terça-feira, 3 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17819: Historiografia da presença portuguesa em África (95): A intriga política na Guiné, 1915-1917 (Armando Tavares da Silva, historiador)


João Teixeira Pinto (1908), cavaleiro da Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito. Foto gentilmente cedida pelo Prof. A. Teixeira-Pinto, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).(*)
 
Foto (e legenda) : © A. Teixeira-Pinto (2007). Todos os oireitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e grã-tabanqueiro Armando Tavares da Silva, historiador:

Luís,

Quem se interessar em conhecer o que foi a vida política na Guiné a seguir à campanha de Teixeira Pinto em Bissau em 1915 e as circunstâncias que vieram a originar um processo de sindicância realizado por Manuel Maria Coelho a mando de António José d'Ameida, desejará ler o texto anexo. Foi o que se me proporcionou após a leitura do post P 17807 de Beja Santos.(*)

Abraço
Armando





Capa do livro de Armando Tavares da Silva. “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.)


2. A Política na Guiné, 1915-1917

por Armando Tavares da Silva

Os antecedentes que levaram o governador Andrade Sequeira a abandonar a Guiné a 11 de Julho de 1916 estão largamente referenciados e descritos em “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926”. E aí se encontra muito mais informação do que aquela transmitida para Lisboa pelo gerente do BNU em Bolama, que Beja Santos transcreve no seu Post n.º 17807 de 29 de Setembro.  (**)

[José António] Andrade Sequeira  [.Portalegre, 1876 - Portalagre, 1952, capitão-tenente médico naval,] tinha feito graves acusações a Teixeira Pinto sobre a forma como decorrera a campanha de Bissau de 1915, e acontecimentos subsequentes.

Estas acusações foram submetidas à apreciação do vice-almirante na reforma Guilherme Augusto de Brito Capelo  [1839-1926] que, relativamente às mesmas, promoveu vários inquéritos e diligências, tendo ouvido, além do próprio Teixeira Pinto, anteriores governadores, entre eles Josué d’Oliveira Duque, sob cuja governação tinha decorrido a campanha de Bissau. (***)

Será em resultado do parecer de Brito Capelo que António José d’Almeida, na altura presidente do ministério e ministro das colónias, elabora um projecto dispensando Teixeira Pinto das provas de major. E, ao conhecer por telegrama de 1 de Julho este projecto, Andrade Sequeira responde ao ministro considerando que tal projecto demonstrava que tinham sido consideradas “inanes e talvez caluniosas” as acusações que fizera a Teixeira Pinto. Considerando-se numa situação “crítica e melindrosa” pedia que se fizesse “toda a luz” sobre os documentos da última campanha e que determinasse responder em conselho de guerra “a fim de ser punido quem caluniou ou quem prevaricou”. Neste caso confiava que lhe seria dada previamente a demissão. E a 11 de Julho de 1916 Andrade Sequeira abandona a Guiné seguindo no paquete para Lisboa.

Em Lisboa, Andrade Sequeira pede ao ministro um rigoroso inquérito “a fim de se averiguarem abusos vários praticados na colónia” e que ele ”sobejamente” documentara em seus relatórios. E para que o ministro ficasse inteiramente à vontade solicita-lhe a sua exoneração, que é recusada. 

António José d’Almeida [Penacova, 1866- Lisboa, 1929] manda então que o coronel Manuel Maria Coelho investigue na própria província “as irregularidades que porventura tenha havido, discriminando as respectivas responsabilidades”, e que ao mesmo tempo se abra um ”rigoroso inquérito sobre a vida pública da mesma província, para assim se esclarecerem tantas e tão variadas queixas”, que haviam chegado ao ministério das colónias.

Enquanto Andrade Sequeira permanece em Lisboa, Manuel Maria Coelho [Chaves, 1857-Lisboa. 1943] é investido em Janeiro de 1917 no cargo de governador interino e tomará as medidas várias que entendia necessárias para realizar a sindicância de que fora incumbido e ouvir as queixas e participações de quem pretendesse fazê-las. O relatório dessa sindicância é terminado a 2 de Julho de 1917 e a essência do seu conteúdo e conclusões é extensamente referida no livro acima indicado [, “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)”].

Importa aqui referir que nos comentários produzidos sobre este livro no Post n.º 17591 de Beja Santos (****) e referentes à presença e actuação de Manuel Maria Coelho na Guiné em 1917, apenas é referido que este “envolver-se-á numa teia de acusações a uma coluna de polícia à ilha de Canhabaque”. Beja Santos esqueceu-se ou não reparou na importância da sindicância realizada por M. M. Coelho e suas conclusões, não a mencionando no referido Post. Porém, tendo-se dela conhecimento e havendo sobre a mesma uma extensa documentação,  não poderia ela ser olvidada, sob pena de se estar a privar o leitor do conhecimento de um conjunto importante de factos políticos determinantes na vida da colónia. Por isso eles estão relatados com objectivos de rigor e imparcialidade tal como o mostra a documentação existente.

Igualmente no mesmo livro são extensamente expostas as acusações que Andrade Sequeira faz a Teixeira Pinto, já acima referidas, assim como a defesa do próprio e os depoimentos de todos os que foram ouvidos sobre essas mesmas acusações, tendo igualmente como fonte documentação exclusivamente pública. É o relatório de Brito Capelo de 28 de Abril de 1916 que conclui que as acusações que lhe foram dirigidas pelo governador Andrade Sequeira não tinham fundamento e que, se “houvera erro”, a responsabilidade quanto à campanha era do governador Duque.

Também todas estas circunstâncias, pela sua importância na caracterização da vida política e social da Guiné, não poderiam deixar de ser relatadas, havendo delas conhecimento. E para quê, se assim não tivesse sido? Para se evitar ser acusado de se estar a “chamar a si a defesa do bom nome de Teixeira Pinto” – defesa esta que era independente do reconhecimento do “acervo de acusações” de atrocidades cometidas por Abdul Injai e os seus homens na campanha de Bissau? 

Para se ocultar o conhecimento do clima de intriga e conflitualidade política existente na Guiné – como de resto a carta do gerente do BNU acima referida claramente indicia? Para se ocultar os “tristes e graves sintomas da situação moral de uma parte do funcionalismo que cerca o governador”, que deveria prestar-se a “um procedimento imediato e enérgico”, e que poderia comprometer a “segurança da colónia” – como refere o parecer de Brito Capelo?


Foto de Abdul Injai em 1915, herói do Oio, no auge da sua glória. 

Sobre a vida política da colónia e as várias facções de que se compunha a sociedade guineense, também se refere o relatório da sindicância de M. M. Coelho, que constituía, de resto, um dos objectivos da missão que lhe fora confiada. Verificara que a presença do elemento cabo-verdiano desempenhava aí grande influência. Era o pano de fundo sobre o qual tudo se tinha passado e que, em parte, o explicava. 

Essas facções habitavam os dois principais centros: Bolama, onde estava o funcionalismo, e Bissau, importante pelo comércio aí estabelecido. A “guerra aberta” em que se transformou o conflito entre Andrade Sequeira e Teixeira Pinto, em que se misturavam “ambições, invejas, ódios, punha em evidência dois males terriveis a que era indispensável prover remédio; o fermento de rebelião do indígena, alimentado pela falta de patriotismo dos elementos cabo-verdianos, que vivem, alastram pela Guiné e a exploram, e a conivência de funcionários europeus e europeizados nessa absorção da província por elementos de sentimentos patrióticos mais que duvidosos, quais são esses cabo-verdianos”. 

 Manuel Maria Coelho identificava claramente a existência de dois partidos: o “partido dos cabo-verdianos e de poucos europeus, de que Andrade Sequeira se fêz chefe e protector, e [o] dos europeus e, felizmente alguns cabo-verdianos, que se agrupavam ao redor do nome de Teixeira Pinto”.

Parece, de resto, que a Guiné sempre viveu num clima de intriga: são várias as referências de governadores à existência de intrigas, quer nas disputas entre régulos, quer por elementos estrangeiros, que assim perturbavam o curso da administração da província.

Manuel Maria Coelho (em 1910).
Cortesia de
Casa Comum / Fundação Mário Soares
O relato dos acontecimentos de Bissau de 1891, da sua razão de ser, das diligências tendentes a compreender e explicar a sua origem e a subsequente procura da paz e harmonia, está cheio de referências a “intrigas”. Em 1891 o governador estava convicto de que as hostilidades entre as duas tribos papéis da ilha de Bissau, Intim e Antula, se deviam às ”intrigas dos habitantes da praça”, que “formando dois partidos” entre os beligerantes ”alimentavam a guerra”. 

O mesmo governador dirá que “o gentio branco e mulato (filhos da ilha do Fogo, principal colónia em Bissau) estão [...] mancomunados com os gentios e grumetes para nos desrespeitarem e desacatarem a autoridade; e os estrangeiros colaboram neste vil procedimento”, fim para que se serviam de “intrigas de toda a ordem”. E na procura de nomes dos instigadores do clima de desconfiança, um grumete afirma que “se fossem só portugueses e não do Fogo os que estavam na praça, não havia nunca guerra, nem com os grumetes, nem com Intim”. (*****)

Parece que a “intriga” é, ainda hoje, algo sempre presente na vida pública da Guiné-Bissau: quem assistir a reuniões em que se discute a sua situação política e administrativa poderá ouvir com alguma frequência pronunciar-se a palavra “intriga”.

Armando Tavares da Silva
_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de  20 de março de 2007 > Guiné 63/74 - P1615: Historiografia da presença portuguesa em África (5): O Capitão Diabo, herói do Oio, João Teixeira Pinto (1876-1917) (A. Teixeira-Pinto)

Vd. também  7 de abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8057: Notas de leitura (226): João Teixeira Pinto, A Ocupação Militar da Guiné (3) (Mário Beja Santos)

(...) Aqui se dá por terminado o relato das 4 campanhas de Teixeira Pinto entre 1913 e 1915.

A pacificação foi um facto, mas só se deu por concluída em 1936. Teixeira Pinto irá morrer no combate de Negomano, frente aos alemães, em 26 de Novembro de 1917.

Abdul Injai irá cair em desgraça e será deportado. Todo este episódio da campanha de 1915 decorre já numa atmosfera de envenenamento que preludia as calúnias sobre o grande herói Teixeira Pinto. Lastimavelmente, todos estes episódios históricos estão mal estudados, parece que a Guiné só ganha importância aos olhos do historiador com a chegada do comandante Sarmento Rodrigues. Coisas da história. (...) 


Guiné 61/74 - P17818: Parabéns a você (1320): Cor Ref Carlos Alberto Prata, ex-Capitão, CMDT da CCAÇ 4544/73 e CCAÇ 13 (Guiné, 1973/74), e Hélder Valério Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF (Guiné, 1970/72)


____________

Nota do editor

Último poste da série de 29 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17806: Parabéns a você (1319): António Bastos, ex-1.º Cabo At Inf do Pel Caç Ind 953 (Guiné, 1964/66)

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17817: Inquérito 'online' (125): "No concelho onde eu moro, há monumento aos combatentes do ultramar": 1. Sim, 2. Não, 3. Não sei / não tenho a certeza... Resposta até sábado, dia 7, às 20h43


Lourinhã >  Atalaia > Parque dos Moinhos > 16 de junho de 2013 > Inauguração do monumento aos combatentes do ultramar > Vista parcial do monumento... O concelho da Lourinhã tem, pel menos, 5 (cinco!) monumentos aos combatentes do ultramar: para além da sede do concelho,  tem este na Atalaia, e em mais 3 povoações (Moledo, Zambujeira / Serra do Calvo, Ribamar).

Mas haverá concelhos onde (ainda) não existe nenhum monumento aos soldados da nossa geração, que fizeram a guerra colonial (ou do Ultramar, ou de África, como alguns de nós preferem chamar-lhe), mesmo singelo ou tosco que seja...  Por exemplo, o concelho onde eu moro, Amadora. Vd. aqui a preciosa lista de memoriais ("monumentos aos combatentes e campas"), por concelhos,  publicada no portal UTW - Dos Veterenos da Guerra do Ultramar (, fundado pelo nosso camarada António Pires, ex-fur mil mec auto, CSM/QG/RMM, Moçambique 1971/1973).


Foto (e legenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lisboa > Belém > Avenida de Brasília, (junto ao Forte do Bom Sucesso) > Monumento aos combatentes do Ultramar
"Obra do escultor João Antero de Almeida e de um conjunto de arquitectos, Francisco José Ferreira Guedes de Carvalho, Helena Albuquerque e Sidónio Costa Cabral, este memorial "Aos Combatentes do Ultramar" viu lançada a sua primeira pedra em 12 de Maio de 1993, tendo sido inaugurado em 15 de Janeiro de 1994. 
"Realizar um acto de justiça aos Combatentes que serviram a Pátria no Ultramar", "exercer uma acção cultural, patriótica e pedagógica na defesa de Portugal", "favorecer uma função nacional, de prestação de honras solenes à memória dos Combatentes, em datas históricas consagradas ou na ocasião de visitas de Estado ao nosso País" são os objectivos patentes na sua memória descritiva e que presidiram à construção deste elemento. 
Bem integrado no Forte do Bom Sucesso, a sua concepção abstracta, de grande sobriedade e fortemente geométrica, baseada numa ideia de grande pureza formal e simbólica, é traduzida através de um pórtico monumental, cuja forma triangular de linhas simples, exibe uma verticalidade acentuada. Trata-se de uma escultura de pedra, incluindo metal e uma zona espelhada, inserida num lago, cuja água simboliza o afastamento ou a distância a que os combatentes se encontravam, exibindo no centro do monumento a "Chama da Pátria".<

Foto: cortesia de António Basto /  AVECO - Associação dos Veteranos Combatentes do Oeste /

Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)

Legenda: Sítio da Câmara Municipal de Lisboa > Equipamentos > Lago dp Monumento dos Combatentes do Ultramar
 

I. INQUÉRITO DE OPINIÃO:

"NO CONCELHO ONDE MORO,  HÁ MONUMENTO AOS COMBATENTES DO ULTRAMAR"...

Primeiras respostas (n=15) (até às 13h00 de hoje)

1. Sim  > 8 (53%)
2. Não  > 3 (20%)
3. Não sei / não tenho a certeza  > 4 (27%)

Votos apurados: 15
Dias que restam para votar: 5 (Até dia 7, sábado, às 20h43)
Voto direto, "on line", no canto superior esquerdo do blogue.


II. Quantos memoriais ou monumentos aos antigos combatentes existem em Portugal?
 

Segundo o DN- Diário de Notícias, de 12 de agosto de 2016, há um ano atrás, seriam já mais de 3 centenas os monumentos aos antigos combatentes do Ultramar.
 
Santiago do Cacém, no passado dia 24 de julho de 2016, era então a última localidade onde se realizava uma cerimónia de inauguração de um Monumento de Homenagem aos Combatentes em Portugal, uma iniciativa da Câmara Municipal local e do núcleo de Vila Nova de Santo André da Liga dos Combatentes (LC).


Segundo Chito Rodrigues, presidente da LC, citado pelo DN, entre 1974 e 2003 terão sido erguidos 52 desses monumentos. Nos últimos 13 anos (2004-2016), ergueram-se mais duas centenas e meia, "por iniciativa das populações, das juntas de freguesia, das câmaras municipais, da Liga ou dos seus 112 núcleos espalhados pelo país"... e, por certo também, das associações de antigos combatentes, não integradas na LC.

Adicionalmente, haverá ainda um centena de monumentos aos combatentes da I Grande Guerra, segundo a mesma fonte.
____________

Nota do editor:

Último poste da série 13 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17579: Inquérito 'on line' (124): num total de 64 respostas, metade (50%) considera que o aerograma (ou "aero") "em geral era seguro e rápido"... Imprescindível para o sucesso do SPM foi a colaboração da TAP e da FAP.

Guiné 61/74 - P17816: Agenda cultural (587): Apreciação dos 3.º e 27.º livros da coleção Fim do Império, da autoria do Major Piloto-Aviador Carlos Acabado, "Kinda" e "Histórias de uma Bala Só" (Manuel Barão da Cunha)

18.º CICLO DE TERTÚLIAS FIM DO IMPÉRIO, EM OEIRAS
CENTRO DE APOIO SOCIAL DAS FORÇAS ARMADAS 

181.ª Tertúlia Fim do Império

Apreciação de livros do Major Piloto-Aviador Carlos Acabado
 coleção Fim do Império:

3.º livro, "Kinda", por Carlos Acabado

27.º livro, "Histórias de uma Bala Só", por Carlos Acabado
____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17790: Agenda cultural (586): Conferência "Guiné-Bissau - Roteiro da Memória", dia 4 de Outubro de 2017, pelas 17 horas, na Associação 25 de Abril, em Lisboa

Guiné 61/74 - P17815: Notas de leitura (1000): “A França contra África”, por Mongo Beti; Editorial Caminho, 2000 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Março de 2016:

Queridos amigos,

Foi uma grande surpresa conhecer este patriota camaronense, fez a sua longa vida de professor em França e voltou ao país muitas décadas depois. É uma poderosa água-forte da África francófona pós-independente e as subtis cumplicidades e conivências com o poder e os partidos políticos franceses.
Escrito num período de transição, a seguir à Guerra Fria, encontramos aqui situações análogas às que temos identificado na Guiné-Bissau: a decrepitude das infraestruturas, o mandarinato dos governantes e de quem circula à sua volta; o lixo por todo o lado, a degradação do ensino e a perda do sentido do Estado.

Livro primorosamente escrito, uma denúncia corajosa que nos dilata o horizonte e faz perceber por onde passam os porquês da inércia em que permanece a África negra.

Um abraço do
Mário


Há alguma analogia possível entre os Camarões e a Guiné-Bissau? (2)

Beja Santos

O título deste texto pode parecer surpreendente, o que é que há de comum entre os Camarões e a Guiné-Bissau. Continuando a falar do livro “A França contra a África”, de Mongo Beti [foto à direita], Editorial Caminho 2000, os Camarões estendem-se por 470 mil quilómetros quadrados, tinham à data da redação do livro 12 milhões de habitantes, é a República francófona proporcionalmente mais povoada da África Central, tem recursos como o café e o cacau e o petróleo. Estamos a falar de um país que depois da independência viveu em ditadura, com uma feroz polícia política e um círculo privado de gente abastada à volta do ditador. Mongo Beti desvela a degradação do país a diferentes níveis, a progressiva inação das infraestruturas e dos serviços públicos, mostra um desemprego galopante, a falta de liberdade de expressão, um sistema universitário inoperante.

Assim como os polícias são tentados a transformarem-se em bandidos, a fraude e o contrabando são outras duas pestes e diz sem hesitações: “O país está mergulhado numa atmosfera fétida de fraudes e falsificações que o asfixiam lenta mas seguramente. É como um apocalipse rastejante”. O petróleo foi para os países africanos francófonos uma maldição, a população jamais foi ouvida e não há ilusões entre a aliança das companhias francesas como a Total e a Elf-Aquitane e os ditadores. O regime nega-se a prestar contas, nem mesmo ao Banco Mundial e ao FMI. Os lucros das petrolíferas são entregues ao ditador, que os desbarata alegremente. O fenómeno da gestão do petróleo na África francófona tem muito a ver com a Guerra Fria, o Ocidente e particularmente a França olharam para esta região como um domínio neocolonial, e o autor vai mais longe: “O destino do petróleo africano é o de assegurar a independência energética da França, não de proporcionar a felicidade dos africanos, para os quais mais valia que ele não existisse”.

A seguir Mongo Beti fala-nos dos bancos falidos devido a gestão danosa, empréstimos à claque do regime, que em muitíssimos casos não honrou os seus compromissos. A banca francesa lá está para endireitar as contas. Quando, em 1990, num discurso célebre, François Mitterand anunciou que chegara a hora de instituir as liberdades e regimes democráticos no continente africano, houve maquilhagens a que se aliaram as autoridades francesas, os partidos da direita e da esquerda mostraram-se favoráveis à continuação do ditador no poder. Os franceses estabeleceram desde a independência um relacionamento com a claque fiel do regime, assiste-se a uma dança de cadeira, a classe dirigente, totalmente inapta para a inovação vive exclusivamente preocupada em defender os exorbitantes privilégios acumulados durante mais de 30 anos, Paris e os partidos políticos assobiam para o lado.

A corrupção dá por diferentes nomes, quem quer emprego tem que mostrar fidelidade ao partido único e ao seu chefe em suma, terá de se corromper, deixar de se preocupar com essas questões da integridade do caráter. E pertencer à claque é ter acesso às benesses do petróleo e dos apoios pecuniários que são escandalosamente desviados dos projetos destinados ao desenvolvimento para os bolsos destes pequenos mandarins tão descarados que exibem sem dificuldade os valores do seu parque automóvel. A democracia continua a ser um simulacro, o regime pode inclusivamente mandar espancar e torturar os seus opositores. De um modo geral, na Costa do Marfim, no Togo, no Congo, nos Camarões, na República Centro Africana, os aliados de Paris lançaram os seus exércitos tribais para um braço de ferro, travando os processos de democratização. Mais adiante, o autor recorda-nos que a ditadura camaronesa, tal como a ditadura no Haiti, oferece a observador todos os sinais de uma máfia. Não há nada de semelhante nos Camarões onde os dirigentes são provenientes de todas as etnias nacionais. É um clã muito pequeno que se apoia no exército, desprovido de quaisquer escrúpulos, reinando pelo terror, pela mentira, pela corrupção.

As eleições presidenciais, como se previa, foram falsificadas e o ditador Paul Biya submeteu o seu adversário vitorioso. Era uma era de esperança, tinha-se desmoronado a URSS, tudo levava a crer que o continente negro ia ser subtraído ao esquecimento. Contudo, a África negra continuou subjugada à tutela de Paris. Como numa autêntica profissão de fé, no termo do seu relato Mongo Beti insiste que a África pode desenvolver-se se tiver a coragem de combater as três pragas que a afligem: a marginalização da aldeia, o regresso e a boa gestão dos recursos humanos e o fim do colonialismo paternalista que se apoia no centralismo sem nenhuma relação com a tradição e as exigências do progresso. E há outros desafios pela frente: extirpar o cancro da corrupção, devolver aos camaroneses a propriedade da sua pátria e fazer com que eles tenham o sentimento de serem os seus gestores. E a ajuda estrangeira.

O que há então de analogia com o país lusófono encravado no amplo espaço da francofonia africana? A mesma incapacidade na perceção da soberania nacional, no desenho de projetos estratégicos e na definição do desígnio que deixa inerte o tribalismo e as suas tentações. Um regime democrático onde os seus órgãos se respeitem sem colisões; um planeamento das infraestruturas, uma implementação do serviço público num processo de comunicação permanente entre as comunidades aldeãs e os respetivos núcleos populacionais. E por aí adiante.

Não há neocolonialismo na Guiné-Bissau, o que existe é ingovernabilidade, a incapacidade do Estado se afirmar, estabelecer projetos credíveis à cooperação internacional, agir no combate à corrupção e banir as clientelas que se movimentam em torno dos dirigentes, famílias, gente da mesma etnia que quer abocanhar umas migalhas na mesa do orçamento. 

Aí são nítidas as similitudes entre os Camarões e a Guiné-Bissau, não é o espectro da ditadura que apoquenta a classe política, é a sua indisponibilidade para o sentido do Estado, para o estabelecimento de acordos entre os parceiros políticos, sociais e económicos, dando assim esperanças ao levantamento e ao respeito pelo Estado. 

Foi bom ter lido Mongo Beti e sentir que há cidadãos empenhados em contribuir para o bom nome da sua pátria.
____________

Notas do editor

Poste anterior de 25 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17796: Notas de leitura (998): “A França contra África”, por Mongo Beti; Editorial Caminho, 2000 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 29 de setembro de 2017 Guiné 61/74 - P17807: Notas de leitura (999): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P17814: Ser solidário (204): "Uma escola em Timor" - Parte I: o projeto de construção de uma escola em Manati-Boibau, Liquiçá, Timor Leste... (Rui Chamusco, tabanca de Porto Dinheiro)



Lourinhã > Porto Dinheiro > Tabanca de Porto Dinheiro > Convívio anual > 18 de agosto de 2017 > O novo membro da Tabanca de Porto Dinheiro: natural de Malcata, Sabugal, vive parte do ano na Lourinhã, professor de Educação Musical no ensino oficial e de Português, Filosofia e Latim no ensino Particular. ativista da causa de Timor-Leste (lidera um projeto de construção de escolas nas montanhas de Timor Lorosae e apadrinhamento de crianças)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça / Camaradas da Guiné]



I. Mensagem de Rui Chamusco, amigo da Tabanca de Porto Dinheiro, Lourinhã:


Data: 18 de agosto de 2017 às 21:05

Assunto: Informações

Caro Amigo Luís Graça



Antes de mais quero agradecer-te o agradável encontro de tabanqueiros em Porto Dinheiro (*). 

Estar convosco foi um privilégio, que lembrarei para sempre. É a segunda vez que participo em encontros de camaradas de guerra colonial (por sinal o primeiro  também perto daqui,  no restaurante "O Pardal", com um batalhão que combateu em Moçambique), e desde então admiro e respeito, com conhecimento de causa, os valores de camaradagem que estes encontros transmitem. Obrigado por me terem incluído no vosso ambiente.

Como me foi pedido, deixo aqui o IBAN da conta aberta na CGD - agência do Sabugal - com destino à angariação de fundos para o Projeto de Solidariedade "Uma Escola em Timor Lorosa'e" e apadrinhamento de crianças em bairros pobres de Dili.

Como expliquei, esta conta está em meu nome RUI MANUEL FERNANDES CHAMUSCO, exclusivamente para este efeito. Portanto qualquer depositante de qualquer quantia deve mencionar o destino: escola ou apadrinhamento da criança (nomes do padrinho/madrinha e do afilhado(a).

IBAN:PT50003507020002631576122

Junto envio também em anexo algumas informações úteis sobre estes dois projetos. Se forem necessárias mais informações estamos ao dispor.

Com consideração e amizade

Rui Chamusco

II. Projeto de Solidariedade > "Uma escola em Timor" > 

Escola e Desenvolvimento

Enquanto entre nós, em Portugal, se fecham escolas, noutros países como Timor Leste há necessidade de se construírem e abrirem. A nossa obrigação como cidadãos do mundo é sermos úteis a quem e aonde precisarem de nós, fazer o que pudermos para melhorar o mundo. Instruir e educar é um dever de todos, dos estados e de cada um de nós. Poder participar num projeto de solidariedade é uma honra.

O projeto de solidariedade “Uma Escola em Timor” é uma iniciativa de amigos que, motivados por uma grande afeição a Timor, pretendem contribuir para o progresso e o bem estar do povo de Boibau, através da construção e funcionamento dum complexo escolar que inclui duas salas de aula, pré escolar e escolar (1º ciclo), uma cantina, uma biblioteca e uma capela. 

Boibau é uma região do interior de Timor Leste que, à semelhança de outras aldeias do interior de qualquer parte do mundo, carece de estruturas e apoios para o seu desenvolvimento. Todas as ações humanitárias com este fim serão sempre uma mais valia no caminho do progresso. Este projeto pretende ser uma resposta a este apelo.

Para além destas razões humanitárias há também justificações de índole afetiva e patriótica. A presença portuguesa em Timor faz-se ainda sentir particularmente através do apreço e carinho que os timorenses manifestam com os portugueses que os visitam e dos timorenses que falam o idioma de Camões. Apesar das muitas pressões a que foi sujeito o governo de Timor após a independência por parte do idioma inglês, a língua portuguesa foi preterida como língua oficial de Timor Leste. Constatamos que ao longo destes anos o apoio oficial dado pelos governos a esta causa tem sido pouco significativo, particularmente em zonas afastadas e desprotegidas, o que nos motiva a prestar a nossa colaboração, caso seja aceite.

Em Boibau existem nos dias de hoje à volta de 150 crianças a precisar de escolarização. As poucas que frequentam a escola têm de se deslocar, sem meios de transporte, muitos quilómetros a pé, o que só por si é uma causa do abandono escolar. Daqui a pertinência deste nosso projeto.

Bases para a concretização do projeto “ Uma Escola em Timor “

1. Meios humanos

Esta missão tem por base a vontade explícita e o empenho de três amigos que desde há longa data estão envolvidos por ligações com Timor, a saber:

- Gaspar Sobral, de naturalidade timorense, a residir e a trabalhar em Portugal como topógrafo, reformado da função pública, com formação posterior em Direito.

- Glória Lourenço Sobral, natural de Malcata (Sabugal, Portugal), professora aposentada de Geografia, casada com Gaspar Sobral.

- Rui Chamusco, natural de Malcata (Sabugal, Portugal),  professor de Educação Musical no ensino oficial e de Português, Filosofia e Latim no ensino Particular.

2. Meios logísticos e económicos

Este empreendimento tem como base e garantia o apoio em material escolar (livros e mesas de sala de aula) e pecuniário do Sr. José Gomes, que já tem investimento noutros países lusófonos ( São Tomé e Guiné Bissau ) onde existem escolas com o seu apoio.

Contamos também com uma rede de amigos que, embora não estejam disponíveis para participação imediata devido aos seus afazeres familiares e laborais, estão dispostos a ajudar na justa medida das suas possibilidades. A criação de uma associação ligada a este projeto é uma possibilidade.

3. Meios legais

Este projeto está a suscitar interesse junto de instâncias e autoridades locais. Em contatos já havidos com o régulo da localidade foi expresso o consentimento para esta iniciativa. Todas as questões relacionadas com licenças e autorizações estarão a cargo do Gaspar Sobral, com raízes familiares nesta terra e bom conhecedor das questões da implantação da obra.

Em Abril de 2016 o Gaspar Sobral e o Rui Chamusco deslocar-se-ão a Timor, ao local indicado, para fazer contatos com as autoridades locais e o levantamento topográfico do terreno, a fim de procedermos ao início da obra. Com pequenos passos estaremos assim fazendo o caminho.

4. Conclusão

Embora sabendo das dificuldades que iremos encontrar ao longo do caminho (nem tudo são rosas ou não há rosas sem espinhos), a vontade da concretização deste projeto é tão forte que nada nos impedirá de superar os obstáculos. Fazer o bem junto de quem mais precisa é uma missão nobre. E se com o nosso compromisso conseguirmos melhorar a vida das pessoas através do conhecimento, da instrução e da educação temos o nosso objetivo conseguido. A escola é o local privilegiado para fazermos este trabalho. Com o compromisso de alguns e o apoio e a solidariedade de todos vamos conseguir.

“ O sonho comanda a vida “.

JUNTE-SE A NÓS!... JUNTE-SE A NÓS!... JUNTE-SE A NÓS!...

AJUDE-NOS A CONCRETIZAR ESTE SONHO (**)…

Rui Chamusco

(Comtinua)
________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


(**) Último poste da série >  5 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17549 Ser solidário (203 ): Em troca do meu livro ("Lameta"), os meus amigos podem ajudar, com algum dinheiro, o projeto de construção de uma escola em Manati-Boibau, Liquiçá, Timor Leste... Por mor das crianças timorenses mas também da língua que nos serve de traço de união (João Crisóstomo)

domingo, 1 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17813: Fotos à procura de uma... legenda (92): O escritor, investigador e professor, e ex-capitão SGE, Manuel Ferreira (1917-1992), passou por aqui, entre 1954 e 1958, e muitos de nós também, mais tarde... Alguém reconhece este quartel ?


Quartel regimental cuja secretaria Manuel Ferreira (1917-1992) chefiou, entre 1954 e 1958, e por onde muitos de nós passámos, antes de ir parar à Guiné, durante a guerra colonial (1961/74)...

Texto e foto: Luís Graça (2017).


1. O escritor e investigador, ex-capitão SGE Manuel Ferreira (Leiria, 1917 - Oeiras, 1983), passou por aqui, já depois de ter estado no Mindelo, São Vicente, Cabo Verde (e 1941-1946),  e na Índia Portuguesa (1948-1954). Esta foto é, alías, da exposição comemorativa do seu centenário,  inaugurada no passado dia 22 de julho... e que estava previsto terminar em 17 de setembro. Título da exposição: "Manuel Ferreira: Capitão de longo curso" (O nosso editor Luís Graça ficou de fazer uma notícia do evento, o que ainda, lamentavelmente, não fez...).

Foi aqui, neste quartel, em 1957, quando  chefiava a secretaria regimental, e nesta cidade onde viveu,  que ele escreveu o seu livro de contos, "Morabeza" (publicado no ano seguinte, em 1958). Nesta cidade Manuel Ferreira  viveu 4 anos, até ser transferido para Lisboa. Em 1962, sai o seu primeiro romance de temática cabo-verdiana, o "Hora di Bai". E em 1965 é mobilizado para Angola. como tenente SGE.

2. Será que os nossos leitores vão adivinhar logo à primeira  que quartel era este? De que regimento estamos a falar ? Em que cidade fica(va) ? É uma  terra portuguesa, com ceteza. Não, não  é Águeda, onde Manuel Ferreira requentou a antiga Escola Central de Sargentos, em data que ainda não apurámos, na década de 1950.

Muitos camaradas nossos passaram por aqui, na tropa, antes de serem mobilizados para a Guiné... Foi um verdadeira fábrica...

Agradecimentro (e parabéns) ao João B. Serrra, comissário da exposição, e que foi à "fonte" buscar a foto original...  A cópia é de Luís Graça que lá foi no dia da inauguração.

______________

Nota do editor:

Último poste da série >  26 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17799: Fotos à procura de... uma legenda (91): Equilibristas ou artistas de circo na cambança dos cursos de água, esquálidos e esgrouviados...Os bravos do Cachil, entre eles o ten mil médico Rogério Leitão (1935-2010) (José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

Guiné 61/74 - P17812: Blogpoesia (531): "Primavera de letras"; "Homens amados" e "Festejar a vida...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Saída para o mar da traineira Viatodos


1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Primavera de letras

Como pétalas do céu,
Caem letras às cores.
Enchem o chão de tapetes tão lindos,
Parecem jardins.
Passam escritores de caneta na mão.
Uns são poetas.
Outros autores.
Ficam perdidos.
Lhes brotam ideias
Como se fossem cardumes.
Se põem a pescá-las
Com tanta abundância.
Enchem os sacos.
E as levam para casa.
Depois, ao serão,
Sentados à mesa,
Calor da lareira,
Uma por uma,
Põem-se a escolhê-las,
Desenham palavras,
Conforme as ideias.
Umas dão histórias.
Outras dão versos.
Qual delas mais linda.
Milagre de rosas
E contos de fadas.

Berlim, 24 de Setembro de 2017
9h22m
Manhã cinzenta e molhada
Jlmg

************

Homens amados

Homens amados avançam destemidos sobre as ondas pelo mar sem fim.
Vão armados. Muita fé e muita esperança.
Virá cheio o seu barco.
Cobrirá a praia no regresso de fartura.
Afugentarão a fome dos seus lares.
Seus filhos irão à escola tão alegres.
Brincarão o dia inteiro.
Enquanto os pais andam na faina, desde a madrugada.
Suas mulheres comprarão na feira, de chita alegre, suas blusas e saias rodadas.
O forno a lenha dará o pão para a semana inteira.
E, aos Domingos, haverá almoço farto e melhorado.
Bendito mar da esperança e da fartura.
Bendita a Senhora da Boa Hora,
Na capela frente ao mar!...

Ouvindo concerto nº 2 de Rachmaninov por Hélène Grimaud e Cláudio Abado
Berlim, 28 de Setembro de 2017
8h22m
Jlmg

************

Festejar a vida...

Vamos festejar o nascer o dia, depois duma noite de luar de lua cheia,
Sorver a brisa verde que vem do mar.
Bailar ao vento, como dançam as andorinhas, em graciosos arcos de beleza.
Vem aí o sol da abundância semeando calor e vida nas planuras mais agrestes.
Abramos nossos braços, em abraços verdadeiros.
Sirvamos o amor da amizade a todo o mundo.
Brindemos à alegria que brota fresca em fonte pura.
Abramos os nossos olhos vivos aos fulgores tão belos do horizonte.
Cultivemos a arte da simpatia com sorrisos francos de abundância.
Sejam puros nossos instintos no rigor severo da amizade.
Sejam doces nossas palavras para quem vai ao nosso lado.

ouvindo Love Story
Berlim, 30 de Setembro de 2017
5h53m
Jlmg
____________

Nota do editor

Último poste da série de 24 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17793: Blogpoesia (530): "Soleira da porta"; "Amigo como nenhum..." e "Paraíso perdido...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

sábado, 30 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17811: O cancioneiro da nossa guerra (1): "Asssim fui tendo fé, pedindo a Deus que me ajude"... 4 dezenas de quadras populares, do açoriano Eduardo Manuel Simas, ex-sold at inf, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 > 1973 > Dois camaradas açorianos, de quem infelizmente não sabemos os nomes.


Foto: © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Está na altura, caros leitores, de reunir as peças, dispersas, do "nosso cancioneiro"... E já são algumas dezenas: são quadras ao gosto popular, são sonetos, são versos decassílabos parodiando os "Lusíadas", são textos poéticos, livres, são hinos, são fados, etc.

Foram produzidos ao longo da guerra (1961/74),  mas também no pós-guerra... e nalguns casos, muito depois do nosso regresso.  No essencial, têm um "sentido coletivo", ou procuram interpretar um "sentir coletivo", centrando-se na tropa e na guerra, e tendo por cenário a Guiné.

Nem  todos estes textos poéticos eram canções (como o "Cancioneiro do Niassa",  por exemplo). Uns tinham (ou poderiam ter tido)  suporte musical, outros não.  Preocupámo-nos sobretudo com a recolha das letras que correm o risco, isso, sim, de se perderem para sempre... Num caso ou noutro, conseguimos identificar a música que lhe estava associada (, em geral, era parodiada, como acontecia com o "Cancioneiro do Niassa").

Este material, independentemente da qualidade literária, tem interesse documental,  tem um grande riqueza socioantropológica,  fala de nós, das nossas vidas na Guiné, de uma geração anónima, esquecida, mal tratada, fala de lugares perdidos e estranhos, fala inevitavelmente da trilogia "sangue, suor e lágrimas",  mas tamnbém fala de coragem, de camaradagem,  de saudade, etc.

A análise de conteúdo desta documentação ficará para os especialistas. Mas, queremos desde já, que os nossos leitores continuem a comentar. E sobretudo queremos continuar a alimentar esta série. Acreditamos que há ainda muitas "canções e outros poemas de guerra" esquecidos no "baú da memória" dos ex-combatentes que fizeram a guerra da Guiné (1961/74)...

As referências a este tópico já são muitas, mesmo assim, no nosso blogue, Haverá, naturalmente, duplicações e sobretudo problemas de classificação temática:

cancioneiro (62)
Cancioneiro da Guiné (5)
Cancioneiro de Bambadinca (3)
cancioneiro de Bedanda (2)
cancioneiro de Canjadude (3)
cancioneiro de Gadamael (1)
Cancioneiro de Gandembel (10)
Cancioneiro de Mampatá (4)
cancioneiro do Cachil (1)
Cancioneiro do Niassa (4)
Canções do Niassa (4)
´
E ainda:

As músicas das nossas vidas (20)

blogpoesia (559)
poemário (19)
poesia (200)



2. Eduardo Manuel Simas, um poeta popular açoriano

Vamos (re)começar por uns versos de matriz popular açoriana, Em 14 de junho de 2008, recebemos do António Graça de Abreu (ex-alf mil, SGE, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar1972/74) uma mensagem tendo por anexo  un conjunto de 4 dezenas de quadras, da autoria de um militar açoriano, da CCAÇ 4740, que esteve com ele em Cufar.

Em Cufar, o António tinha convivido com, entre outros, os militares (na sua maioria açorianos) da CCAÇ 4740. Estes versos que agora se (re)publicam, em forma de quadras ao gosto popular, de sete sílabas métricas, algumas  de pé quebrado, já constavam do seu livro de memórias,  Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Edição: Guerra & Paz, 2007), pp. 151-156.

Eis o que o Antóonio escreveu na altura no seu "Diário da Guiné":

Cufar, 3 de Novembro de 1974

Entre os soldados açorianos meus vizinhos, o Eduardo Manuel Simas [nº mec. 04296572]é poeta. Descobrimos afinidades e o rapaz veio mostrar-me uns versos da sua autoria, bem melhores do que os meus. Como acha que eu sou mais entendido nas coisas da arte poética, pediu-me que lhe corrigisse os erros do português e melhorasse as quadras. Elas aqui estão (...).


Em 26 de junho de 2008, foram republicados no nosso blogue, com a seguinte nota;  "é uma espécie de romanceiro, em que se relata a pobre vida de um militar que vai para a guerra. É um género literário que tem uma larga tradição na nossa poesia popular (veja-se, por exemplo, A Nau Catrineta)."

 Na altura, abrimos uma série, a que chamámos Cancioneiro de Cufar, na esperanaça de que outras  recolhas pudessem ainda aparecer, relacionadas com Cufar e o sul da Guiné. De qualquer modo, estes e outros versos merecem ser reunidos numa única série, a que passamos a chamar "O cancioneiro da nossa guerra". A seleção é da nossa responsabilidade.

O Eduardo Manuel Simas é natural de  São Miguel, Açores, vive em Lomba da Maia, concelho da Ribeira Grande.  Na CCAÇ 4740, era soldado atirador de infantaria, e pertencia ao 2º pelotão, que era comandado pelo alf mil inf António Octávio da Silva Neto (,segundo a preciosa informação que nos é dado pelo portal da CCAÇ 4740, criado e mantido pelo ex-fur mil Serv Mat Mec Auto, Mário Fernando Lima de Oliveira, a quem agradecemos também as fotos do nosso poeta, de ontem e de hoje; outro dos editores do portal é o nosso grã-tabanqueiro Armando da Silva Faria, ex-fur mil at imf, também da CCAÇ 4740).

É de sublinhar a importância que as saudades da família e das ilhas bem como a fé cristã tinham na capacidade de sofrimento e de resiliência da generalidade dos nossos camaradas açorianos, sobretudo nos momentos de maior provação e dor, numa terra, a Guiné, que lhes é completamente estranha e hostil.

Quando a manhã nasceu,
Cercámos o inimigo,
Foi a Fé que me valeu 
Porque Deus vinha comigo.

Querem homens para a guerra, 
A padecer fel e dores, 
Queremos sair desta terra, 
Queremos ir para os Açores.

Assim fui tendo Fé, 
Pedindo a Deus que me ajude 
Pr’a que ao sair da Guiné
Leve a vida e a saúde.


Na altura, deixámos expresso, a ambos, ao autor e ao António (, que é ele próprio um tradutor de poesia chinesa e poeta de grande talento, sensibilidade e cultura, com vários livros publicados), o nosso obrigado pela produção,  recolha, tratamento e divulgação destes versos  que merecem ser  melhor nconhecidos, divulgados e preservados.

Por outro lado, gostaríamos de ter notícias do Eduardo Manuel Simas, e convidá-lo a integrar, de pleno direito, a nossa Tabanca Grande. Espero que esteja bem, de boa saúde, e que continue a viver em São Miguel. Descobrimos, com a ajuda do Carlos Cordeiro,que ele tem página no facebook. Vive em Lomba da Maia,  Ribeira Grande. (Já agira acrescente-se que o professor Carlso Cordeiro crou um página, aberta, no Facebook, "Antigos Combatentes Açorianos".

Estas quadras também já foram publicadas no portal da CCAÇ 4740 (na secção "Se bem me lembro"), sob o título "Assim fui tendo fé, pedindo a Deus que me ajude". (Segundo o Armando Faria,  os versos foram  publicados na integra, com a devida autorização do seu autor, no livro "Leões de Cufar, A Historia da Companhia C.CAÇ.4740").

Nesta versão, fizemos  revisão de texto, não nos limitando à melhoria da pontuação.  Título e notas também são da nossa responsabilidade.  Nalguns versos, que não têm as regulamentares sete sílabas métricas (por ex., "passados dois meses" ou "dias bem, dias mal")  fazemos pequenas alterações [entre parênteses retos]... Espero que tanto o autor, Eduardo Manuel Simas, como o seu  "padrinho literário", o António Graça de Abreu,  não levem a mal: achamos que as quadras ficam mais fluentes e com melhor oralidade... (A versão original continua disponível no nosso blogue, no poste P2988 (*).

Feliz a CCAÇ 4740 que teve um poeta, talentoso, que deixou em verso um pouco da sua história por terras dos Açores e da Guiné. Muitas outras subunidades mobilizadas para o CTIG (, para não dizer mesmo a maioria), não tiveram ninguém que as cantasse em verso!... Honra, pois, ao nosso Eduardo Manuel Simas, cujo nome queremos juntar à lista de A a Z dos membros da nossa Tabanca Grande!.. Ele só precisa de nos dar o devido consentimento...

Sobre a CCAÇ 4740 (Cufar, 1972/74) temos já cerca de 4 dezenas de referências no nosso blogue. Esta subunidade também  tem um sítio na Net.


3. O Cancioneiro da Nossa Guerra (1) > 


Assim fui tendo fé, pedindo a Deus que me ajude:
cancioneiro da açoriana CCAÇ 4740



por Eduardo Manuel Simas




É escrito com sangue e dor
Aquilo que vou falar,
E com o maior fervor
Agora vou começar.

Com licença, meus senhores,
Minha história eu vou contar,
Quando eu saí dos Açores
Para ir pr’ó Ultramar.

Quando à Terceira cheguei
E segui para o quartel,
Logo em mim recordei
A ilha de São Miguel.

Sentia uma coisa estranha,
Sem saber compreender,
Coisa esquisita e tamanha,
Difícil de entender.

O tempo se foi passando,
Dias bem [e] dias mal,
E fomos continuando,
Soldados de Portugal.

Passados [p'ra aí] dois meses,
Lá fomos jurar bandeira.
Sofremos, [pá,] mas às vezes
Parecia uma brincadeira.

Quando um dia na parada,
À noite, a silêncio tocou,
Veio a notícia [inesperada]
Que o comandante contou.

Com umas folhas na mão,
Más notícias veio dar
O nosso [bom] capitão:
- Vão [todos] para o Ultramar!.

[Passados] dez dias mais
[Lá] fui [eu] a São Miguel,
Despedir-me de meus pais,
Eu, Eduardo Manuel.

Ó meu Deus, eu vou partir
Sem saber se isto é justo,
Qual o dia em que hei-de vir,
Vou viver com tanto custo.

Quanto à nossa viagem
Melhor não podia ser,
Com espanto e [com] coragem
Vendo o que tinha que ver.

Corrido cerca de um mês,
Partimos para o mato,
Lá fomos [p'ró] Cantanhez
Onde não parava um rato.

Na LDG embarquei
E belezas eu não vi,
Aquilo em que eu pensei
Foi na terra onde nasci.

Os dias se vão passando,
Dão vontade de chorar,
As horas vou recordando,
Passo a vida a disfarçar.

Na primeira operação
Que [ao mato] fomos fazer,
Deu-me um baque [no] coração,
O que veio a acontecer.

Quando os homens voltaram,
Três grupos da operação,
Logo as minas rebentaram,
Meu Deus, [que] grande traição!

Passou palavra o primeiro,
Diz-me lá o que é que queres,
Vai chamar o enfermeiro
Pr’a vir tratar os alferes.

Ó meu Deus, o que seria,
Quem serão os desgraçados?
Foram para a enfermaria
Três alferes estilhaçados.

Lá ficaram mutilados,
Os infelizes sem sorte,
Turras serão apanhados
E todos irão à morte.

Que tristeza e amargura,
Tanta vez aconteceu,
Morrer uma criatura
Pelas mãos de um irmão seu.

Meus versos não levam cunho
Do que eu amo ou adoro,
Eles são o testemunho
Do que canto, do que choro.

Assim se passa esta vida,
Horas tristes a chorar,
Se a dor fosse esquecida
Eu poderia cantar.

Sofrer vinte e quatro meses,
Um soldado nada tem,
Agonias, tantas vezes,
Só Deus sabe, mais ninguém.

Eu sei que estes versos são
Uma coisa escrita ao [de] leve,
São pobres, sem perfeição,
Como a pena que os escreve.

Estive quase a dar um tiro,
Primeiro dia de Agosto,
Ó que noite de martírio,
Passei a noite no posto.

Meus olhos no firmamento,
Horas e horas, ou mais,
Vieram-me ao pensamento
Os meus [mui] queridos pais.

No dia 9 de Agosto
Fomos pró mato arreados,
Vamos voltar com o gosto
De não sermos apanhados.

À saída do quartel,
Eu pensei na minha cama
E, pensando em São Miguel,
Caí enterrado em lama.

Que será preciso mais,
Estamos aqui como uns parvos,
Tiram-se os filhos aos pais
E fazem deles escravos.

Quando a manhã nasceu,
Cercámos o inimigo,
Foi a Fé que me valeu
Porque Deus vinha comigo.

Lá por fora o dia inteiro,
Sem qualquer resultado,
Perdidos num cativeiro
Entre capim alteado.

Ao quartel, quando chegámos,
Sem forças e cheios de fome,
[Coitados,] quase não falámos,
Fogo dentro nos consome.

Querem homens para a guerra,
A padecer fel e dores,
Queremos sair desta terra,
Queremos ir para os Açores.

Dia 7 de Setembro,
Saímos ao anoitecer,
Eu não quero que me lembre
Tantos homens a sofrer.

Era tanta a nossa mágoa
E com tantos embaraços,
Apanhámos forte água
Que pareciam estilhaços.

A 23 de Dezembro,
Ó mãezinha, muito querida,
Eu nem quero que me lembre,
Parecia o fim da vida.

À noite, dois pelotões
Saíram todos armados
E com nove foguetões (**)
Lá fomos nós atacados.

O fogo [lá]  acabou
Sem nos causar [nenhum] mal,
Nossa Senhora salvou
Os soldados de Portugal.

Isto foi acontecido,
Queiram todos acreditar,
Quanto [nós temos] sofrido
Nesta vida militar.

Que vida tão rigorosa,
Que [a todos] nos faz pasmar,
Que vida tão perigosa,
Soldados do Ultramar.

Assim [eu]  fui tendo Fé,
Pedindo a Deus que me ajude
Pr’a que, ao sair da Guiné,
Leve a vida e a saúde.


Eduardo Manuel Simas
____________

Notas de L.G.

(*) Vd. poste d e26 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2988: Cancioneiro de Cufar (1): Um poeta açoriano da CCAÇ 4740, Eduardo Manuel Simas (António Graça de Abreu)

(**) Vd. também poste de  17 de outubro de  2008 > Guiné 63/74 - P3328: Memórias literárias da guerra colonial (7): O baptismo de fogo de A. Graça de Abreu, em Cufar, aos 17 meses (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P17810: Historiografia da presença portuguesa em África (94): Sentença arbitral do Presidente Ulysses Grant na questão de Bolama (Mário Beja Santos)

Ilha de Bolama
© Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Setembro de 2017:

Queridos amigos,
É sobejamente conhecida a disputa que ocorreu no século XIX entre a Grã-Bretanha e Portugal pela posse de Bolama. Para os britânicos, era uma peça importante, na linha costeira entre a Gâmbia e a Serra Leoa. Falhara a colonização que tivera à frente Philip Beaver, morreram às centenas.
A sentença arbitral é uma bela peça para os usos diplomáticos do tempo. E faz inequivocamente parte da história de Portugal e da Guiné-Bissau, o político português que coordenou a operação foi premiado com o título nobiliárquico de Duque de Ávila e Bolama, vai ser o mau da peça quando proibiu as Conferência Democráticas do Casino, que tanto prestígio trouxeram a Antero de Quental.
Mas é uma outra história.

Um abraço do
Mário


Monumento aos aviadores italianos, com a legenda “De Benito Mussolini à cidade de Bolama”, o mais importante monumento da chamada arquitetura fascista na Costa Ocidental de África


Sentença arbitral do Presidente Ulysses Grant na questão de Bolama

Ulysses Grant

Tendo sido atribuídas ao Presidente dos Estados Unidos as funções de árbitro em virtude do protocolo da conferência realizada em Lisboa, em 13 de Junho de 1868 entre os Ministros os Negócios Estrangeiros de S. Majestade Fidelíssima El-Rei de Portugal e o Enviado Extraordinário de S. Majestade o Rei da Grã-Bretanha no qual foi convencionado que as respetivas reivindicações dos dois Estados à Ilha de Bolama e outros pontos da África Ocidental fossem submetidas à arbitragem e decisão do Presidente dos Estados Unidos da América, que deveria resolver em última instância e sem apelação.

E tendo o árbitro, de acordo com o mesmo protocolo, nomeado uma entidade com o fim de estudar cuidadosamente cada uma das alegações apresentadas pelas duas partes; E considerando que a dita Ilha de Bolama e os ditos territórios vizinhos foram descobertos por um navegador português em 1446; que muito antes do ano 1792 estava feito um estabelecimento em Bissau, no Rio Geba e mantido até hoje debaixo da soberania portuguesa; que no ano de 1699, pouco mais ou menos, foi constituída uma colónia portuguesa em Guínala, no Rio Grande, que em 1778 era uma razoável povoação habitada somente por portugueses que ali tinham vivido de pais para filhos; que a linha da costa de Bissau para Guínala, passando pelo Rio Geba compreende toda a parte continental em frente da Ilha de Bolama; que a Ilha de Bolama é adjacente ao continente e tão próximo que os animais a atravessam nas marés baixas; que desde 1772 até hoje, Portugal reivindicou os seus direitos à mesma ilha; que a ilha antes de 1792 não estava habitada nem ocupada com a exceção de alguns acres na ponta Oeste, onde uma tribo indígena fazia algumas plantações; que os direitos de Inglaterra derivam de uma cessão feita em 1792 pelos chefes indígenas, numa época em que a soberania de Portugal estava já estabelecida na parte continental e na ilha; que o Governo Português não desistiu dos seus direitos, e hoje em dia ocupa a ilha com uma colónia de perto de 700 habitantes; que, tendo a Grã-Bretanha tentado confirmar os seus direitos depois de 1792 com novas concessões dos chefes indígenas, nenhuma delas foi reconhecida por Portugal; e considerando que não são precisos mais esclarecimentos em relação a qualquer dos pontos discutidos: 
Eu, Ulysses S. Grant, presidente dos Estados Unidos, julgo e decido que os direitos do Governo de S. Majestade Fidelíssima o Rei de Portugal à Ilha de Bolama na Costa Ocidental de África e a uma porção do continente em frente da Ilha, estão provados e estabelecidos.

Feito em triplicado na cidade de Washington, em 21 de Abril de 1870.

U. S. Grant
____________

Nota do editor

Último poste da série de 27 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17801: Historiografia da presença portuguesa em África (93): a questão dos missionários católicos na Guiné (Armando Tavares da Silva, historiador)

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17809: Tabanca Grande (447): António Delmar Pereira, ex-Soldado Escriturário da 4.ª Repartição/QG/CTIG, Bissau, 1966/68, 755.º tertuliano do nosso Blogue



1. Mensagem do nosso camarada e novo amigo tertuliano, António Delmar Pereira, ex-Soldado Escriturário da 4.ª Repartição/QG/CTIG, Bissau, 1966/68, com data de 25 de Setembro de 2017:

Assunto: Inscrição na Tabanca Grande

Fui Combatente do "ar condicionado" na Guiné de Novembro de 1966 a Novembro de 1968. 

Para lá, fui no navio "Alfredo da Silva; para cá, vim no navio "Uíge". 

A minha Especialidade foi a de Escriturário e desempenhei funções, nos 24 meses, na 4.ª Repartição do Quartel General, na cidade, perto da "5.ª Repartição" (Café Bento), onde gastei parte do tempo, quando me "desenfiava". 

Fui com a «patente» de soldado, em "rendição individual", render alguém que provavelmente "lerpou", mas a companhia desse alguém estava para embarcar para a Metrópole e eu safei-me do "mato". 

Como teclava bem, lá me aguentei. 

Era conhecido pelo Delmar d'Âncora, por ser natural de Riba de Âncora e fazer uns desenhos à d'Vinci: diziam no gozo. 

Andei 2 anos na Escola Comercial Patrício Prazeres; 4 anos na Escola de Artes Decorativas António Arroio; 4 anos na Escola Industrial Machado de Castro. 

Desempenhei funções de desenhador industrial; diretor de obras; diretor comercial, entre outras. Estou reformado.




************

2. Comentário do editor:

Caro Delmar,

Sê bem-vindo à nossa Tabanca Grande, entra e instála-te para, caso queiras, começares a escrever as tuas memórias de guerra, mesmo que vividas no "ar condicionado" de Bissau, nos anos 66 a 68. Conta-nos como era a cidade no teu tempo, como se convivia, locais mais emblemáticos, divertimentos, etc. Não te esqueças de enviar fotos.

Um caso parecido com o teu, o do nosso camarada Ribeiro Agostinho, meu particular amigo, que também foi em rendição individual para a Guiné. Quando chegou a Bissau, a Unidade dele tinha regressado à Metrópole no dia anterior. Como tu, também ele ficou no QG, mas na CCS. Por pouco não vos tereis cruzado já que ele é de 68 a 70.

Sabemos que tens um Blogue, "Memórias de um combatente do ar condicionado", que já espreitámos. Se não importares, havemos de importar algumas publicações tuas para este, agora também teu, Blogue.

Também te encontrámos no facebook, até já sou teu amigo desde há minutos. É aqui: https://www.facebook.com/antoniopereira.pereira.522

Segundo escreves, és minhoto de uma das zonas mais bonitas do norte de Portugal, Vila Praia de Âncora, mas parece que "emigraste" para Lisboa, talvez à procura de melhores oportunidades de vida. Tiveste variadas actividades profissionais, estando agora a viver o merecido descanso, situação comum à quase esmagadora maioria de nós. Bem merecemos.

Estás apresentado formalmente à tertúlia, ocuparás o 755.º lugar.

Não posso esquecer de te enviar um abraço em nome da tertúlia e dos editores. Recebe um abraço pessoal do co-editor

Carlos Vinhal
____________

Nota do editor

Último poste da série de 14 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17766: Tabanca Grande (446): António Acílio Quelhas Antunes Azevedo, ex-Cap Mil, CMDT da 1.ª CCAV/BCAV 8320/72 (Bula) e da CCAÇ 17 (Binar), 1973/74, que passa a ocupar o lugar n.º 754 da tertúlia