segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9041: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (30): A propósito do poema K3, de Nuno Dempster: Relembrando dois malogrados capitães de Fajonquito, Carlos Borges Figueiredo (CART 2742) e José Eduardo Marques Patrocínio (CCAÇ 3549) (Cherno Baldé)

1. Comentário de  Cherno Baldé ao poste P9028 (*):

Caros Nuno Dempster e Luís Graça,

Antes de mais quero felicitar o Nuno pela publicação do seu livro de poemas que, se bem me lembro, em tempos já nos tinha sido anunciado.

Sobre o poema ora apresentado, com odor de sangue e de morte, duas coisas espalmadas em frases muito sentidas me chamaram a atenção e motivam este meu comentário como que a testemunhar os traumas que persistem, também, na memória de quem viveu no teatro de uma guerra violenta e indesejada, à semelhanca dos fumadores passivos.

Uma vez, trouxeram ao aquartelamento de Fajonquito, provavelmente para evacuação, um grupo de civis, trabalhadores de uma casa comercial, que tinham sido feridos no rebentamento de uma mina A/C na estrada de Cambaju.

Entre os feridos, havia um que de forma insistente emitia este mesmo pedido de cortar a respiração de quem ouvia e que ainda hoje parece que estou a ouvi-lo: "Água, água, quero água!!!".

Na altura, não tinha compreendido que, no meio de tanta gente, ninguém se tivesse oferecido a ajudar o desgraçado do homem que, de forma ininterrupta, continuou até a madrugada, a cortar o silêncio da noite, com o seu grito lancinante. De manhã, quando voltámos ao quartel, era um silêncio completo. Das duas uma, ou sucumbira ou tinha sido evacuado.

A segunda observação, menos dramática, tem a ver com o que se parece ser uma forte ligação entre os Comandantes das companhias (os Capitães) e os elementos constituintes destas mesmas companhias que tenho constatado amiúde nos relatos de antigos soldados e mais uma vez se expressa numa frase do poema: "Capitão, meu Capitão, não nos deixes sós".



Numa recente troca de mails, o meu amigo e camarada de Fajonquito, José Cortes , da companhia "Deixós-poisar" [, a CCAÇ 3549 ,] disse-me que um dos acontecimentos mais marcantes da sua companhia durante a comissão tinha sido a perda do seu Comandante, Cap Patrocínio, a quem tinham muita estima. [ De seu nome, José Eduardo Marques Patrocínio].


E algumas semanas antes da chegada desta companhia, a outra que vinham substituir [, CART 2742,] a tinha perdido, num acidente, o seu comandante, Cap Figueiredo[, de seu nome completo, Carlos Borges Figueiredo]. Esta perda foi tão brutal e dolorosa que ainda hoje, ao que parece, não se reencontraram em parte alguma, tendo perdido o fio a meada, aglutinador, ao contrário de outras cujos encontros se tornaram habituais.


Entre nós há um provérbio que diz que os mais velhos são como as lixeiras, sítios/espaços para (des)carregar as mazelas e...o lixo dos outros. Na língua Fula chamam-lhe "Donha" e em crioulo é “Muntudo”, ou seja a capacidade de sofrimento na humildade.

Estas observações me levam a uma tese (questionamento) que lanço à discussão de todos e em especial ao meu irmão de Contuboel, Luís Graça na qualidade de antigo combatente e sociólogo:
A forma (modelo de base) como as companhias (de quadrícula) eram formadas, estruturadas criava laços de união (ver cumplicidade) tão fortes que, por sua vez recriavam, no conjunto do pessoal, uma espécie de confiançaa/dependência exclusiva e quase paternal nos comandantes como única forma de alcançar reais sucessos no teatro de operações ou de, pelo menos, conseguir sair do inevitável sem grandes prejuízos.

Cherno Baldé
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 12 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9028: Blogpoesia (167): K3, de Nuno Dempster: excerto: "Capitão, meu capitão, não nos deixes sós!"

(**) Último poste da série > 14 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8901: Memórias do Chico, menino e moço (29): O sold cond auto Dias ou Manuel Alberto Dias dos Santos, da CCAÇ 3549 (Fajonquito, 1972/74) (Cherno Baldé / José Cortes)
 

Guiné 63/74 - P9040: Parabéns a você (338): César Dias, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) e Maria Arminda Santos, ex-Tenente Enfermeira Paraquedista (1961/1970)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9035: Parabéns a você (337): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil da CCAÇ 6250 (Mampatá, 1972/74)

Guiné 63/74 - P9039: Notas de leitura (302): Terra Ardente - Narrativas da Guiné, de Norberto Lopes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Outubro de 2011:

Queridos amigos,
Que inesperada surpresa! Que reportagem sem igual, Norberto Lopes [1900-1989] legou à literatura de dois povos um documento de elevado cunho jornalístico, prova e comprova que o jornalismo pode coexistir com a melhor literatura, ambas têm a ganhar no consórcio. Norberto Lopes regressa à Guiné para participar nas comemorações do V centenário do seu descobrimento e deixou-nos um documento que justifica a sua reedição ou, pelo menos, a inclusão de muitas das suas páginas numa antologia de grandes textos sobre a Guiné.
Um abraço do Mário


Terra ardente, narrativas da Guiné:
Uma notabilíssima reportagem de Norberto Lopes, em 1947

Beja Santos

Norberto Lopes é um dos nomes mais consagrados do jornalismo português do século XX. Repórter, escritor de literatura infanto-juvenil, biógrafo de Teixeira Gomes, visitou a Guiné, como jornalista por ocasião das celebrações do 5.º centenário do seu descobrimento. Do que viu e sentiu publicou uma série de artigos e depois enfeixou-os sob o título de Terra Ardente. É uma prosa afogueada, sem fazer tagatés aos poderes do dia mas sem esconder a profunda admiração pelo trabalho do seu amigo Comandante Sarmento Rodrigues.

Começa por dizer no arranque da obra:

“A Guiné ficou a ter para mim a sedução, o encanto, a indizível saudade de um primeiro amor”.

Inicia a sua viagem a partir da Gâmbia, atravessa o Casamansa e logo anota:

“Esta floresta tropical de Casamansa, como a da Guiné, é o paraíso dos macacos. Andam em bandos numerosos e cobrem às vezes a estrada numa grande extensão. Quando o automóvel se aproxima, desaparecem com extrema ligeireza, internando-se no mato ou dependurando-se dos galhos das árvores, em atitudes de irreverência e em posições que desafiam todas as leis do equilíbrio. Mangussos compridos e espalmados e ratos de palmeira cinzentos que são aqui conhecidos por saninhos, atravessam rapidamente a estrada e perdem-se na espessura da floresta”.

Ao parar em Ziguinchor não deixa de nos informar:

“Ziguinchor guarda ainda hoje muitas tradições portuguesas, entre as quais uma paróquia e numerosas famílias que descendem de colonos lusitanos. Os nativos mais importantes chamam-se Alvarengas, Gomes, Barretos, Vieiras, Fonsecas, etc.”.

Convém recordar que Norberto Lopes tinha da Guiné um termo de comparação, visitara-a cerca de 20 anos antes. Agora, mostra o seu entusiasmo:

Bissau progride a olhos vistos. Rasgaram-se largas avenidas, paralelas ao eixo central formado pela Avenida da República. Onde ainda há pouco era matagal e descampado vê-se hoje um belo e vasto largo ajardinado, a Praça do Império, ao fundo da qual se ergue o futuro Palácio do Governo (…) Na Avenida da República progride a construção da nova Igreja; inaugurou-se o abastecimento de água à cidade; inaugurou-se um bairro indígena de alvenaria – que muitos europeus desejariam habitar; prosseguem activamente as obras do edifício destinado a museu, biblioteca e arquivo histórico (…) A cidade começa a ter fisionomia europeia. Lojas modernas exibem nos seus escaparates artigos de luxo, produtos de beleza, as últimas novidades da Europa”.

Há momentos em que o jornalista sem contenção mostra-se lavrante da prosa, aprimora o que em princípio é o espartilho do espaço da reportagem:

“Apagam-se as fogueiras que incendeiam a noite, onde o indígena, acocorado, se preserva do frio e se entrega ao doce prazer de conversar. Cessam os ruídos nocturnos, o canto estrídulo dos galos, o piar agudo dos morcegos, as casquinadas irónicas da hiena, a melopeia lamentosa dos sapos. E outros gritos cortam a selva, à medida que o sol tinge de púrpura o horizonte e a cacimba da noite cobre de frescura o arvoredo. Brilham as laranjas nas árvores que bordam as ruas, como pomos de oiro. Na tela surpreendente da paisagem africana, os vários tons de verde começam a definir-se na mancha geral da floresta. Acorda a passarada. Ruflam asas ligeiras. Íbis de alvura imaculada poisam nas lalas e ali se conservam tempos esquecidos, apoiadas numa só pata”.

E mostra-se igualmente surpreendido com novos hábitos de consumo, as hortaliças voltaram a estar na moda:

“Próximo de Antula, ergue-se a pitoresca tabanca da Polícia, com a sua granja, onde se dão maravilhosamente todos os produtos da Europa… têm-se plantado hortas que fornecem abundante e saborosa hortaliça para os colonos. Finda a estação das chuvas, prepara-se o terreno para as culturas. Plantam-se alfaces, couves, espinafres, rabanetes, cenouras e beringela; semeiam-se ervilhas, pepinos, feijões, tomates, pimentos e melancias… as hortas da Guiné têm um aspecto de frescura que encanta”.

Mostra-se interessado por tudo, pelo carro de bois que ao tempo teve um grande acolhimento, pelos burros, pelo saneamento da cidade, pela expansão da cultura de arroz e desabafa:

“É incontestável que a Guiné está no limiar de uma era nova. Quem tenha percorrido, como eu, o interior da colónia e admirado alguns dos aspectos mais salientes do progresso realizado nos últimos tempos, não pode deixar de reconhecer que está a escrever na Guiné uma página nova e brilhante em matéria de administração colonial”.

Mas há momentos em que não esconde a tristeza, deambula melancólico por Bolama que já definha:

“Em frente da toalha azul e transparente da enseada, como Bruges debruçada sobre os seus canais silenciosos, Bolama tem o ar triste de uma capital abandonada. A transferência da capital para Bissau feriu-a de morte”.

Norberto Lopes, pelo que temos vindo aqui a citar, compraz-se com a narrativa sensorial, momentos há em que todos os sentidos perpassam a sua escrita, vejamos o que ele regista de Bafatá:

“À noite acende-se a luz eléctrica. Já corre a água nos marcos fontenários. Trilam ralos. Coaxam sapos. Chiam morcegos. Silvos agudos anunciam a proximidade do mato, porque, em qualquer povoação da Guiné em que se estejam, a selva nunca está distante e faz sempre valer os seus direitos milenários”.

A sua viajem aproxima-se do fim, vai visitar a exposição de Bissau que se realizou no Palácio do Governo, em vias de acabamento, com várias secções e dois pavilhões, percorre maravilhado as diferentes salas com testemunhos de acção civilizadora portuguesa. E não esconde a relação de conivência afectiva que estabeleceu com a Guiné, passados cerca de 20 anos que a conheceu:

“Entretanto, eu envelheci; mas ela guarda a mesma frescura na pele bronzeada e o mesmo brilho nos olhos lânguidos e profundos. A mim, nasceram-me cabelos brancos; mas ela conserva a mesma cabeleira verde de ondina que o vento, a maresia e o sol ardente gostam de beijar – e no espelho das suas águas fecundantes tratadas pelo colar de esmeralda do mangal, os marinheiros ouvem ainda, pelas noites lendas e cálidas dos trópicos, o chamamento aliciante das sereias, que cria na sua imaginação incandescida a atracção misteriosa da selva”.

Sinto muito orgulho em trazer ao blogue esta gema literária, pertença imorredoira da cultura luso-guineense.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 11 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9024: Notas de leitura (301): Reportagens de propaganda sobre a Guiné no tempo de Marcello Caetano (Mário Beja Santos)

domingo, 13 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9038: O nosso blogue em números (15): A propósito dos 3 milhões de visitas... Comentários de Felismina Costa, Manuel Moreira e Carlos Pinheiro... Fotos de Cufar, de Victor Condeço (1943-2010)


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CART1687 (1967/1969) > Setembro de 1967 > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Foto 07  > Interior da messe e bar de Sargentos.


Guiné> Região de Tombali > Cufar > CART1687 (1967/1969) > Setembro de 1967 > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Foto 10 > "Outro interior da messe de Sargentos. Vejam-se os cadeirões feitos dos barris do vinho, a necessidade aguçava o engenho".

Fotos do nosso saudoso camarada, membro da Tabanca Grande, Victor Condeço (1943-2010), que era natural do Entroncamento, e foi Fur Mil Mecânico de Armamento na CCS / BART 1913 (1967/69) (1967/69), além de notável fotógrafo. É mais que justo recordar a sua memória nesta data. Falámos os dois, emocionados, ao telefone, antes da sua dolorosa partida desta vida. (LG)

 Fotos (e legendas):  © Victor Condeço (2007). Direitos reservados.



A. Mais comentários de membros da nossa Tabanca Grande: Felismina Costa (com data de 7 do corrente), Manuel Moreira e Carlos Pinheiro (12 do corrente), a propósito do passado, do presente e do futuro do nosso blogue (*):


1. Felismina Costa (a nossa amiga de Agualva, Sintra, antiga madrinha de guerra):

(...) 
Caro Luís Graça, administrador e editor do Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné,
 Caro co-editor e administrador Carlos Vinhal,
Co-editor Magalhães Ribeiro,
Co-editor Virgínio Briote,
Cartógrafo mor Humberto Reis
e colaboradores permanentes Hélder Sousa, Joaquim Mexia Alves, Jorge Cabral, José Manuel Diniz, José Marcelino Martins Miguel Pessoa e Torcato Mendonça:



A todos, os meus sinceros Parabéns!

Parabéns sobretudo, pela vossa persistência, pelo vosso trabalho, pelo vosso altruísmo, que dá voz a todos e a cada um, dos que viveram e sofreram os efeitos de uma guerra que marcou a vossa/nossa Juventude, permitindo que se conheça em pormenor a vivência de cada um no referido conflito, suas recordações mais marcantes, visto que acontece num tempo em que todos eram Jovens, ávidos de conhecimento e descoberta e até de aventura.

Hoje, a várias décadas de distância, o conflito é por vós analisado e revivido neste Blogue, que se tornou o meu Jornal diário, onde procuro entender motivos e encontrar justificação para o que então se viveu, sabendo de antemão que nenhuma Guerra se justifica, muito embora se diga que elas são necessárias.
Parabéns, pelo número de aderentes, pelo interesse manifestado a nível de visitantes, pela quantidade de trabalhos apresentados e pela quantidade de comentários que suscitam.

Parabéns,  igualmente, pelo número de camaradas que fez aproximar, que permitiu reencontrar, formando uma gigantesca família, que se vai encontrando, revivendo o passado e falando do presente, quer no encontro anual da Tabanca Grande, quer nas reuniões semanais ou mais ou menos esporádicas das Tabancas mais pequenas.

Permitam-me que fique a um cantinho, observando a vossa alegria quando se encontram.

Permitam-me que seja uma espectadora e uma admiradora das vossas recordações.

Desejo que todos continuem unidos e que o Blogue continue a ser a expressão da vossa vivência passada, nua e crua, para que possa ser avaliada correctamente:

Saúdo-vos a todos num abraço fraterno.





2. Manuel Moreira (ex. 1.º Cabo Mec Auto, CART 1746,Bissorã, Ponta do Inglês e Xime, 1967 a 1969)



(...) O nosso blogue está muito bom e deve continuar com os moldes existentes, a menos que os seus editores tenham ideias superiores em alterar, para melhor.


Apetece-me dizer, como " velha " Portuguesa: P'ra melhor está bem, está bem ; p´ra pior já basta assim.


Bom S. Martinho no Reguengo Grande, terra do meu camarada da CART 1746,  António Daniel Ferreira, na Rua da Boiça nº 7. (...)



3. Carlos Pinheiro (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70),


(...) Não podia deixar de corresponder ao desafio para dar a minha humilde e modesta opinião acerca do "nosso" blogue.


Independentemente de muitos outros que vão aparecendo, e que são sempre importantes, o facto é que o "nosso" blogue já tem uma história alargada e os seus "postes" poderão um dia, diria até vão,  contribuir decisivamente para que possas reescrever a história daquele período conturbado da vida das nossas gentes. 


Quando digo nossas gentes, quero incluir todos os que fomos obrigados a combater e também os que foram obrigados a combater-nos. Será um trabalho importante e interessante pelo que não será preciso desafiar-te porque penso também terás isso em mente desde que tenhas vida e saúde, como todos desejamos.


Quanto às estatísticas elas são sempre importantes mas não serão decisivas para o êxito que está a ser alcançado. O que é necessário é que cada um, à sua maneira, independentemente dos juízos de outrem, queira colaborar, desde que possa, a engrossar o próprio blogue contando as suas histórias uma vez que cada caso é um caso, por ventura sempre diferente de outros, dependendo do momento, do local e das circunstâncias onde nos pudéssemos ter encontrado e, convenhamos, há ainda muita coisa para contar.


Cada um de nós deve ser o mensageiro para que outros digam de sua justiça e que venha tudo cá para fora de muita gente que continua calada pelas mais variadas razões. Eu também tive dificuldades em começar a reviver aqueles 25 meses, e hoje vou participando como posso e sei. É pena poder pouco e o saber também não ser muito. Mas cada pode o que sabe e sabe o que pode. É tudo uma questão de se começar.


Estás de parabéns, caro Luís Graça, pela ideia inicial da criação do blogue, como também estão de parabéns todos os editores, especialmente o Carlos Vinhal, que é uma peça importante para o êxito que tem vindo a ser consolidado.


Vida e saúde é o que desejo para ti, para todos os colaboradores e para os muitos camaradas e amigos que participam pelo menos a ler, o que já é importante. O resto virá por acrescento. (...)


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Nota do editor:


(*) Último poste da série > 12 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9029: O nosso blogue em números (14): A propósito dos 3 milhões de visitas... Comentários de Manuel Marinho e Raul Albino

Guiné 63/74 - P9037: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (38): Palavras de um senhor defunto, um livro de Mário Serra de Oliveira (5): O batismo do vinho

1. Continuação da apresentação do livro "Palavras de um senhor defunto",  de autoria do nosso camarada Mário Serra de Oliveira* (ex-1.º Cabo Escriturário, Bissau, 1967/68).


PALAVRAS DE UM SENHOR DEFUNTO

O BATISMO DO VINHO

Foi assim que nasceu, à força, o ‘batismo do vinho’, como aqueles habitantes lá da minha aldeia que foram também forçados a batisarem–se, para uma religião que não era deles.

Como era Sábado e, como para muito ‘boa’ (?) gente o Sábado é mais importante que o Domingo - dia de o meu ‘querido’ tenente ir para a praia, eu, após verificar que os primeiros cinco barris não estavam cheios, decidi pegar num pedaço de mangueira - uma vez que não tínhamos torneira – decidi, dizia eu, pegar num pedaço de mangueira para extrair vinho do barril, chupando pela mesma, de modo a que cada barril ficasse com a mesma quantidade de vinho.

Por exemplo:
Se a varinha marcasse 97 litros num barril e 98 noutro, etc., etc., e tal, mais pinga, menos pinga, o certo é que tinham que ser ‘equalizados’, que é um termo técnico equivalente a ficarem todos por igual, com a mesma quantidade líquida.

O problema até era maior para mim devido a que, se começou a formar na minha cabeça, aquela ideia de que ‘eu deveria de evitar beber água’ – porque até diziam que a água da Guiné tinha micróbios - e, mais a mais que, para mim, até nem era bem por causa da água estar misturada com o vinho mas, sim, por causa do vinho estar misturado com água.
Melhor dizendo, digo o seguinte: Se eu quisesse beber água, não me importava muito se a mesma tivesse um pouco de vinho... mas, se eu quisesse beber vinho, aí sim, ou por outra, aí não, não via com bons olhos que o mesmo tivesse água.

Com esta ideia a ‘controlar a minha actividade’, decidi igualar todos os barris, de modo a ficarem somente com 95 litros de vinho pelo que, parando temporariamente com o batismo, procurei encontrar garrafões vazios e outro tipo de vasilhame, vazio também, para ‘armazenar’ o vinho que estivesse a mais dos 95 litros!...

Depois, já munido do vasilhame lavado e vazio, toca a ‘chupar’ pela mangueira, fazendo-me lembrar aquela coisa que já ouvi falar que soa assim como que ‘the equalizer’ que até creio que é um filme ou coisa parecida.

Contente que nem um alho, mais a mais que me fazia acompanhar de um copo de vinho misturado com ‘7-UP’ - que, por acaso lá na Guiné, eu até gostava desta mistura mas aqui nos EUA não vou ‘à bola’ com isso - assobiando aquela canção ‘cá vai Lisboa... a linda moura encantada... trái-lá-lá-la-rái...trái--lá-lá-la- rái’...etc., e tal, eu, encantado da vida, ia extraindo o vinho dos barris para os garrafões vazios.
Depois é só atestar de novo todos os barris com água.

Portanto, concentrando-me no batismo feito na Guiné  ficávamos com uns barris de vinho de uva de Portugal, alguma água de Portugal também, e alguma água da Guiné, mais especificamente do rio Geba que, diziam, era de onde a água vinha para a abastecer a cidade de Bissau, local do batismo do vinho.
O conteúdo saído dos barris, para equilibrar o equilíbrio cúbico entre os mesmos, era colocado, como já disse, no vasilhame lavado e vazio que, depois disso, ficava quase cheios e, esta operação repetia-se para cada cinco novos barris, à medida que fosse necessário utilizar, para o consumo da Messe.

Até então, todos os barris estavam tapados com as serapilheiras molhadas, para ajudar a embuchar a madeira dos barris!... Não que eu tivesse medo que a madeira ficasse com os copos mas sim, para que as minhas contas ficassem certas no final, quando fizesse o balanço!...

Voltando ao eu estar ‘feliz da vida’, cantando o ‘trai-lá-lá-lá-la-rai’ ou lá o que era, e como era Sábado, eu, a pensar, pensando que o meu ‘querido’ Tenente, tinha ido para a praia com a senhora dele... a pensar na minha ideia-decisão de remediar o problema em frente do meu nariz enquanto que, ao mesmo tempo ponderava o facto de que lá porque o batismo ser ao Sábado, não implicava qualquer ‘facciosidade’ religiosa ou desportiva. Até era mais uma espécie de, eu a pensar e a falar para mim sozinho dizendo, sem dizer mesmo nada -’se puderes evitar que outros saibam disto, melhor para ti Mário".

Mal sabia eu o que me esperava porque...

Não só ficou a saber alguém mais (!) como ainda por cima, ficou a saber a pessoa que eu queria evitar a todo o custo, que viesse a saber. Sorte d’um cabrão (!) - apesar de ainda não ser casado. Um Mário saber do assunto, vá que não vá, mas logo dois Mários, eram muitos Mários juntos saber.

É que - até nem sei bem se já disse antes ou não mas, se não disse, digo-o agora - que ele, o meu ‘querido’ Tenente também se chamava Mário e, não sei o que raios é que ele tinha estado a fazer com a senhora dele toda a manhã, para - vejam só - acabarem por perder o avião que era "g" e "g" (grande e grátis) (!), para Bubaque, que é uma Ilha, no conjunto de outras lindas ilhas, pertencente ao arquipélago dos Bijagós, na costa Oeste da Guiné, com umas belíssimas praias onde, hoje, dizem por aí, que os Colombianos da Colômbia – não a nível oficial, penso eu – estabeleceram ‘uma espécie de trampolim’ para fazer saltar a ‘droga’ para a Europa.

Ora bem, como dizia eu ‘o meu querido (?) tenente tinha perdido o avião e, explicando melhor explico que, eu não tenho nada contra isso e, nem sequer quero saber, se ele perdeu um avião ou dois.

Primeiro - porque não eram nem são meus. Segundo porque, pois aí é que está ‘o segundo’ que se transformou quase num pesadelo por horas, durante toda a tarde. É que o raio do Tenente - que, se eu soubesse que ele ainda estava vivo, como eu ainda estou, aqui lhe mandava um abraço amigo porque, na verdade, ele até era realmente um amigo, facto que reconheci mais tarde e, continuando, não é que ele apareceu ali, lá mesmo no armazém, exactamente quando eu estava ‘no meio da cerimónia batismal’ do vinho o que, sem ser um sacrilégio religioso, foi uma grande afronta para mim?!

Como iria eu a adivinhar uma coisa daquelas?

Vejam só. Num Sábado, dia de ir para a praia e dia do batismo do vinho e do qual, ele – Tenente - não era o padrinho nem convidado sequer e, aparecer-me ali assim, sem mais nem menos, inesperadamente, mesmo no meio da ‘cerimónia batismal’.

Imaginem os leitores. Estando eu em calções, de alpercatas enfiadas nos pés, tronco nu, na companhia de um macaco-cão e de um copo daqueles que aqui - refiro-me ao facto de estar nos EUA, quando escrevo esta parte que estou a escrever - se chamam ‘high-ball’, de vinho misturado com ‘7-UP’, assobiando ‘cá vai Lisboa, blá, blá, blá’, aparentemente contente da vida com a miséria de vida que levava, quando de repente, vejo reflectida na parede em frente ao local onde me encontrava, uma sombra avultada de figura humana semelhante a alguém que, pelo tamanho, parecia ser de alguém que eu conhecia e que, eu não queria acreditar que fosse quem pensei que fosse porque, supostamente deveria de estar na praia.

O macaco-cão, deu um pulo que nem um macaco p’ró ar, e eu rodopiando, dei um pulo, que nem um cão, p’ró ar, primeiro, caindo p’ró chão de seguida. E, enquanto ia no ar, pensando com tanta força que até transpirei mais do que já transpirava, a pensar pensando: - ’de quem é que raio seria aquela sombra’ - quando, de repente, ainda sem estar totalmente rodopiado, ouvi aquela voz inconfundível.
O salto que dei, foi assim devagar, devagarinho, assim como que ao jeito de um golpe de ‘kung-fu’, sem fazer muita onda e, quando, surpreendido, encarei com ele, tentando mostrar a minha surpresa, expressei um ‘aiii’, primeiro porque tinha caído p’ró chão e, após levantar-me rápido, um ‘oooooh’, de espanto, ao deparar com a figura dele, o meu ‘querido’ Tenente.

Então ele, com uma voz ‘rígida e metálica’, assim um tanto ou quanto ‘áspera e ameaçadora’, atira a seguinte pergunta, de imediato: - ‘O que é que você está a fazer’?

Ainda hoje, cada vez que me lembro, fico com os ouvidos a ‘zunir’ e um ‘pipi’ leve humidifíca o meu ‘underware’ ou, como se diz em português, humidifica as minhas cuecas. Imaginem os leitores, mas imaginem mesmo bem, como ‘não fiquei’ naquela ocasião.
Naquele momento eu, sem falar, pensei:  – ‘Com uma inteligência destas, como é que este gajo chegou a Tenente’? Claro, era só eu a pensar, pela estupidez (sem ofensa) da pergunta, porque ele, o Tenente, quando me esteve a observar, teve tempo mais que suficiente de ter visto - e bem - o que é que eu estava a fazer, antes de fazer a pergunta que fez.

- ‘Enfim... dá Deus (?) nozes a quem não tem dentes’ - disse eu entre dentes. E, convém dizer ao mesmo tempo, que se ali estivesse um buraco para me enfiar por ele adentro de certeza que me tinha enfiado nele, na vertical ou na horizontal que, para o efeito, tanto se me dava, desde que desaparecesse. Mas, perante tal situação, e à falta do buraco, só me restava ter calma e coragem para enfrentar ‘o bicho’ de frente, sem medo.
E, quando digo ’bicho’ é somente uma expressão e não com a intenção de ofender porque, mais tarde, tive oportunidade de confirmar que ele, até era boa pessoa conforme já referi noutro local destas linhas. Então, após o meu ‘ooooh’ inicial e, ‘olhos nos olhos’, sem compaixão alguma para com ele, pensando só e somente em mim, não tendo nada a esconder - nem podendo esconder tão-pouco porque ele já tinha visto ‘o meu jogo’ - respondi-lhe, como que perguntando_ - ‘Que raio de pergunta é essa’? - Continuando, continuei:  – ‘ O meu Tenente não estava a ver’?

Frente a frente ‘dois Mários’ – lembram-se daquela parte onde eu refiro antes, que raramente um Leão ataca o outro, a não ser que se sinta ameaçado? Pois, aqui, ainda por cima, essa frase tinha ‘dupla consonância’ porque não só eram ‘dois Mários’ como, por cima ou por baixo, ambos éramos adeptos do Sporting e, por isso, ‘Leões’, pelo que, um ataque frontal seria muito remoto.
Desta forma, numa situação, se não semelhante, poderia ser análoga e, eu, recordando-me disso, acalmei e fiquei à espera que ele ‘engolisse em seco’, a minha pergunta, em resposta à pergunta dele.

Com um ar surpreendido, volta à carga outra vez, mas num tom um tanto ou quanto diferente: - ‘Então você está a pôr água no vinho’?

- ‘Ah pois’ – respondi-lhe e, acrescentando, acrescentei: – ‘Então o meu tenente não sabe’?

O tom da minha voz, quando lhe chamei ‘Tenente’, era como que estivesse a diminuir o tê de ‘T’ grande para ‘t’ pequeno da palavra Tenente numa espécie de diminuir o valor do significado da mesma, já que a ele não podia diminuir porque era bem forte.

Então volta ele à carga. - ‘Você quer desgraçar a minha vida’?

- ‘Não senhor’ - disse eu - ‘Nem a do meu tenente, nem a minha’ - E, continuando, continuei - ‘Então o meu Tenente não sabe que os barris não vêem cheios’? - ‘Quer ver? - insisti sem lhe dar tempo a falar, avançando para um dos barris que ainda não estavam abertos, usando o martelo, chave de fendas, e sevina, para extrair o batoque.

Batoque tirado, peguei na varinha medidora, e meti-a no barril, retirando-a em seguida e, ‘bingo’, ali estava a prova do que eu dizia. Faltavam cerca de 3 litros.
Com um sorriso forçado, assim como quando o Sporting ganha mas joga mal, sorrindo com ar de estar a ganhar ‘a batalha’ mas, cujo resultado final ‘da guerra’ ainda não sabia, virei-me para ele e disse-lhe: - ‘O meu Tenente bebeu algum vinho deste barril’? – e, sem esperar a resposta dele, voltei a dizer: - ‘pois eu também não’.

- ‘Mas - disse ele – ‘você nunca me disse nada sobre isto’.
- ‘Bem - disse eu – nunca lhe disse nada, nem sobre isto nem sobre outras coisas porque, para eu lhe dizer tudo o que seria necessário, o meu Tenente não poderia ir todos os fins de semana para a praia - e, de propósito, não referi ‘com a sua senhora’ porque eu não gosto de misturar a família com negócios privados. Continuando, insisti: - ‘Estamos em Guerra, não é’? Então a Guerra é para todos ou é só para alguns’?

Então, o meu ‘querido’ Tenente, olhando assim com ‘ar de vencido’ mas com o olhar de orgulho no ‘primeiro Cabo’ (eu) que tinha à frente dele, disse: -‘E os oficiais não reclamam’?
-‘Não senhor - respondi eu, mas dei-me explicar melhor e continuei: - ‘É o seguinte’, eles, os oficiais, põem gelo no copo grande – tipo ‘highball’ – e, depois, deitam o vinho em cima do gelo que está dentro do copo e, alguns deles ainda misturam com limonada ou 7-UP. Já está a ver a coisa’? - rematei eu.
E, continuando: - ‘Portanto, no final, tanto sabem eles se a ‘água é do gelo ou se é do vinho, daquela que eu lhe pus aqui, ou se é da água que já lhe puseram, lá em Portugal’.
Insistindo, insisti: - ‘Não me diga o meu Tenente que acredita - ou pensa, agora já não me lembro se foi uma ou se foi outra – ‘que lá em Portugal não lhe puseram água’?

Foi aqui que eu refraseei aquela coisa que já referi antes duas ou três vezes e, que é o seguinte – continuando eu no ataque, embora quando jogo à bola, até gosto mais de estar na defesa, mais, até para não me cansar muito.

‘Percebeu, o meu Tenente ou não percebeu’?
Se não percebeu percebesse porque
Eu, quando não percebo
Faço por perceber
Que é para as outras pessoas perceberem
Que eu percebi.
Percebeu?

Ali, com ele quase ‘convertido ao meu batismo’ sem sequer lhe ter mencionado os 10% de $$$ que outros, de outras religiões querem, eu já sabia que a ‘batalha estava ganha’ embora a gente continuasse em guerra.
Mas, parecendo ‘ferido nos galões que tinha ao ombro’, voltou à carga: – ‘Então, e o nosso Comandante não reclama’?
Eu, vendo que ele não podia ir mais para acima do que além ‘do nosso Comandante’ – que era um General - respondi-lhe: - ‘O nosso Comandante é uma homem igual aos outros todos, somente com mais umas tiras de farrapo, ou com uma estrelas aos ombros, feitas por alguém que nem sequer deve ter sido a mulher dele’.

Convém mencionar que o ‘nosso Comandante’ – Manuel Diogo Neto que, após o 25 de Abril, fez parte da Junta de Salvação Nacional – até era boa pessoa porque, uma vez, como eu tinha direito a viajar ‘grátis’, nos aviões da FAP (Força Aérea Portuguesa) – na maioria compostos por aviões que os americanos ou outros países já não usavam - lhe pedi uma boleia para a filha menor de uma pessoa amiga e ele aceitou, recomendando-me que dissesse que ela era minha sobrinha, o que diz algo a seu favor.

Porra que o homem não desiste, pensei eu. Pergunta novamente o Tenente: - ‘Que vinho é que você me serve a mim’?
Aqui, ‘queridos’ leitores e leitoras, tenho que explicar que, naquela ocasião eu já andava a aprender inglês, cujo professor era um alferes do Exército e como tal, para ir treinando o meu ‘english’, respondi-lhe: - ‘Wait a minute’ -  continuando:  – ‘aaah isso é outra coisa’. Do you see this empty garrafões’? (eu, na ocasião, não sabia ainda como se dizia garrafões, em inglês) - ‘Quer ver’? - ‘Mas – disse eu - para melhor, deixe-me pegar na mangueira, para ‘fixar’ este barril que acabei de abrir agora mesmo.
Já eram seis.

Com ele a observar, meti a mangueira no barril, chupei e engoli um pouco, que até quase me ia engasgando, fazendo uma espécie de ‘aaaaaah’ - de propósito, mais até para o irritar um pouco mais - deixei correr mais ou menos dois litros e meio para um garrafão que ainda não estava cheio e, meti outra vez a varinha para garantir que o barril não tinha mais que 95 litros. Se tivesse um pouco menos, melhor ainda.

Pego na outra mangueira, dobro-lhe a ponta, desenrosco a agulheta, e acabo de encher o barril e, com a varinha medidora, remexo o conteúdo do barril. Pego num copo vazio que lá tinha sempre a mais - porque aos fins de semana apareciam sempre dois ou três amigos que andavam no Exército e, como lá no Exército, não havia tanta fartura – ou os sargentos do Exército roubavam mais - quase sempre me iam visitar, – tiro com a mangueira, um pouco de vinho do barril acabado de ‘batisar’ depois de remexer o conteúdo com a varinha somente para lhe dar a provar.

Depois, para que não ficasse com um sabor errado na boca, deitei um pouco de vinho no mesmo copo, retirado de um dos garrafões que estavam ao lado, mais até para ver se ele notava que o vinho que eu lhe dei na véspera, era de um ou de outro devido a que, na véspera, eu ainda não sabia deste problema e, como tal, o vinho da véspera não tinha sido batisado por mim, cuja religião, garanto-lhes é a melhor de todas. Neutral.
Bem, mesmo que a diferença não fosse muita, ela existia pelo menos, em dois ou três (+ - ) litros de água.
Coloquei aquele copo perto de onde eu tinha o meu e, de seguida, coloco o batoque de volta, prego a chapinha novamente, deito o barril no chão, dou-lhe umas duas voltas para misturar a mistura e volto a colocá-lo na vertical, etc., etc.
Peguei no meu copo que tinha ao lado, deitei mais um pouco de vinho no mesmo, estendi a minha mão com o outro copo para ele – meu querido tenente - disse-lhe: - À nossa saúde, para que as nossas mulheres não fiquem viúvas. - Isto, apesar de eu ainda ser solteiro – naquela ocasião - disse-o ‘anyway’ porque eu gosto de pensar de avanço.

Voltando um pouco atrás, eu, ao mesmo tempo que falava, utilizando o pedaço da mangueira, a sevina, para tirar o batoque do barril que ainda estava ‘virgem’, conforme ia mostrando ao Tenente como é que se fazia ‘o batismo à minha maneira’, e não à maneira desses grupos religiosos, que até andam ‘à caça dos 10% do ‘tithe’ por se ser membro da religião deles que, convém sublinhar, e segundo eles ‘é sempre a melhor de todas’ e que, é por isso, que eu não pertenço a nenhuma, como ia dizendo, conforme falava, gesticulava muito sendo até por isso que há pessoas que já me têm dito que é um defeito mas, ‘eu estou-me nas tintas’ desde que ‘acomplish’ os meus objectivos.

A terminar disse-lhe: - ‘Para o pessoal da casa usa-se este vinho que está aqui nestes garrafões ao lado porque, se tiver água, é água de Portugal.
E, aqui, na frase ‘é água de Portugal’, utilizei um tom de voz assim, como que um tanto ou quanto, com emoção ‘nacionalista’, como uma espécie de orgulho, por ser português.
Ele, o meu ‘querido Tenente’, quando viu (?) ‘o meu patriotismo’ assim mesmo quase (?) ‘à flor da pele’, foi-se embora sem sequer dizer uma ‘Avé-Maria’ e, que eu saiba, nunca mais falou no assunto, pelo menos para mim mas, que falou, falou.

A razão porque digo o que digo quando digo: ‘mas que falou, falou’ - é derivado a que, já depois de eu sair da tropa, passando à disponibilidade, como se diz ao facto de terminar o serviço militar – tendo ficado lá na Guiné – e já, portanto na vida civil, aconteceu que, o Tenente substituto do outro - que até foi também meu chefe, após substituir o primeiro - visitou o local onde eu trabalhava, chamado Solmar e, dirigindo-se a mim, chamou-me à parte, dizendo: - ‘Oh cabo, faça-me um favor' - e continuou - ‘vá lá acima à Messe a ensinar aquele “cabrão” do cabo Zé António – palavras do ‘Senhor Tenente’, embora eu é que as escreva – ‘senão vou eu e ele para a “Choupa".
A propósito, lembram-se da ‘choupa’.

Fim, por agora porque continuará numa próxima vez!...
Estejam alerta.
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Nota de CV:

Vd. poste anterior de 10 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9019: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (37): Palavras de um senhor defunto, um livro de Mário Serra de Oliveira (4): Autobiocómica: Passatempo, traquinices, enquanto teen-ager

Guiné 63/74 - P9036: (Ex)citações (155): Em louvor de Mário Fitas e da sua Pami Na Dondo: Deus é apenas um horizonte nos nossos esforços a caminho da perfeição (José Brás)

1. Comentário, com data de ontem, ao poste P8915, por José Brás  (*):


Mário Fitas é um homem que conheço há muitos anos. 

Conheceu ele primeiro "Vindimas no Capim" do que eu conheci "Pami Na Dondo", apenas por razões circunstanciais porque, como sabem, um prémio pode ser muito bem uma circunstância.

Quando li "Pami Na Dondo" disse-lhe do gosto que me havia dado lê-lo e o maior gosto ainda, na descoberta de um ser humano que eu desconhecia, provavelmente preso eu, ainda, em preconceitos redutores que, sem perda da amizade que lhe tinha, me levavam a colar-lhe uma imagem desmentida na leitura.


Nunca tive problemas no reconhecimento dos meus erros e tenho pena de não ter guardado cópia das palavras que lhe enviei comovido.


Não é fácil escrever sobre o inimigo como o Mário escreveu em "Pami Na Dondo". E não o fez com ferramentas de trabalho de escriturário, mas com as outras que conseguem dar da realidade real, uma outra, ou várias possíveis, apenas com referências na primeira.

Confesso que não me lembro se encontrei desconformidades, como diz o Hélder Valério. Sei sim, que gostei muito e que fiquei mais feliz na sua leitura.

Por outro lado, parece tempestade em copo de água, a reacção às últimas palavras do Mário Beja Santos (*). Afinal, deus é apenas um horizonte nos nossos esforços a caminho da perfeição e Beja Santos faz uma boa e positiva análise critica à obra e ao autor.

Um dia Urbano Tavares Rodrigues disse-me que, se para ser escritor fosse necessário ou bastasse ser professor de literatura, estaria muito mais pobre o mundo, seguramente. (**)

José Brás

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Notas do editor:



(*) Vd. poste de 17 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8915: Notas de leitura (288): Pami Na Dondo, A Guerrilheira, de Mário Vicente [, o nosso Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66] (Mário Beja Santos)

(...) Queridos amigos, devíamos obrigar Mário Vicente (ou Mário Fitas ou Mário Ralheta) a remexer toda a sua novela, de indiscutível interesse e originalidade. Ele presta uma eloquente homenagem à CCAÇ 763 através de uma guerrilheira, a região de Cufar experimenta a agressividade operacional e também a resposta dos guerrilheiros. O autor intenta pôr nos olhos dos outros a interpretação da nossa realidade. A trama novelística tem pés para andar, carece de uma intensa revisão, quem tem aquela experiência, que é bem patente, bem pode desenvolver o que importa ser desenvolvido e despojar o texto da história da Guiné quando ela é postiça e deslocada. (...) 

 (...) Mário Vicente interessou-se pelo outro e recorreu ao que sabia e que experimentou. Na primeira oportunidade que se ponha a reedição de “Pami Na Dondo” deverá rever cuidadosamente o texto, polvilhado de agruras e dislates gramaticais. O texto merece e “Pami Na Dondo” agradece. (...).


(**) Último poste da série > 11 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9025: (Ex)citações (154): As apreciações de Mário Beja Santos ao livro de Mário Vicente [Mário Fitas], Pami Na Dondo A Guerrilheira (Vasco da Gama / Joaquim Mexia Alves)


Guiné 63/74 - P9035: Parabéns a você (337): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil da CCAÇ 6250 (Mampatá, 1972/74)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9018: Parabéns a você (336): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2790 (Bula, 1970/72)

sábado, 12 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9034: As Nossas Tropas - Quem foi quem (7): João Polidoro Monteiro, Ten-Cor Inf (cmdt do BCAÇ 2861, Bissorã, 1970, e BART 2917, Bambadinca, 1971/72) (Armando Pires / David Guimarães / Paulo Santiago)




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > BART 2917 (1970/72) > Centro de Instrução de Milícias > Da esquerda para a direita, em segundo plano, Ten Cor Polidoro Monteiro, Gen Spínola e Alf Mil Paulo Santiago.

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2006). Todos os direitos reservados

1. Temos uma série, ainda com poucos postes, sobre os nossos comandantes e outros militares que, no TO da Guiné (*), se destacaram de uma maneira ou de outra ou ficaram na nossa memória (pelo seu currículo militar, pela sua liderança, pela sua personalidade, pelo seu convívio,  pelas histórias que deles se contavam, etc.). 

Hoje reunimos alguma informação adicional sobre o último comandante do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), João Polidoro Monteiro, infelizmente já falecido, mas que alguns de nós conheceram e que com alguns privaram:


1. Armando Pires [ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã, 1969/70] (**):

O Ten Cor João Polidoro Monteiro [JMP] veio, em 1970, directamente de Moçambique, onde comandava a Guarda Fiscal, para Bissorã, comandar o [meu batalhão, o] BCAÇ 2861, em substituíção do Ten Cor César Cardoso da Silva.  Em Dezembro de 1970,  o 2861 regressou a Portugal, terminada a comissão. Foi nessa altura que JPM foi comandar o BART 2917.

(...) Estou a vê-lo, ao Polidoro, galões reluzentes sobre um camuflado acabadinho de saír do Casão Militar, olhos protegidos pelas lentes escuras de uns inevitáveis Ray-Ban, pingalim tremelicando na mão direita, voz forte e decidida advertindo a força em parada:
- Não me tomem por periquito, que de guerra venho eu farto.

Depois, a ordem que obrigava todos os militares a andarem devidamente fardados e ataviados quando não em serviço (???).

Se esta não fosse já um mimo, a cereja em cima do bolo veio de seguida. Íamos fazer exercícios de protecção ao aquartelamento. Poupo-vos ao relato e consequências, embora fossem de ir às lágrimas.

Já mais tarimbado na função, o Paulo Santiago, ex-comandante do Pel Caç Nat 53, aqui nos relatos da Tabanca mostra-o, ao Polidoro, numa foto  tirada nas margens do Geba, ali no Mato Cão, exibindo um magnifico troféu de caça.

Com a mais respeitosa vénia ao Santiago, recoloco aqui a tal foto, ao lado de uma outra tirada por mim, em Bissorã, pedindo-lhes que descubram a semelhança. 

Hum!!! Já viram? Reparem outra vez… olhem bem… não deram por ela?... 

É A FACA DE MATO, caramba! Ali, sempre pendurada no ombro direito.



Guiné > Região do Oio > Bissorã > BCAÇ 2861 (1969/70) > 1970 > Festa tribal:  À esquerda o Alf Capelão Batista, à direita o Ten Cor Polidoro Monteiro

Foto (e legenda): © Armando Pires  (2009). Todos os direitos reservados


 Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Mato Cão > O Ten Cor Polidoro Monteiro, último comandante do BART 2917 (1970/72), o Alf Médico Vilar e o Alf Mil Paulo Santiago, instrutor de milícias, com um jacaré do rio Geba... Foto tirada em Novembro ou Dezembro de 1971 no Mato Cão, após ocupação da zona com vista à construção de um destacamento, encarregue de proteger a navegação no Geba Estreito e impedir as infiltrações na guerrilha no reordenamento de Nhabijões, um enorme conjunto de tabancas de população balanta e mandinga tradicionalmente "sob duplo controlo".

Foto (e legenda): © Paulo Santiago (2006). Todos os direitos reservados
2. David Guimarães [ex-Fur Mil Art Minas e Armadilhas, CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72] (***)

(...) A CART 3492 (Xitole, Janeiro de 1972/Março de 1974) foi exactamente a Companhia que rendeu a CART 2716 a que eu pertenci e fomos nós que fizemos a sobreposição...
(...) Um dia o Comandante do BART 2917, já na sobreposição, apareceu no Xitole. O Luís Graça e o Humberto Reis conheciam-no. Era o Tenente Coronel Polidoro Monteiro... Conto-vos uma peripécia passada com ele.

Perguntava eu, bem perfilado, ao Polidoro Monteiro:
- Meu comandante, a nossa missão é ir ensinar o caminho a esta gente...Proponho que ensinemos o início dos caminhos por onde passamos tantas vezes....

Resposta:
- Vai-te foder, seu caralho, quero que lhes ensinem a toca....

Deu em riso, como é evidente....

O Polidoro Monteiro foi o único Tenente-Coronel que usava arma e eventualmente percorria um pedaço de caminhos connosco... Gostava muito de passear no Xitole, pois de manhã gostava de ir até Cussilinta, ao banho, no Corubal,  e à noite ir à caça às lebres que iam para junto da mancarra (amendoím], na Tabanca de Cambessé, à guarda do aquartelamento do Xitole....

Sempre vi nele um bom militar e era da inteira confiança de Spínola.... Aliás ele era Tenente-Coronel de Infantaria e foi colocado por Spínola em Bambadinca para ir comandar o BART 2917, [em substituição do]  Tenente-Coronel Magalhães Filipe, que era o Comandante inicial do Batalhão (...).

A gota de água para retirar o Comando ao Magalhães Filipe foi a operação na Ponta do Inglês onde morreu aquela secção do Cunha [da CART 2716, do Xime]... Quem merecia a porrada acabou por não a apanhar (...).

Ainda sobre o Polidoro Monteiro... Um dia ele manda um rádio para o Xime com a seguinte nota: "Dois pelotões formados às 5.30 para sair com CMDT" (...). O Polidoro Monteiro chama o condutor de dia e percorre,  sem qualquer escolta,  aquele caminho de Bambadinca ao Xime, a alta velocidade... Resultado: 10 dias de prisão para o [alferes que exercia as funções de] 2º Comandante, e 10 de detenção para outro alferes... É que eles nunca se fiaram que àquela hora ele aparecesse lá e como tal não estavam prontos como ele mandara....

Luís Graça e Humberto Reis: vocês já não estavam lá, creio, mas que isto se passou, passou... O Polidoro era assim, um bom Comandante, a nível operacional: dizia quantas asneiras havia no dicionário... Muito operacional mas bom sujeito... Vocês conheceram-no ainda (...).

 3. Paulo Santiago [, ex-Alf Mil,  cmdt do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72] (****)

 (...) Acontece,algumas vezes, aparecerem postes que mexem comigo, precisando...emocionam-me. É o caso de hoje, com este poste do camarada Armando Pires,que entrou, em grande forma, para a Tabanca. Não é por causa da foto, onde apareço abrindo a boca do anfíbio bicharoco; não,o que me tocou mais fundo foi a recordação do Polidoro, pessoa que nunca mais encontrei após a minha saída de Bambadinca. 

Todos sabeis, já o escrevi várias vezes (****), o Ten-Cor Polidoro Monteiro foi talvez o  oficial superior, melhor, devo dizer, foi o único oficial superior que me mereceu respeito, e conheci vários. Estes vários que conheci, majores, tenentes-coronéis, quando íam ao Saltinho (é um ex.) utilizavam o heli, nada de ir em colunas, havia o pó e outras merdas mais complicadas... E aqui começa a diferença... Conheci o Polidoro, não em Bambadinca, conheci-o (e também ao Vacas de Carvalho)... no Saltinho, onde chegaram e de onde partiram numa coluna com o trajecto  Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho
e depois o trajecto inverso. 


Não sei a razão, mas em Bambadinca, havia, como dizer?, uma certa cumplicidade entre mim e o Polidoro.  Entendíamo-nos muito bem, já o mesmo não acontecia com o 2º comandante, o [major] Anjos de Carvalho, um militar emproado, bom para andar na parada, esperando ver um militar com menos atavio,ou que se esquecesse da
continência, para de imediato lhe foder a vida.

Agora a foto. Quem era o comandante de batalhão que se metia num Sintex e descia o Geba Estreito até Mato Cão? Só o Polidoro...e ficou lá a dormir nos buracos com o pessoal do Pel Caç Nat  63. Aquela faca no ombro direito, de que fala o Armando, é imagem de marca, julgo que nunca vi o Polidoro com outra farda que não fosse o camuflado, raramente com galões, contrariamente ao 2º comandante que sempre vi de calções, meia
alta e respectivos galões.



Agora vou "entrar" com o Armando quando cita aquela apresentação do Polidoro ("Não me tomem por piriquito que de guerra venho eu farto").  Oh Armando,  não terá sido assim: "
"C..., não me tomem por piriquito que de guerra venho eu farto" ? 
Ou assim: "Não me tomem por piriquito, c..., de guerra venho farto" ?.


Agora, ainda a propósito da foto, reparem no outro personagem,o Alf Mil Médico Vilar, "apanhado" na altura (...hoje... psiquiatra)... Olhem para a arma que segura: é uma carabina de caça 22...Não é que ele lhe acoplou aquela imensa baioneta (comprada na Feira da Ladra) de uma Kropatschek ?! (...)


4. Comentário do editor:


(...) Companhias de quadrícula do BART 2917 (Maio de 1970/Março de 1972) (comandado por Ten Cor Art Domingos Magalhães Filipe e depois por Ten Cor Inf João Polidoro Monteiro):

(i) CART 2714, sita em Mansambo (Cap Art José Manuel da Silva Agordela)

(ii) CART 2715, sita no Xime (Cap Art Vitor Manuel Amaro dos Santos, Alf Mil Art José Fernando de Andrade Rodrigues, Cap Art Gualberto Magno Passos Marques, Cap Inf Artur Bernardino Fontes Monteiro, Cap Inf José Domingos Ferros de Azevedo)

(iii) CART 2716, sita no Xitole (Cap Mil Art Francisco Manuel Espinha de Almeida) (...).

______________


Notas do editor:


(*) Vd. postes anteriores desta série:
21 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7313: As Nossas Tropas - Quem foi quem (6): Hélio Esteves Felgas, Maj Gen (1920-2008)

9 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 – P4313: As Nossas Tropas - Quem foi quem (5): João Bacar Jaló (1929-1971) (Benito Neves, Mário Fitas e João Parreira)


13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3735: As Nossas Tropas - Quem foi quem (4): Cap Art Ricardo Rei, CART 1792: Lixaram-no, não passou de coronel (Joseph Belo)

21 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2569: As Nossas Tropas - Quem foi quem (3): João Bacar Djaló (1929/71) (Virgínio Briote)



4 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2239: As Nossas Tropas - Quem foi quem (2): António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe (1968/73)

23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2207: As Nossas Tropas - Quem foi quem (1): Vasco Lourenço, comandante da CCAÇ 2549 (1969/71) e capitão de Abril



(**) Vd. poste de 4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4778: Tabanca Grande (168): Armando Pires, ex-Fur Mil Enf da CCS/BCAÇ 2861, Bula e Bissorã (1969/70)


Vd.comentário ao poste de 10 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9021: História do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72): Resumo dos factos e feitos mais importantes, por João Polidoro Monteiro, Ten Cor Inf (Benjamim Durães)


(***) Vd. poste, da I Série > 26 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXVI: A malta do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole (6) 

(****) Vd. comentário ao poste P4778. E ainda:

8 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3187: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (16): Instrutor de milícias em Bambadinca (Out 1971)

9 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3189: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (17): Instrutor de milícias em Bambadinca (Out 1971).

Guiné 63/74 - P9033: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (16): As cábulas

1. Mensagem do dia 9 de Novembro de 2011, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma das suas histórias e memórias.


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (16)

As Cábulas

O exame, escrito e/ou oral, destina-se, regra geral, a aquilatar os conhecimentos adquiridos pelos alunos em determinado período de tempo.
Nas provas escritas alguns alunos tentam – e muitas vezes conseguem – ludibriar o professor transmitindo a noção (falsa) de que têm conhecimento cabal de determinada matéria, quando na verdade a mesma não foi convenientemente estudada e aprendida. Por vezes o aluno, para engendrar e exercitar determinada maneira mais ou menos sofisticada, sempre mais ou menos falível, perde nisso o tempo que seria eventualmente suficiente para estudar adequadamente a mesma matéria; no entanto conseguir uma vitória sobre o professor sem queimar as pestanas será sempre um prazer gostoso, mesmo que efémero, a ter em conta. Trava-se aqui uma espécie de luta semelhante à que se verifica entre a doença e os inventores e/ou fabricantes de medicamentos. A doença surge, ataca o paciente e os antídotos vão sendo inventados por vezes com atrasos significativos ou mesmo tremendamente dilatados. Também aqui “o corpo é que paga”.

No caso em apreço, já foram inventadas as mais variadas formas de copiar tentando sempre o aluno não ser detectado pelo professor: fórmulas ou dicas escritas na palma da mão; tiras de papel presas com elásticos no interior da camisa ou na manga do casaco (puxa-se o papel e quando, depois do uso, o largamos o elástico encarrega-se de o recolher, de imediato e sem deixar rasto, ao seu esconderijo); livro ou caderno debaixo do casaco ou da capa e tantas outras.

Mais ou menos em 1960, dois irmãos, um do 5.º ano e outro do 7.º, inventaram e puseram em prática um sistema invulgar de emissores e receptores para assim “levar a carta a Garcia”. Durante o exame, o mais velho instalou-se no castelo de Lamego; o mais novo fazia a prova escrita de Matemática no liceu local. No seu posto o mais velho recebia as perguntas da prova transmitidas pelo mais novo; preparava a resolução e emitia-a para a sala onde decorria o exame; o mais novo à medida que ia recebendo a transmissão ia passando a mensagem ao papel. O estratagema parecia infalível.

Mas... há sempre um “mas”!
Um vendedor de aparelhos eléctricos ouviu no seu rádio aquela estranha conversa: algarismos, incógnitas, etc.

Coisa estranha, pensou ele! Apressadamente conseguiu passar ao papel uma boa parte do que ia ouvindo.
Deslocou-se ao liceu a perguntar se sabiam do que se tratava. Rapidamente se aperceberam que estava ali a resolução duma expressão algébrica do ponto de Matemática do 5.º ano.

Logo dois professores foram enviados a todas as salas para descobrir o que estava a acontecer. Descoroçoados, já pensavam dar-se por vencidos quando um reparou que determinado aluno tinha um grande penso anormal numa orelha.
- É um “leicenço”, diz o aluno, deveras surpreendido com o que estava a acontecer-lhe.
Não lhe passava pela cabeça que alguém tivesse descoberto a sua ardileza; entendeu que o motivo seria outro, bem diferente.

Pedem a comparência dum enfermeiro para retirar aquele “invólucro” de algodão sem “molestar” o aluno. Envolto no penso, incrivelmente, encontrava-se um receptor; no pulso do aluno disfarçado pelo relógio havia um emissor.
O Reitor ordenou, sem mais delongas, que os dois alunos fossem reprovados. Naqueles tempos os alunos do 5.º ano faziam exame escrito de manhã e os do 7.º ano de tarde.
O Ministério, porém, devido à engenhosa invenção, determinou que a ambos fosse facultado repetir excepcionalmente os seus exames.

E o comerciante de aparelhos eléctricos?
Caiu nas más graças do povo de Lamego; ninguém entrava na sua loja para comprar o quer que fosse e até o insultavam na rua; fechou a loja!

Vou agora relatar um extraordinário caso teatral, ocorrido em Coimbra em 1962/63 no qual eu participei, não sendo o actor principal.

Certo dia, depois de jantar, apareceram na casa onde eu morava, duas moças que pretendiam falar comigo. Entrámos os três numa sala pequena e, depois de dois dedos de conversa, uma manifestou o que pretendia.
Eu não as conhecia. A que falou era também universitária da Faculdade de Letras mas, pela praxe, era “doutora” do 4.º ano.
Eu era apenas um semi-puto, qualificação “praxística” dos alunos do 2.º ano ou repetentes do 1.º.

Aquela moça tinha História do Teatro como cadeira de opção pela qual eu tinha optado no 2.º ano. Não me lembrava de ter visto aquela “doutora” pela praxe coimbrã nas aulas da Dra. Maria Helena da Rocha Pereira que leccionava com muita qualidade, sabedoria e exuberância aquela cadeira. Aquela senhora era extremamente culta e transmitia na perfeição o que sabia aos seus alunos; grande lente!

Alguém informou aquela colega que eu era possuidor de bons apontamentos sobre a matéria daquela disciplina e ela pretendia que eu lhos emprestasse. Respondi afirmativamente mas teria de mos devolver no dia x. Eu ia fazer nesse dia uma prova escrita e iniciaria no mesmo dia a preparação do exame de História do Teatro.

No dia e hora aprazados, quando saí da sala, a colega esperava-me ali. Conversámos um pouco. Em vez de me devolver os apontamentos, ela sugeriu que eu estudasse com ela, em sua casa, porque ainda não tinha conseguido estudar o suficiente; na verdade mal teria olhado para os ditos apontamentos!
Na tarde desse mesmo dia iniciámos a nossa tarefa; começámos logo a falar de Ésquilo, Sófocles, Eurípides e outros, divagando sobre a obra de cada um.

Cedo me apercebi que a colega não apresentava as condições psicológicas necessárias para se concentrar na matéria que nos propúnhamos estudar.
A meio da 1.ª sessão, bebericando um chá que ela muito amavelmente ofereceu, fui informado que ela era casada e o marido, devido a complicações políticas e/ou militares, estava detido no Presídio de Penamacor. Boa malha! Senti-me espartilhado! Estava metido numa camisa de sete varas! Mas, afinal, não era nada comigo!
Continuámos a nossa árdua tarefa com interrupções apenas para comer e dormir.

Na véspera do exame escrito ela comunicou-me que, no anfiteatro onde se realizaria a prova, ela tentaria colocar-se perto de mim para usufruir do meu apoio, caso fosse necessário.
Eu fiquei mesmo à beira dum estreito corredor; ela, não sei como, conseguiu sentar-se do outro lado do mesmo corredor inclinado (anfiteatro).

No lugar da Dra. Rocha Pereira, por impedimento desta, um padre ainda jovem foi destacado para assistir ao exame (vigiar); passeava constantemente a toda a largura da sala, olhando atentamente para os alunos de vários ângulos.

A certa altura a colega pediu-me apoio para determinada pergunta: numa folha A5 escrevi os tópicos da resposta; dobrei a folha e, quando o padre se afastava de nós, lancei-a na direcção da colega; ela tentou apanhá-la mas o objecto do crime poisou nos degraus do corredor. O padre olhou e viu o papel no chão; voltou-se rapidamente e começou a subir os degraus para o apanhar, qual gato preto tentando atracar um distraído ratinho indefeso.

Com uma presença de espírito assinalável a colega afastou a perna direita para o corredor (“escanchou-se” como comentávamos mais tarde) puxou a saia, já de si curta, bem para cima, exibindo ousada e descaradamente a sua atraente coxa ao padre. Este, supondo tratar-se de obra de Belzebu ou de outro qualquer infernal demónio tentador, deu meia volta apressadamente e continuou o seu percurso a toda a largura da sala.

Ela, num ápice, apanhou a cábula, recompôs-se e... o perigo já tinha passado.
Eu “deixei cair tudo” mas a custo recuperei e recoloquei “tudo” no lugar devido.
O rascunho ajudou-a q.b.; fomos ambos à oral. Passámos!

Muitas vezes recordámos aquela teatralidade; afinal estudávamos História do Teatro!
Não fora o atrevimento, a ousadia , o descaramento da colega (estávamos no princípio da década de 60 do século passado) e o padre teria apanhado o objecto do crime. Se tal acontecesse, ambos seriamos convidados a fechar a porta... por fora... e não haveria prova oral para nós! Felizmente para ambos aconteceu o que nos convinha.

Que os alunos do secundário e até universitários usem e abusem destes métodos não é aconselhável nem é de louvar... mas aceita-se tendo em conta a juventude e as inerentes matreirices dos académicos.
Que indivíduos que concluíram já os seus cursos, persistam em actos semelhantes quer em teses ou em doutoramentos ou mesmo em concursos para obter um lugar para o exercício de determinada profissão é absolutamente execrável, abominável.

Neste jardim (só para alguns) à beira-mar plantado, em caso muito recente, passado entre juristas, depois de muito titubear, optou-se pela anulação do concurso sem qualquer punição para os prevaricadores. Deplorável! Vergonhoso!

Mais recentemente uma Universidade Alemã retirou a uma “doutora” ali formada o título académico que lhe haviam conferido porque afinal ela tinha mostrado saber o que na verdade não “sabia”. Ocupava um alto cargo na C.E.

Lisboa, 09 de Novembro de 2010
Belmiro Tavares
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8937: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (15): Os desenfianços no Colégio Militar