Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 11 de dezembro de 2017
Guiné 61/74 - P18073: Consultório militar do José Martins (33): Memórias de Guerra (7): Europa, África, América, Ásia e Oceania
1. Sétimo e último poste do trabalho de pesquisa de autoria do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), sobre as Memórias de Guerra (Grande Guerra e Guerra do Ultramar), que podem ser vistas pelo país e estrangeiro. Aceitam-se, e agradecem-se, correcções e actualizações por parte dos nossos leitores.
____________
Nota do editor
Postes anteriores da série de
5 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18049: Consultório militar do José Martins (26): Memórias de Guerra (1): Distrito de Leiria
6 de Dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18051: Consultório militar do José Martins (27): Memórias de Guerra (2): Distritos de Coimbra, Aveiro e Porto
7 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18056: Consultório militar do José Martins (28): Memórias de Guerra (3): Distritos de Braga, Viana do Castelo, Vila Real, Bragança e Viseu
8 de Dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18059: Consultório militar do José Martins (29): Memórias de Guerra (4): Distritos da Guarda, Castelo Branco e Santarém
9 de Dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18064: Consultório militar do José Martins (31): Memórias de Guerra (5): Distritos de Portalegre, Évora, Beja, Faro e Setúbal
10 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18069: Consultório militar do José Martins (32): Memórias de Guerra (6): Distrito de Lisboa e Regiões Autónomas da Madeira e Açores
domingo, 10 de dezembro de 2017
Guiné 61/74 - P18072: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XVII: 20 de outubro de 2016, Auckland, Nova Zelândia
Foto nº 1 > O nosso camarada António Graça de Abreu e a esposa Hai Yuan
Foto nº 2 > Auckland, capital da Nova Zelândia. Ao fundo, a famosa "Sky Tower", om 328 metros de altura, sendo a construção mais alta de todo o hemisfério sul.
Fotos e legendas: © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Parte XVII (Segundo volume, pp. 23-26)
1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias", do nosso camarada António Graça de Abreu, escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências.
É casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.
Sinopse (*):
(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016;
(ii) três semanas depois o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);
(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017). No dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano. Navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;
É casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.
Sinopse (*):
(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016;
(ii) três semanas depois o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);
(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017). No dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano. Navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;
(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;
(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;
(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;
(vi) visita a Auckland, Zona Zelânida, em 20/10/2016.
Auckland, Nova Zelândia
A Nova Zelândia, nos antípodas de Portugal, era um país que não acreditava vir um dia a visitar.
Mas cá estou, em Auckland, a maior urbe neozelandesa, com milhão e meio de habitantes, quase todos com elevada qualidade de vida.
Depois de recortadas baías, o Costa encosta num cais frente ao centro da cidade [Foto nº 3]. É só sair do barco e estamos em Queen’s Street, a grande avenida central de Auckland cheia de animação, cafés e lojas. Mais adiante a Sky Tower, com 328 metros de altura, é a construção mais alta de todo o hemisfério sul. Tem restaurantes, um casino lá em cima e, por certo, uma vista soberba. Não subi. Caminhei por um suave declive até ao fim da Queen’s Street, aberta para uma espécie de grande cidade universitária, com colleges e faculdades para todos os gostos.
Muitos jovens chineses estudam aqui. Fazem o ano preparatório de admissão à universidade, com muita língua inglesa, e depois seguem os seus cursos. As propinas são caras mas os pais, em Pequim, em Xangai, em Cantão ou pertencem à classe dos dois milhões de novos ricos da República Popular da China, ou fazem complexas manobras de arquitectura financeira para conseguir colocar os seus rebentos, muitas vezes filhos únicos, a estudar no estrangeiro, na Austrália, Estados Unidos da América, Nova Zelândia. Os meninos e meninas saem melhor instruídos e, com uma licenciatura numa destas universidades, têm a garantia de vir a ser quadros de topo na China, caso decidam regressar ao seu país, o que nem sempre acontece.
Visita ao museu de Auckland, uma estrutura pesada com colunas gregas, no alto das colinas de Pernell. Lá dentro, vastas referências à colonização inglesa e espectáculo com os maoris, os autóctones da ilha, hoje absolutamente minoritários no país mas guerreiros combativos cuja determinação e capacidade de luta vemos na dança ritual no início dos jogos dos all blacks, a equipa de rugby da Nova Zelândia.
O autocarro leva-nos depois para o outro lado da baía, um pitoresco lugar, uma península chamada Davenport. Fica em frente a Auckland, no entanto, para se lá chegar, temos de atravessar uma grande ponte sobre a baía e fazer uns dez quilómetros numa estrada entre milhares de vivendas de luxo. Davenport será o Estoril ou a Foz do Douro cá do sítio, com fantásticas praias como Narrow Neck voltada para o outro lado do istmo, aberta num imenso areal onde apetece ficar.
Para concluir a ronda por Auckland, uma volta grande, de autocarro, em redor da cidade, sempre junto ao mar, até Mission Bay, com outra praia, cafés, pequenos shoppings e restaurantes. Uma fonte luminosa alindava o lugar. [Fotos nºs 2 e 5].
(*) Poemas de Li Bai, Macau, ICM, 1990, Poemas de Bai Juyi, Macau, ICM, 1991, Poemas de Wang Wei, Macau, ICM, 1993, Poemas de Han Shan, Cod, Macau, 2009 e Poemas de Du Fu, Macau, ICM, 2015.
Auckland, Nova Zelândia
A Nova Zelândia, nos antípodas de Portugal, era um país que não acreditava vir um dia a visitar.
Mas cá estou, em Auckland, a maior urbe neozelandesa, com milhão e meio de habitantes, quase todos com elevada qualidade de vida.
Depois de recortadas baías, o Costa encosta num cais frente ao centro da cidade [Foto nº 3]. É só sair do barco e estamos em Queen’s Street, a grande avenida central de Auckland cheia de animação, cafés e lojas. Mais adiante a Sky Tower, com 328 metros de altura, é a construção mais alta de todo o hemisfério sul. Tem restaurantes, um casino lá em cima e, por certo, uma vista soberba. Não subi. Caminhei por um suave declive até ao fim da Queen’s Street, aberta para uma espécie de grande cidade universitária, com colleges e faculdades para todos os gostos.
Foto nº 3 > O autor, e ao fundo o navio Costa Luminosa
Muitos jovens chineses estudam aqui. Fazem o ano preparatório de admissão à universidade, com muita língua inglesa, e depois seguem os seus cursos. As propinas são caras mas os pais, em Pequim, em Xangai, em Cantão ou pertencem à classe dos dois milhões de novos ricos da República Popular da China, ou fazem complexas manobras de arquitectura financeira para conseguir colocar os seus rebentos, muitas vezes filhos únicos, a estudar no estrangeiro, na Austrália, Estados Unidos da América, Nova Zelândia. Os meninos e meninas saem melhor instruídos e, com uma licenciatura numa destas universidades, têm a garantia de vir a ser quadros de topo na China, caso decidam regressar ao seu país, o que nem sempre acontece.
Visita ao museu de Auckland, uma estrutura pesada com colunas gregas, no alto das colinas de Pernell. Lá dentro, vastas referências à colonização inglesa e espectáculo com os maoris, os autóctones da ilha, hoje absolutamente minoritários no país mas guerreiros combativos cuja determinação e capacidade de luta vemos na dança ritual no início dos jogos dos all blacks, a equipa de rugby da Nova Zelândia.
Foto nº 4 |
Um pouco abaixo, dois grandes jardins de Inverno, tipo maxi-estufas com cem anos de idade, guardam uma profusão de flores e plantas, com cores e perfumes como jamais havia visto e cheirado em dias da minha vida. [Fotos nº 1 e 4].
É ainda Primavera na Nova Zelândia, estamos com 12 graus centígrados, dá apenas para esquecer o uso de calções de banho e caminhar ao longo da areia dura da praia. Davenport conta com um conjunto de edifícios dos tempos gloriosos da rainha Vitória e do seu filho Eduardo VII, construídos na volta do século XIX para o XX. Mantêm-se impecavelmente conservados.
Um bom exemplo é o Hotel Esplanade, com dois andares, em tons de creme, interiores em madeira e mobiliário de 1900. Será talvez o must da boa mesa e excelsa cama em Davenport. Fui espreitar e perguntar preços. Não é propriamente acessível, cerca de 250 dólares US a dormida, com pequeno-almoço.
Mais barato foi um livrinho de haikus japoneses que comprei na livraria Bookmark, um alfarrabista de qualidade 150 metros adiante do hotel. Custou-me dez dólares neozelandeses, cerca de sete euros. Especializada em obras sobre a II Guerra Mundial e história da Nova Zelândia, a Bookmark tinha também umas prateleiras recheadas de poesia inglesa, norte-americana e dos mais variados países do mundo. Não havia China, mas lá estavam duas ou três traduções inglesas do nosso Fernando Pessoa. A livreira, senhora já de uma certa idade, foi um poço de simpatia na ajuda às minhas buscas e quando lhe disse que era português e havia traduzido para a minha língua os cinco maiores poetas da China Clássica (*), a senhora, que os conhecia todos, despediu-se de mim com um beijo do tamanho do Oceano Pacífico.
Mais barato foi um livrinho de haikus japoneses que comprei na livraria Bookmark, um alfarrabista de qualidade 150 metros adiante do hotel. Custou-me dez dólares neozelandeses, cerca de sete euros. Especializada em obras sobre a II Guerra Mundial e história da Nova Zelândia, a Bookmark tinha também umas prateleiras recheadas de poesia inglesa, norte-americana e dos mais variados países do mundo. Não havia China, mas lá estavam duas ou três traduções inglesas do nosso Fernando Pessoa. A livreira, senhora já de uma certa idade, foi um poço de simpatia na ajuda às minhas buscas e quando lhe disse que era português e havia traduzido para a minha língua os cinco maiores poetas da China Clássica (*), a senhora, que os conhecia todos, despediu-se de mim com um beijo do tamanho do Oceano Pacífico.
Foto nº 5 |
Para concluir a ronda por Auckland, uma volta grande, de autocarro, em redor da cidade, sempre junto ao mar, até Mission Bay, com outra praia, cafés, pequenos shoppings e restaurantes. Uma fonte luminosa alindava o lugar. [Fotos nºs 2 e 5].
Tão curta estadia deu para sentir que a Nova Zelândia será um excelso país. Tudo organizado e funcional. Só os arredores de Auckland, com a costa imensamente recortada, baías, praias, falésias, belezas naturais de espantar, serão lugares a explorar e a viver numa próxima reencarnação. Agora até já sei como é, quando cá voltar alugo um automóvel por 17 euros US, por dia, e durante um mês parto à aventura na descoberta, a sério, da Nova Zelândia.
____________
(*) Poemas de Li Bai, Macau, ICM, 1990, Poemas de Bai Juyi, Macau, ICM, 1991, Poemas de Wang Wei, Macau, ICM, 1993, Poemas de Han Shan, Cod, Macau, 2009 e Poemas de Du Fu, Macau, ICM, 2015.
_______________
Nota do editor:
Último poste da série > 18 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17982: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XVI: Nuku Alofa, Ilhas Tonga, Polinésia: O arquipélago conta com 176 ilhas, sendo 40 delas habitadas, e forma também o único território do Pacífico Sul que nunca foi colonizado por estrangeiros. Os tonganeses têm orgulho nisso.
Último poste da série > 18 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17982: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XVI: Nuku Alofa, Ilhas Tonga, Polinésia: O arquipélago conta com 176 ilhas, sendo 40 delas habitadas, e forma também o único território do Pacífico Sul que nunca foi colonizado por estrangeiros. Os tonganeses têm orgulho nisso.
Guiné 61/74 - P18071: Agenda cultural (618): Lisboa, Arroios, Mercado de Culturas / Mercado do Forno de Tijolo: concerto do nosso amigo Mamadu Baio (voz e guitarra) + Ibo Galissá (kora)...Sábado, dia 16, às 21h00...Djass Arte - Mostra de criadores africanos e afrodescendentes
Cartaz
Djass Arte – Mostra de Criadores Africanos e Afrodescendentes
Lisboa, Mercado Forno Do Tijolo | Entrada grátis
1. Com a devida vénia, transcreve-se da Viral Agenda:
Entre 15 e 17 de dezembro, o Mercado de Culturas, em Lisboa, acolhe a segunda edição da Djass Arte – Mostra de Criadoras/es Africanas/os e Afrodescendentes, uma iniciativa da Djass - Associação de Afrodescendentes.
Uma exposição coletiva de artes plásticas e visuais, bancas de venda de livros, artesanato, vestuário e acessórios, uma mostra de cinema afrodescendente, a apresentação de uma nova edição de uma obra de Frantz Fanon, atividades para crianças, música, debates, dança e teatro: são estas as atividades que fazem parte do programa desta mostra, que tem como objetivos principais (i) contribuir para a promoção e valorização das culturas africanas e afrodescendentes; (ii) dar visibilidade aos trabalhos das/os criadoras/es participantes; e (iii) promover o debate em torno de questões ligadas à cultura, afrodescendência, racismo e colonialismo.
PROGRAMA
DURANTE TODO O EVENTO
Exposição de artes plásticas e visuais:
Chantal James (fotografia), Darsy Fernandes (ilustração), Domingas Ambriz, D'Son Pereira, Eduardo Malé, Gutemberg Coelho, Márcio Bahia, Mário Gerson Garcia, Sidney Cerqueira (pintura).
Bancas de venda:
Cassula (vestuário), Literaturas Afrikanas (literatura africana / afrodescendente), Macalongo - Capulana (manualidades e acessórios), Minouche (acessórios), Nina Manualidades (bonecas e acessórios)
SEXTA, 15 DE DEZEMBRO
14h00: Abertura de portas
18h30: Inauguração / boas-vindas
18h45: Performance de dança
19h00: Apresentação da nova edição, pela Letra Livre, do livro “Pele Negra, Máscaras Brancas”, de Frantz Fanon. Com Manuel dos Santos e Raja Litwinoff.
20h00: Música (DJ Paulo Dias)
21h00: Fecho
SÁBADO, 16 DE DEZEMBRO
10h00: Abertura de portas
10h30-13h30: Djass Arte Júnior (atividades para crianças)
6h00-17h30: Atuação do Grupo do Teatro do Oprimido de Lisboa
18h00-20h30: Mostra de Cinema Afrodescendente.
Sessão 1: curtas-metragens + conversa com realizadoras/es, com moderação de Kitty Furtado Filmes: “Até Chá Virar Café” (Celso Rosa); “Relatos de uma Rapariga Nada Púdica” (Lolo Arziki); “Si Destinu” (Vanessa Fernandes); “E Agora Pessoa?” (Lubanzadyo Mpemba); “Bastien” (Welket Bungué).
Sessão 1: curtas-metragens + conversa com realizadoras/es, com moderação de Kitty Furtado Filmes: “Até Chá Virar Café” (Celso Rosa); “Relatos de uma Rapariga Nada Púdica” (Lolo Arziki); “Si Destinu” (Vanessa Fernandes); “E Agora Pessoa?” (Lubanzadyo Mpemba); “Bastien” (Welket Bungué).
Mamadu Baio, 21/1/2014, em casa do nosso editor. Almoçámos ontem na Praia da Areia Branca... O Mamadu, a Sílvia, o Malick, de 3 anos, o João Graça, a Alice e eu... Foto: LG |
21h00: Concerto de Mamadu Baio (voz e guitarra) & Ibo Galissá (kora)
22h00: Fecho
DOMINGO, 17 DE DEZEMBRO
12h00: Abertura de portas
15h00-17h15: Mostra de Cinema Afrodescendente
Sessão 2: “Nôs Terra”, de Ana Tica, Nuno Pedro e Toni Polo + conversa com a realizadora Ana Tica, com moderação de Beatriz Dias (Djass)
Sessão 2: “Nôs Terra”, de Ana Tica, Nuno Pedro e Toni Polo + conversa com a realizadora Ana Tica, com moderação de Beatriz Dias (Djass)
17h30-20h15: Mostra de Cinema Afrodescendente
Sessão 3: "O Canto do Ossobó", de Silas Tiny, + conversa com o realizador, com moderação de Joacine Katar Moreira.
Sessão 3: "O Canto do Ossobó", de Silas Tiny, + conversa com o realizador, com moderação de Joacine Katar Moreira.
20h20: Encerramento
Rua Maria da Fonte, Anjos (freguesia de Arroios), Lisboa (ver no mapa)
HORÁRIO: sexta-feira: 14h00-21h00; sábado: 10h00-22h00; domingo: 12h00-20h20
ENTRADA LIVRE
APOIO: Junta de Freguesia de Arroios
CARTAZ: Maria Azevedo Coutinho
MAIS INFORMAÇÕES: Djass - Associação de Afrodescendentes
Tem página no Facebook. | Email: associacao.djass@gmail.com
________________
Nota do editor:
Último poste da série > 7 de dezembro de 2017 > Guiné 61/4 - P18057: Agenda cultural (617): o criminalista e antigo inspector-chefe da PJ, Barra da Costa, acaba de lançar o livro "Os crimes de João Brandão: das Beiras ao degredo" (Edições Macaronésia, Ponta Delgada, 2017)
Tem página no Facebook. | Email: associacao.djass@gmail.com
________________
Nota do editor:
Último poste da série > 7 de dezembro de 2017 > Guiné 61/4 - P18057: Agenda cultural (617): o criminalista e antigo inspector-chefe da PJ, Barra da Costa, acaba de lançar o livro "Os crimes de João Brandão: das Beiras ao degredo" (Edições Macaronésia, Ponta Delgada, 2017)
Guiné 61/74 - P18070: Blogues da nossa blogosfera (83): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (4): "Minha terra mãe"
Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos estas duas publicações da sua autoria.
MINHA MÃE TERRA
ADÃO CRUZ
© Adão Cruz
Agora sei que minha mãe terra é esta terra de barro e planície, este chão de sol vermelho e pedras de silêncio sem história.
Sei agora que minha mãe terra dorme nas tímidas cores do horizonte, no interminável mundo de paletas impossíveis.
Agora sei que minha mãe terra é o irrevogável rosto do passado entre braços vazios e vozes que não se ouvem.
Sei agora que minha mãe terra vive no eco das palavras ditas ao longo de ruas sem qualquer sentido.
Agora sei que minha mãe terra é o fim desta terra interminável das palavras que ninguém ouve e das cores que ninguém vê.
Sei agora que minha mãe terra não é o calor do caminho da manhã, mas o frio das horas magoadas nos dias que nascem sem nome.
Agora sei que minha mãe terra é o lugar entre o sonho e a miragem recriado no tormento deste barro moldado sem memória.
Sei agora que minha mãe terra é segunda infância sem futuro, esta inocência singular de uma pintura sempre inacabada.
Agora sei que minha mãe terra é o amor perdido no granito falsamente incendiado pelo fulgor do sol poente.
Sei agora que minha mãe terra é o chão desta planície muda, adormecida nos frágeis sonhos da madrugada.
Agora sei que minha mãe terra é a saudade de tudo o que era… e não é nada.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 3 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18041: Blogues da nossa blogosfera (82): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Guiné 61/74 - P18069: Consultório militar do José Martins (32): Memórias de Guerra (6): Distrito de Lisboa e Regiões Autónomas da Madeira e Açores
1. Sexto poste, de sete, de um trabalho de pesquisa de autoria do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), sobre as Memórias de Guerra (Grande Guerra e Guerra do Ultramar), que podem ser vistas pelo país e estrangeiro. Aceitam-se, e agradecem-se, correcções e actualizações por parte dos nossos leitores.
(Continua)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 9 de Dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18064: Consultório militar do José Martins (31): Memórias de Guerra (5): Distritos de Portalegre, Évora, Beja, Faro e Setúbal
Guiné 61/74 - P18068: Blogpoesia (543): "Criação...", "Deus passou pelo Alentejo..." e "Asas negras...", poemas de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau,
1964/66) três belíssimos poemas, da sua
autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:
Criação…
Queria estar presente quando se deu a criação.
À frente o nada absoluto. Sem cor nem tempo.
Só a luz do Criador. Em majestade.
De repente, um raio. Resplandescente.
Iluminou o universo. Imenso e cravejado de galáxias em evolução.
Em silêncio total.
Miríades de anjos em cortejo, de amplas vestes coloridas, surgiram lá no alto.
Um cortejo sumptuoso, como nunca alguém viu.
Entoando hinos. Divina melodia.
Um esplendor. Tanta alegria.
E Deus chorou…
Mirou a Terra, azul.
A girar vazia.
Só serra e mar.
Azul e verdel.
Sentiu pena.
Como uma ave,
Poisou no local mais belo.
Chamou-o Éden.
Pegou em barro.
Fez um vulto, com corpo de homem.
Desenhou-lhe um rosto,
Formoso e belo.
Soprou-lhe a alma e abraçou-o…
Chamou-lhe Adão.
Depois, partiu.
Olhou para trás. Viu-o chorando.
- Não. Não vai ficar sózinho!...
Foi ter com ele.
Emocionado, criou a mulher.
Um misto de anjo.
Tão formosa, chamou-a de Eva.
Adão sorriu para ela.
Agradeceu a Deus...
Berlim, 7 de Dezembro de 2017
8h56m
Jlmg
Deus passou pelo Alentejo…
Deus, nas suas andanças, passou pelo Alentejo.
Uma planura imensa.
Exposta ao sol.
Gostou tanto que resolveu ficar.
Encheu-o de igrejas e campanários.
Santuários.
Abriu-lhe caminhos.
Rasgou-lhe rios.
Alguns lagos.
Depois de pensar,
Sobreiros e pinheiros mansos,
Aqui ficariam bem.
Encheu-o deles.
Chamou cegonhas.
Ensinou-lhes os ninhos.
Deu-lhes um segredo.
Depois partiu.
As cegonhas puseram-se a voar.
Não vendo gente,
Foram a Espanha,
Foram ao norte.
Além do Tejo.
Tarefa ingente.
Ao cabo de anos,
Se ergueram montados,
Tantas pessoas.
Bem sorridentes.
Encheram de festas todas as ermidas.
Igrejas cheias.
Mais linda terra,
Onde a vida é bela,
Para cá do Tejo,
Ninguém mais viu…
Berlim, 7 de Dezembro de 2017
9h39m
Jlmg
Asas negras…
Tinham asas negras as cartas que iam da guerra.
Carregadas de saudades. Angústias. Depressões.
Duas pagelas com linhas estreitas.
Eram leves. Um sobrescrito, debruados com as cores, verde e rubra.
Não precisavam de selo. Só carimbo.
Quem as levava e as trazia era uma avioneta. Tão franzina.
Se ouvia ao longe. Sobre as bolanhas. As palmeiras.
Rentinha ao chão.
Era amarela. Depois, o jeep. Zarpava lesto. Rumo ao campo. Aberto à enxada.
Levava sacos. Trazia sacos
Era a troca.
Depois, a festa na parada.
A chamada, nome a nome.
Pelo alferes.
Ansiedade. Será que vem?
Era a incógnita.
E uma nuvem de silêncio.
Baixava abrupta.
Era o deserto.
O recolhimento, para aquele encontro, na camarata.
Doce bálsamo.
Só quem lá esteve e passou por elas,
O sabe quanto…
Berlim, 8 de Dezembro de 2017
20h33m
Jlmg
____________
Nota do editor
Último poste da série de 8 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18062: Blogpoesia (542): "À Virgem", poema de Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1546
Criação…
Queria estar presente quando se deu a criação.
À frente o nada absoluto. Sem cor nem tempo.
Só a luz do Criador. Em majestade.
De repente, um raio. Resplandescente.
Iluminou o universo. Imenso e cravejado de galáxias em evolução.
Em silêncio total.
Miríades de anjos em cortejo, de amplas vestes coloridas, surgiram lá no alto.
Um cortejo sumptuoso, como nunca alguém viu.
Entoando hinos. Divina melodia.
Um esplendor. Tanta alegria.
E Deus chorou…
Mirou a Terra, azul.
A girar vazia.
Só serra e mar.
Azul e verdel.
Sentiu pena.
Como uma ave,
Poisou no local mais belo.
Chamou-o Éden.
Pegou em barro.
Fez um vulto, com corpo de homem.
Desenhou-lhe um rosto,
Formoso e belo.
Soprou-lhe a alma e abraçou-o…
Chamou-lhe Adão.
Depois, partiu.
Olhou para trás. Viu-o chorando.
- Não. Não vai ficar sózinho!...
Foi ter com ele.
Emocionado, criou a mulher.
Um misto de anjo.
Tão formosa, chamou-a de Eva.
Adão sorriu para ela.
Agradeceu a Deus...
Berlim, 7 de Dezembro de 2017
8h56m
Jlmg
************
Deus passou pelo Alentejo…
Deus, nas suas andanças, passou pelo Alentejo.
Uma planura imensa.
Exposta ao sol.
Gostou tanto que resolveu ficar.
Encheu-o de igrejas e campanários.
Santuários.
Abriu-lhe caminhos.
Rasgou-lhe rios.
Alguns lagos.
Depois de pensar,
Sobreiros e pinheiros mansos,
Aqui ficariam bem.
Encheu-o deles.
Chamou cegonhas.
Ensinou-lhes os ninhos.
Deu-lhes um segredo.
Depois partiu.
As cegonhas puseram-se a voar.
Não vendo gente,
Foram a Espanha,
Foram ao norte.
Além do Tejo.
Tarefa ingente.
Ao cabo de anos,
Se ergueram montados,
Tantas pessoas.
Bem sorridentes.
Encheram de festas todas as ermidas.
Igrejas cheias.
Mais linda terra,
Onde a vida é bela,
Para cá do Tejo,
Ninguém mais viu…
Berlim, 7 de Dezembro de 2017
9h39m
Jlmg
************
Asas negras…
Tinham asas negras as cartas que iam da guerra.
Carregadas de saudades. Angústias. Depressões.
Duas pagelas com linhas estreitas.
Eram leves. Um sobrescrito, debruados com as cores, verde e rubra.
Não precisavam de selo. Só carimbo.
Quem as levava e as trazia era uma avioneta. Tão franzina.
Se ouvia ao longe. Sobre as bolanhas. As palmeiras.
Rentinha ao chão.
Era amarela. Depois, o jeep. Zarpava lesto. Rumo ao campo. Aberto à enxada.
Levava sacos. Trazia sacos
Era a troca.
Depois, a festa na parada.
A chamada, nome a nome.
Pelo alferes.
Ansiedade. Será que vem?
Era a incógnita.
E uma nuvem de silêncio.
Baixava abrupta.
Era o deserto.
O recolhimento, para aquele encontro, na camarata.
Doce bálsamo.
Só quem lá esteve e passou por elas,
O sabe quanto…
Berlim, 8 de Dezembro de 2017
20h33m
Jlmg
____________
Nota do editor
Último poste da série de 8 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18062: Blogpoesia (542): "À Virgem", poema de Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1546
Guiné 61/74 - P18067: Parabéns a você (1352): Fernando Barata, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2700 (Guiné, 1970/72)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 9 de Dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18063: Parabéns a você (1351): Amaro Samúdio, ex-1.º Cabo Aux. Enfermeiro da CCAÇ 3477 (Guiné, 1971/73)
Nota do editor
Último poste da série de 9 de Dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18063: Parabéns a você (1351): Amaro Samúdio, ex-1.º Cabo Aux. Enfermeiro da CCAÇ 3477 (Guiné, 1971/73)
sábado, 9 de dezembro de 2017
Guiné 61/74 - P18066: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 13 (Não quero morrer( e 14 (As praxes dos 'Capicuas', CART 2772)
Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > O autor, ao volante de um Unimog 411 (o famoso "burrinho"), à entrada da vila de Fulacunda
Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > O autor, no seu quarto, n acama, a ler "O Século Ilustrado"...
Fotos (e legendas): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva:
Nascido em Penafiel, em 1950, criado pela avó materna, reside hoje em Amarante. Está reformado como bate-chapas. Tem o 12º ano de escolaridade. Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor, com dois livros publicados (um de poesia e outro de ficção). Tem página no Facebook. É membro nº 756 da nossa Tabanca Grande .
(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;
(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.
(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);
(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;
(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,
(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;
(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772.
[O autor faz questão de não corrigir as transcrições das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, que o criou. ]
13º Capítulo > NÃO QUERO MORRER
Pouco a pouco, estava a adaptar-me ao clima tropical, mas também ao clima emocional. Exactamente um mês após aterrar em Bissau, parti para Bolama, onde fui juntar-me aos meus camaradas da 3ª Companhia. Como calculara, tinha imensa correspondência. Passei algumas horas a ler e responder a todos os que me tinham escrito.
Quero desde já dizer-vos o seguinte: A distância, por incrível que possa parecer, tem o condão de aproximar as pessoas que se amam, e afastar aquelas cujos sentimentos não são tão genuínos. Todos os que, como eu, estiveram, ou estão ausentes, se o amor ou a amizade não tem raízes profundas, num curto espaço de tempo acabam por ser engolidos pelo esquecimento. No que eu escrevia era notório que a minha sensibilidade estava a mudar. Talvez eu estivesse a transformar-me.
No dia 29 de Julho escrevia:
“Estou neste momento a bordo duma lancha LDM, com destino a Fulacunda, local aonde vou cumprir a comissão, estivemos a ouvir o discurso do filho da puta do comandante e em seguida recebemos o armamento que é o seguinte. Uma espingarda G3, uma faca de mato, 100 munições (5 carregadores), um cinto, um cantil, um bornal, uma marmita. Depois tive de vestir a farda camuflada, foi a primeira vez que o fiz. Vou tirar fotografias com ela.”
Já sei em que me estava a transformar, numa Máquina de Guerra... mas também ainda tinha um pouco a sensação de estar num filme. Uma coisa afirmava na mesma carta. “Não quero morrer!”
Perdi algo de mim, em cada dia que passei naquele pedaço do continente africano. Não foram precisos muitos dias para começar a perceber que alguma coisa estava errada, mas ainda não sabia o que era.
Viajámos durante quatro horas pelo canal ou rio Fulacunda, fortemente armados, em duas lanchas com cerca de 70 soldados em cada e ainda hoje sinto um aperto enorme no peito ao lembrar a minha chegada ao local onde iria permanecer dois anos. Nós fôramos condenados a viver num campo de concentração.
Não sei se para impedir a entrada ou a saída, a vila de Fulacunda estava rodeada de arame farpado.
Neste capítulo, quero dizer-lhes que só relatarei o que na época escrevi. Não vou consultar absolutamente nada sobre Fulacunda ou a Guiné-Bissau, na internet, ou outro dispositivo de informação actual. Sensações ou emoções serão as que senti. Não me preocupa a geografia ou até se errar em discrições que faço de locais. Nos meus escritos, acredito ter alguns erros objectivos, mas, no fundo, o que pretendo é que sintam o que eu senti, se para tal tiver capacidade de o traduzir em palavras. A minha guerra, com certeza absoluta, é diferente de todos no íntimo e igual no tempo. A descrição que fiz sobre a vila de Fulacunda perdeu-se algures, apenas possuo as fotos.
14º Capítulo > OS CAPICUAS
A alegria estampada em cada rosto dos soldados que fomos render era tal que creio nunca mais na minha vida vi semblantes tão felizes.
Na sua recepção aos novos, cada elemento, de cada especialidade, transmitiu ao seu substituto todos os pequenos bens que foi usando durante a sua própria comissão e que não podiam, ou não queriam trazer consigo. De mecânico para mecânico, condutor para condutor, enfermeiro para enfermeiro, atirador para atirador, e por aí adiante, desde pequenas hortas, a ventoinhas ou rádios, livros ou discos. Informando-nos quais as mulheres locais que melhor lavavam a roupa e até às funções que desempenhavam dentro do quartel, dando-nos inclusive alguns conselhos, de como devíamos proceder em caso de ataques do inimigo.
Pouco a pouco, estava a adaptar-me ao clima tropical, mas também ao clima emocional. Exactamente um mês após aterrar em Bissau, parti para Bolama, onde fui juntar-me aos meus camaradas da 3ª Companhia. Como calculara, tinha imensa correspondência. Passei algumas horas a ler e responder a todos os que me tinham escrito.
Quero desde já dizer-vos o seguinte: A distância, por incrível que possa parecer, tem o condão de aproximar as pessoas que se amam, e afastar aquelas cujos sentimentos não são tão genuínos. Todos os que, como eu, estiveram, ou estão ausentes, se o amor ou a amizade não tem raízes profundas, num curto espaço de tempo acabam por ser engolidos pelo esquecimento. No que eu escrevia era notório que a minha sensibilidade estava a mudar. Talvez eu estivesse a transformar-me.
No dia 29 de Julho escrevia:
“Estou neste momento a bordo duma lancha LDM, com destino a Fulacunda, local aonde vou cumprir a comissão, estivemos a ouvir o discurso do filho da puta do comandante e em seguida recebemos o armamento que é o seguinte. Uma espingarda G3, uma faca de mato, 100 munições (5 carregadores), um cinto, um cantil, um bornal, uma marmita. Depois tive de vestir a farda camuflada, foi a primeira vez que o fiz. Vou tirar fotografias com ela.”
Já sei em que me estava a transformar, numa Máquina de Guerra... mas também ainda tinha um pouco a sensação de estar num filme. Uma coisa afirmava na mesma carta. “Não quero morrer!”
Perdi algo de mim, em cada dia que passei naquele pedaço do continente africano. Não foram precisos muitos dias para começar a perceber que alguma coisa estava errada, mas ainda não sabia o que era.
Viajámos durante quatro horas pelo canal ou rio Fulacunda, fortemente armados, em duas lanchas com cerca de 70 soldados em cada e ainda hoje sinto um aperto enorme no peito ao lembrar a minha chegada ao local onde iria permanecer dois anos. Nós fôramos condenados a viver num campo de concentração.
Não sei se para impedir a entrada ou a saída, a vila de Fulacunda estava rodeada de arame farpado.
Neste capítulo, quero dizer-lhes que só relatarei o que na época escrevi. Não vou consultar absolutamente nada sobre Fulacunda ou a Guiné-Bissau, na internet, ou outro dispositivo de informação actual. Sensações ou emoções serão as que senti. Não me preocupa a geografia ou até se errar em discrições que faço de locais. Nos meus escritos, acredito ter alguns erros objectivos, mas, no fundo, o que pretendo é que sintam o que eu senti, se para tal tiver capacidade de o traduzir em palavras. A minha guerra, com certeza absoluta, é diferente de todos no íntimo e igual no tempo. A descrição que fiz sobre a vila de Fulacunda perdeu-se algures, apenas possuo as fotos.
14º Capítulo > OS CAPICUAS
A alegria estampada em cada rosto dos soldados que fomos render era tal que creio nunca mais na minha vida vi semblantes tão felizes.
Na sua recepção aos novos, cada elemento, de cada especialidade, transmitiu ao seu substituto todos os pequenos bens que foi usando durante a sua própria comissão e que não podiam, ou não queriam trazer consigo. De mecânico para mecânico, condutor para condutor, enfermeiro para enfermeiro, atirador para atirador, e por aí adiante, desde pequenas hortas, a ventoinhas ou rádios, livros ou discos. Informando-nos quais as mulheres locais que melhor lavavam a roupa e até às funções que desempenhavam dentro do quartel, dando-nos inclusive alguns conselhos, de como devíamos proceder em caso de ataques do inimigo.
Aqueles homens tostados pelo calor dos trópicos e endurecidos pelo sofrimento de estarem numa guerra longe de quem mais amavam, fizeram-nos a melhor praxe que alguma vez algum caloiro teve, ou terá. Com a solidariedade de quem sobreviveu, fomos praxados para melhor enfrentar a morte.
A companhia que substituímos também foi um número, o 2772. Ficaram conhecidos como “Os Capicuas” [, CART 2772]. Em meu nome e em nome de todos os elementos da 3ª Companhia do BART 6520, a eterna gratidão. Após 45 anos, ainda me lembro de vocês. Se o cabo condutor que substituí ler este texto, a foto que junto é da sua cama. Peço desculpa por colocar a imagem da santa debaixo da mezinha de cabeceira. Embora, naquela altura, ainda possuísse alguma fé no divino, penso que era mais importante ter a G3 mais à mão do que os santos.
E comecei a deixar crescer o bigode. Estava a ficar um homenzinho. Penso que, na realidade e até hoje, nunca consegui. Também nunca fui verdadeiramente uma criança.
Quando foram distribuídas as tarefas, fiquei com a missão de zelar pelo depósito da cantina do bar de sargentos e bar de oficiais. A partir de agora, tudo que os meus camaradas precisassem, desde tabaco a bebidas, eu era o responsável para que nada lhes faltasse. Comecei a beber cerveja. Em breve, seria vinho, whisky, gin e por aí adiante. O menino da avó tinha ficado na Metrópole. O Claudino desaparecera mesmo, e ali, para simplificar, passei a ser o 118.
A companhia que substituímos também foi um número, o 2772. Ficaram conhecidos como “Os Capicuas” [, CART 2772]. Em meu nome e em nome de todos os elementos da 3ª Companhia do BART 6520, a eterna gratidão. Após 45 anos, ainda me lembro de vocês. Se o cabo condutor que substituí ler este texto, a foto que junto é da sua cama. Peço desculpa por colocar a imagem da santa debaixo da mezinha de cabeceira. Embora, naquela altura, ainda possuísse alguma fé no divino, penso que era mais importante ter a G3 mais à mão do que os santos.
E comecei a deixar crescer o bigode. Estava a ficar um homenzinho. Penso que, na realidade e até hoje, nunca consegui. Também nunca fui verdadeiramente uma criança.
Quando foram distribuídas as tarefas, fiquei com a missão de zelar pelo depósito da cantina do bar de sargentos e bar de oficiais. A partir de agora, tudo que os meus camaradas precisassem, desde tabaco a bebidas, eu era o responsável para que nada lhes faltasse. Comecei a beber cerveja. Em breve, seria vinho, whisky, gin e por aí adiante. O menino da avó tinha ficado na Metrópole. O Claudino desaparecera mesmo, e ali, para simplificar, passei a ser o 118.
Guião do BART 2924 (Tite, 19670/72) a que pertencia a CART 2773, que foi substituída pela 3ª CART / BART 6220/72. Por este batalhãio também o nosso grã-tabanqueiro, o médico Amaral Bernardo, entre janeiro e julho de 1972.
Foto (e legenda): © Amaral Bernardo (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]inua)
Foto (e legenda): © Amaral Bernardo (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]inua)
Nota do editor:
Último poste da série > 3 dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18039: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 11 e 12: os primeiro dois mortos do batalhão, por acidente com dilagrama
Último poste da série > 3 dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18039: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 11 e 12: os primeiro dois mortos do batalhão, por acidente com dilagrama
Guiné 61/74 - P18065: Bibliografia (43): “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997 (3) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Novembro de 2017:
Queridos amigos,
Aqui se põe termo às dez entrevistas que Mário Pinto de Andrade concedeu a Michel Laban, um especialista em literatura africana de língua portuguesa.
Documento importantíssimo não só para a génese do MPLA como para a compreensão do trabalho conjunto desenvolvido, de forma embrionária, pelos líderes nacionalistas no exílio, no Norte de África, em conferências em Londres, na obtenção de apoios financeiros e de formação militar, em que os chineses tiveram um papel primordial.
Pinto de Andrade relata as tensões no interior do MPLA que levaram à sua rutura bem como a de Viriato da Cruz. Pena é que o seu testemunho pare em 1971, por razões de saúde de Pinto de Andrade não houve mais entrevistas, o primeiro presidente do MPLA morreu pouco depois, em Londres.
Um abraço do
Mário
Uma importante entrevista de Mário Pinto de Andrade (3)
Beja Santos
Não se pode estudar em toda a sua amplitude o movimento anticolonial em Portugal sem conhecer o pensamento e ação de Mário Pinto de Andrade, um angolano que veio estudar Filologia Clássica em Lisboa e constituiu amizades com futuros líderes, caso de Marcelino dos Santos, Agostinho Neto e Amílcar Cabral. “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997, encerra dez sessões de trabalho que vão de Março de 1984 a Junho de 1987.
Em textos anteriores[*], falou-se das sua vida em Luanda, a sua passagem pelo seminário, as suas amizades angolanas, com destaque para Viriato da Cruz, a sua vinda para Lisboa, estudar Filologia Clássica que foi um desapontamento, a formação embrionária de grupos inspirados pela independências das colónias que se canalizou no Centro de Estudos Africanos, a dispersão do grupo, a partida de Mário Pinto de Andrade de Paris e a formação do efémero MAC – Movimento Anticolonial, bem como a importância de um evento, o Congresso dos Escritores Negros, em Paris, em 1956. Pinto de Andrade continua como redator da revista Présence Africaine, corresponde-se muito com Amílcar Cabral, com Joaquim Pinto de Andrade e Viriato da Cruz, está já a viver-se uma época de explosão organizacional. Nisto, em 1957, Viriato da Cruz chega a Paris. Em Novembro de 1957, fazem uma reunião a cinco, em casa de Marcelino dos Santos. “Foi talvez a primeira pequena assembleia a ponto da situação do movimento geral das organizações nos cinco países africanos. Nas nossas análises, parcelares para cada um dos países procurávamos sempre determinar e medir a classe operária. Era uma visão muito estreita das forças sociais”. Foi assim que se constituiu o MAC.
Pinto de Andrade [foto à esquerda] sentia dentro de si mudanças: “Foi-se aprofundando uma contradição entre a necessidade de ação, a disponibilidade para essa ação e o meu trabalho normal, o meu trabalho de assalariado na revista”. Demite-se da Présence Africaine, envolve-se em reuniões internacionais, comparece no Congresso dos Escritores Asiáticos, viaja até à China. África muda de rosto: independência do Gana em 1957, da Guiné Conacri em 1958, esta com a particularidade de ser o primeiro país africano fronteiriço de uma colónia portuguesa. No fim de 58 realiza-se a Conferência dos Povos Africanos em Acra, aí comparece Holden Roberto. Em 1959 realiza-se o segundo Congresso dos Escritores e Artistas Negros, em Roma. Aí reúnem com Franz Fanon que informa que os argelinos estavam prontos a ajudar na formação político-militar de jovens quadros de Angola. “Este encontro com Fanon reforçou em cada um de nós uma decisão importante: era preciso voltar a África. Não podíamos estar dispersos pela Europa, a Europa era um lugar de passagem, era uma transição para África”.
Em Maio de 1960, estes jovens dirigentes nacionalistas estão reunidos em Conacri: Pinto de Andrade, Amílcar Cabral, Viriato da Cruz e o de Meneses. Eles constituíram o núcleo dirigente de uma nova organização, a FRAIN – Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das colónias portuguesas, que veio substituir o MAC. Todos se metem ao trabalho de agitação numa atmosfera onde já se desenhava a fisionomia repressiva do regime ditatorial de Sékou Touré. Constituiu-se o primeiro comité diretor do MPLA, Pinto de Andrade assegura a responsabilidade de presidência, o secretário-geral passou a ser Viriato da Cruz. O MPLA e o PAIGC coordenavam a sua ação no quadro da FRAIN, que também não terá uma vida muito longa. Observa que a personalidade de Amílcar Cabral fazia medo aos governantes de Conacri, não havia grandes ilusões que em Conacri havia a tentação de se apoderarem da colónia portuguesa da Guiné para criarem a “Grande Guiné”. Serão os chineses os primeiros a apoiarem os movimentos de libertação. “Altos responsáveis, ligados à Grande Marcha e à luta armada, à revolução chinesa, deram verdadeiros cursos de formação sobre a guerra de guerrilha a Amílcar Cabral, Eduardo dos Santos, Viriato da Cruz. Os outros, aqueles que acompanhavam Cabral, ficaram lá, para uma formação diferente – uma formação político-militar de base”. Os chineses deram uma ajuda financeira substancial, tudo em notas de dólar. Mais tarde, esta ajuda será ocultada por causa do conflito sino-soviético e pelo facto da União Soviética ter tomado o primeiro lugar no quadro da ajuda direta. E Pinto de Andrade recorda que a China teve um papel muito importante na formação da FRELIMO.
Pinto de Andrade esclarece que os acontecimentos do 4 de Fevereiro de 1961 foi uma ação interna que ultrapassou a visão da direção do MPLA. Abrem-se expetativas para os movimentos de libertação. “É por isso que organizámos, alguns meses depois do quatro de Fevereiro de 1961, a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, em Casablanca”. Logo a seguir, houve uma conferência de solidariedade em Nova Deli, a questão de Goa não era inocente. Criou-se a FRELIMO. A situação ganhava complexidade: o MPLA concorria com a UPA, o PAIGC, era antagonizado por outros movimentos de libertação, tanto em Conacri como em Dakar, o principal ponto de discórdia era a unidade Guiné-Cabo Verde, mas o facto de o PAIGC começar a ter sucessos militares fez desaparecer a concorrência. Tudo mexia em África: dissensões entre os argelinos, o Congo em chamas, e é neste contexto que se dá a libertação de Agostinho Neto, surgirão tensões insanáveis entre ele e Viriato da Cruz, falava-se que havia um sério desentendimento nas escolhas de alianças, o MPLA tomou a decisão de se fundir com outros movimentos, Pinto de Andrade considerava que eram movimentos reacionários, e então demite-se da direção e como militante do MPLA. Em rutura, Viriato da Cruz aliou-se a Holden Roberto, patrocinado pela CIA. Pinto de Andrade vai para Marrocos, no final de 1963, dirigir os trabalhos da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, depois muda as suas atividades para Argel. “Sentia-me mais à vontade a escrever textos e a manejar os conceitos e a informação de que estar propriamente no aparelho organizacional. Fiquei em Argel, onde publicámos pequenas monografias sobre a Guiné, Angola, Moçambique”. Retomou os seus estudos. A luta armada alastrava em Angola e então que lhe propõem para ele ir ver e participar, parte para a frente Leste, em 1971, irá tornar-se etnólogo no seu país. Aqui terminam as entrevistas de Michel Laban a Mário Pinto de Andrade, infelizmente o seu precioso testemunho ficou truncado, o seu estado de saúde já estava seriamente abalado, morreu em 1990, em Londres.
____________
Notas do editor
[*] - Vd. postes de:
18 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17984: Bibliografia (41): “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997 (1) (Mário Beja Santos)
e
25 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18013: Bibliografia (42): “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997 (2) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Aqui se põe termo às dez entrevistas que Mário Pinto de Andrade concedeu a Michel Laban, um especialista em literatura africana de língua portuguesa.
Documento importantíssimo não só para a génese do MPLA como para a compreensão do trabalho conjunto desenvolvido, de forma embrionária, pelos líderes nacionalistas no exílio, no Norte de África, em conferências em Londres, na obtenção de apoios financeiros e de formação militar, em que os chineses tiveram um papel primordial.
Pinto de Andrade relata as tensões no interior do MPLA que levaram à sua rutura bem como a de Viriato da Cruz. Pena é que o seu testemunho pare em 1971, por razões de saúde de Pinto de Andrade não houve mais entrevistas, o primeiro presidente do MPLA morreu pouco depois, em Londres.
Um abraço do
Mário
Uma importante entrevista de Mário Pinto de Andrade (3)
Beja Santos
Não se pode estudar em toda a sua amplitude o movimento anticolonial em Portugal sem conhecer o pensamento e ação de Mário Pinto de Andrade, um angolano que veio estudar Filologia Clássica em Lisboa e constituiu amizades com futuros líderes, caso de Marcelino dos Santos, Agostinho Neto e Amílcar Cabral. “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997, encerra dez sessões de trabalho que vão de Março de 1984 a Junho de 1987.
Em textos anteriores[*], falou-se das sua vida em Luanda, a sua passagem pelo seminário, as suas amizades angolanas, com destaque para Viriato da Cruz, a sua vinda para Lisboa, estudar Filologia Clássica que foi um desapontamento, a formação embrionária de grupos inspirados pela independências das colónias que se canalizou no Centro de Estudos Africanos, a dispersão do grupo, a partida de Mário Pinto de Andrade de Paris e a formação do efémero MAC – Movimento Anticolonial, bem como a importância de um evento, o Congresso dos Escritores Negros, em Paris, em 1956. Pinto de Andrade continua como redator da revista Présence Africaine, corresponde-se muito com Amílcar Cabral, com Joaquim Pinto de Andrade e Viriato da Cruz, está já a viver-se uma época de explosão organizacional. Nisto, em 1957, Viriato da Cruz chega a Paris. Em Novembro de 1957, fazem uma reunião a cinco, em casa de Marcelino dos Santos. “Foi talvez a primeira pequena assembleia a ponto da situação do movimento geral das organizações nos cinco países africanos. Nas nossas análises, parcelares para cada um dos países procurávamos sempre determinar e medir a classe operária. Era uma visão muito estreita das forças sociais”. Foi assim que se constituiu o MAC.
Pinto de Andrade [foto à esquerda] sentia dentro de si mudanças: “Foi-se aprofundando uma contradição entre a necessidade de ação, a disponibilidade para essa ação e o meu trabalho normal, o meu trabalho de assalariado na revista”. Demite-se da Présence Africaine, envolve-se em reuniões internacionais, comparece no Congresso dos Escritores Asiáticos, viaja até à China. África muda de rosto: independência do Gana em 1957, da Guiné Conacri em 1958, esta com a particularidade de ser o primeiro país africano fronteiriço de uma colónia portuguesa. No fim de 58 realiza-se a Conferência dos Povos Africanos em Acra, aí comparece Holden Roberto. Em 1959 realiza-se o segundo Congresso dos Escritores e Artistas Negros, em Roma. Aí reúnem com Franz Fanon que informa que os argelinos estavam prontos a ajudar na formação político-militar de jovens quadros de Angola. “Este encontro com Fanon reforçou em cada um de nós uma decisão importante: era preciso voltar a África. Não podíamos estar dispersos pela Europa, a Europa era um lugar de passagem, era uma transição para África”.
Em Maio de 1960, estes jovens dirigentes nacionalistas estão reunidos em Conacri: Pinto de Andrade, Amílcar Cabral, Viriato da Cruz e o de Meneses. Eles constituíram o núcleo dirigente de uma nova organização, a FRAIN – Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das colónias portuguesas, que veio substituir o MAC. Todos se metem ao trabalho de agitação numa atmosfera onde já se desenhava a fisionomia repressiva do regime ditatorial de Sékou Touré. Constituiu-se o primeiro comité diretor do MPLA, Pinto de Andrade assegura a responsabilidade de presidência, o secretário-geral passou a ser Viriato da Cruz. O MPLA e o PAIGC coordenavam a sua ação no quadro da FRAIN, que também não terá uma vida muito longa. Observa que a personalidade de Amílcar Cabral fazia medo aos governantes de Conacri, não havia grandes ilusões que em Conacri havia a tentação de se apoderarem da colónia portuguesa da Guiné para criarem a “Grande Guiné”. Serão os chineses os primeiros a apoiarem os movimentos de libertação. “Altos responsáveis, ligados à Grande Marcha e à luta armada, à revolução chinesa, deram verdadeiros cursos de formação sobre a guerra de guerrilha a Amílcar Cabral, Eduardo dos Santos, Viriato da Cruz. Os outros, aqueles que acompanhavam Cabral, ficaram lá, para uma formação diferente – uma formação político-militar de base”. Os chineses deram uma ajuda financeira substancial, tudo em notas de dólar. Mais tarde, esta ajuda será ocultada por causa do conflito sino-soviético e pelo facto da União Soviética ter tomado o primeiro lugar no quadro da ajuda direta. E Pinto de Andrade recorda que a China teve um papel muito importante na formação da FRELIMO.
Pinto de Andrade esclarece que os acontecimentos do 4 de Fevereiro de 1961 foi uma ação interna que ultrapassou a visão da direção do MPLA. Abrem-se expetativas para os movimentos de libertação. “É por isso que organizámos, alguns meses depois do quatro de Fevereiro de 1961, a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, em Casablanca”. Logo a seguir, houve uma conferência de solidariedade em Nova Deli, a questão de Goa não era inocente. Criou-se a FRELIMO. A situação ganhava complexidade: o MPLA concorria com a UPA, o PAIGC, era antagonizado por outros movimentos de libertação, tanto em Conacri como em Dakar, o principal ponto de discórdia era a unidade Guiné-Cabo Verde, mas o facto de o PAIGC começar a ter sucessos militares fez desaparecer a concorrência. Tudo mexia em África: dissensões entre os argelinos, o Congo em chamas, e é neste contexto que se dá a libertação de Agostinho Neto, surgirão tensões insanáveis entre ele e Viriato da Cruz, falava-se que havia um sério desentendimento nas escolhas de alianças, o MPLA tomou a decisão de se fundir com outros movimentos, Pinto de Andrade considerava que eram movimentos reacionários, e então demite-se da direção e como militante do MPLA. Em rutura, Viriato da Cruz aliou-se a Holden Roberto, patrocinado pela CIA. Pinto de Andrade vai para Marrocos, no final de 1963, dirigir os trabalhos da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, depois muda as suas atividades para Argel. “Sentia-me mais à vontade a escrever textos e a manejar os conceitos e a informação de que estar propriamente no aparelho organizacional. Fiquei em Argel, onde publicámos pequenas monografias sobre a Guiné, Angola, Moçambique”. Retomou os seus estudos. A luta armada alastrava em Angola e então que lhe propõem para ele ir ver e participar, parte para a frente Leste, em 1971, irá tornar-se etnólogo no seu país. Aqui terminam as entrevistas de Michel Laban a Mário Pinto de Andrade, infelizmente o seu precioso testemunho ficou truncado, o seu estado de saúde já estava seriamente abalado, morreu em 1990, em Londres.
____________
Notas do editor
[*] - Vd. postes de:
18 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17984: Bibliografia (41): “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997 (1) (Mário Beja Santos)
e
25 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18013: Bibliografia (42): “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997 (2) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P18064: Consultório militar do José Martins (31): Memórias de Guerra (5): Distritos de Portalegre, Évora, Beja, Faro e Setúbal
1. Quinto poste, de sete, de um trabalho de pesquisa de autoria do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), sobre as Memórias de Guerra (Grande Guerra e Guerra do Ultramar), que podem ser vistas pelo país e estrangeiro. Aceitam-se, e agradecem-se, correcções e actualizações por parte dos nossos leitores.
(Continua)
____________
Notas do editor
Poste anterior de 8 de Dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18059: Consultório militar do José Martins (29): Memórias de Guerra (4): Distritos da Guarda, Castelo Branco e Santarém
Último poste da série de 8 de Dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18060: Consultório Militar do José Martins (30): o 2º grumete fuzileiro, da CF nº 3 (1963/65), morreu, em Bolama, em 13/4/1964, tendo caído ao rio, quando fazia parte da escolta ao rebocador "Atro". O corpo nun a mais foi encontrado
Marcadores:
Beja,
Consultório Militar,
Évora,
Faro,
I Grande Guerra,
José Martins,
memórias,
Monumentos aos Combatentes do Ultramar,
Portalegre,
Setúbal
Guiné 61/74 - P18063: Parabéns a você (1351): Amaro Samúdio, ex-1.º Cabo Aux. Enfermeiro da CCAÇ 3477 (Guiné, 1971/73)
____________
Nota do editor
Último poste da série de 5 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18046: Parabéns a você (1350): José Pereira, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 5 (Guiné, 1966/68) e Manuel Carvalho, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAÇ 2366 (Guiné, 1968/70)
Nota do editor
Último poste da série de 5 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18046: Parabéns a você (1350): José Pereira, ex-1.º Cabo At Inf da CCAÇ 5 (Guiné, 1966/68) e Manuel Carvalho, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAÇ 2366 (Guiné, 1968/70)
sexta-feira, 8 de dezembro de 2017
Guiné 61/74 - P18062: Blogpoesia (542): "À Virgem", poema de Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1546
Nossa Senhora da Conceição
Com a devida vénia a Leça da Palmeira
1. Mensagem do nosso camarada Domingos Gonçalves, (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68) com data de7 de Dezembro de 2017:
Saúde para todos os frequentadores da tabanca Grande.
Para efeitos de eventual publicação envio um pequeno poema.
Um grande abraço amigo, para todos os camaradas.
Domingos Gonçalves
**********
À VIRGEM
Por estas noites feitas só de medo,
Em que sombras vagueiam silenciosas,
Lembrando inimigos, em segredo,
Às minhas sentinelas receosas;
Por estas horas mortas, dolorosas,
Tão longas e sombrias, do degredo,
Tristes, - são a noite -, e tão penosas,
Em que nunca tenho um sonho ledo;
Eu sinto que vens à minha solidão,
Com teu sorriso de anjo salvador,
Acariciar meu rosto, com tua mão.
E a luz das tuas faces, muito leve,
Afasta de mim todo o pavor,
E brilha a meu lado, mais do que a neve.
Domingos Gonçalves
____________
Nota do editor
Último poste da série de 3 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18040: Blogpoesia (541): "Timidez da neve", "Voo alado..." e "Feira das ideias...", poemas de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728
Guiné 61/74 - P18061: Notas de leitura (1021): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (12) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Setembro de 2017:
Queridos amigos,
A exposição dos agentes económicos defensores da manutenção da capital em Bolama em detrimento de Bissau, têm aspetos singulares, que ponho à vossa apreciação. É como se fosse uma lição da história da presença portuguesa, falando de Cacheu, de Bissau e de Bolama, esta apresentada como sucesso diplomático irrefragável, a escolha de Bolama para capital era um triunfo diplomático intocável. Jogam-se argumentos em nome da geografia, da fácil aproximação de Bolama ao continente e pelo caminho dão-se informações espantosas como a de que a fértil região de Cacine estava abandonada. Toda esta argumentação caiu por terra face a novas realidades ditadas pela gradual ascensão económica de Bissau. É nesta cidade que vai assentar um modelo de desenvolvimento ainda insipiente com Carvalho Viegas e que irá desabrochar com Sarmento Rodrigues. Ponto de tal modo incontornável que Amílcar Cabral não hesitou em pôr o seu nome para identificar a nova República.
Um abraço do
Mário
Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (12)
Beja Santos
Antes de chegar o Governador Leite de Magalhães que ficará na Guiné até 1931, vários acontecimentos ganham peso, com realce para a preponderância de Bissau sobre Bolama, há empreendimentos agrícolas que vão caindo por terra, nos Bijagós, mas também no continente. Já se referiu que aumentaram as estradas e as linhas telegráficas, mas as finanças locais mantêm-se anémicas e instáveis. No período da Ditadura Nacional assiste-se a uma redução de despesas: diminuição de efetivos militares, menos administração. É nesta altura que os agentes económicos de Bolama reagem, endereçam ao ministro das Colónias uma farta exposição em 15 de Agosto de 1927, vêm fazer uma defesa histórica de Bolama, é um documento sem precedentes, feito propositadamente para neutralizar a transferência da capital para Bissau:
“Não nos animam mesquinhos propósitos de bairrismo. Para nós esta questão não é uma questão de duas cidades disputando-se a primazia, a honra ou a vantagem de serem a cidade principal da colónia. Procuramos ver o problema através do alto interesse da colónia, pois ele não pode nem deve ser considerado apenas do ponto de vista limitado, embora respeitável e atendível, das conveniências desta ou daquela cidade, deste ou daquele centro de população.
Para isso temos de considerá-lo à face da história, da situação geográfica, económica, financeira e sanitária da província e até da política internacional. No estudo do problema da capital não se pode pôr de parte o ponto de vista histórico”.
De uma publicação de 1925
Enumeram-se elementos sobre a colonização da região, fala-se em missionários, em Cacheu, no período filipino, na fundação de Bissau, cita-se o trabalho de Travassos Valdez, a velha obra de Francisco de Azevedo Coelho, tudo para chegar à ocupação militar da ilha de Bolama em 1830, não sem o protesto veemente do Governador de Serra Leoa, segue-se o conflito com a Grã-Bretanha e a sentença arbitral do Presidente Ulysses Grant. E como se estivesse a dar uma lição de história ao Ministro das Colónias, diz-se apologeticamente:
“Não foi portanto uma necessidade de ocupação que nos levou a fixarmos a capital em Bolama. Quando se transferiu a sede do governo para Bolama já ninguém nos podia contestar a sua posse. Antes o que se vê é que a capital em Bolama surge com a criação da província autónoma, é a maioridade”.
Agora os argumentos são arremessados com outro peso:
“Sob o aspeto geográfico é erro dizer-se que Bolama fica distante de todos os postos da província, por isso não está indicada para ser a sede de governo. Confrontando a sua situação com a de Bissau o que podemos dizer com verdade é que tanto esta cidade como Bolama encontram-se relativamente longe de determinadas circunscrições mas que de ambas se pode ir hoje com toda a facilidade a qualquer ponto da Guiné porque possuímos uma rede de estradas magnífica cortando-a em todos os sentidos (…) A ilha de Bissau está separada do continente por um rio, o Impernal, na região dos Balantas. A ilha de Bolama encontra-se separada do continente pelo mar. Mas é uma distância pequeníssima: de Bolama a S. João, no continente, há uma distância menor que a do Terreiro do Paço a Cacilhas. Quer dizer que quem estiver em S. João, defronte da cidade de Bolama, está em toda a parte do continente. A situação de Bolama permite comunicações rápidas com os principais pontos da colónia, tendo até o Governador Caroço projetado com a construção de uma ponte no rio Corubal a mais importante rede de estradas na parte do continente que fica fronteira a Bolama. Rigorosamente estão a grande distância de Bolama as regiões de S. Domingos e Cacheu, apenas. Como, também, ficam a grande distância de Bissau as regiões de Cacine e Gabu.
Entre Bolama e Bissau, o mais importante centro comercial da colónia, pode também haver comunicações rápidas. A experiência foi feita também pelo Governador Caroço, mandando abrir a estrada que de S. João conduz a Enchudé, povoação fronteira a Bissau. Entre Bolama e S. João, desta povoação a Enchudé e daqui a Bissau havia então um serviço combinado de transportes marítimos e terrestres, gastando-se na viagem duas ou três horas. Estes serviços tornavam mais rápidas e frequentes as comunicações Bolama-Bissau, sabido como é que os vapores da capitania estão sujeitos a marés. Uma das regiões mais ricas da Guiné é Cacine, no Extremo Sul da Guiné, e Cacine, hoje infelizmente despovoada, está a seis horas de Bolama. E o rico e fértil arquipélago dos Bijagós está longe de Bissau e a dois passos de Bolama.
Sob o ponto de vista económico-financeiro, não se pode sustentar, com verdade, a vantagem da capital em Bissau. Nem a economia da colónia nem a situação do tesouro público, a essa economia tão estreitamente ligada, lucrariam com a transferência que se pede, antes a riqueza pública sofreria uma diminuição sensível e as despesas orçamentais em nada seriam comprimidas. Bissau é realmente o grande comercial da província. Ninguém o nega e os signatários são os primeiros que desejam o progresso dessa importante e cada vez mais prometedora cidade. Mas o movimento burocrático em nada contribuiria para o seu desenvolvimento.
Que pode ganhar a economia da província com as repartições públicas em Bissau? E não será ao menos justo, como se pretende alegar, afirmando que Bissau é que paga as despesas públicas? Não, pois a verdade é que não é Bolama ou Bissau que preenche o orçamento, mas sim toda a província ou, para sermos inteiramente justos, o indígena, a grande, a suprema riqueza da colónia. E os agentes económicos que apelam ao ministro das Colónias falam no orçamento, desmontam as despesas da administração no intuito de concluir que “da transferência da capital resultava inevitavelmente a desvalorização da riqueza pública, desvalorização que se refletia também no orçamento da província. É má hoje, é difícil e quase acabrunhante a situação financeira da Guiné. Pois bem, o estado que tem edifícios seus em Bolama no valor de sete mil contos – e alguns que honram já a cidade colonial – abandonava simplesmente esses prédios, esses valores, essa riqueza, retirava-se amuado para Bissau e a fantasia desse amuo custava-lhe dez mil contos. Quem poderá dizer que isso é sensato?
Há toda a conveniência em estabelecer as capitais das províncias ultramarinas nos pontos mais salubres, mais tranquilos até. Os funcionários, incluindo o governador, devem viver nos pontos onde a salubridade seja maior, rodeados do conforto material e moral que só a família proporciona. Colocar a capital num mau clima – e Bissau é incontestavelmente um mau clima – é fazer inversamente a seleção do funcionalismo. Para um mau clima, só podem ir os maus funcionários, os inferiores, os falhados, porque os funcionários competentes têm outras colónias que lhes abrem as portas e onde se encontram sob o ponto de vista sanitário e sob o ponto de vista social melhor instalados.
Bolama, com o seu ar de velho burgo, docemente ensombrada pelas árvores, que dir-se-ia estender-nos, ao chegarmos, os seus braços verdes e aconchegantes, com a sua fisionomia de velha cidade da província portuguesa, é inclusivamente pela atmosfera de quietude, de paz e de tranquilidade que nela se respira, a cidade mais indicada para a capital política da colónia. As colónias para o tratado de Versailles existem com um alto objetivo de civilização. Não para os países incapazes as conversarem abandonadas, desprezadas, desvalorizadas, em nome de um frágil direito histórico. Não se pode abandoná-las, nem abandonar ou desprezar uma colónia ou qualquer porção do seu território. Portugal sobretudo não deve perder de vista este princípio, conhecidas as cobiças de todos os lados sofregamente espreitam o nosso império colonial.
É possível até que seja escusada e supérflua a nossa defesa de Bolama, porque o primeiro e o mais ilustre defensor da capital nesta cidade é o senhor Major Leite de Magalhães, distinto Governador da Colónia, e não é com o seu assentimento decerto que a sede de governo se fixa em qualquer outro ponto. Basta atentar em todos os seus atos desde que chegou a esta colónia, para se concluir que sua excelência só deseja o progresso de Bolama. E não é necessário referirmo-nos a muitos desses atos como a construção de um casino, que Sua Excelência patrocina e o novo palácio do governo que quer edificado. Logo tomou posse do governo, o senhor Major Leite de Magalhães propôs ao Ministério das Colónias a extinção da Comarca Judicial em Bissau e a criação de uma Comarca única em Bolama, o que só significa, por parte de Sua Excelência o desejo de alevantar e engrandecer esta cidade. E embora neste ponto nos permitamos discordar de Sua Excelência, temos a concluir que a significação da sua atitude é bem eloquente.
É lícito abandonar esta velha terra portuguesa?”.
Da Revista Panorama n.º 21 de 1944
Mas a decisão de mudança só ocorreria mais tarde, a despeito do que na exposição enviada pela direção da Associação Comercial da Guiné com a Comissão Urbana de Bolama, a transferência será decidida no final dos anos de 1930 e concretizável em 1941, já começara acentuadamente a decadência de Bolama.
Sempre atento a tudo quanto se passava à sua volta, o gerente da filial de Bolama enviou cópia deste documento para Lisboa, a Administração do BNU queria-se sempre bem informada, política, social e economicamente, de tudo quanto se passava em território guineense.
(Continua)
____________
Notas do editor
Poste anterior de 1 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18032: Notas de leitura (1019): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (11) (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 4 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18042: Notas de leitura (1020): “Cartas de Amílcar Cabral a Maria Helena”, organização de Iva Cabral, Márcia Souto e Filinto Elísio, Editora Rosa de Porcelana, 2016 (Mário Beja Santos)
Subscrever:
Mensagens (Atom)