1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Junho de 2011:
Queridos amigos,
Não me cansarei de sugerir que leiam esta biografia política de Amílcar Cabral, as questões fundamentais da unidade entre a Guiné e Cabo Verde, as tensões entre as elites políticas e militares, a descodificação dos seus fundamentos culturais da matriz cabo-verdiana até à sua luta bem perto da oposição portuguesa mas sempre cioso da autonomia face às concepções do nacionalismo africano, aparecem aqui tratadas com indesmentível rigor. É por isso que julgo valer a pena ler na íntegra estas mais de 500 páginas, que aqui vão ser alvo de umas magras recensões.
Um abraço do
Mário
"Amílcar Cabral – Vida e Morte de um Revolucionário Africano"
Amílcar Cabral, a formação de um revolucionário
Beja Santos
“Amílcar Cabral, Vida e Morte de um Revolucionário Africano” é uma obra exaustiva de Julião Soares Sousa que começou por ser uma tese de doutoramento defendida na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. É uma obra de leitura obrigatória para todos aqueles que pretendam aprofundam os seus conhecimentos sobre o envolvimento do mais talentoso de todos os militantes anticolonialistas e do seu pensamento político, não só no que respeitava à independência das colónias portuguesas como sobre a unidade africana, um sonho marcante dos anos 60 e 70, naquele continente (Nova Vega, 2011).
Estudar Amílcar Cabral é indispensável para conhecer não só a formação e a luta ao nível do PAIGC como para conhecer a formação dos diferentes dirigentes anticolonialistas, sobretudo como se formaram nos anos 50 e 60. Como prova e comprova Julião Soares Sousa, o papel do indivíduo Amílcar Cabral foi total influência que tudo o que é investigação da Guiné-Bissau, dos anos 50 à actualidade mostra que os eventos se tornam ininteligíveis sem o percurso político e o ideário de líder do PAIGC.
O estudo de Julião Soares Sousa comporta matéria polémica. Não sobre o nascimento ou os primeiros anos de vida de Amílcar Cabral na Guiné e em Cabo Verde. A infância de Cabral esteve sujeita ao meio em que viveu (os pais separaram-se cedo, ele seguiu com o pai, Juvenal Cabral para Cabo Verde, mas será educado pela mãe, também no arquipélago. Cabral nasceu em Setembro de 1924 em Bafatá, aqui viveu 2 anos, viveu depois 3 anos em Geba, 1 ano em Cabo Verde, e 1 ano ou 2 em Bissau. A mãe, Iva Pinhal Évora, foi a grande responsável pela sua formação. Alguns estudiosos da vida de Cabral apontam Juvenal Cabral como a personalidade de referência. Os testemunhos existentes abonam que Amílcar sempre se reviu nos valores da mãe, terá sido ela a responsável pela sua socialização escolar. Frequentou o liceu Gil Eanes. Cabral recordará mais tarde, a propósito da instrução que recebeu: “Gosto muito de Portugal, do povo português. Houve um tempo na minha vida em que eu estive convencido que era português. Mas depois aprendi que não, porque o meu povo, a história de África, até a cor da minha pele… Aprendi que já não era português”. S. Vicente era já ao tempo uma região com aspirações culturais, o Mindelo tinha a revista Claridade e a Academia Cultivar possuía a revista Certeza.
Amílcar Cabral tem 15 anos quando começa a II Guerra Mundial, Cabo Verde sofrerá os impactos do conflito. Mas a verdade é que neste período da sua juventude não se vislumbra nenhum sinal de crítica fora do contexto que era a lógica cabo-verdiana, um misto de orgulho pelos valores europeus e uma atmosfera de sentida africanidade. Os anos 40 foram de crise económica em Cabo Verde, marcada pelas fomes e secas. A poesia de Cabral denota preocupações sociais, é um olhar de um ilhéu, em consonância com um dos seus mais conhecidos poemas “Ilha”, escrito em 1945, quando residia na Cidade da Praia e trabalhava na Imprensa Nacional, foi a paisagem monótona de Santiago que lhe deu o mote:
Tu vives – mãe adormecida
nua e esquecida,
seca,
batida pelos ventos,
ao som da música sem música
das águas que nos prendem…
Servem estas considerações para dizer que Cabral era o produto do seu tempo, as preocupações guineenses estão totalmente omissas. Em 1945, Cabral parte para Portugal como bolseiro, ingressa em Agronomia, onde será um aluno distinto. É aqui que Cabral vai participar nas movimentações da oposição portuguesa, como dirá mais tarde: “Eu fui fiel à Pátria portuguesa lutando ao lado do povo português contra o salazarismo. Cantando nas ruas de Lisboa (na Rua Augusta), abrindo brechas entre a polícia aquando da eleição de Humberto Delgado. Lutei pela Pátria portuguesa sem ser português. Estou pronto a lutar hoje”. Colaborou activamente na Casa dos Estudantes do Império como no Centro de Estudos Africanos. Os seus ideólogos e referências culturais da época predem-se ao pan-africanismo, caso de Aimé Césaire (Martinica), Léon Damas (Guiana francesa) e Léopoldo Sédar Senghor (Senegal). Depois evoluiu para o pan-negrismo e para as vozes que anunciavam a independência colonial. Tudo isto aparece largamente documentado no trabalho de Julião Soares Sousa. Quando conclui a sua licenciatura, dá sinais de querer ir trabalhar em África. Por concurso parte para a Guiné, no início dos anos 50, quando a designação “Império Colonial” cedeu lugar à de “Províncias Ultramarinas”. Enquanto procede, acompanhado pela mulher, ao recenseamento agrícola da Guiné, a partir de 1952, Cabral já adquirira uma longa aprendizagem sobre o que faziam as organizações nacionalistas e cívicas de Angola, já se relacionara com Lúcio Lara, Mário de Alcântara Monteiro e Viriato da Cruz, entre outros. Dirá mais tarde que a sua ida para a Guiné tinha sido programada já com a ideia de fazer alguma coisa, de dar uma contribuição para levantar o povo contra os tugas. Cabral sabia muito pouco sobre a Guiné, foi o recenseamento agrícola que lhe deu a conhecer em grande profundidade a realidade local: 99.7% da população não gozava na plenitude dos direitos civis e políticos. Os seus trabalhos científicos foram elogiados. Pronuncia-se sobre o gravíssimo problema de erosão, atacou a prática da monocultura e sugeriu que se colocasse de parte a cultura do amendoim, devia-se dar prioridade à cultura do arroz e valorizar a agricultura tradicional. Data desse período a frustrada criação do Clube Desportivo, supõe-se que a ideia de Cabral era a de preparar os naturais da Guiné para assumirem eles mesmos o processo de reivindicação dos seus direitos.
O autor desmonta a tese da alegada fundação do MING por Amílcar Cabral, por motivo de doença ele e a mulher e a filha regressam a Lisboa em 1955. Ao tempo, consta de um relatório da PSP de Bissau que Cabral e a mulher se tinham comportado de maneira a levantar suspeitas de actividades contra a presença portuguesa em África, exaltando prioridades do direitos dos nativos, chegando mesmo a pretender fundar uma agremiação desportiva e recreativa.
Em Lisboa, permaneceu pouco tempo, seguiu para Angola onde acompanhou a criação do movimento independentista. Quanto à fundação do PAI/ PAIGC em 1956, o autor demonstra que tal não foi possível, ao contrário do que pretende a hagiografia oficial. Importa agora ver como se entrosou a actividade de Cabral com as organizações nacionalistas da Guiné e de Cabo Verde, a partir de 1959 e quais os fundamentos da unidade africana e da unidade Guiné e Cabo Verde.
(Continua)
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 5 de Julho de 2011 >
Guiné 63/74 - P8508: Notas de leitura (253): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (1) (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 11 de Julho de 2011 >
Guiné 63/74 - P8542: Notas de leitura (255): Guia Político dos Palop, por Fernando Marques da Costa e Natália Falé (Mário Beja Santos)