Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, E. Magalhães.
Envio este testemunho, onde exponho como eu senti o 25 de Abril na época, antecedentes e algumas consequências, que publicarão caso entendam que tem algum interesse para o blogue.
Um abraço
José Corceiro
NO 25 DE ABRIL EU ESTAVA EM...
Os anos sessenta foram fabulosos em acontecimentos musicais, e testemunharam uma criatividade ímpar, que fez florir uma grande multiplicidade de inovações nos géneros musicais e nos ímpetos comportamentais dos jovens. São dignos de destaque os talentosos artistas ingleses, no campo da música, tais como os Beatles, os Rollings Stones, os The Who, o Cliff Richard e muitos outros ídolos americanos, que se sobrepuseram com o seu estilo cultural original, a cuja corrente a irreverente juventude aderiu voluntariosa, obrigando as comunidades a romper com muitas tradições sociais, que estavam arreigadas nos comportamentos dos povos há séculos. Muitos conceitos que se pensavam bem alicerçados, desabaram, e outros se inovaram, no campo da política, comportamento, moda, sexo, religião, etc. Foi a adesão em massa por parte da juventude, sempre ansiosa por novas experiências, que ao aderir a esta original onda do estilo de vida destes ídolos, que em parte contribuíram para o aparecimento nos anos de 1966/67, das manifestações dos movimentos Hippies, com a sua doutrina filosófica contra cultura, manifestando a sua rebeldia no campo das ideias, no modo de vestir, nos comportamentos contestários, questões ambientais, emancipação sexual, vida comunitária, discordância dos valores tradicionais face a tudo o que os cercava. Os adeptos do movimento Hippie, filosofavam e procuravam uma nova identidade, purificada e liberta de tudo o que consideravam impuro e nefasto no seio da sociedade reinante. Algumas das ideias dos Hippies rasgaram com as concepções há muito instituídas, deixando campo vazio aos novos conceitos por eles propagandeados, que se foram dispersando na sociedade, acabando por ser absorvidos. Os Hippies, adoptaram como seu, o símbolo da paz, e o lema que apregoavam bem alto, era: Paz e Amor.
Em Portugal os anos 60 foram tempos agitados, tempos problemáticos e difíceis, para o regime Salazarista e para o povo português.
O nosso País não tinha tradição de música Pop & Rock, este género musical foi uma onda importada da cultura dos países anglo-americano, no princípio da década de sessenta, acabando por nascerem assim, as primeiras correntes de rock no nosso país.
Quando começaram a surgir as primeiras bandas musicais, influenciadas pelos artistas do rock americano, os grupos portugueses não tinham raízes nem tradição de música contestaria, e não enveredaram pela atitude do inconformismo, mas antes porém, optaram pelo facilitismo da via da ingenuidade e simplicidade do género musical “Yé-Yé”, que o mesmo é dizer, tudo gente bem comportada que não quer provocar sarilhos, mas sim assegurar uma vida calma e tranquila.
O regime fascista controla a governação do País, onde se instalou há mais de 30 anos. Com raras excepções a juventude portuguesa não se envolve em questões de política, nem lhe são dadas oportunidades para tal, já que a macabra polícia ”Pide” tem tudo minado e controla os passos de meio mundo, servindo-se da rede tentacular dos seus impúdicos informadores, que estão infiltrados em tudo o que é repartição pública, devassando a vida de quem lhes aprouver, não permitindo que algum cidadão, mais atrevido, ponha o pé em ramo viçoso.
O povo politicamente é amorfo, o balão do descontentamento, devido à repressão do regime, está prestes a rebentar, as injustiças contra o cidadão comum agravam-se a cada dia que passa, o ódio sufocado do povo contra o regime, já é difícil de ocultar, o desejo para vingar as atrocidades cometidas pelo poder, ameaça explodir a qualquer momento.
Rebentam as primeiras contestações de vulto, levadas a cabo por algumas personalidades bem integradas no regime salazarista. É o caso da candidatura do General Humberto Delgado, em 1958… - obviamente, demito-o… - palavras de Humberto Delgado, a referir-se a Salazar. O assalto e o desvio, do paquete Santa Maria, foi em 22 de Janeiro 1961, a responsabilidade deste acto é também assumida pelo General “Sem Medo”. O massacre do porto de Pidjiguiti, na Guiné, foi em 3 de Agosto de 1959.
O assalto da prisão, em Luanda, foi em 4 de Fevereiro de 1961, esta acção dá mais um rombo e um abanão na estrutura do poder, inicia-se o alvorecer e despertar das consciências dum povo adormecido, que amanhece, acorda e abre os olhos para outras realidades, e com outros sentimentos, começando por condenar a resposta de retaliação do assalto à prisão, dada pelas autoridades portuguesas, que arrasaram aldeias inteiras com bombardeamentos, massacrando inocentes indefesos.
A Índia invade, Goa, Damão e Diu, em 18 de Dezembro 1961, que nós dizíamos serem nossas possessões há séculos; estoira a guerrilha em Angola, no ano de 1961; a rebelião do assalto ao Quartel de Beja, foi em 1 de Janeiro de 1962; aparece a Frelimo em Moçambique, em 1962; começa a luta na Guiné com o ataque ao quartel de Tite “que foi a primeira acção armada do P.A.I.G.C”, em 23 de Janeiro de 1963. Portugal, do dia para a noite, vê-se obrigado a um enorme esforço suplementar, com o envio de contingentes militares, para combater em três frentes distintas.
A juventude estudantil portuguesa inquieta-se e acorda, começa a desperta e a politizar-se, ganhando consciência de luta contestando o regime vigente, eclode a crise universitária de 1962.
Crise Universitária, de 1962 (http://www.manuelgrilo.com/rui/artigos/crise.html)
O envio de tropas para o ultramar começa a ser em massa, e todos temem que a sorte lhes vá bater à porta num futuro muito próximo, caso se continue com a mesma política, que está a absorver as sinergias de toda a juventude dum País, ao ser mobilizada para os Teatros Operacionais de Guerra das colónias e é inevitável que terão que se confrontar, empunhando armas, frente a frente com os nossos irmãos, alguns dos quais são amigos e seguem o mesmo percurso universitário. (O eloquente Poste 3543 – encontro de Dois Amigos no TO, frente a frente os “Inimigos”- Mário Dias e Domingos Ramos patentearam um leal exemplo de amizade e generosa sensatez, ditosos intervenientes, apanágio que só contempla Homens com grande dignidade e honradez, porque só estes são bafejados com esta sabedoria. Para mim um marco Importantíssimo no Blogue, um comportamento a raiar o mitológico, coincidências da vida. Parabéns para os dotados com este discernimento). A maioria dos jovens não compreende o que é que está em causa no conflito, duvidando se vão defender a soberania da Pátria ou os interesses de alguns colonialistas. As instâncias internacionais estão todas contra as nossas pretensões, deixando-nos isolados e orgulhosamente sós. Estamos envolvidos em três frentes de combate, numa guerra de guerrilha que poucos são os que sentem estímulo para a alimentar, nem há simpatia pela doutrina que a apoia, duvidando-se se efectivamente estamos a contribuir para o interesse do país, ou a desbaratar a sua economia. Falta motivação combativa.
A somar a este desinteresse, as forças mobilizadas quando chegam ao destino, vão encontrar instalações com péssimas condições de alojamento, algumas são degradantes, a aclimatização é dificílima, a alimentação é de má qualidade e pobre. Eu, na Guiné, tive um períodos que durou mais de dois meses, em que a alimentação foi diariamente arroz, algum misturado com caganitas de rato, atum e salsichas, duvidando-se do estado de conservação de cada um destes géneros alimentícios, se eram próprios para consumo, porque o odor era nauseabundo, mas nada mais havia para comer (e éramos só cerca de 40 arranchados). Honra seja feita, ao Sr. Capitão Costeira, na altura Comandante da CCAÇ 5, homem sensível, e dotado de excepcional carácter e compreensão humana, que a determinada altura, crendo que esta injustiça estava a ultrapassar o limite do razoável, deslocou-se a Bissau, onde comprou vários alimentos, fretou uma avioneta, creio que civil, para os transportar para Canjadude, onde foi logo confeccionada uma ceia condigna, (jantar) que comemos sôfregos, confraternizando todos reunidos, sentados à volta da mesma mesa.
É notório que se está a atingir o auge do limite das capacidades do Estado, era incomportável exigir tanto sacrifício à nobre juventude dum País, tão pequeno e com tão limitados recursos económicos, forçado por interesses de alguns monopólios, que não souberam nem quiseram aproveitar e criar condições oportunas e atempadas, para solucionar o problema, arrastando-nos agora para uma guerra fratricida em três frentes, guerra que já dura há mais duma década, sem perspectiva de paz à vista, estando a ceifar milhares de vidas e a deixar outras tantas com deficiências físicas, dum lado e do outro, não poupando a vida a inocentes, a agravar, ainda ocasiona traumas psíquicos, supliciando os que assistem aos horrores da guerra, traumas que só a morte lhos vai apagar. A guerra é sempre uma catástrofe… que provoca horrores e excessos de parte a parte… uma imbecilidade… Não se vislumbra no horizonte fim à vista para esta contenda.
O País continua cada vez mais só. O regime está tão obcecado com a linha da sua política que se convenceu (ou quer convencer) que só ele é o detentor de virtudes e da verdade, despreza toda e qualquer proposta no sentido de encontrar uma via diplomática alternativa, para solucionar o caso e pôr fim à guerra, alheando-se de todos os contra-argumentos que lhe sejam desfavoráveis, preferindo antes enterrar a cabeça na areia, para não ver, não ouvir, nem dar diálogo a vozes conscienciosas e sensatas, que exprimem outras opiniões… Progressivamente vai-se avolumando e generalizando a contestação ao regime vigente, e surgem resistências à mobilização dos militares para o ultramar.
Já antes da década de sessenta, surgiram algumas vozes de intervenção (protesto) no campo da música e da poesia, que com palavras dissimuladas contestam o regime. O José Afonso é a figura emblemática da canção de intervenção em Portugal, figura proeminente no combate contra a opressão do regime, através da canção. Dizia o Zeca Afonso sem pretensões algumas: - Semeio palavras na música. Assim, através das suas palavras disseminadas através das baladas, umas vezes com letras mais veladas, outras, mais explícitas, contesta o regime. Eu tenho algumas músicas do José Afonso, que algumas vezes ouvia com amigos mas com muito recato e quase em silêncio, havia receio (isto em 66 ou 67).
Vampiros: ( http://www.youtube.com/watch?v=ZUEeBhhuUos&feature=related)
Dentro da música de intervenção, há outros nomes que merecem ser lembrados, é o caso: José Mário Branco, Janita Salomé, Fausto, Sérgio Godinho, Vitorino, Manuel Freire (Pedra Filosofal), etc. que tiveram um percurso de vida, utilizando a canção de intervenção, para se manifestarem contra o antigo regime, o que os molestou, tendo alguns sido perseguidos acabando por se exilarem.
Pedra Filosofal: (http://www.youtube.com/watch?v=2DA-mzhk0s4)
FOTO 1 - Coimbra, 17 de Abril de 1969, o desfile militar, povo, estudantes e cartazes!
FOTO 2 - Coimbra, 14 de Junho de 1969, estudantes na R. Ferreira Borges, operação balão.
FOTO 3 - Coimbra, 22 de Junho de 1969, Final da Taça de Portugal. Comunicados caem sobre os espectadores
Por sua vez o regime também aproveitou a imagem e a popularidade dos artistas da época, (conveniência ou ingenuidade destes) ao promover espectáculos com os cantores mais conotados com a ideologia política do poder, espectáculos esses que serviam para serenar o cidadão, e ao utilizar os meios de comunicação divulgava-se a mensagem enganosa, que havia união entre o poder e o povo, ao qual o regime servia e administrando com rigor e controlo o erário público. Um embuste. Também eram enviados artistas em digressão pelas Províncias Ultramarinas onde eram fomentados espectáculos para impressionar e confundir a opinião pública, ao passar a mensagem que a guerra era obra de grupelhos conflituosos, que não intimidavam nada nem ninguém, visto que até os nossos artistas se deslocam livremente em segurança, a locais que difamadores dizem ser perigosos. A actuação dos artistas era a prova de que há paz e tranquilidade e não guerra! Era o continuar das “Conversas em Família” e o renovar o velho discurso do ditador dos anos trinta: - «Às almas laceradas pela dúvida e pelo negativismo, nós procuramos restituir o conforto (com bastonadas e prisão) das grandes certezas. Nós não discutimos Deus e a sua virtude, não discutimos a Pátria e a sua História, não discutimos a Família e a sua moral, não discutimos a Glória do trabalhador e a sua obrigação. Assim foram construídas as pilastras do edifício.»
Paralelamente a estes acontecimentos, começa a germinar uma juventude mais esclarecida e mais politizada, que se organiza contestando o regime e as suas instituições, e rebenta a Crise Académica na Universidade de Coimbra, nos meses de Abril, Maio e Junho, de 1969.
Crise Universidade de Coimbra: (http://www.youtube.com/watch?v=FV5cFbvK5p8&feature=related)
Crise Universidade de Coimbra: (http://www.youtube.com/watch?v=IqC6H0Ry17c)
Crise Universidade de Coimbra: (http://videos.sapo.pt/vFw8pzw6tGnH7JYATOlz)
Fotos: (http://caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/06/02/crise-academica-coimbra-1969/)
Enquanto a guerra no ultramar ceifava a vida a militares e a inocentes dos dois lados, a polícia continuava a dar bastonadas nos contestários, e estes por sua vez aperfeiçoavam os seus métodos de reposta. Os embarques em massa para a guerra continuam, por vezes utilizando transportes marítimos cujas condições e instalações são humilhantes e degradantes para o homem, como me aconteceu a mim quando fui para a Guiné no Niassa, em 24 de Maio de 1969, mais parecendo que carregavam massa humana já destinada a carne de canhão. Estas condições eram aceites por muitos jovens, todos praças, por imposição e servilismo, mas com revolta contida, pois não tinham outras condições, sócio-económicas que lhes permitissem alternativa.
Progressivamente alguma juventude começa a adquirir consciência política, e concluí que a guerra é incomportável e de finalidade duvidosa, e decidem-se por abandonar o País a assalto, mancebos com 17, 18, 19 e 20 anos, fogem da tropa (nem sempre por medo). Vão para França e outros países Europeus, onde alguns já tinham familiares ou amigos, que lhe serviam de orientação e sustento nos primeiros tempos. Da minha terra foram muitas dezenas que tomaram esta atitude, assim como em toda a zona fronteiriça do País, como é a minha aldeia. Eu próprio cheguei a dar guarida, numa casa dos meus pais, durante uma semana, a 5 jovens naturais do Porto que estavam por ali de passagem, e que na hora de nos despedirmos me confidenciaram que estavam de abalada para o estrangeiro, para fugir à tropa, isto no Verão de 1967. Havia também os que desertavam quando estavam já a cumprir o serviço militar, ou já depois de estarem mobilizados com embarque agendado para o Ultramar, na minha aldeia houve casos destes. Estas deserções aconteciam com mais frequência em jovens militares oriundos de famílias da média burguesia, que tinham recursos monetários que fizessem face ao sustento no estrangeiro, até arranjarem emprego ou poderem continuar a estudar, tirando cursos superiores, como alguns da minha aldeia fizeram. Particularizando, tenho um caso na minha família, dum tio meu, da minha idade, que com 18 anos, para se livrar do serviço militar partiu para França, onde estava bem integrado e optou em 1968 por vir voluntariamente a cumprir a tropa. Logo em 1968 foi mobilizado para Angola, onde tombou em combate no dia 04 de Fevereiro de 1969. Já eu estava na Guiné quando se realizou o funeral do meu tio.
Era insustentável para um país com os recursos que Portugal tinha, sustentar uma guerra desgastante do género desta, com três frentes, onde não havia uma razão mobilizadora, nem uma causa justa que aglutinasse os seus efectivos em torno dum ideal, que motivasse os seus combatentes à luta. Faltava o ideal e a causa era injusta, estávamos condenados. Estávamos envolvidos neste conflito há mais duma década, não havia fim político ou militar à vista… estava já tudo saturado e cansado.
FOTO 4 - Corceiro, em Lisboa, ao fim da tarde, no dia 24 de Abril de 1974, o edifício em plano de fundo é o Palácio da Justiça.
FOTO 5 - Dia 25 de Abril de 1974, em Lisboa, Corceiro com garrafa na mão na casa onde vivia mais três amigos a festejar a Revolução dos Cravos. Não tinha whisky nem champanhe, abri uma garrafa de conhaque, Pedro Domecq. Quem não se aguentou nas canelas foi o meu amigo Freitas que já não se tinha na vertical e está na cama na horizontal. Pode ler-se num papel na parede – Comemoração de 25-04-1974
Em 25 de Abril de 1974, eu vivia em Lisboa num apartamento na R. Viriato, (paralela à R. Fontes Pereira de Melo) com mais três estudantes. De madrugada, às 04:30h, tocou o telefone insistentemente, atendeu-se e era a irmã do meu amigo Freitas, que hoje deve ser médico. A irmã do Freitas trabalhava como jornalista num órgão de comunicação social, e telefonou a alertar o irmão que tinha havido uma revolução militar e a preveni-lo para não sair de casa. O Freitas ainda não tinha cumprido a tropa. Ainda não eram 5 horas, já o Corceiro, o Freitas e outro amigo, estávamos junto ao Marques de Pombal, pois do apartamento até lá eram dois minutos a caminhar. Acompanhamos durante todo o dia, na via pública, as movimentações militares, sem mais voltarmos a casa, quisemos assistir ao evoluir da Revolução dos Cravos. Palmilhámos a Avenida da Liberdade, Restauradores, Rossio, na Rua do Carmo e na R. Nova do Almada, assistimos a pilhagens em duas ou três casas comerciais, fomos para a Praça do Comércio e a culminar, ao fim da tarde, assistimos aos acontecimentos do render no Largo do Carmo.
Recordo deste dia a força aglutinadora e a impulsividade manifestada pelo povo, no apoio aos militares com os quais se misturava e queria proteger, no Rossio foi o apogeu, as floristas a abraçarem e a colocarem espontaneamente cravos nos canos das G3 dos militares, que transportavam uma arma na mão, mas guardavam dentro do peito um coração que palpitava e esvoaçava qual pomba branca a anunciar a paz, foi dum simbolismo de ensoberbecer; o povo anónimo dava as mãos e enlaçava-se, dando abraços a irmãos desconhecidos, era o comungar e saudar o novo porvir de esperança e paz, erguendo em uníssono o ramo de oliveira, simbolizando um pacto de concórdia; era uma alegria esfuziante, que só os momentos de glória dum egrégio e pacífico povo, com notável história, sabem enobrecer…
O 25 de Abril foi aquilo que todos sabemos que é! Poderia ter sido melhor? - Podia… Poderia ter sido pior? - Podia… Mas era muito urgente a mudança… É de louvar os homens que tiveram os ideais de Abril. O País estava a ficar incomportável, não havia viabilidade para o status quo…
FOTO 6 - Dia 28 de Abril de 1974, ao fim da tarde, na R. Fontes Pereira de Melo, antes de chegar às Picoas. Começou espontaneamente o pessoal a aglomerar-se, já depois da Rotunda, e enquanto o diabo esfregou o olho, estruturou-se uma manifestação, com muitos militares da força aérea, como se pode ver nas linhas da frente com farda azul e boina verde. As palavras de ordem – Nem mais um soldado para o ultramar…
FOTO 7 - Dia 30 de Abril, de 1974, na parte da tarde na Ave. da Liberdade, antes de chegar à Rotunda, veja-se a destreza e o à vontade, dum pai ou avô, a passear a criança. O Sr. que está no meio do trânsito, está a distribuir panfletos para a convocação do 1º de Maio.
O 25 de Abril foi obra feita por seres humanos, com as suas virtudes e defeitos, portadores duma carga genética com as suas dominâncias, detentores das suas experiências de vida, e até limitados por contingências diversas: ideologias políticas, interesses pessoais, valores humanos, houve muitas determinantes que condicionaram o bom evoluir dos acontecimentos, e até, talvez, os seus ideólogos e operacionais não esperassem que fosse este o evoluir do rumo revolucionário que sonharam e queriam dinamizar, e que o seu querer tenha sido ultrapassado pelo progredir!?
FOTO 8 - Dia 1º de Maio, 1974, tirei esta foto ao princípio da tarde, na Alameda. Posicionei-me junto da Fonte Luminosa.
FOTO 9 - Dia 1º de Maio, de 1974, tirei esta foto ao meio da tarde, na Alameda, podem ver-se muitos militares da Marinha. Estava posicionado, para fotografar, no lado do Técnico. Veja-se o mar de gente.
Seguiram-se dias de salutar entusiasmo sibilante, aos quais tive a fortuna de assistir, que culminaram com a realização da festa do 1.º de Maio de 1974, na Alameda, nunca mais houve outra igual. Tive o privilégio de presenciar nos dias a seguir ao 25 de Abril, à progénie de manifestações espontâneas, em que o povo circundante aderia apaixonadamente à torrente da multidão, onde era regra invariável e obrigatória serem sempre gritadas, bem alto, as mesmas palavras de ordem: - Nem mais um soldado para o ultramar… Regressem do ultramar os soldados já… Para o ultramar nem mais um militar… Não à guerra no ultramar…
Estava sempre presente o Ultramar, nas preocupações do Povo.
FOTO 10 - Agosto 2010, Corceiro na Madeira, junto à cascata Véu da Noiva, na costa Norte.
A descolonização das ex-colónias foi mal negociada, foi um autêntico desastre, não se garantiram a segurança e direitos aos residentes e o que aconteceu após a entrega foi uma indignidade para o povo português e para os movimentos de libertação, que não se entendiam porque lhes faltava coesão Nacional, no caso da Guiné eram muitas as tribos (interferências e interesses em jogo etc., etc.)… O êxodo de milhares e milhares de retornados…?! Questiono-me, se perante o momento conturbado que atravessava o País, se seria possível fazer melhor descolonização? A culpa do que aconteceu, terá sido de quem negociou, ou de quem não soube atempadamente ir preparando os nativos das colónias para a autodeterminação, deviam ter acordado mais cedo, dando um rumo diferente à política ultramarina…?! Já havia muitos exemplos de descolonizações! Sabemos a aceleração com que foi feita a saída das nossas tropas, deixando ao Deus dará o destino das Novas Nações, que seguiram um rumo desastroso que descambou num caos, que foi aproveitado para vinganças vis, que provocaram o derrame de muito sangue, mas nunca saberemos o que aconteceria se fosse feita doutra maneira! Após o 25 de Abril, era dificílimo a Portugal manter-se nas ex-colónias, o desinteresse era geral, e aos Novos Países faltava-lhes formação governativa. Era complicadíssimo continuar a enviar tropas em massa e desmotivadas para o ultramar! E o que poderia acontecer? Quem estava na disposição de continuar a ir? Quem dos que estavam no ultramar não estavam desejosos e impacientes para regressar ontem? Como reagiriam os movimentos de libertação? Quem estava disponível para permanecer lá, ou ir policiar? Há muitas interrogações e dúvidas… mas são sempre os imbróglios provocados pelos horrores da guerra que conduzem a estes embaraços, a guerra é perpetuamente uma destruição do espírito humano, mas infelizmente tem muitos apologistas que por ela nutrem paixão, e que astutamente conseguem argumentar e convencer os incautos, das reais “virtudes e necessidades” que a guerra comporta… a culpa nunca querer morrer solteira. A Portugal faltou um estadista para orientar os destinos da Nação, já tínhamos muitas fontes onde nos podíamos rever e inspirar, para poder dar um rumo diferente com mais dignidade e mais ordem à descolonização…
Um abraço e boa saúde para todos.
José Corceiro
PS – As fotos 1, 2 e 3, assim como os endereços dos links foram retirados do Youtube
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 1 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7063: José Corceiro na CCAÇ 5 (17): Coincidências no dia 3 de Agosto de 1970
Vd. último poste da série de 26 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6251: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (10): Canfuja, sector de Piche, com o Jamanca e a CCAÇ 21, no rasto do PAIGC (Amadú Djaló, Alf Comando Graduado)