna direita. Que palavras tínhamos para lhe dizer? Eu iria pedir-lhe desculpa, e ele? Aceitaria? Compreendia a decisão que tomei? O peito mal conseguia suster o alvoroço que ia lá dentro. Na cabeça tinha um estranho eco que fazia parecer tudo tão longe. Mas não tão longe que não me deixasse ouvir, distintamente, aquelas tremendas e generosas palavras do Daniel.
- É furriel, pá! Isto foi o destino. Estava escrito, furriel. Você não tem nada a ver com isto. Foi o destino, sabe o que é?

Talvez que eu não soubesse o que era o destino. Talvez que eu nunca venha a saber o que é o destino. Mas sei, e isso o Daniel só vai saber agora, que foram aquelas palavras decisivas para que eu possa olhar o meu passado na Guiné, com orgulho e sem ressentimentos.

Eu e o Daniel Agostinho num dos recentes convívios da Companhia. Em segundo plano, curiosamente, de sorriso rasgado, o Joaquim Maltez

Armando Pires
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9876: Parabéns a você (417): Henrique Matos, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1966/68)

Guiné 63/74 - P9876: Parabéns a você (417): Henrique Matos, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1966/68)

Para aceder aos postes do camarada Henrique Matos, clicar aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9856: Parabéns a você (416): Joaquim Gomes Soares, ex-1.º Cabo da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835 (Guiné, 1968/69)

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9875: Tabanca Grande (337): Manuel Luís Nogueira de Sousa, ex-Fur Mil At Art da 1ª CART do BART 6520/73 (Bolama, Cadique e Jemberém - 1974)



    1. Mais um Camarada se perfila junto a nós nesta Unidade virtual, desta vez é o Manuel Luís Nogueira de Sousa que foi Fur Mil At Art da 1ª CART do BART 6520/73, Bolama, Cadique, Jemberém - 1974 -, que nos enviou a seguinte mensagem.
Camaradas, 


Chegamos ao Cumeré em 01 de Abril de 1974, com o “cheiro” a mudança no ar (a movimentação de 16 de Março de 1973, liderada pelo tenente Varela – meu comandante de companhia no RI5 -, nas Caldas da Rainha). Do Cumeré seguimos para Bolama onde decorreu o IAO e vivemos o momento histórico do 25 de Abril de 1974. No meu caso, festejei alegre e incontidamente, fazendo eu, para o “filme” de elemento IN. Os festejos decorreram conjuntamente com a 2ª CART, de forma muito emotiva. 



O meu batalhão deixou marcas na passagem por Bolama, que mais tarde, e com o contributo de outros militares, poderá aqui ser retratada. 



No início de Maio fizemos a viagem em direcção á zona que nos estava destinada, o Cantanhez. 


Fomos finalmente colocados em Cadique/Jemberém, que, segundo soubemos pelos relatos que tenho lido neste “blogue” de militares que nos antecederam, era uma das zonas de maior risco na Guiné, sofrendo ataques e flagelações constantes com os graves danos materiais e humanos que todos sabemos. 

Felizmente para nós que, nessa altura em que lutávamos pela sobrevivência, se deu a muito desejada e já mencionada revolução de abril, que contribuiu para o fim da guerra que tantas marcas de dor e luto deixou em muitas famílias portuguesas. 

Relativamente ao camarada do blogue - Magalhães Ribeiro -, com quem já conversei pessoalmente, verifiquei que temos um traçado muito semelhante, nascemos ambos em 1952, eu regressei da Guiné com 10 dias de diferença (cheguei no dia 05 de Outubro) e estamos na mesma empresa – a EDP -, eu na DNDAT e ele no PHMN, e estamos na Boavista/Porto.



Saudações a todos os Camaradas,

Apresento-me agora, com grande satisfação e emoção pessoais, comprometendo-me a contribuir com a minha experiência vivida em pleno teatro de guerra, felizmente já no seu “defeso”.

Sinto-me, a cada dia que passa, pressionado psiquicamente a dar também a minha perspectiva dos sentimentos e análises sobre as acções/reacções que vivi/senti naqueles cruciais e angustiantes momentos do fim da guerra.

Creio bem, que saímos engrandecidos e nos reafirmamos como um povo de valores, que não esquece o sofrimento de todos aqueles que, com os seus temores, destemores e sacrifícios, deram o seu melhor para que o 25 de Abril/74 tivesse êxito no terreno.

Quero expressar aqui um bem-haja de homenagem a todos os Camaradas e familiares, cujas marcas físicas e psíquicas permanecem bem vivas e os acompanharão até ao fim nesta longa “viagem” que todos fazemos.

Passo a resumir o trajecto deste meu último batalhão a sair do ex-RAL5 (Penafiel), em direcção ao teatro de guerra na Guiné.

No dia 1 de Abril partimos de Lisboa (avião) rumo a Bissau e dali para o Cumeré. No dia 4 seguimos para Bolama onde decorreu o IAO (durante cerca de 1 mês).

Como já referi, o 25 de Abril foi ali vivido de forma eufórica (fazendo eu o papel de IN na festa comemorativa). Festejos que realizamos conjuntamente com a 2ª CART, até altas horas da noite.

Este acontecimento já era por nós expectável, na sequência dos acontecimentos do dia 16 de Março de 1973 (o célebre golpe das Caldas liderado pelo então tenente Varela, que era meu comandante de companhia).

O nosso batalhão reagiu favorável e satisfatoriamente à movimentação da malta das Caldas, sendo este um 1º ensaio de revolta, e, em consequência, foi-nos alterado o local que nos estava destinado na Guiné - Tite -, que passou a ser Cadique.

Foi o prémio da nossa postura, que também contrariava o modo de pensar do nosso comandante de batalhão, que se opunha a “revoluções” e estava contra o 25 de Abril, dando a entender que todo o batalhão se opunha também.

Obviamente esta sua posição não convenceu ninguém.

Então, já em pleno centro de Bolama, “despachamos” o comandante, e passamos a viver 100% com o espírito “abrilista”.

Seguiu-se a chegada à zona de Cadique-Jemberém… etc., com a recepção aos elementos do PAIGC, onde encerramos a nossa presença com a troca de contactos com os sues guerrilheiros (sem complexos), arriamos a nossa bandeira nacional e eles hastearam a nova bandeira da Guiné-Bissau, com parada e guarda de honra.

Penso que todos os relatos que possamos fazer, nunca deverão deixar de realçar o sofrimento vivido no terreno, e que poderia e deveria ter sido evitado pelos políticos da época, se tivessem sido perspicazes e sensíveis aos acontecimentos vividos no continente africano, como foi o caso de outras potências colonizadoras (bem mais potentes que Portugal), cujos dirigentes gostavam mais do seu povo.

Hoje, longe da guerra, lendo e analisando os relatos dos que nos antecederam em Cadique, adivinho o muito sofrimento, dor e sangue que derramaríamos naquelas terras. 

 No regresso, a bordo do navio UIGE

 Ainda a bordo do navio UÍGE

Na ilha de Bolama 

Obs: Já tenho registado, ao longo dos últimos tempos aqui no blogue, curtos comentários.

Um abraço para todos,
Manuel de Sousa
Furriel Miliciano da 1ª CART do BART 6520/73

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Notas de M.R.: 

Amigo e Camarada Sousa, em nome do Luís Graça e restantes Camarada deste Blogue, quero desejar-te as boas vindas a este nosso “quartel” virtual e transmitir-te que contamos contigo para nos contares tudo aquilo que te lembrares dos teus tempos na Guiné (bom e mau).

Como já reparaste além das histórias, também gostamos de publicar (quando os há claro), fotos e documentos daqueles perigosos conturbados tempos  

Ainda muito recentemente se juntou a nós também o nosso colega da EDP, o Leopoldo Correia (ver poste P9840).

Assim, bem-vindo e um abraço Amigo

Guiné 63/74 - P9874: Efemérides (89): Cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné (2) (Magalhães Ribeiro)


1. Dando seguimento à serie iniciada no poste P7388, continua-se a publicação de várias fotos e documentos alusivos à cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné, que fazem parte do acervo pessoal do Eduardo José Magalhães Ribeiro, fui Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré/Mansoa/Brá – 1974.

Camaradas,

Como já disse no poste P7388, esta matéria sobre a cerimónia simbólica da transição da soberania nacional na Guiné, para o P.A.I.G.C., devido ao seu peso informático (40 fotografias e 2 documentos históricos) teve que ser dividida em 5 postes, que vou tentar colocar durante esta semana, para que, aquelas pessoas que acompanhem a leitura, não percam a sequência de factos e fotos.

Sempre que eu escrevo alguma coisa neste blogue alguns camaradas dão pulinhos. Como o balanço é muito favorável, registo o meu apreço e agrado pelos vários e-mails e comentários criticando positivamente este meu trabalho e agradeço aos outros que leiam, outra vez e calmamente, o que eu escrevi (se quiserem). Ali não há nada escondido, nem sequer entrelinhas. É directo, sincero e é aquilo que eu penso. Não retiro dali uma vírgula! Quem quiser pode sempre conversar comigo pessoalmente, ou via e-mail, sobre as matérias por mim desenvolvidas.

O fim do Império português na Guiné


Hoje publicam-se mais 10 fotos da referida cerimónia, que aconteceu em 9 de Setembro de 1974 – aquando da entrega do aquartelamento de Mansoa ao P.A.I.G.C.
 

Nesta foto pode ver-se a família Sá. Da esquerda para a direita: Maria idília , Miloca e Zita, Fernanda Sá (de óculos com uma bandeira artesanal na mão), Maria Emilia (atrás) Florinda, Teresa e Maria Helena (as últimas 3 são irmãs do Antero Sá). 


Ainda a família Sá. Da esquerda para a direita: Emília Maria (Miloca), Maria Idília (Diloca), Fernanda Sá, Helder (miúdo),Emília Maria, Teresa, Zita e Maria Helena.

O Hélder, o Vitor e o Nuca (filhos da Florinda e Teresa Sá)

Aspecto do povo antes do início da festa. À direita pode ver-se o Alf Mil Oliveira Marques

À esquerda os pioneiros do PAIGC, de frente está o Alf Mil OpEsp Vitor e, à direita, o pessoal a da CCS devidamente formada
Aspecto do pessoal da CCS em sentido
Os guerrilheiros representantes do PAIGC (curiosamente só falavam francês)
Os guerrilheiros do PAIGC marchando para tomar as suas posições

Os guerrilheiros do PAIGC nas suas posições
O Comandante do Batalhão - Cor. António da Costa Varino -, Comissário Político do P.A.I.G.C., 2º Comandante do Batalhão - Major Ramos de Campos -, e o Representante do C.E.M.E. do C.T.I.G. -, o Ten. Cor. Fonseca Cabrinha.

Vários comandantes do PAIGC (dos sectores Norte Centro e Sul, segundo me disseram)
(continua)

Um abraço,
Magalhães Ribeiro
ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74

Documentos e fotos: © Eduardo José Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P9873: Estórias cabralianas (72): Ressonar... à fula (Jorge Cabral)



Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > 1971 > O comandante do Pel Caç Nat 53 (1970/72), Paulo Santiago, tomando o seu banho à fula no Rio Corubal.


Foto: © Paulo Santiago (2006). Todos nos direitos reservados.


1. Mais uma estória, a nº 72 (*), do alfero Cabral, cujo pseudónimo literário é Jorge Cabral... Banho à fula, todos tomámos na Guiné... Falar fula, alguns de nós até  falavam, melhor ou pior  (Temos o Luís Borrega que até publicou aqui um minidicionário de fula-português)... Mas ressonar à fula, não era para todos. O alfero Cabral terá sido um dos eleitos. Porquê, não sei. 


Mas vamos lá ler a história (há quem não goste do vocábulo estória, mas isso não vem ao caso por agora).  Recorde-se que o alfero também comandava um Pel Caç Nat, o 63 (Setor L1, Fá e Missirá, 1969/71)... LG


2. Estórias cabralianas > Ressonar em fula...
por Jorge Cabral

Além de ressonar, sempre falei a dormir. Um dia em Missirá propus-me descobrir, de que falava, o que dizia.

Ora, havia lá um velho gravador de fita, máquina pertencente a não sei quem, enfim nossa, pois viviamos numa espécie de “economia comum”

Resolvi pois gravar uma das minhas noites. E assim adormeci, com o gravador ligado, à cabeceira. No dia seguinte, logo pela manhã, à volta da mesa ensebada onde comíamos, quase todos os brancos e alguns negros escutaram. Roncos e mais roncos, mas entre eles alguns sons que me pareceram intraduziveis. É latim alvitrou o Teixeirinha, talvez espanhol opinou o Freitas, balanta gritou o Demba e já íam entrar em discussão, quando o Daíro, com um ar muito sério, sentenciou:
- Alfero, palabras nka ntindi, mas ronca na fula.

Fiquei esclarecido. Ressonava em fula.

Ainda me lembro aliás, da cara do Polidoro (**), quando em Missirá me perguntou:
- O Cabral fala fula? -  E eu convictamente respondi:

- Não. Em fula só ressono.

Confesso que havia esquecido este meu atributo, até que há um mês o Gama dos Morteiros, me encontrou no Jardim da Estrela e indagou: 
- Ainda ressona em fula?

 Fiquei curioso e nesse mesmo dia corri a pôr um anúncio no Correio da Manhã:

 "Precisa-se senhora fula para acompanhar o sono de senhor um pouco idoso. Assunto sério!"

Devem ter interpretado mal, pois nem uma resposta recebi.

Será que continuo a ressonar em fula?

Jorge Cabral
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(...) Há uns tempos recebi uma simpática mensagem de uma leitora das “estórias cabralianas”. Gabava-me o humor mas alertava-me, algumas indiciavam uma certa “fixação mamária”. Nada de grave, que não pudesse ser tratado no seu divã, de psicanalista, presumo. (...)

(**) Ten cor inf João Polidoro Monteiro, comandante do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)

Guiné 63/74 – P9872: Convívios (431): Pessoal da CCAÇ 2679 e Pel Caç Nat 65, dia 28 de Abril de 2012 em Cascais (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem do nosso camarada José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 2 de Abril de 2012:

Caríssimo Carlos,
Envio-te a pretensa reportagem de um encontro heróico relativo ao pessoal da minha Companhia e do Pel Caç Nat 65.
Faz o favor de publicar, a ver se granjeamos mais clientes para o blogue (www.blogueforanadaevaotres.blogspot.com).

JMMD


ENCONTRO DO PESSOAL DA CCAÇ 2679 E PEL CAÇ NAT 65 

CASCAIS - DIA 28 DE ABRIL DE 2012

No passado dia 28 (binte óito, para o pessoal do norte), na cosmopolita Cascais, terra de soberanos e pescadores, encontraram-se alguns componentes da CCaç 2679, e do Pel Caç Nat. 65, que na Guiné quase sempre se acompanharam nas regiões leste de Piche a Bajocunda, com o elevadíssimo propósito de matar a fome e as saudades. Matar saudades? Diria antes, reviver momentos passados na cálida África, de muitas alegrias, salpicadas por angústias e ansiedades. Sob a batuta do Zé Tito (Tinto, para os amigos), ficou o encontro aprazado para junto da estátua do D. Carlos, à entrada do Clube Naval, com vistas para a policromática baía, onde céu e mar se fundem em azuis de admiração e brilho, bordados pelo casario e palacetes de rara beleza e harmonia, de onde despontam verdes frondosos de alguma vegetação, regozijo da curiosidade de nacionais e estrangeiros. Depois da algazarra do reencontro, e porque a hora do apetite era imparável, ainda se arranjou tempo para uma conversa real, com quem se tiraram retratos para a posteridade.

Sua Alteza manifestou-se muito bem disposto com a nossa presença, a apadrinhou o Encontro. Mesmo ao lado, com ampla vista sobre o mar e a costa do Estoril, onde pontilhavam barcos de grande colorido, situa-se o restaurante destinado à confraternização. Mais ou menos desalinhados na progressão até ao primeiro andar, homens, mulheres, e uma criança, acomodaram-se às mesas e dispuseram-se para o embate. Estava prometido peixinho, em correspondência ao desejo do maioral do matadouro, um Corvo da nossa equipe.

As coisas não correriam tão simplesmente quanto isso, comer, beber, festejar, e ir embora, porque o timoneiro Zé Tinto (escorregou-me uma pinguinha e acrescentei-lhe a consoante), tinha preparado uma coisa diferente, com entretens e surpresas. Afinal ele é um artista das telas, e dá-lhes expressões com óleos e acrílicos de diferentes matizes. Para não ser o único a trabalhar pró grupo, incumbiu-me de fazer uns textos, quer para as boas-vindas, quer para apresentação de cada um dos homenageados. Assim pensou, e associámos aos retratos uma historieta alusiva a cada um, valorizados com poemas trágico-humorísticos da lavra de um mouro.

Destinaram-me aquelas leituras, mas ainda não tinha aquecido a voz, que o dia ia ser longo de comeres e beberes, pelo que foi a minha psicóloga a ler as boas-vindas, e tão bem o fez, que reincidiu, perante o agrado geral, na leitura de outros textos de grande valor, a que lhes conferiu especial brilho.

Tínhamos previsto iniciar a lide com uma homenagem ao António Abreu, um dos celebérrimos corvos (o outro é o Aires, o do matadouro), porém, o Abreu registou a primeira falta nestes périplos de amizade em virtude de uma situação delicada de saúde. Mas foi assim mesmo que iniciámos as homenagens individualizadas, que surgiram pela que se fez o ano passado ao "nosso querido e bravo herói de Tabassai e à nossa querida e muito amada Madrinha de Guerra", com tanto êxito, que posso garantir-vos, de então para cá estão sempre juntos e inseparáveis.

A homenagem ao Abreu, já anunciada pelos presentes, ainda assim, constituiu um grande e surpreendente êxito, pois estava "escrito na pedra", que o dito adora a fruta, que se espelhava em singulares nádegas e mamas nas coloridas lentes Ray-Ban do retratado. Ainda o povo aplaudia de admiração a retratação plástica, e, novamente, a minha linda psicóloga, senhora de um belo timbre, voltou a intervir para declamar um excelente poema da autoria do Morais, que selava a excelente homenagem. O Adolfo Barbosa foi depois o portador para a Invicta da valiosa obra, que vai enriquecer o acervo artístico da cidade.

Seguiu-se um creme de peixe, muito sápido, que abria as hostilidades comestíveis, e lambemo-lo todo. Nova surpresa se aprontava, desta vez em relação ao Aquino. A introduzir, outro texto da minha autoria, com a superior qualidade dos meus escritos, lido pela delicada psicóloga que me acompanha. Foi do agrado geral. Depois, seguiu-se a exibição do retrato. E finalmente, leu-se novo poema da autoria do mesmo bardo da mourama. A festa corria com agrado e passaram a ser servidos os peixinhos, de frescura evidente, bem preparados e apetitosos, acolitados por batatinhas assadas e salada. Não havia limites, foi até a gula aguentar. Alguém se referiu à boa qualidade do vinho, mas o pessoal queria era mastigar e deglutir. Quando as coisas amainaram, o Tinto entregou-me novo quadro, muito bem embrulhado como os restantes, e incumbiu-me de nova leitura. E referi um extravagante episódio de que o Ramalho foi o principal intérprete, passado na mata da Guiné, que deixou atónitos os ouvintes, e foi esclarecedor da desfaçatez do homem de Amarante, cujas saudades fluíam pela "motora" da CP. Repetiu-se os procedimentos anteriores, com a exibição do retratado, a que se seguiu a leitura do poema com que o Morais brindava. A psicóloga, novamente, interpretou a grande altura. Soaram aplausos à obra plástica, ao poema, à declamante, e ao visado.

Quase finalmente, servia-se a sobremesa a contento, e o Tito, já mais pró tinto, quase estragava a última das surpresas, dedicada ao mouro, ou moiro de Perre, tanto faz, quando se preparava para distribuir uma brochura evocativa do encontro e das homenagens, onde, naturalmente, se escarrapachava o preito ao malfadado poeta. Gritei-lhe, gesticulei-lhe (que o gajo é surdo como uma porta e o aparelho devia estar sem bateria), até que intuiu o descalabro e recolheu os espécimes que distribuíra. A populaça, falava entre si com a alegria de quem tem a barriguinha cheia, pelo que poucos ou nenhum deu pelo lapso. Então soergui-me, chamei a atenção para um texto final de despedida, e referi o Morais como último traste objecto de homenagem. A esposa, um filho e a nora, especavam-se de ansiosas curiosidades, e ficaram a saber por testemunhas contemporâneas do marido, progenitor e sogro, sobre a histórica investigação, que os de Cascais fizeram àcerca do vetusto minhoto, entendido em enchidos e vinhos da região, que o conduziram à elevada consideração de primeiro tanso da zona nevrálgica que deu rei ao ducado - o norte, carago!.

O tempo tinha-se mostrado em conformidade, soalheiro para colaborar com a festa. No entanto, pela hora da apresentação de contas, 21 aéreos esportulados por cada bico, gratificação incluída, tudo se transformara como que numa fantasia outonal, com tendência para agravamento invernal. E assim foi. Dirigimo-nos para o Museu Paula Rêgo sob umas pinguinhas, não fossem os arrivistas sair de Cascais sem um banho de cultura, e como já andavam toldados do olhar, gostaram em uníssono dos quadros fantasmagóricos e caríssimos daquela consagrada artista do pincel. Depois, enquanto eu conduzia os hóspedes à identificação do hotel, os restantes dirigiram-se para casa do Tito sob uma grossa bátega. Ali nos reencontrámos quase todos, porque a outros, deveres familiares imperativas, obrigaram-nos a um destroçar antecipado, onde, sob um modelo social quase marroquino, de homens para um lado, e senhoras para outro, se comeu, bebeu, e palgarreou muito, sobre estórias e mais estórias, que em festa o pessoal não se acanha de inspiração, até que às tantas, acabámos por ceder à fraqueza que o estômago cheio provoca, e acabou-se, com retiradas muito bem ordenadas, que deixaram o inimigo em situação não identificada, mas segundo informações fidedignas, o estado-maior revoltou-se contra as instâncias civis eleitas democraticamente, prendendo-as, originando um estado de alvoroço e de evidente perturbação, face à bem organizada movimentação das NT.


Almoço da CCAÇ 2679 e Pel Caç Nat 65 > Foto de Família

Almoço da CCAÇ 2679 e Pel Caç Nat 65 > Brochura de textos do Dinis e poemas do Cândido

O Abreu

O Aquino

O Ramalho

O Cândido

Auto retrato para cartão de almoço militar

O herói de Tabassai e a madrinha de guerra da CCAÇ 2679

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Maio de 2012 Guiné 63/74 – P9869: Convívios (248): 17º Encontro/Almoço/Convívio da 38ª CCmds, vai decorrer em 30 de Junho de 2012, em Malveira (Amílcar Mendes)