1. Texto do Vitor Junqueira (*), com data de 17 do corrente (Aqui, na foto à esquerda, a receber das mãos de outro
senador do nosso blogue, o A. Marques Lopes, em 2007, no nosso II Encontro Nacional, em Pombal, mais de trinta anos depois, a condecoração que não lhe chegou a ser oficialmente dada em 10 de Junho de 1974, por causa das
partidas da História):
Amigos Luís Graça e Carlos Vinhal,
O Texto que se segue está pronto há uns dias. Pela falta de oportunidade, estive numa de manda-não-manda até que hoje constatei que, embora de forma indirecta, se voltava ao tema. Decidi-me e agora é convosco. Se houver necessidade de poda, força! Peço a vossa atenção para os itálicos que agora, também na qualidade de editor (**), sei que não passam para o blog!
Um especial abraço para vocês,
VJ
2. Colaboracionismo (***)
por Vitor Junqueiro
Pessoal amigo, desta e doutras guerras,
bloggers militantes, gente de sentimentos e coração ao pé da boca... e na ponta dos dedos.
Cheguei há pouco da Pérola do Atlântico que não visitava havia já duas legislaturas – é a nova medida do tempo na região – e nesta volta, em que esquadrinhei montes e vales, concluí: O Homem é um génio! Não sei quem pagou ou vai pagar. Algum do nosso, certamente já escorregou, mas o que vi deixou-me de boca aberta e acreditem que com a minha idade, uma pessoa já não se deixa deslumbrar facilmente. Rendo-me, e apesar da minha simpatia pela bola com o A lá dentro, até estava capaz de lhe oferecer uma cruzita se soubesse que ele se adaptava ao clima do
Contnente.
Boca aberta, nem sempre significa iminência de disparate. Assim o espero, ao meter a colherada numa polémica que tem assanhado ânimos e desencadeado fúrias literárias e à qual, por uma questão de princípio, não poderia ficar alheio.
Uma pessoa vira as costas e é no que dá. Palavras desembainhadas, G3 na rua, (e as bazucas?), pelotões de fuzilamento! Parece que os camaradas não ficaram fartos. (****)
Como quem não quer a coisa, lá veio o
patrão tentar meter ordem na caserna (post 4953, excitação 45). E não é que o homem escreve bem e explica-se ainda melhor!? Nunca entenderei porque é que dizem aquilo das pessoas da Lourinhã! (*****) Eu até gostava de encontrar um
pintelhinho que desse para aquecer (ainda mais…) o debate, já que é disso que o meu povo gosta. Mas não, aquilo vai ao encontro da minha própria visão sobre a matéria e portanto, o Luís disse e está dito. E no entanto...
Eu gosto muito de contos da carochinha. Até já escrevi alguns que passaram no blog. Mas por natureza, prefiro os do Lobo Mau. Gosto especialmente daquela cena em que o dentuças pergunta ao capuchinho o que faz abaixada à beira do rio.
- Então não vê que estou a lavar a minha c…, senhor lobo?
Ao que o malino responde confuso:
- Ai porra, agora é que chegaste para mim. Eu não conheço essa versão da história …!
Neste palco, têm sido contadas muitas histórias, com maior ou menor brilho consoante a arte do narrador. Algumas deixam-me tão confuso como o pobre lobo. Como esta tanga do
gasoil, que pura e simplesmente nunca aconteceu por flagrante impossibilidade material. Ou se calhar o meu
cerbo está a ficar cansadito, com diz a minha paciente D. Joaquina!
De facto, já tinha lido uma resma de comentários ao post do Vasco da Gama, e atendendo à qualidade dos comentadores, nem deveria atrever-me a abrir o bico. Pois atrevo, e ainda por cima para dizer, “basta de porrada no ceguinho, chiça!”.
Brincadeira e ironias à parte, até nem seria má ideia abrir um canal novo para falar dessa questão tabu chamada
colaboracionismo. No caso de Angola e Moçambique, parece não restarem muitas dúvidas de que existiram ajudas que podem configurar efectiva colaboração com o IN. Cantineiros isolados no mato, missões religiosas, empresas do ramo agro-industrial (madeireiras), possivelmente transportadores, colaboraram. Com dinheiro, géneros, informações, oferecendo guarida, tratando feridos etc. Uns, tê-lo-ão feito por convicção. Outros, assertivamente, compraram o sossego pagando um tributo.
Até aqui, não há qualquer novidade. Quem esteve atento ao recente trabalho do Joaquim Furtado sobre a Guerra de África, teve oportunidade de ouvir contados na primeira pessoa, relatos de antigos
colaboradores. E na Guiné, o que é que se sabe para além dos casos conhecidos de deserção para o lado do PAIGC e algumas bem urdidas fugas de informação?
Durante a minha comissão, ouvia-se dizer que aqui ou acolá actuariam agentes infiltrados do IN, outros comiam dos dois lados e alguns até tinham nome. Ao meu conhecimento nunca chegou qualquer confirmação. Põe-se então a questão de avaliar, quem o quiser fazer, se as cervejolas, os cigarritos e tantas, mas tantas outras tentativas de chegar à fala com a guerrilha da respectiva ZA [, Zona de Acção], através da oferta de
roncos, consubstanciam alguma forma de
colaboracionismo. Não, segundo o meu critério. Eu próprio, em determinada altura, dactilografei uma carta mais ou menos nestes termos:
"Caros camaradas do PAIGC, sabemos que a guerra nos proíbe de sermos amigos. No entanto, nada nos impede de fazer um intervalo na missão que nos foi atribuída de nos liquidarmos mutuamente. Por isso, aguardo que me façam saber se estão dispostos a participar numa futebolada com a nossa malta e com a garantia de total segurança para o vosso regresso etc. e tal, despedidas e assinatura".
A cartinha foi deixada num trilho muito batido, andou por lá meses e reapareceu espetada num galho com uma
alfarroba por perto. O caso teve como testemunhas, o ex-capitão Cupido, oficiais e sargentos da CCaç 2753. (Se necessário envio lista com endereços e números de telefone).
Uma curta história, da qual nada se pode concluir quanto às diferentes formas que o
colaboracionismo pode assumir, esta não terá sido uma delas. A mim, importa-me sobretudo frisar que se tivesse aparecido alguém para uns toques na bola, nem num pêlo lhes teríamos tocado! No dia seguinte, se os céus me facilitassem tal desígnio, ter-lhes-ia limpo o sebo com a maior das satisfações. No mato, de canhota na mão.
Agora, que me responda quem sabe: quantas guarnições isoladas e sem qualquer hipótese de defesa, não se
aguentaram mercê de um fechar de olhos a certos
intercâmbios que se operavam nas suas redondezas? E quantas destas, não foram poupadas pelo facto de o próprio IN ter interesse na sua permanência em determinadas áreas? Que parte da nossa
logística foi parar às mãos do PAIGC?
Em qualquer destas situações, nada houve que possa confundir-se com actos de colaboracionismo formal ou informal. Falta-lhes um elemento caracterizador, o desejo ou a vontade de ver o IN consagrar-se militarmente vitorioso.
E porque é que somos como somos, na Guiné, nos Balcãs ou em Timor? Desconheço, mas tenho uma ideia! Esta é a maneira de ser do soldado português desde há séculos, espírito prático, adaptável, filho de um povo de brandos costumes que colonizou continentes com a Bíblia numa mão e a espada na outra. Se for preciso, matamos o nosso irmão mas não o odiamos.
Quem passou pela experiência de caçar algum elemento da guerrilha à
unha ou assistiu à sua entrega voluntária, sabe do que estou a falar. Não desconheço Wiriamu ou as façanhas de um tal alferes R. em Angola ou certas formas de destruir o inimigo na Guiné, que a maioria de nós, ex-combatentes, jamais aprovaria. Mas esses casos foram a excepção que confirma a regra. Acho eu, ou estarei tótó de todo?
Retomando o caso do nosso camarada que disse o que disse a propósito do bidonzito de
gasoil, estou convencido de que ele não é ceguinho e também não será tonto nem mentiroso. A sua inteligência até lhe permitiu entender que neste palco onde todos têm podido dizer o que lhes vai na alma, parece e sublinho o parece, existir uma matriz ideológica prevalecente, que sempre se manifestou contra a guerra. A decisão de defender pelas armas o que pelos vistos, não muitos, consideravam
territórios portugueses do ultramar, tem sido aqui profusamente criticada.
Não raras vezes, essas críticas têm-se feito acompanhar de considerações enaltecendo a
razão histórica e a superioridade moral da luta do PAIGC contra as forças de ocupação –
nós! Foram publicadas dezenas (centenas?) de páginas glorificando as acções do IN ou pelo menos gabando-lhe tanto a estratégia como a astúcia. Defendeu-se até à exaustão a versão da derrota militar das FA portuguesas, implicando nesse desfecho a ineficiência do dispositivo militar, a impreparação dos comandos, a desmotivação generalizada das tropas que não reconheciam ao regime legitimidade para
envolver o país numa guerra injusta, assassina e contra os ventos da história, etc., etc., etc.
Foi tal a torrente de documentação carreada para o debate – citações de personalidades de indiscutível peso na política nacional e internacional de então, textos retirados de diversos livros e outras publicações, documentos, transcrições de discursos, reportagens e entrevistas –, que eu próprio, embora continue a afirmar que o retrato não condiz minimamente com a paisagem no espaço e no tempo em que lá estive, só por uma unha negra não fiquei também (con)vencido … quanto ao vencimento dessa tese!
O que eu acho, e estou-me nas tintas se o mundo inteiro se está cagando para aquilo que eu acho, é que o camarada Amílcar, a quem envio um abraço de solidariedade tertuliana, apenas terá querido ir ao encontro do que julgava ser “politicamente correcto”. Alinhar com essa corrente de pensamento supostamente dominante no seio da Tabanca, exigiria algum tipo de ritual, uma espécie de prova de fogo sem a qual o nosso iniciado acha que não apresenta as necessárias credenciais para ser admitido pelo grupo dos mais vanguardistas. E vai daí, como não desertou, não passou informações ao IN nem sabotou coisa alguma, resolveu oferecer-lhes um
bidon de combustível, que era o que tinha à mão. Se bem que, ajudar materialmente o outro lado até pode ter justificação, em caso de catástrofe humanitária, por exemplo. O que nunca poderia ser o caso.
Na sua (minha) perspectiva, dar uma mãozinha à rapaziada da outra banda, teria apenas o significado de estar muito avançado para o seu tempo, ter o sentido da premonição e antecipar que daí a pouco … dá cá um abraço pá, e agora somos todos camaradas e amigos.
Ora uma coisa é a análise que podemos fazer deste conturbado período da história e das nossas vidas no plano político-filosófico, se assim o quisermos. Questão bem diferente é a da coesão do sistema baseada no pragmatismo das relações entre indivíduos, nas lealdades de sangue ou de grupo, na sobrevivência da matilha, onde qualquer traição se paga caro. E nem toda a gente possui as armas para fazer essa destrinça, se me faço entender, limitando-se a ensaiar o salto teórico para o outro lado da barreira e esperar ser aceite. E foi o que aconteceu, tratou-se apenas um ensaio e nada mais.
Naturalmente, não quis nem teria competência para desmontar um processo mental complexo, ainda para mais, desconhecendo o substrato psicológico do visado. O que sei, e disso tenho obrigação, é que em determinadas circunstâncias, a nossa cachimónia prega-nos partidas, levando-nos a acreditar em quimeras.
Se esta é uma forma simplista de desvalorizar uma história que a ter fundamento, seria um acto muito grave só comparável à prática de espionagem a favor do inimigo, não deixa também de ser um apelo à razoabilidade e um lembrete acerca do perigo dos julgamentos serôdios.
E aqui volto à velha questão da legitimidade para aferir comportamentos passados correlacionados com matérias acerca das quais, a sociedade portuguesa continua tão profundamente dividida.
Quanto aos reparos, foram no mínimo oportunos, se não mesmo pedagógicos! Vão certamente ter o mérito de arrefecer certas derivas para a confabulação. A seriedade do Blog deve ser um valor para nós que o fazemos, e para os milhares que lá vão beber a informação de que necessitam. Assumir a possibilidade de a qualquer momento se ser confrontado com a crítica severa ou o contraditório, é um excelente estímulo para cultivar a objectividade,
penso eu de que. Relativamente à explicação do Luís, achei-a fundamental para que todos percebam que determinadas matérias (textos), pela sua forma ou conteúdo, necessitam mesmo de nota prévia e da perguntinha à Fernando Mendes:
Fica assim mesmo ou quer pensar melhor?
E agora venha a porrada!
Paletes de abraços,
V. Junqueira
PS (não é esse!)- Falei em histórias da carochinha e do lobo mau. Quis dizer que as aprecio imenso, mas de vez em quando necessitamos de um prato de substância capaz de provocar uma certa agitação das águas. Tenho reparado que são publicadas páginas e páginas de muito interesse, sem dúvida, mas que não suscitam uma singela observação. Já quando o tema é fracturante – está na moda, o fracturante! – logo aparecem os comentadores de serviço e os outros. Por isso, faço um apelo à querida cambada para que não se fique pelo comentarizito de postagem directa. Simples e curto, não é, malandragem?
[ Revisão / fixação de texto / bold a cor: L.G.]
2. Nota de L.G. enviada ao autor, no dia seguinte
Muy preciosa... a prosa. Fica a aboborar. Talvez saia mais logo ou sábado... Tenho tido pouco tempo esta semana, estou em júris de selecção de candidatos aos nossos cursos...
Vitor, fazes sempre muita falta cá na caserna... Dás
pica e sabes temperar as tuas intervenções com um sentido de humor, muito especial, que eu aprecio de sobremaneira...
Só não concordo contigo quando dás a entender que há um
main stream , uma corrente de fundo, na Tabanca Grande, pró-PAIGC... A maior parte dos textos que publicámos sobre o PAIGC até são de fontes nossas... Outros são documentos com interesse historiográfico (
PAIGC Actualités, por ex.)... Pessoalmente gostaria de
triangular a informação, como fazem os historiadores... Infelizmente são raros os depoimentos do
outro lado... Ficaram de me arranjar
histórias de vida de guerrilheiros... Espero um dia poder também inseri-las aqui, para serem objecto de análise crítica da nossa parte... como foi a história (mal contada, também concordo...) do Amílcar Ventura (Ele prometeu responder dentro de dias a algumas críticas, não fugiu...).
Aquele abraço. Luís
3. Resposta do Vitor:
Luís,
A tua apreciação sobre o meu
trabalho é que é preciosa para mim. Estimulante e encorajadora.
Permite-me desfazer um equívoco de que serei, eventualmente, o primeiro responsável. No blog existe de facto um
main stream anti-guerra e não pró-PAIGC. Uma coisa não tem forçosamente que ver com a outra. De outra forma o que é que eu estaria a fazer no seio desta tertúlia? Se ando por aqui, é porque me sinto confortável e muito bem acompanhado!
Abraço,
VJ
__________
Notas de L.G.:
(*)
Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (
Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, membro da nossa Tabanca Grande, organizador do nosso II Encontro Nacional (Pombal, 2007).
(**) Referência ao seu blogue pessoal,
"Kurt" - Amizade, Viagens, Aventura e muito mais!... ("O Blog onde se ligam amigos e companheiros de viagem para 'curtir' o que a vida tem de melhor. Porque só temos uma, há que aproveitá-la!"). Um blogue andarilho...onde também colabora o nosso Paulo Santiago, de Águeda.
(***) O
colaboracionismo dos guineenses (que estiveram do nosso lado), foi já aqui - no Blogue, I Série - objecto de debate... vd. postes de:
27 de Maio de 2006 >
Guiné 63/74 - DCCCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (6) (João Parreira)
26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCC: O colaboracionismo sempre teve uma paga ( 5) (Carlos Vinhal)
26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCIX: O colaboracionismo sempre teve uma paga (4) (Pepito)
26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCVIII: O colaboracionismo sempre teve uma paga (3): Paulo Raposo
26 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCVI: O colaboracionismo sempre teve uma paga (2) (Zé Teixeirq)
25 de Maio de 2006 >
Guiné 63/74 - DCCXCV: O colaboracionismo sempre teve uma paga (1) (A. Marques Lopes)
(...) Notas de L.G.:
(...)
Colaboracionismo: Actividade, comportamento, atitude ou interesse de
colaboracionista, ou seja, de pessoa que colabora com ou apoia o inimigo que ocupa, total ou parcialmente, o território do seu país (Dicionário Houaiss da Lígua Portuguesa, 2002).
O termo fancês
collaborationniste surgiu em 1940, na sequência da ocupação da França pelo exército alemão e a constituição do Governo de Vichy, presidido pelo Marechal Pétain (1851-1951), o herói de Verdun na I Guerra Mundial. Depois da libertação, Pétain foi condenado à morte por alta traição, sentença comutada em prisão perpétua. Houve outros governos
colaboracionistas durante a II Guerra Mundial: Bélgica, Holanda, Noruega (com o famigerado Vidkun Quisling, abertamente favorável aos nazis), Croácia, Hungria bem como noutras partes da Europa de Leste...
Ao
colaboracismo contrapõe-se a
resistência: por exemplo,
a resistência francesa, La Résistance (1940-1944) à ocupação nazi e ao regime de Vichy... Em Portugal, também se fala
de Oposição ou Resistência à Ditadura (leia-se: Ditadura Militar, instaurada em 28 de Maio de 1926 e depois, a partir de 1933, Estado Novo, deposto em 25 de Abril de 1974).
(****) Vd. postes de:
15 de Setembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P4953: (Ex)citações (45): Resposta ao Mário Fitas: Luís, deixa sair de vez em quando as G3...(Luís Graça)
11 de Setembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P4939: Banalidades do Mondego (Vasco da Gama) (IV): A minha guerra foi outra, camarada Amílcar Ventura
11 de Setembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda...
(****) Sobre este tópico, vd. A HISTÓRIA DA LOBA (excerto, com a devida vénia, de
Papagovas > Página pessoal de Fernando Silva)
“Pensas que sou da Lourinhã???”
Eis uma expressão por muitos sobejamente conhecida, e que significa: “Julgas que sou estúpido?”, mas a maioria desconhece a sua origem.
No seu livro "A Extremadura Portuguesa”, Alberto Pimentel escreveu o seguinte:
"O Diccionario ’Popular, de Pinheiro Chagas, remata o seu ligeiro artigo sobre a Lourinhã, dizendo : 'Não sabemos qual a origem do proloquio vulgar, que faz com que se diga de um homem lorpa e que tudo ignora: Parece que veio da Lourinhã.' Este proloquio tem ainda outras modalidades, taes como : – E’ da Lourinhã! – Não se faça da Lourinhã! todas ellas batendo no mesmo sentido. E’ provavel que alguma anecdota explique a procedencia do proloquio, como synthese da boçalidade do camponez da Lourinhã. Ignoramol-a. Mas o que sabemos é que o povo d’este concelho conserva uma rudeza primitiva e aquella ignorancia tradicional que os saloios herdaram dos seus antepassados. Assim nos affirmam pessoas que de perto o conhecem."
Na década de 1930, Dona Amélia do Perdigão tinha, na sua quinta, um corpulento animalejo de raça canina que metia respeito e mantinha à distância quem ousasse aproximar-se do palacete ou do trem onde se fazia transportar.
Um dia o animal desapareceu da Quinta do Perdigão e a partir daí, deu muito que falar na região devido ás muitas histórias que sobre ele foram inventadas.
Uns chamavam-lhe LOBA, outros RAPOSA, e que esta devorava animais com as suas garras, dizimava rebanhos, coelhos, galinhas, matava vitelos, e havia quem dissesse que, no Vale Côvo (Conselho do Bombarral), chegou a matar um burro.
Formaram-se grupos populares, Milícias e até chegaram reforços Militares de Lisboa, com o intuito de abaterem a Loba. Chegou-se mesmo a pensar em evacuar a Vila, tal era o pânico da população.
Quando finalmente o animal foi abatido, verificou-se tratar-se “apenas” de uma cadela assustada e esfomeada.
Daí surgir a expressão: 'Pensas que sou da Lourinhã???', devido a este infeliz incidente. (...)".
Felizmente, meu caro Vitor, a minha terra deixou há 25 anos de ser a Terra da Loba, para se tornar a
Capital dos Dinossauros... No Oeste estremenho, há outras terras que continuam a ser objecto de troça (ou até de insulto), por causa de
anedotas históricas como esta... É o caso de Peniche ("Amigos de Peniche"...), de Rio Maior ("O Leão de Rio Maior")... Tu próprio fazes questão de sublinhar que és
de Pombal, ou vives
em Pombal (e não
do Pombal,
no Pombal)... Preciosismos literários ? De modo algum... É como os alentejanos de Cuba: não se vai
a Cuba, vai-se
à Cuba... Cada terra e cada povo tem a sua idiossincrasia... e as suas susceptibilidades...