sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7002: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (19): Fugindo da guerra civil, de Bissau a Fajonquito, Junho de 1998 (I Parte)


O filho mais velho do Cherno Baldé,  de seu nome Abduramane Santos Baldé,  "junto ao rio Geba na baixa de Bafatá, em viagem para Fajonquito, em Setembro de 2000. Teria eu, mais ou menos, a mesma idade quando fugimos de Samba-Gaya em 1964"


Foto (e legenda):  © Cherno Baldé (2010). Todos os os direitos reservados.



1. Texto, que vamos dividir em duas partes, da autoria do nosso querido amigo  Cherno Baldé (*), e que veio acompanhado da seguinte mensagem, com data de ontem:


Estimado amigo e irmão Luis Graça,



Juntamente envio mais um texto fazendo parte das minhas habituais crónicas ou memórias do passado. Mudando um pouco de cenário, desta vez, os acontecimentos retratados são mais recentes e centrados sobre as tribulações de uma pequena familia, melhor, do seu desajeitadio chefe, no inicio da guerra de Bissau em 1998. Propositadamente, passei por cima do periodo que vai dos tempos de estudante em Bafatá, depois Bissau e da passagem pela antiga URSS. Voltarei, mais tarde, a este periodo se houver interesse.

O presente texto foi por mim escrito em 2000, alguns meses antes de emigrar para Portugal onde participei na construção do novo Estádio de Alvalade Sec. XXI (2001/02), como servente de qualquer coisa, na verdade não tinha as qualidades requeridas mas contava com a (cunha) ajuda de uma familia Portuguesa com a qual mantiamos excelentes relações de amizade e estima. Os encarregados topavam logo com o meu ar intelectual e a falta de jeito. Mandaram-me embora por duas vezes e reentrei outras tantas. Ai reencontrei os meus primos Ucranianos, enfim, foi muito interessante e enriquecedor.


Apreciem o texto e vejam se tem interesse para divulgação.


Peço desculpa se alguma vez disse o que não devia nos meus comentários e diga ao meu amigo Torcato para guardar a sua G3 porque eu sou, simplesmente, um pequeno rafeiro amigo da malta do quartel.


Com os melhores cumprimentos,

Cherno Baldé (Chico de Fajonquito)

PS: A foto  [, acima,] mostra o meu filho junto ao rio Geba na baixa de Bafatá, em viagem para Fajonquito. Teria eu, mais ou menos, a mesma idade quando fugimos de Samba-Gaya em 1964.



RECORDAÇÕES DA GUERRA DE BISSAU/
(CONFLITO POLITICO MILITAR DE JUNHO DE 1998)

(Domingo) - Dia 7 de Junho de 1998– o rebentar do conflito


Na madrugada do dia 7 de Junho de 1998 (**), ainda na cama ouvimos, de longe, tiros de armas de guerra. Na manhã do mesmo dia, ouviram-se tiros de armas pesadas acompanhadas de rajadas de metralhadoras. Em casa, apercebemo-nos que se passava coisa séria para justificar tamanho tiroteio. Sentámo-nos a mesa para o pequeno-almoço. Aqueles tiros não nos incomodaram em nada, afinal já tínhamos vivido outros golpes, coisa banal, seriam escaramuças localizadas e algumas mortes mas depois tudo voltava a normalidade.

Pessoalmente, e sem estar informado de nada, já estava do lado dos revoltosos. Podia ser da idade ou simplesmente pela mania das revoluções. Fosse quem fosse, na minha opinião, achava que já era tempo de varrer o regime vigente para instaurar uma nova ordem, inverter a marcha que estava a afundar o país e aprofundar o fosso da desigualdade económica e social entre uma elite parasitária vivendo à custa do Estado e a maioria da população, cada vez mais paupérrima e despojada de recursos e de oportunidades.

Por volta das 8h00, o governo, através do seu ministro da defesa nacional, comunicou pela rádio que um grupo não identificado tinha assaltado o quartel-general (QG) mas que tinha sido rechaçado e que todos ficassem em casa até ordens ao contrário.
- É um golpe de estado, de certeza! - disse para a minha mulher, quase com satisfação.

Entretanto, pediam calma a população enquanto nos quartéis havia uma grande agitação. Todas as estradas de acesso ao centro da cidade estavam bloqueadas, havia confrontos em S. Luzia (QG), muita agitação nos aquartelamentos de Brá e na Base Aérea, onde tropas do governo tentavam desalojar os revoltosos ou vice-versa.

Seguiu-se uma acalmia de algumas horas e no início da tarde houve um ataque ao quartel de Brá com armas ligeiras, sem qualquer efeito especial, pois a situação mantinha-se na mesma, ou seja, de vez em quando ouviam-se tiros de armamento pesado seguido de um compasso de espera. As horas que se seguiram foram de uma grande curiosidade, toda a gente sabia tratar-se de um levantamento militar mas ninguém sabia nada sobre os cabecilhas da revolta.

2º dia > Segunda feira, dia 8 de Junho

A partir do segundo dia (8 de Junho) começaram a circular algumas informações sobre o levantamento. Agrupados a volta do antigo CEMGFA, Brigadeiro Brick-Brack, (por sinal, mais um voluntário, chefe de guerra, originário dos países vizinhos, na senda de Abdul Indjai e Ca), uma parte das tropas e antigos combatentes tinham.-se amotinado contra o regime. As autoridades continuavam a pedir calma e assegurar que tudo era uma questão de tempo até controlarem a situação. Houve várias tentativas de tomada de assalto ao aquartelamento de Brá mas a situação continuava tensa e incerta.

Com a intensificação dos confrontos fomos avisados pela parte governamental de que devíamos evacuar a zona onde habitávamos, temporariamente, senão arriscávamo-nos a ficar entre dois fogos e sermos alvo de bombardeamentos. Oh,  pá! Não, já não estava assim tão satisfeito com esta decisão que nos afastava das nossas casas. Era, de facto, o início do nosso calvário que só terminaria com o fim da guerra, um ano depois.

O meu irmão mais velho, convocou uma reunião de emergência para nos informar que os membros da nossa família, enquadrados por ele, deviam afastar-se um pouco, mais a leste nos confins do Bairro militar, eu deveria ficar para cuidar da casa. Não houve contestação e assim, sem preparação adequada, as mulheres pegando naquilo que podiam mais as crianças, rapidamente, seguiram para cima, a leste do Bairro, onde ficariam ao abrigo da artilharia que estava a visar a nossa zona.

Esta forma simplista e confiante de pensar que tudo se resolveria rapidamente revelou-se depois muito prejudicial, pois, o que se previa ser para algumas horas viria a durar mais de um ano, e passo a passo seriamos obrigados a seguir para mais longe, longe e longe, e finalmente seria o refúgio.

3º dia > Terça-feira, 9 de Junho
  
No terceiro dia (9 de Junho), o meu irmão comunicou-me a sua decisão de sair de Bissau e partir para Fajonquito, nossa aldeia natal, onde iria esperar pelo desfecho da guerra em que se tinha transformado o levantamento de alguns dissidentes do regime. Sem saber que decisão tomar, acompanhei o meu irmão e um grupo de pessoas que tinham decidido sair de Bissau. Mandei a minha esposa e filho juntar-se à sua irmã mais velha, Djenaba,  no Bairro de Ajuda, na esperança de que talvez aquilo terminava em breve. Eu fiquei em Brá, na nossa casa. Entretanto, comecei a pôr em marcha um dos princípios de Amílcar Cabral ou seja, esperar o melhor, preparar-se para o pior.

Com o dinheiro que tinha,,  fui comprar alguns mantimentos pois calculava que dentro em breve podia não haver nada para vender ou comprar. No mercado alguns cacifos estavam abertos, as pessoas estavam agrupadas à volta de aparelhos de rádio ouvindo as poucas informações que a RTP fornecia e comentavam os últimos acontecimentos que circulavam de boca em boca. Foi ai que ouvi alguém dizer que os amotinados estavam a receber reforços de outros aquartelamentos do interior e que muitos jovens estavam a aderir às fileiras dos revoltosos. A proporção que o problema estava a ganhar e a perspectiva de que o conflito poderia arrastar-se por muito tempo,  desanimou-me muito.

Voltei para casa, abri o rádio para acompanhar a RTP, única rádio em funcionamento, que tentava conseguir informações sobre as razões do motim e os nomes dos cabecilhas. Tornou-se evidente que a situação no terreno não era tão favorável aos governamentais como faziam crer pela rádio nacional. Passei a noite em claro pois, os tiros eram esporádicos mas repetitivos.

4º dia > Quarta-feira, 10 de Junho

Na manhã do quarto dia de conflito (10 de Junho), sai de casa, atravessei a estrada principal do Bairro militar, tendo reparado que a estrada estava bloqueada e vigiada por tropas governamentais e que não havia circulação de viaturas. Para chegar ao Bairro de Ajuda, onde se encontravam minha esposa e filho, a única maneira era atravessar a bolanha a pé, lá para os lados de “manel iagu”. Foi para onde segui. Estava absorto nos pensamentos que se afluíam a minha mente de forma desordenada.

Lembrei-me dos tempos de estudante em Kiev e, da tensão permanente em que vivíamos, atravessando as ruas, com medo da agressão dos jovens locais que não perdiam uma única oportunidade para nos maltratar física e verbalmente. Por várias vezes, tinha sido alvo de agressões violentas, não propriamente por racismo, penso eu, mas porque estavam naquela idade quando se sente a necessidade de assumir riscos e desafiar o status-quo. Pese embora a nossa precária situação, não dávamos o braço a torcer. Uma vez, traído pelo embaciamento dos meus óculos devido ao frio, tinha entrado, sem dar conta, no meio de um bando de jovens, alguns dos quais tinham o dobro do meu peso e mediam perto de dois metros de altura numa zona considerada perigosa para os estrangeiros.

De repente senti que alguém me segurava por trás, impedindo-me de avançar. Estava com medo, mas nem por isso vacilei, virei-me para enfrentar quem quer que fosse. Os homens presentes diziam: Matem o macaco preto!. As mulheres, sempre mais humanas, gritaram-me para que fugisse. Eram muitos, aguentei por algum tempo mas depois tive mesmo que fugir debaixo das pedradas e insultos daqueles jovens ainda na idade da inocência, desprovidos de sentimentos de piedade e de amor ao próximo. Na briga, tinha perdido os óculos, as compras e parte das minhas vestes. As costelas,  doridas, deixavam entrar o frio por todos os lados em pleno inverno russo. Consegui arrastar-me andrajoso, sob o olhar curioso dos transeuntes, até a residência dos estudantes. Não queria que os colegas soubessem, mas os sinais no corpo eram por demais evidentes, tinha levado uma sova a valer. Estávamos em 1990 e a União Soviética tinha entrado na sua fase irreversível de perestroika e nunca voltaria a ser a mesma dantes. O perigo espreitava de todos os cantos.

“Minha Rosa - Diminga” ou a luz brilhante de um horizonte inacessível.

No momento, também, estava com medo. Um medo indefinível e amplo que acariciava todo o meu corpo e apresentava-se no horizonte da minha vida que ainda agora começava a florir. A minha situação profissional e familiar era estável, podia-se mesmo dizer boa, em comparação com a grande maioria, tinha a família que ambicionava e era director numa instituição pública ligada à manutenção das rodovias, ganhando relativamente bem.

No caminho, ainda se ouvia o ribombar dos obuses a partir da base aérea. O ruído atravessava toda a cidade para se perder nas águas do rio Geba. E cada vez que isso acontecia, instintivamente, curvava-me todo para a frente como se quisesse evitar que algo invisível me cortasse ao meio. à minha frente seguia o vulto de uma mulher que, também, fazia a mesma ginástica rítmica. Durante a marcha, caíamos e levantávamo-nos juntos sem parar, ao ritmo dos disparos, ela a frente e eu atrás.

Apesar do medo e da urgência do momento, acabei por fixar o meu olhar nela de forma insistente. Havia qualquer coisa de invulgar na sua forma de andar. Sobretudo, tinha reparado no movimento ondulatório das suas ancas. Porque é que insistentemente o meu olhar vai para as nádegas das mulheres? Não sei, ninguém me ensinou, deve ser hereditário. Fixei o meu olhar nas nádegas. Havia uma harmonia incrível de movimentos que me embalava e me cativava, que iniciava nos seus pés bem firmes no chão e subia, subia até as tranças dos cabelos levemente amarrados por detrás da cabeça felina. Ela possuía um corpo bem consistente, cheio e flexível que combinava com a dança frenética de subidas e descidas ondulatórias das nádegas –“unata defata ko iarta beréberé!”1.

Era estranho, os habitantes de Bissau viviam sob o choque de uma brutal guerra de quartéis, por enquanto, e eu devia pensar em coisas sérias, ia encontrar-me com a minha família e devia pensar numa forma de os tirar de lá. O meu irmão já tinha saído e toda a cidade estava em fuga. Eu não, estava ali colado atrás de umas nádegas que não conhecia de lado algum mas que me atraíam como as flores atraem as abelhas.

Impávido e feliz por aquele momento divino de contemplação, já não andava, corria, corria atrás daquela figura que parecia uma luz brilhante no horizonte inacessível da minha vida povoada de cenários de guerras. Sim, uma luz como a lua cheia numa noite escura que brilha mas não ofusca a vista, visão celestial. Corria como um sonâmbulo com as mãos em concha estendidas para a frente, num gesto ridículo e egoísta de não deixar cair nenhuma gota daquele mel doce da minha alucinação.

 Julgo que caminhámos três km, ou foram sete? Não sei dizer. Aquele cenário não me era estranho de todo. Onde o teria visto ou vivido? Ah! Sim, foi no caminho de fuga entre Berécolon e a fronteira do Senegal, ainda criança na inesquecível noite do ataque dos eternos terroristas da nossa terra em 1964. Não, é o filme de Flora Gomes, Mortu Nega.. Estamos a caminhar com o grupo de guerrilheiros que vai reforçar a frente destroçada pelos bombardeamentos da aviação inimiga. Atravessamos a lala a correr, curvados para a frente e agora embrenhamo-nos na floresta. “Cuidado com as minas!”, é o Capitão Mamadú que, à frente da coluna, de silhueta imponente, nos ordena: “Coloquem os pés em cima das minhas pegadas, e deitem-se no chão ao menor ruído!”. Parece imune ao perigo que nos espreita do ar e da terra, este rapaz valente. Ainda nos avisa: “Vamos acelerar o passo e se ouvirem o roncar de um helicóptero, dispersem-se e coloquem-se debaixo do primeiro arbusto, se não houver arbustos, então transformem-se em baga-bagas dobrando o corpo em dois!”.
- Hé, badjuda, kuma ki´u nomi? – pergunta a mulher grande à miúda a minha frente.
- Amí tchoma Diminga, Diminga de Bithame. 

A velha, sorrindo insiste:
N´hundê ku-na bai ? 
N´na bai djubi nh´ome k´stá na frénti – responde esta.
                                          
É isso, é a Diminga que está a minha frente. Chegamos à travessia d´água. A menina pára e vira-se para mim olhando, pela primeira vez, e cruza-se com o vazio dos meus olhos de sonâmbulo, fixos nas suas ancas largas e apercebe-se, num relance, da enormidade do desejo que me aflige. Ou não se apercebe? Pega na minha mão para ajudar-me a atravessar a água lamacenta. Sem perder tempo, aproveito o momento e a mão estendida para abraçar o seu corpo inteiramente e adormecer feito criança.
- Já cheguei! - diz ela.

Não compreendo. Como pode ela chegar se eu ainda nem comecei a andar embalado no seu peito macio - pensei comigo.
- Já cheguei a minha casa, agora podes continuar o teu caminho! - repetiu ela.
 Aproveitando a abertura do seu sorriso, balbuciante, perguntei:
 - Kuma kí´ú nomi ?
- Nha nomi´i Rosa – respondeu, baixando o seu rosto para fugir do meu olhar prenhe de angústias. Sem delongas, virou-se e seguiu seu caminho bambaleando levemente aquelas nádegas da minha perdição. “Rosa, chamam-te Rosa minha preta formosa, e na tua negrura, teus dentes se mostram sorrindo, teu corpo baloiça, caminhas dançando, lasciva e ridente, vais cheia de vida, vais cheia de esperança, em teu corpo correndo a seiva da vida, tuas carnes gritando e teus lábios sorrindo” (2).

Esquecido do mundo e da guerra, fiquei especado no chão a olhar infinitamente como se aquela imagem que se perdia lá longe levava também consigo o fim da minha atribulada existência de combatente do nada num mundo em constante mutação e de fugas para a frente. Lutas de libertação e/ou de apropriação, as aldeias queimadas e os campos abandonados, o fardo das regras e religiões que chegaram com o mundo novo, tudo, temperado no inevitável processo de esvaziamento da alma, a globalização, o gesto ridículo do mimetismo cultural, golpes e contra golpes, programas de ajustamento, crises financeiras…

 Ela não disse se era de Bitháme. Será que isso interessa? Também não tinha perguntado. Cheguei ao Bairro d´Ajuda sem saber se tinha caminhado ou voado com as asas que a visão daquela Rosa-Diminga me tinha incorporado. Em casa da Djenaba, reinava uma calma aparente pois,  estando o marido fora,  ela sozinha estava desorientada. Fazia e desfazia bagagens sem saber o que levar e o que deixar. Disse-lhes que devíamos fazer o que toda a gente estava a fazer, ou seja, sair para fora da cidade. Pegar o mínimo essencial, isto é, uma garrafa de água em cada mão.
- Não! - disse-me prontamente . Vamos esperar até amanhã.

Mais tarde soube que afinal ela não se tinha decidido a sair porque os seus vizinhos ainda não o tinham feito. Voltei para casa. Os tiros tinham cessado. Àquela hora da noite, já não havia nenhum movimento nas ruas do Bairro militar e certamente as casas também encontravam-se vazias. A noite foi silenciosa, longa e tensa. Eu, a tentar dormir, os ratos a explorar regiões antes proibidas na casa deserta, lá fora as BM (“baevie machine” - que literalmente significa máquinas de guerra em russo) a cuspir fogo de Estaline.

5º dia > Quinta-feira, 11 de Junho

Na manhã do dia seguinte ainda continuaram os tiros dos obuses. Dirigi-me ao mercado. Ainda havia gente aglomerada em alguns pontos tentando encontrar alguma coisa para provisão da casa ou do caminho. Todavia, o cenário de vaivém tinha dado lugar a uma única e longa fila de saída para fora da cidade. Depois do falhanço, um dia antes, da tentativa encetada por uma comissão Ad-Hoc de algumas pessoas de boa vontade de fazer sentar as duas partes na mesa de negociações, ficou claro para toda a gente que o conflito iria durar, transformando-se em guerra civil. O Comandante em Chefe não admitia negociar com um grupo de bandidos. Os primeiros contingentes de tropas dos aliados do norte e do sul já estavam a desembarcar no porto. Era uma situação insustentável. O fluxo das pessoas a caminho do refúgio era cada vez maior.   

  (Continua)

Notas do autor:

(1) “Não pila, não cozinha mas come do melhor “– Uma elegia masculina dedicada ao balanco ondulatório das nádegas da mulher africana, na lingua Fula.

(2) Amilcar Cabral (1924-1973), antologia poética.

________________

Notas de L. G. :


(**) Trata-se de 7 de Junho de 1998 e não 1997, como por lapso escreveu o autor. Foi o início da longa e sangrenta guerra civil na Guiné-Bissau. Nesse dia de domingo, 7 de Junho de 1998, um grupo de militares, liderado formado pelo brigadeiro Ansumane Mané (antigo chefe do Estado-Maior) fez um golpe de Estado com vista à queda do presidente Nino Vieira. As tropas militares rebeldes entraram em confronto com as
forças presidenciais, que serão ajudadas pelo Senegal e pela Guiné-Conacri.

Este conflito provocar centenas de mortos e milhares de refugiados guineenses, não só em Bissau como noutras localidades, que se espalharam pelo interior e por diversos países (incluindo Portugal).

Haverá uma primeira tentativa de acordo nos dias 25 e 26 de Julho, altura em foi celebrado o "Memorando de Entendimento", um documento que, em 25 de Agosto, viria a dar lugar ao cessar-fogo. As delegações do Governo da Guiné-Bissau e a Junta Militar, de Ansumane Mané, concordam em fazer um trégua.  No entanto, as coisas iriam complicar-se... A guerra civil prolongar-se-ia por mais quase um ano, com lutas pela conquista do território e expulsão das tropas estrangeiras, aliadas de 'Nino' Vieira. A maior parte da Guiné-Bissau acaba por ficar sob o domínio das forças revoltosas. 'Nino' Vieira acaba por aceitar um cessar-fogo em 7 de Maio de 1999. um novo cessar-fogo em 7 de maio de 1999, Refugia.se na embaixada portuguesa durante um mês, seguindo depois para um exílio de seis anos de exílio em Portugal (na sua residência em Gaia, arredores do Porto).

Fonte: Adaptado de Nino Vieira. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2010. [Consult. 2010-09-17].Disponível em http://www.infopedia.pt/$nino-vieira.

Guiné 63/74 - P7001: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (3): A(s) Disciplina(s): Ser ou não ser... disciplinado, eis a questão


Foto 1 – Alpendre na margem do Cacheu frente a Farim onde os passageiros aguardavam a jangada ou o autocarro. Serviu de abrigo ao meu pelotão [, da CCAÇ 675,]quando fui ali “testa de ponte” durante uma semana.

Fotos (e legendas): © Belmiro Tavares (2010). Todos os direitos reservados.


A (s) Disciplina (s): Ser ou não ser disciplinado... eis a questão!
por Belmiro Tavares

A Disciplina é dos temas mais abundantemente badalados, quer na vida civil, quer na vida militar; mas há sempre algo mais a acrescentar a este fundamental tema inesgotável.

A Disciplina encontra-se – devia encontrar-se – em todo e qualquer local onde haja seres humanos: em casa, na escola, no local de trabalho, na rua, nos transportes etc. Ela é inerente – devia sê-lo – à convivência entre os humanos; até entre os ditos irracionais ela está, em muitos casos, notoriamente presente. Ela aparece com frequência tão intimamente ligada às pessoas que por vezes se confunde, intencionalmente ou não, com autoridade, obediência, educação; é, por vezes, conotada com ditadura e similares. Pontos de vista!

Em qualquer ramo da actividade a disciplina é imprescindível; ela é a base do respeito mútuo, da união do grupo e inter-grupos; ela é, enfim, a semente do triunfo.

Não é possível progredir em direcção à qualidade (tão badalada nos nossos dias), ser bem sucedido, sem que todos os envolvidos no processo sejam devidamente ou minimamente disciplinados.

Se é assim na vida civil, na vida militar, especialmente em tempo de guerra, a disciplina é, com toda a certeza, a principal âncora para aceder à vitória. As nossas vidas estão permanentemente vigiadas, bem de perto, pelo perigo; a morte está sempre atentamente à espreita, aguardando um passo nosso mal medido ou distraidamente levado a cabo para nos "embrulhar" no seu tenebroso manto escuro.

A Disciplina é aqui tão boa companheira (ou quase) como a própria espingarda à qual os nossos briosos e corajosos soldados, mui carinhosamente, chamavam "a minha Maria".

Unidades bem equipadas, bem treinadas, não serão bem sucedidas se não forem também intensamente disciplinadas.

A Disciplina é sempre (ou quase sempre) imposta – pode também ser auto-imposta – mas só é verdadeiramente bem aceite pelos subordinados quando:

(i) Eles confiam plenamente na chefia;

(ii) Acreditam piamente no que lhes é transmitido;

(iii) O chefe sabe usar a "linguagem" dos seus subordinados ou, no mínimo, sabe fazer-se entender plenamente;

(iv) O chefe usa o próprio exemplo para ser melhor entendido e, consequentemente, obedecido.

Estes princípios são no mínimo uma boa maneira de adoçar a pílula. Todos conhecemos casos como os que aqui vamos citar:

- "É assim porque eu quero!"

- "Aqui quem manda (o chefe) sou eu!"

- "A Lei está na ponta da minha caneta"! frase célebre dum Ministro não menos celebre (badalado) do tempo da outra senhora.

- "Tens de estar a horas na formatura (ou no trabalho) porque eu quero dormir mais uns minutos!"

Isto não é disciplina nem a ela conduz; é arrogância; é uma forma de ditadura implícita, talvez camuflada... a caminho do terror.

Vou citar alguns exemplos; juro que só transmitirei puras verdades:

1 – Em fins de Abril 1966 uma companhia é enviada de Bissau para Farim (através do Oio) totalmente desarmada! Seguia em viaturas da Intendência e só os condutores dessas viaturas levavam as suas espingardas.

De notar que esta estrada (Bissau/Farim) esteve "interdita ao Turismo" (trânsito de viaturas) durante aproximadamente dois anos, especialmente Mansabá/Farim.

É certo que havia Tropa nossa ao longo da estrada; o inimigo, porém, podia colocar-se a escassos metros da berma e disparar livremente sobre a coluna desarmada provocando os costumeiros estragos.

Que aventura! Que falta de respeito pelas vidas dos outros!

2 – Um alferes estava "agarrado" a uma nativa; minutos volvidos dá uns tabefes a um soldado que, a poucos metros, também "massajava" uma negra!

3 – Um alferes pede a outro que o substitua no comando do seu pelotão numa batida em zona perigosa, porque "estava muito mal disposto". Quem não estaria mal disposto sabendo que ia participar num petisco daqueles?!

Alguns soldados seguiram o exemplo do chefe, não comparecendo na formatura. O alferes "substituto" entendeu não dever sair para o mato com apenas oito ou dez soldados e três ou quatro furriéis.

O alferes mal disposto procurou logo os faltosos e obrigou-os a comparecer na formatura. Dois soldados, porém, não foram encontrados e ficaram no aquartelamento.

O alferes mal disposto agrediu-os fisicamente várias vezes durante a madrugada e participou deles: embrulhou-os numa folha de papel azul de 25 linhas.

O comandante de companhia (interino) nem pestanejou e, sem qualquer averiguação, castigou os faltosos com a pena máxima da sua competência; o comandante de batalhão também aplicou o máximo e o comandante do Agrupamento (16?) seguiu os exemplos anteriores: cada soldado "levou" trinta dias de prisão disciplinar agravada sem ter direito a ser ouvido para poder defender... o indefensável (?)

O capitão voltou à sua companhia e, ao ler o texto da participação, comentou:
- Está tudo doido! Só em Conselho de Guerra estes soldados podiam ser castigados!

Estes soldados foram severamente castigados (em parte injustamente), porque... seguiram o exemplo do seu alferes.

Os castigos existem... e devem ser aplicados quando tal se torne imperioso, mas é fundamental (obrigatório) averiguar os porquês de qualquer acto. Soldado também é gente!

Foto 2 – O autor deste texto e o seu guarda-costas, Gregório, em plena selva.


Parte II > Uso do Capacete no "mato"

A nossa comissão arrastava-se penosamente para o seu fim com uma lentidão bovina insuportável (quase) que enervava e exasperava toda gente e tirava do sério o mais (e o menos) pintado.

Alguns soldados começaram a entregar (fazer espólio) parte dos artigos que lhes haviam sido distribuídos, especialmente o capacete por o considerarem já dispensável.

Perante esta situação, e porque eu entendia que o capacete devia ser sempre usado, transmiti aos meus soldados que o capacete continuava a ser obrigatório em todas as saídas - era parte integrante do equipamento. Seria uma boa protecção para a "tola" principalmente contra estilhaços de granadas que na Guiné eram abundantemente utilizadas pelos independentistas..., e não só:
- Façam como eu!,  nas zonas que considero menos perigosas, penduro o capacete nas cartucheiras; nas zonas menos seguras, coloco-o na cabeça; em caso de dúvida... vai sempre na cabeça!

Como qualquer Lei deve conter em si a punição pelo seu não cumprimento, estipulei que seriam aplicados três "reforços" de castigo aos infractores.

[Nota: Quero deixar aqui registado que em quase nove anos de serviço militar, como oficial, só castiguei um soldado à Ordem – no Colégio Militar – porque violou a minha correspondência, assenhoreando-se dumas magras notas cujo montante – ele sabia – se destinava a custear lápides para as sepulturas dos nossos 3 mortos em combate e dum que entretanto morreu cá num acidente. Castigos não à ordem... foi o que calhou!].

O tempo ia rolando mansamente! Um dia, em pleno mato, detecto sem capacete o meu guarda-costas, de seu nome António da Silva Gregório, soldado nº 1887, nado e criado em Marinhais, Salvaterra de Magos, onde ainda reside.
- Onde está o capacete? - perguntei.
- Já o entreguei! - respondeu o soldado com quem eu repartia sempre a ração de combate e que tomava a seu cargo a limpeza da minha espingarda.
- Já sabes qual é o castigo!

A pena foi cumprida!

Volvidos perto de trinta anos o Gregório almoçou mais uma vez em minha casa no Porto Alto. Depois do almoço, estava ele, a cavaquear com um dos meus amigos ali presentes. Eu estava "com um olho no burro e outro no cigano", e ouvi o Gregório dizer:
- O nosso alferes era um "gajo porreiro" mas castigou-me e eu era seu guarda-costas!

Interferi logo na conversa convidando-o a relatar como tudo tinha acontecido. Ouvido o relato completo e cabal dos acontecimentos, retorqui:
- Não sei se sabes que dessa vez eu fui... injusto!

O Gregório, com ar malandro, sorriu de orelha a orelha e eu continuei:
- Se eu soubesse o que vim a saber uns dias mais tarde, tu terias levado não apenas três... mas pelo menos seis "reforços" de castigo. Tu eras o meu guarda-costas e sendo o soldado da minha inteira confiança, tu traíste essa confiança; além disso agiste premeditadamente: quiseste experimentar se eu te castigava e até fizeste apostas com alguns elementos do nosso pelotão. Eu fui injusto... por defeito e a ti saiu o tiro pela culatra!

Há dias telefonei-lhe a informar que ia escrever sobre este assunto ao que ele, rindo, perguntou:
- Ainda te lembras disso?!

Foto 3 – Coluna militar em movimento.


Parte III > Salvo pelo capacete

O que atrás foi relatado sobre o uso obrigatório do capacete dizia respeito apenas ao meu pelotão e a quem, por qualquer motivo, saísse comigo para o mato.

Os nossos grupos de combate não incluíam telegrafistas, telefonistas, condutores nem enfermeiros. Sempre que havia uma saída, o oficial "requisitava" aos chefes daquelas especialidades o pessoal e o equipamento tidos por necessários.

Na madrugada do dia 3 de Dezembro de 1965, dois Gr Comb iam tentar localizar e destruir um acampamento inimigo existente (segundo informações) na zona da companhia de Farim a qual fazia parte do BArt 733. Um Tenente/Capitão/Major (nesta data comandava interinamente o batalhão) "colocou" com os seus galões o dito acampamento na zona da minha companhia; pelo "peso dos galões" fomos "persuadidos" a atacar e destruir o dito e os "donos" da zona ficaram no bem bom. Nada mau!

De nada valeram os nossos argumentos fundamentados que o acampamento estava fora da nossa zona. Até ouve ameaça de prisão! Nós éramos adidos (e mal pagos), éramos os filhos bastardos do batalhão 733!

Só a muito custo conseguimos o direito de escolher a data da actuação e seguir o percurso que considerássemos mais conveniente.

No dia aprazado íamos partir para a zona de Sanjalo no cumprimento da missão. A coluna estava pronta. A poucos minutos da partida apercebi-me que o 1º Cabo R.T. condutor-auto nº 2681, José Miranda Pereira, um minhoto puro, não tinha capacete, porque... já havia efectuado a sua entrega.

Falei-lhe com certa rispidez, ordenando:
- Nem tu sais sem capacete... nem eu atraso a saída por tua causa! Desanda!

O telefonista saiu em corrida; voltou dentro do horário e devidamente equipado. Partimos. As viaturas largaram-nos em Temanto (cerca de 10km do quartel) e seguiram para Farim onde aguardavam ordens para ir ao nosso encontro. Pretendíamos assim demonstrar ao comando do BArt 733 que o dito acampamento se localizava mais perto de Farim que do nosso aquartelamento... e na zona deles.

Umas horas depois de largar as viaturas fizemos uma "visita de cortesia" ao inimigo e fomos mal recebidos (a ferro e fogo) no tal acampamento clandestino (mais de 500m fora da nossa zona). Tivemos três feridos,  um dos quais, o fur Rodrigues, foi transportado em maca improvisada durante cerca de 5km, através da mata muito densa, até à estrada Dungal/Farim, onde o heli podia aterrar.

O heli partiu com o ferido a bordo em direcção ao HMP 241 em Bissau. Nós tomámos lugar nas viaturas que entretanto haviam chegado.

Iniciado o regresso, como habitualmente, tirei do bolso o meu pão que não comi ao pequeno almoço (meio casqueiro) e comecei a comer. Como de costume logo os meus soldados me pediram uma "bucha" que ajudaria a engolir um gole de água (se ainda restava!) para aguentar melhor o percurso (perto de 30 km) até aos nossos aposentos.

O 1º cabo Miranda Pereira dirigiu-se-me nos seguintes termos:
- Oh meu alferes, hoje também tenho direito a uma naco do seu pão!
- Enquanto houver, dá sempre para mais um, mas ninguém tem direito ao meu pão!
- Veja isto, meu alferes!

E mostrou-me o capacete todo "arranhado" no cocoruto; havia um sulco com cerca de 4cm de comprimento e 1mm de fundo além de outros mais pequenos. O tecido envolvente tinha desaparecido daquela zona – cerca de 10cm de diâmetro.
- Que foi isto?!
- Quando entrávamos no acampamento vi uma granada no ar e lancei-me ao solo; ela embateu no capacete e explodiu estrondosamente; fiquei um pouco atordoado mas... nada de grave... já passou!
- Vejam isto! - disse eu mostrando o capacete aos meus soldados:
- Este bom malandro se não tivesse sido obrigado a usar o capacete, a esta hora, estaria já a bater à porta de S. Pedro!

Este telegrafista nunca compareceu às nossas reuniões anuais, porque... emigrou para França onde viveu cerca de 40 anos.

Falámos ao telefone muitas vezes. Em meados de 2004 disse-me que havia construído numa vivenda em Mindelo, Vila do Conde; que nesse ano vinha viver definidamente em Portugal e que nunca mais faltaria às reuniões da nossa companhia. Faleceu em fins de Abril do ano seguinte, 2005... por acaso no dia do meu aniversário.

Como escreveu o poeta: "Vejam agora os sábios na escritura/ que segredos são estes da natura!"

P.S.: Em Dezembro 2009, o Jero, o Moreira e eu, acompanhados pela viúva do Miranda Pereira, colocámos na sua sepultura numa lápide em nome da CCaç 675. Nesse mesmo dia colocámos mais cinco lápides noutras tantas sepulturas de companheiros nossos de entre o Douro e o Minho. Destes só um morreu na Guiné.

Quem mais procederá como nós?!

Será só a CCaç 675?! Haverá outros casos idênticos?! Gostaria de saber se somos caso único! Digam de vossa justiça!

Agosto de 2010

Belmiro Tavares
Ten Mil Inf

[Revisão / fixação de texto: L.G.]
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Nota do Editor

Vd. último poste de 25 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5709: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (2): A(s) guerra(s) e a(s) maneira(s) de a(s) fazer

Guiné 63/74 - P7000: O nosso blogue em números (7): Homenagem à terra onde aprendemos a ser solidários (Paulo Salgado)


1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado* (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), com data de 15 de Setembro de 2010, que trazia em anexo três belíssimas fotografias da Guiné-Bissau:

Caríssimos,

Nesta data memorável**, postai três imagens de autor – uma singela homenagem à Terra onde, sobretudo, aprendemos a ser solidários.

Paulo Salgado





Fotos: © Paulo Salgado (2010). Todos os direitos reservados.
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Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 14 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6389: Bombolom II (Paulo Salgado) (1): Morreu o Gomes - O anti-herói

(**) Vd. poste de 15 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6988: O blogue em números (6): 2 milhões de visualizações (26% a partir do estrangeiro), c. 2800 visualizações por dia, c. 450 membros, c. 7000 postes, c. 35 comentários diários... Um pequeno ronco!

Guiné 63/74 - P6999: Convívios (272): Encontro anual do pessoal da CCAÇ 2791 em Viseu, dia 25 de Setembro de 2010 (Jorge Fontinha)

CONVÍVIO DA CCAÇ 2791, DIA 25 DE SETEMBRO DE 2010 EM VISEU


CCAÇ 2791 - Força - Bula e Teixeira Pinto, 1970/72

A CCAÇ 2791, vai mais uma vez, realizar o seu convívio anual, desta vez em VISEU, no Restaurante SOL DA NUMA, EM LORDOSA, Estrada Nacional 2, no dia 25 de Setembro.

Eventuais interessados devem contactar o Rogério Casal, Telemóvel-925 849 434


No Convívio de 2002 do pessoal da CCAÇ 2791, o encontro dos ex-Fur Mil Jorge Fontinha (à esquerda) e Luís Faria (à direita) com o ex-Soldado Mário Lobo (ao centro)

Um abraço
Jorge Fontinha
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6981: Convívios (188): 10º Almoço de Confraternização da CCS do BCAÇ 1933

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6998: (In)citações (7): Inauguração da Loja Cabaz di Terra, em Bissau (Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento)


O nosso amigo e tertuliano Carlos Schwarz, mais conhecido por Pepito (co-fundador e actual director executivo da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento), enviou ao Luís Graça a seguinte mensagem com data de 15 de Setembro de 2010:


Luís, 
a pedido dos organizadores, segue esta informação para os nossos camaradas do Blogue, para quando vierem a Bissau.

abraços
pepito




Inauguração da Loja Cabaz di Terra
A Artissal, em parceria com a COAJOQ, DIVUTEC, KAFO e Tiniguena,  irá inaugurar a Loja Cabaz di Terra no dia 17 de Setembro pelas 16h, em Bissau velho, junto ao Restaurante Tamar.

O projecto CABAZ DI TERRA é uma iniciativa de um grupo de Organizações Não Governamentais estabelecidos em diferentes regiões da Guiné-Bissau. Seu objectivo é apoiar os produtores locais, que contam com poucos meios de subsistência e com dificuldades de acesso ao mercado e outras áreas de actividades económicas.










A loja Cabaz di Terra,  fruto desta parceria, é um espaço comercial acordado e organizado por todos, em unir esforços para vender os produtos criados na nossa terra, nosso espaço.

Cabaz di Terra vem assim dinamizar a economia local e revitalizar a produção nacional estreitando os laços entre os produtores e os consumidores, o incentivo em geral ao consumo do que é nosso. Neste espaço, pode-se encontrar cada produto com a sua pequena história, seu começo, sua evolução.






Será também um lugar de sensibilização do público em geral sobre questões como o comércio solitário, o comércio justo, o consumo responsável, e outras preocupações sociais e de sustentabilidade nacional.

Através da compra de qualquer produto do Cabaz di Terra estará a colaborar de forma directa com os produtores nacionais e com este colectivo para que possa continuar seu trabalho de valorização da produtividade local.



Visite-nos e encontrará uma vasta gama de produtos nacionais e tradicionais, produtos de qualidade física e histórica. Abraçamos o acondicionamento apropriado, a imagem e ainda a criatividade, utilidade e beleza.

Para mais informações, contactar o Escritório Cabaz di Terra,  em Bissau-Velho, junto ao Restaurante Tamar, através do e-mail
cabazditerra@gmail.com ou pelos telefones +2456190907 / +2455407884 / +2456604078.

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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P6997: Álbum fotográfico de António Barbosa (2ª CART / BART 6523, Cabuca, 1973/74) (1): Bafatá e o Rio Geba







Foto 1 > O Alf Mil Op Esp 2ª CART / BART 6523 (Cabuca, 1973/74), em Bafatá, capital da Zona Leste, junto ao Rio Geba... Finais de Agosto de 1974.




Foto 2 > Obuses 10,5 junto ao Rio Geba, no Xime... 

 Fins de Agosto de 1974... Estes obuses faziam parte do equipamento retirado do leste.

 



Foto 3 > O Barbosa junto a um dos obuses 10,5, na margem do Rio Geba, no Xime, em finais de Agosto de 1974




Foto 5 > Ponte sobre o Rio Geba, na estrada Bafatá-Bambadinca.



Foto 6 > O Barbosa junto ao seu jipe num troço de estrada,  alcatroada, Bafatá-Bambadinca






Foto 7 > o Barbosa, ao alto da principal artéria de Bafatá...




Foto 8 > O Barbosa e um condutor, possivelmente de chaimite (que faziam as escoltas, de e para Bafatá)




Foto 9 > Bafatá, a catedral católica... Bafatá, ainda hoje,  tem bispo católico, de nacionalidade  brasileira




Foto 10 > Bafatá, a rua principal, com o Rio Geba ao fundo... Do lado direito, pintada a azul, a famosa casa das libanesas (restaurante-pensão)...




Fotos: © António Barbosa (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

1. O António Barbosa já aqui foi apresentado, à Tabanca Grande (*), pelo nosso editor Eduardo Magalhães Ribeiros: ambos têm o curso de Operações Especiais.  

Há um outro António Barbosa, mas esse foi Fur Mil Cav, Pel Rec Panhard 1106, Os Cavaleiros Blindados (1966/68), é natural de Gondomar, está reformado da Polícia Judiciária, e é visita frequente da Tabanca de Matosinhos. Aquele nosso ranger é natural de Santarém, e comandou, como Alf Mil, o 1º Pelotão da 2ª CART / BART 6523 (Cabuca, 1973/74). 

Temos ainda poucas referências do  BART 6523.

Embora já publicadas (em formato normal), recuperámos algumas dessas imagens, de fraca qualidade, obtidas a partir de diapositivos. Temos fotos de Bafatá e de Cabuca. Infelizmente vieram sem legenda. Vamos republicar as de Bafatá, editadas e inseridas em formato extra-largo, e tentar pôr-lhe legendas... Faremos depois o mesmo em relação às de Cabuca... 

Talvez o nosso camarada  Fernando Gouveia nos possa ajudar, já que lá viveu dois anos, em Bafatá, e conhecia o lugar  (vila no seu tempo; cidade, no tempo do António Barbosa) como ninguém... O próprio António Barbosa pode fazer as correcções ou precisões que entender: por exemplo, em que data  (ano e mês) foram tiradas estas fotos ? L.G.

PS - Em data posterior, o António confirmou que as fotos datam já no final da comissão, Agosto de 1974, quando a sua companhia saiu de Cabuca a caminho do Xime onde se apanhava a LDG para Bissau... Foi o adeus ao leste.

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Nota de L.G.:


(*) Vd. poste de 2 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6924: Tabanca Grande (240): António Barbosa, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER (1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523 – Cabuca -, 1973/74)


Guiné 63/74 - P6996: (In)citações (6): Bardadi i suma malgueta, i ta ardi ! / A verdade é que nem a malagueta, arde! (... a propósito da morte matada de Amílcar Cabral) (Nelson Herbert)

1. Mensagem de Nelson Herbert (também inserida como comentário ao poste P6937) (*)

Data: 6 de Setembro de 2010 03:14

Assunto: A propósito do livro Três Tiros da Pide, nota de leitura de Beja Santos (*). Comentário: Assassinato de Amílcar Cabral / Queima de Arquivos

De facto, como bem frisa Beja Santos, com propaganda reles, do tipo do Três Tiros da Pide, do jornalista russo Oleg Ygnatiev,  não se chega a ponta de novelo algum, do tão desejado esclarecimento dos contornos do assassinato de Amílcar Cabral.

Mas diga-se em abono da verdade que nem Oleg Ygnatiev, nem o jornalista português José Pedro Castanheira, no seu Quem Mandou Matar Amilcar Cabral, por sinal autores das duas únicas obras a induzirem uma eventual clarificação dos factos, esclarecem coisa alguma !

Limitam-se simplesmente a uma postura de reféns, quais autênticas caixas de ressonância de versões oficiais de um e outro lado...

O primeiro vale-se da enviesada e conveniente versão oficial do PAIGC em Conacri, o segundo mergulha  no que, por conveniências alheias à verdade histórica, se entendeu poupar dos arquivos da actividade da PIDE/DGS  na Guiné, para dar corpo a um emaranhado de hipóteses conspiratórias - a da ala guineense do PAIGC, a de Sekou Touré e a da PIDE/DGS - que entretanto peca por não arriscar uma relação de causa/efeito entre as mesmas…

A tal estória do ovo e da galinha – quem vem primeiro ?!

Se no seu Três Tiros da Pide, Oleg Ygnatiev zela por um inocentar de determinados sectores dirigentes do PAIGC, na morte do seu líder , no Quem Mandou Matar Amilcar Cabral, de José Pedro Castanheira [, Lisboa, Editora Relógio d'Água, 1995, 326 pp.],  o propósito roça o branqueamento da alegada responsabilidade do general António de Spínola e da PIDE/DGS no complô !

O consciente destino dado,  em Bissau e em Conacri, a praticamente toda a documentação/informação referente, por exemplo à Operação Mar Verde e aos interrogatórios dos implicados no assassinato de Amílcar Cabral (só para citar estes), atestam o quao sabia e o adagio popular guineense…"bardadi i suma malgueta, i ta ardi !" [, A verdade é que nem a malagueta, arde !]

Nelson Herbert (**)
USA
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 5 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6937: Notas de leitura (143): Três Tiros da PIDE, de Oleg Ygnatiev (Mário Beja Santos)

(**) Último poste desta série:  14 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6983: (In)citações (5): Amílcar Cabral, os portugueses, o colonialismo e o racismo (Cherno Baldé)

Guiné 63/74 - P6995: In Memoriam (54): O meu amigo António Santos partiu (José Martins)

1. Mensagem de José Martins** (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 10 de Setembro de 2010:

Boa noite amigos e camaradas
O texto que envio em anexo já foi escrito há dois meses, no entanto, o facto que deu origem ao presente texto, aconselhava a deixar passar algum tempo, para o revelar.

Não é só uma homenagem a um amigo querido. É uma homenagem a uma terra solidária.

Um abraço e bom fim de semana
José Martins


O meu amigo António Santos partiu!

A notícia, apesar de esperada, surgiu como uma bomba. Mesmo quando se está à espera, a notícia é sempre brutal.

Residia na Grande Lisboa, mas quis regressar às suas origens, voltar para junto dos seus antepassados. Quis repousar na sua comunidade: São Martinho do Porto.
Terra muito antiga, teve Carta de Foral em 1257, que lhe foi concedida pelo 12.º Abade do Convento de Alcobaça, D. Frei Estêvão Martins, quando em Portugal reinava o rei D. Afonso III.

A sua baía, encastrada entre a Serra da Pescaria e a Serra do Bouro, sempre foi um porto de mar e um porto de abrigo, onde se desenvolveu a pesca e a construção naval.
Um bom porto de abrigo é, necessariamente! E é grato saber isso.

Quando cheguei junto do meu amigo e da sua família, que também é minha, por natureza, disseram-me que tinham colocado a meia haste a bandeira da Liga dos Combatentes, hasteada junto a um “Memorial ao Combatente”.

São Martinho do Porto. Memorial ao combatente.
© Foto de José Martins – 9/Julho/2010

Memorial discreto, como discreto é o local onde se encontra. Está situado junto a uma das entradas do cemitério local.

Quatro cubos, “empilhados assimetricamente”, ali colocados pela iniciativa conjunta do Núcleo de Alcobaça da Liga dos Combatentes e da Junta de Freguesia de São Martinho do Porto, em 10 de Outubro de 2009, recorda que este país, que é o nosso Portugal, tem um “povo” que sempre soube responder presente, quando a Pátria os chamou, quando deles necessitava, deixando os campos e as fábricas, os escritórios e as escolas, cerrando fileiras em torno da Bandeira.

2.º Cubo superior do memorial. Numa simples frase, uma verdade com séculos.
© Foto de José Martins – 9/Julho/2010

No interior do Campo Santo, nos locais de “descanso eterno” há, pelo menos, duas placas funerárias, de dois camaradas nossos, um que tombou em África e um outro que, regressado à sua terra, trabalhou e entregou o corpo à terra onde nasceu:


Nesta terra – São Martinho do Porto – terra simples e genuína, que ostenta no seu nome o nome do Santo que, num dia de invernia e como conta a história, dividiu o seu manto de militar com um pobre desvalido, num gesto de fraternidade, não pode deixar de ser um local de solidariedade, para se viver, hoje ou até à eternidade!

São Martinho do Porto. Memorial ao combatente.
“À sua Memória, a nossa Homenagem”
© Foto de José Martins – 9/Julho/2010

O António Santos amava a África, e sobretudo a Guiné onde esteve como cooperante. Falávamos sobre essa terra, tanto ele como eu, como se fosse “nossa” própria terra.

“O seu nome será sempre lembrado com amor, e se foi grande as saudades que vos deixou, devemos esperar que seja, incomparavelmente, maior a paz em que descansa.
Saiu da vida, mas não da nossa vida, como poderíamos acreditar que morreu, quem tão vivo está nos nossos corações”.
Santo Agostinho

António de Sousa Pereira Santos
(10 de Fevereiro de 1945 - 08 de Julho de 2010)

Descansa em paz, António!

Pesquisa e fixação do texto de
José Marcelino Martins
10/Julho/2010
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6993: Patronos e Padroeiros (José Martins) (15): Forças Pára-quedistas – Arcanjo São Miguel

Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6989: In Memoriam (53): O último voo de um anjo: Maria Zulmira André Pereira, enfermeira pára-quedista (1931-2010) - Mensagem de condolências da D. Teresa Almeida (José Martins)

Guiné 63/74 - P6994: Recortes de imprensa (28): A fraternidade na guerra, segundo Mário Fitas (Correio da Manhã, 6 de Junho de 2010)



Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 763 (1965/66) > Uma enfermeira  pára-quedista no meio dos Lassas... Muito oportunamente o nosso camarada Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil Heli AL III (1968/70),  identificou-a como sendo a Maria Ivone Reis (Em 1968, tem o posto de tenente)...  (LG)

Foto: © 
Mário Fitas (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
1. O nosso camarada Mário Fitas já está connosco, na Tabanca Grande, desde Junho de 2007 (*), portanto há  mais de 3 anos... O nosso blogue já lhe publicou algumas dezenas de postes, incluindo os 11 relativos à notável  série Pami Na Dondo, a guerrilheira (título, de resto, do seu 2º livro, publicado em 2005, em edição de autor) (**).


Há tempos ele prometeu-me enviar outras histórias, retiradas do seu primeiro livro, autobiográfico, Putos, Gandulos e Guerra (2000).  O que na realidade ainda não chegou a acontecer, porquanto, segundo sei, ele terá tido a oportunidade de fazer uma 2ª edição, corrigida e melhorada... (A confirmar-se, é óptimo, já que a 1ª edição foi pouco cuidada).


De qualquer modo, estamos com saudades das suas histórias dos Lassas. O Mário é um excelente contador de histórias, ou não fora um alentejano dos quatro costados...  A prová-lo está a auto-apresentação da história da sua vida militar que li ainda recentemente no Correio da Manhã, no suplemento dominical, na conhecida série A Minha Guerra, e que de resto está disponível na Net, no sítio do jornal. Com a devida vénia, reproduzimos aqui o essencial do texto:


Correio da Manhã, 6 de Junho de 2010 > A minha guerra: “É aqui que os homens se tornam irmãos” (Mário Fitas) 


(...) Assentei praça no CISMI, em Tavira, no dia 8 de Agosto de 1963 e fui colocado no BCAÇ 8 em Elvas, em Janeiro de 1964, e em Lamego, em Junho de 1964, no CIOE onde tirei o curso de Operações Especiais, vulgo ‘rangers’.

A 11 de Fevereiro de 1965 embarquei, no navio ‘Timor’, com destino ao CTI da Guiné, como furriel miliciano de operações especiais.  Chegámos a Cufar, no Sul da Guiné, a 2 de Março de 1965,  ficando a CCAÇ 763 em quadrícula.

Vivi a Guerra no sul da Guiné tendo como adversário e comandante do PAIGC na então Zona 11, no Cantanhez, o ex-presidente da Guiné-Bissau, já falecido, 'Nino' Vieira. Para falar de uma guerra de guerrilha como a que foi a da Guiné, há que ter a noção do que é uma guerra de guerrilha e as suas componentes. Para o guerrilheiro é essencial o conhecimento do terreno com o apoio da população. Para quem faz a antiguerrilha, é lutar contra o desconhecimento do terreno e utilizar todos os meios para captar a simpatia e dar apoio às populações.

Havia apenas oito dias que tínhamos destruído o acampamento do PAIGC em Cabolol. Eis que o meu grupo de combate tem de partir para Catió, levar o pelotão de Artilharia. Nessa noite, um grupo da milícia do João Bacar Jaló, estacionado em Príame, detecta que a estrada foi minada, pelo que temos de utilizar o sistema de picagem da mesma.


(…) Mesmo ao cimo da leve subida, quando a estrada entra no túnel da mata após o vale de capim que separa aquela do cruzamento do Cabaceira, foram detectadas duas ‘meninas simpáticas, blenorrágicas prostitutas Anti/Carro’ que por nós esperavam, para nos ‘fornicarem’ o corpo.

Havia que deitar mãos à obra e rebentar as minas. Deixaram uma cratera que cabia lá um Unimog. Toca a tapar o buraco para as viaturas passarem. Trabalho efectuado, viaturas passadas, pessoal em segurança, vai um minutinho para fumar um cigarrito.

Verificámos então como funciona a guerrilha. Altamente organizada e eficiente contra a nossa ingenuidade. Fumando o cigarro, juntaram-se em amena cavaqueira de guerra três alferes, três furriéis milicianos e um milícia,  de nome Zé Libanês. Conversa animada no grupo quando um clarão aflorou da terra, secundado de um grande estrondo e o grupo foi atirado cada um para seu lado. O Zé, de gatas, dizia:
- Estou ferido!…

Ouvimos um gemido. Também o alferes Abrantes,  de Artilharia,  estava estendido na berma. Perna direita levantada. O pé tinha desaparecido. O artilheiro ali estava a receber os primeiros-socorros. Outro inválido e aos 24 anos!


O cabo de transmissões entra em contacto com o aquartelamento que, de imediato, pede evacuação a Bissau que será depois feita de avião. Há que fazer o transporte para Cufar. O José Pedrosa, cara toda chamuscada, camuflado cheio de terra, oferece-se.

(…) Conhecia a perícia do Zé Pedrosa, autêntico condutor de ralis, mas era perigoso voltar só. O Artur Teles, comandante do grupo de combate, decide rapidamente. Acede e manda subir para o Unimog o enfermeiro, entregando-lhe uma G3, e nomeia outro soldado, que também salta para a viatura. O Zé entrega a sua G3 ao condutor que cede o lugar e salta para o lugar deste e, com o ferido esticado na caixa, o enfermeiro e soldado segurando o infeliz, arrancam direito a Cufar. É assim a guerra: ou ficamos todos, ou salvamos um.

Chegados a Catió não dá para mais nada: é largar os obuses e correr para o cais, pois há que embarcar para o Cachil na ilha do Como. Temos de fazer a segurança àquele desterro.

É na dor que os homens se tornam irmãos sem consanguinidade. Ao todo foram 34 operações de grande envergadura, 15 emboscadas sofridas, 444 patrulhas apeadas e 135 auto, 36 escoltas diversas, 48 emboscadas e 10 golpes de mão realizados. Operações de limpeza batidas e nomadizações na totalidade de 45.

Quase nove mil quilómetros percorridos a pé, seis mil de viatura e perto de mil de lancha de desembarque. Fui evacuado para o Hospital Militar e operado de urgência a duas hérnias inguinais, devido ao esforço de atravessamento de pântanos, bolanhas e rios de maré.

Em 26 de Novembro de 1966, a CCAÇ 763 desembarca em Lisboa. Mortos em combate: 1 sargento, 1 furriel miliciano e 5 praças. Feridos em combate: 2 alferes milicianos, 3 furriéis milicianos e 35 praças. Evacuados por doença: 1 sargento, 1 fur mil e 3 praças.  (...).



[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

2. Comentário de L.G.:

No perfil do autor,  indicava-se que ele, Mário,  era casado, pai de duas filhas, avô de um neto, e  reformado da TAP. Não era referido que uma das suas filhas é a conhecida Sofia Fitas, coreógrafa e dançarina, que está a participar, em 2010, no espectáculo Solos com convicção, Danças para coretos e jardins, integrado  na programação das comemorações do Centenário da República, 1910-2010 ... 


O jornal também não diz(ia) que o Mário, qara além de um bom cristão,  é um talentoso artesão, dominando técnicas como a pirogravura... E sobretudo um amigão e um camaradão, que não perde a oportunidade de um animado convívio, seja da sua CCAÇ 763, seja da Tabanca da Linha, seja da Tabanca Grande. 


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Notas de L.G.


(*) Vd. poste de 26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1884: Tabanca Grande (16): Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66)


(**)  Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2593: Pami Na Dondo, a Guerrilheira , de Mário Vicente (11) - Parte X: O preço da liberdade (Fim)


(**) Último poste desta série > 23 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6887: Recortes de imprensa (27): Repressão da PIDE/DGS, em Cabo Verde, na sequência do assalto, feito por militantes do PAIGC, ao barco de cabotagem Pérola do Oceano, Ilha de Santiago, 19 de Agosto de 1970 (Nelson Herbert)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6993: Patronos e Padroeiros (José Martins) (15): Forças Pára-quedistas – Arcanjo São Miguel


O nosso Camarada José Marcelino Martins, (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), enviou-nos mais uma mensagem, com data de 14 de Setembro de 2010, da série “Patronos e Padroeiros”:

Camaradas,

No dia em que desceu à terra o corpo da nossa camarada Tenente Enfermeira Pára-quedista Maria Zulmira André Pereira, envio um texto sobre o Patrono/Padroeiro das Forças Pára-quedistas.

Patronos e Padroeiros da Força Aérea

FORÇAS PARAQUEDISTAS – ARCANJO SÃO MIGUEL

São Miguel Arcanjo, imagem da Colecção de Maria Manuela Martins
© Foto de José Martins

O termo Arcanjo, em grego “arch” e “angelos”, que se pode traduzir como “o primeiro”, o “que está acima”, o “que dirige”, coloca S. Miguel este santo numa “situação de distinção” perante outros Santos.

O nome Miguel [do hebraico Mi = aquele ou quem, Ka = como, El = Deus], de acordo com escritos sagrados, pode significar “Aquele como Deus”, pelo que também se interpreta que S. Miguel pode (?) ser o próprio Jesus.

São Miguel é representado por um militar alado, armado de espada ou lança, subjugando uma figura representativa do mal, que se aproxima do que revela o texto da Bíblia em Apocalipse 12:7, diz:

"Houve então uma batalha no céu: Miguel e seus Anjos guerrearam contra o Dragão. O Dragão batalhou, juntamente com seus Anjos, mas foi derrotado, e não se encontrou mais um lugar para eles no céu."

O Arcanjo também aparece referido de Enoque, um antepassado do Noé, que o apresenta como o Príncipe de Israel; a Torá, livro sagrado dos Judeus, foi S. Miguel que instruiu Moisés a escrevê-lo, como aparece referido no livro dos Jubileus; enquanto os Manuscritos do Mar Morto, apresentam S. Miguel a lutar com Beliel, o demónio que comandava as forças do mal.

A devoção ao Arcanjo S. Miguel pelas tropas pára-quedistas já é antiga, podendo-se considerar como seu Patrono desde a constituição das Tropas Pára-quedistas no início da segunda metade do século XX, dependente da Força Aérea Portuguesa.

Na capela da Escola das Tropas Aerotransportadas ocupa lugar destacado uma bela imagem de S. Miguel, do século XVIII, oferecida há anos pela primeira mulher pára-quedista portuguesa (e Ibérica) D. Isabel Rilvas.

Com a integração das Tropas Pára-quedistas no Exército, foi S. Miguel Arcanjo consagrado como Padroeiro desta força de elite, sendo escolhido a data da sua festa litúrgica – 29 de Setembro – com o dia do Comando das Tropas Aerotransportadas.

A Prece do Pára-quedista

Dai-me, Senhor, o que Vos resta.

Dai-me o que nunca ninguém Vos pede.

Eu não Vos peço o repouso,

Nem a tranquilidade,

Nem a da alma, nem a do corpo.

Eu não Vos peço a riqueza,

Nem o êxito, nem mesmo a saúde.

Eu quero a incerteza e a inquietude,

Eu quero a tormenta e a luta...

E concedei-mas, Senhor,

Definitivamente

Que eu tenha a certeza de as ter para sempre,

Porque não terei sempre a coragem

De Vo-las pedir.

Dai-me, Senhor, o que Vos resta.

Dai-me o que os outros não querem.

Mas dai-me também a coragem

E a força e a fé...

(Oração encontrada no corpo do Aspirante pára-quedista Zirnheld das Forças Francesas livres, morto em combate em 1942 no Norte de África.)


A Boina Verde e os vários distintivos, de boina, usados pelas tropas pára-quedistas
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José Marcelino Martins
Fur Mil Trms da CCAÇ 5
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

11 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6972: Patronos e Padroeiros (José Martins) (14): C.T.O.E (Centro de Tropas de Operações Especiais) – Nossa Senhora da Conceição