Selecção e notas de Jorge Santos.
AUTOR: Salgueiro Maia
TÍTULO: Capitão de Abril – Histórias da Guerra do Ultramar e do 25 de Abril
EDITORA: Editorial Notícias
ANO: 1994
SINOPSE: “A minha geração, talvez por ter nascido ainda com o cheiro da Segunda Guerra Mundial, teve a característica de ser saudavelmente gregária; assim, e em confronto com as novas gerações, o sentimento colectivo dominava o individual; desde os bancos da escola que nos organizámos de modo a fazer face ao inimigo comum, os professores e todo o tipo de autoridade; este sentimento foi a base de tudo o que fizemos a seguir”.
Nota sobre o autor: Fernando José Salgueiro Maia, o Capitão de Abril, nasceu a 1 de Julho de 1944, em Castelo de Vide, filho de Francisco da Luz Maia e de Francisca Silvéria Salgueiro. Fez a instrução na escola primária de São Torcato, em Coruche; e os estudos secundários, em Tomar e em Leiria, para onde se desloca com o pai, empregado da CP (Caminhos de Ferro).
Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril (© 1996)
Aos vinte anos, em Outubro de 1964, Salgueiro Maia entra para a Academia Militar, em Lisboa. Em 1966 apresenta-se na EPC (Escola Prática de Cavalaria), em Santarém, para frequentar o tirocínio. Parte, em 1968, para o Norte de Moçambique integrado na 9ª Companhia de Comandos. Promovido a capitão em 1970, parte em Julho de 1971 para a Guiné à frente da Companhia de Cavalaria 3420. Esteve em Bula. Foi director do jornal da sua unidade, Os Progressitas. (vd. post de 7 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCVI: Salgueiro Maia, director de jornal de caserna).
Regressou a Portugal em 1973, e ficou colocado na EPC. Começam então as reuniões do MFA (Movimento das Forças Armadas). Salgueiro Maia, delegado da arma de Cavalaria, faz parte da Comissão Coordenadora do Movimento.
Em 25 de Abril de 1974, comanda a coluna de carros de combate que, partindo de Santarém, foi cercar os ministérios no Terreiro do Paço, em Lisboa. Comandou a seguir o cerco ao Quartel do Carmo onde se encontrava refugiado Marcelo Caetano forçando-o à rendição. A sua acção no cerco ao Quartel do Carmo constitui uma das mais belas imagens do 25 de Abril de 1974.
Como aconteceu com muitos outros militares de Abril, a hierarquia militar acabou por discriminá-lo, ao colocá-lo nos Açores de onde só regressará em 1979 para comandar o Presídio Militar de Santa Margarida.
Por fim, em 1984 regressou à sua unidade EPC. Faleceu em 4 de Abril de 1992. Está sepultado em Castelo de Vide, no talhão dos combatentes. Logo após o 25 de Abril, o então largo Oliveira Salazar em Castelo de Vide passou a ser designado por Largo Capitão Maia.
No 25º aniversário do 25 de Abril (1999), a Direcção do Grupo de Amigos de Castelo de Vide, ciente de representar, neste particular o sentir dos seus conterrâneos, depositou cravos na sua sepultura, juntamente com um texto de agradecimento pelo seu papel na restituição da Liberdade aos portugueses. Esse grupo de amigos não esconde o orgulho ter entre os seus conterrâneos um dos mais generosos capitães de Abril, que recusou honrarias e cargos políticos.
Outros sítios sobre Salgueiro Maia (1944-1992):
Vidas Lusófonas > Salgueiro Maia, militar, capitão de Abril: 1944-1992, por Carlos Loures
AUTOR: António Sousa Duarte
TÍTULO: Salgueiro Maia - Fotobiografia
EDITORA: Âncora
ANO: 2004
SINOPSE: Incluem-se nesta obra artigos de jornais (por exemplo,a notícia da sua partida para a Guiné, em Julho de 1971) bem como cartas e outros documentos pessoais do capitão de Abril. E também testemunhos da sua actividade cultural, as viagens, as licenciaturas que fez em Sociologia e em Antropologia, a concepção de um pequeno museu militar na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém.
Mas nesta obra, que contém fotos de Rui Ochôa e Alfredo Cunha, é retratado o homem dedicado, informal nas cerimónias públicas como nos piqueniques familiares, irónico e dono de uma lucidez implacável. O o mesmo que pede à sua mulher, Natércia, que o fotografe com as cicatrizes na barriga, após uma operação a que foi sujeito e no decorrer da doença que viria vitimá-lo. Fonte: Nair Alexandra, in revista «Actual» (Expresso), de 22/5/2004.
AUTOR: António Sousa Duarte
TÍTULO: Salgueiro Maia – Um Homem da Liberdade
EDITORA: Âncora
ANO: 2000
SINOPSE: "Na modéstia e isenção do seu comportamento e na honradez do seu carácter, foi uma referência. Compreendeu como poucos o papel que deve caber aos militares numa sociedade democrática. Deveria, por isso, ter sido melhor apreciado na instituição militar. A melhor maneira de honrarmos a sua memória é continuarmos a construir o país de liberdade e solidariedade, sem discriminações nem injustiças, que ele sonhou para todos os portugueses". Mário Soares (in Prefácio)
FADO SALGUEIRO MAIA
Traz a tua força, amigo,
Traz também o coração
Que nós estamos contigo
P'ra cumprir a revolução.
Traz também teus olhos verdes,
Luz de uma esperança calada,
Traz também a tua aura,
De homem puro, madrugada.
Meu amor, livro de História,
Nobre raíz de imbondeiro,
Trazes no fundo do peito,
O grito da liberdade, Salgueiro
Maia, dum Maio maduro,
Fruto de Abril conquistado,
Maia, passo de coragem
Dum Portugal bem fadado.
(Letra e Música- Valéria Mendez)
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 7 de agosto de 2005
Guiné 63/74 - P143: A imprensa militar (Marques Lopes)
Texto do A. Marques Lopes:
Há tempos o Jorge Santos mandou-nos uma lista dos títulos da imprensa militar publicada na Guiné durante a guerra. Eu próprio digitalizei as referências bibliográficas completas desssas publicações, constantes do livro Imprensa Militar Portuguesa - Catálogo da Biblioteca do Exército. Trata-se de uma edição da Biblioteca do Exército de 2003. A responsabilidade da edição é do coronel Alberto Ribeiro Soares, então Director da Biblioteca (não sei se ainda é).
Como podem ver pelos dois que aqui deixo, cada jornal tem o nome da unidade que o publicava, o director da publicação, o anos em que foi publicado, os exemplares existentes na Biblioteca do Exército e, no final, a referência, para quem quizer fazer consultas.
Existem outra publicações das unidades que estiveram em Angola, Moçambique, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Timor e, até, em tempo mais recuados, das que estiveram na Índia.
É um belíssimo trabalho da responsabilidade do coronel Ribeiro Soares e uma base muito importante para quem quizer estudar a psicologia e o sentimento dos combatentes, tendo, embora em conta que a maior parte destas publicações eram dirigidas pelos comandantes das unidades. Mas alguma coisa hão-de dizer.
Há tempos o Jorge Santos mandou-nos uma lista dos títulos da imprensa militar publicada na Guiné durante a guerra. Eu próprio digitalizei as referências bibliográficas completas desssas publicações, constantes do livro Imprensa Militar Portuguesa - Catálogo da Biblioteca do Exército. Trata-se de uma edição da Biblioteca do Exército de 2003. A responsabilidade da edição é do coronel Alberto Ribeiro Soares, então Director da Biblioteca (não sei se ainda é).
Como podem ver pelos dois que aqui deixo, cada jornal tem o nome da unidade que o publicava, o director da publicação, o anos em que foi publicado, os exemplares existentes na Biblioteca do Exército e, no final, a referência, para quem quizer fazer consultas.
Existem outra publicações das unidades que estiveram em Angola, Moçambique, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Timor e, até, em tempo mais recuados, das que estiveram na Índia.
É um belíssimo trabalho da responsabilidade do coronel Ribeiro Soares e uma base muito importante para quem quizer estudar a psicologia e o sentimento dos combatentes, tendo, embora em conta que a maior parte destas publicações eram dirigidas pelos comandantes das unidades. Mas alguma coisa hão-de dizer.
Guiné 63/74 - P142: Antologia (14): Invasão de Conacri, o último combate da marinha portuguesa (Jorge Santos)
Este texto chegou à nossa caixa de correio por mão do Jorge Santos, sempre atento a tudo o que se diz e escreve sobre a guerra colonial.
Foi publicado num jornal semanário, da comunidade luso-americana. Reproduzi-lo aqui, com a devia vénia:
Eduardo Mayone Dias: Carta da Califórnia: Último Combate da Marinha Portuguesa. Portuguese Times, New Bedford, Mass. nº 1706, de 3 de Março de 2004.
________
Em 1958 a Guiné-Conakry conseguiu a independência e Sekou Touré tornou-se o seu Presidente, instituindo um governo de nítido carácter esquerdista. A sua política ditatorial levou a uma forte resistência dentro do país.(1) É pois fácil compreender que este governo se oporia a qualquer sistema colonialista e se mostraria favorável a apoiar movimentos autonomistas, como era o PAIGC.
Foi pois nestas circunstâncias que esta nação se tornou a principal base logística e de treino dos guerrilheiros chefiados por Amílcar Cabral. As quatro vedetas do PAIGC, com uma deslocação de 66 toneladas, podiam atingir uma velocidade superior a 40 nós. Estavam armadas com duas peças anti-aéreas e dois tubos lança-torpedos. Dada a sua mobilidade e poder de fogo constituíam evidentemente uma grave ameaça para Portugal. De facto não lhes seria difícil acercar-se durante a noite ao porto de Bissau sem serem detectadas e afundar qualquer navio aí atracado, incluindo um dos paquetes então utilizados como transportes de tropas. Entre estas unidades contava-se
o Niassa (I), o primeiro navio mercante a ser requisitado para esse serviço, com
capacidade para receber mais de 3000 homens.
Foi por esta altura que o Capitão-Tenente Alpoim Calvão, especializado em operações de mergulhadores-sapadores, concebeu um plano para pôr fora de acção estas vedetas, tanto as da Guiné-Conakry como as do PAIGC. O método consistiria em conduzir equipas de homens-rãs em lanchas, durante a noite, até ao porto de Conakry. Aí os militares portugueses aporiam minas-lapa no costado das vedetas potencialmente inimigas.
Terminada a sua missão, esse contingente regressaria a Bissau, ainda a coberto das trevas. Dentro de poucas horas as minas explodiriam. Uma vez afundadas as vedetas, esperava-se que a autoria da operação não fosse determinada. No fundo era um plano que deveria ser desenvolvido com a maior discrição, já que Portugal não se encontrava em estado de guerra com a Guiné-Conakry e portanto não seria, sob um ponto de vista legal, justificável um ataque às suas forças.
O projecto mereceu o apoio do então Brigadeiro António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, o que possivelmente contribuiu para que fosse também aprovado pelo Chefe do Estado-Maior da Armada, decerto com a aquiescência de entidades superiores. Com o caminho agora aberto, Alpoim Galvão deslocou-se à Áfrical do Sul na companhia de um inspector da Direcção Geral de Seguraça (DGS), a sucessora da PIDE. Tratava-se de adquirir nesse país as minas necessárias para a execução desta audaciosa empresa. (Recorde-se que a União Sul-Africana foi o único país deste Continente que de forma activa cooperou com Portugal na luta contra os movimentos autonomistas.) Obtido o material desejado, Alpoim Galvão escondeu-o na sua bagagem e assim o levou para Lisboa, de onde depois
seguiu para a Guiné.
A fase seguinte consistia em obter dados sobre as instalações portuárias de Conakry. Nem em Lisboa nem em Bissau se tornou possível encontrar uma planta da cidade, de modo que houve que optar por uma observação in loco. Para isso destinou-se uma lancha que durante a noite entraria no porto, camuflada como pertencendo ao PAIGC. A unidade escolhida, a meados de Setembro de 1969, foi a lancha Sagitário. Para manter a ilusão, determinou-se que no caso de a embarcação ser avistada, apenas tripulantes africanos pudessem ser vistos na coberta. Um cabo de fuzileiros (2), ostentando boné de oficial, aparentaria ser o comandante.
Dando uma volta para simular ter vindo do sul, a lancha entrou no porto de Conakry às duas horas da noite de 17 de Setembro sem qualquer incidente, embora no seu trajecto se houvesse cruzado com alguns barcos de pesca. O seu radar pôde determinar a localização exacta dos cais. Tudo correu bem e preparavam-se para iniciar o regresso quando deixou de funcionar o gerador da lancha, o que obrigou a que fosse fundeada ainda dentro do porto. Criaram-se naturalmente momentos de grande tensão a bordo mas conseguiu-se reparar a avaria sem grande demora e a embarcação pôde atingir Bissau a são e salvo.
O magnífico êxito desta operação incentivou Alpoim Galvão a alargar o escopo da seguinte, a que seria dado o nome de código "Mar Verde" (II). Havia conhecimento da existência em Conakry de 26 prisioneiros de guerra portugueses (3) e o empreendedor oficial propôs a Spínola tentar a sua libertação, proposta com que o Comandante-Chefe entusiasticamente concordou. Mais do que isso, alvitrou também a destruição das instalações do PAIGC no porto.
O plano da "Mar Verde" iria no entanto continuar a ser ampliado. Já desde 1964 as autoridades portuguesas tinham mantido contactos com o FNLG, o Front de Libération National Guinéen, uma organização que fortemente se opunha ao regime de Sekou Touré. Pensava-se mesmo em autorizar o FNLG a criar bases em território da Guiné Portuguesa para daí lançar operações militares.
Encarou-se então a hipótese de usar forças armadas do FNLG para colaborarem na Operação "Mar Verde", o que, esperava-se, poderia levar à deposição de Sekou Touré e à instalação de um governo mais avesso a uma hostilidade a Portugal. De novo Spínola, agora já promovido ao posto de general, alinhou com esta iniciativa. Pouco a pouco a operação ia assumindo um decidido carácter de bola de neve.
A utilização de forças do FLNG neste empreendimento implicava vários problemas. Um deles consistia nas desfavoráveis repercussões internacionaisde um golpe de estado fomentado num país estrangeiro pelo Governo Português.Também os elementos da organização se encontravam dispersos por vários países africanos e tornava-se imperioso reuni-los e trazê-los sob o maior sigilo até ao território da Guiné Portuguesa, onde seriam treinados. Uma vez aí foram levados à ilha de Soga, de onde não lhes era permitido sair, a fim de que se mantivesse absoluto silêncio sobre a sua presença. Embora muitos deles houvessem já servido no exército colonial francês ou no da Guiné-Conakry, foram submetidos a uma intensa preparação, dirigida por
instrutores portugueses, que durou de Janeiro a Novembro de 1970. Conseguido o assentimento do Presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano, com a condição de que não fosse deixado em Conakry qualquer indício da intervenção portuguesa, tudo estava preparado para lançar a "Mar Verde", apesar dos graves riscos políticos que poderia desencadear.
Ao fim da tarde de 19 de Novembro zarpou da ilha de Soga (III) uma força naval comandada por Alpoim Galvão e constituída por quatro lanchas de fiscalização e duas de desembarque. A bordo seguiam uns 200 homens do FLNG, fuzileiros guineenses e uma companhia de comandos também africanos.
Apoiadas por um avião da Força Aérea Portuguesa, estas unidades navegaram para o sul e conseguiram atingir as imediações de Conakry, sem a sua presença ter sido observada, pelas vinte horas do dia 21 de Novembro. As lanchas fundearam depois em pontos diferentes, esperando a hora do desembarque, marcada para a uma e trinta da madrugada de domingo, dia 22.
O primeiro passo a ser dado era o da neutralização de todas as vedetas, o que também impediria qualquer resistência séria. Dessa missão encarregou-se uma equipa de catorze fuzileiros africanos, comandados por um jovem oficial europeu. Em absoluto silêncio tomaram lugar em botes de borracha. A um lado de um pontão encontraram as quatro vedetas do PAIGC, amarradas entre si, e do lado oposto as três da Guiné-Conakry. No pontão avistaram uma sentinela, que se lhes afigurou estar adormecida. Um grumete aproximou-se em silêncio e matou a sentinela com uma punhalada. Vieram em seguida os restantes membros da equipa, que através das escotilhas lançaram para o interior das vedetas granadas de mão que liquidaram os tripulantes que aí se encontravam e causaram vários incêndios. Isso alertou um posto instalado no telhado de um armazém da doca, de onde começou a ser feito fogo de metralhadora.
Apesar de ter sofrido alguns feridos, a equipa pôde regressar aos botes, deixando em chamas as vedetas, que pouco mais tarde explodiram. Pela uma e quarenta largaram de outras lanchas dez botes transportando uma equipa destinada a tomar posse de um complexo militar a perto de sete quilómetros da cidade. Alguns dos botes embaraçaram-se em armações de pesca, o que atrasou o desembarque. A equipa dividiu-se então em três grupos. O primeiro encaminhou-se para a prisão La Montaigne, onde se encontravam
detidos os prisioneiros portugueses. Após um breve combate com os guardas, os prisioneiros foram libertados.
O objectivo do segundo grupo era o ataque a instalações do PAIGC, o que foi alcançado com a destruição de cinco edifícios e algumas viaturas. Também foram abatidos alguns militantes do partido.
O terceiro grupo, após um violento combate com os defensores, arrasou um complexo de milícias e uma residência de férias de Sekou Touré. Poderá admitir-se que o ataque ao segundo alvo teria sido concebido com o fim de eliminar o Presidente, o que não aconteceu.
De outra lancha largaram três equipas. A primeira assaltou o quartel da Guarda Republicana e libertou cerca de 400 presos políticos, alguns dos quais pegaram em armas e se juntaram aos atacantes. Essa lancha atracou ao cais do Yacht Club e desembarcou as outras duas equipas. Uma delas ocupou a central eléctrica e cortou a energia para a cidade, com o propósito de desorientar os defensores e facilitar a retirada dos atacantes. O terceiro grupo ocupou sem resistência um campo militar e destroçou uma coluna motorizada que acorrera ao local. Pelas quatro da manhã haviam sido alcançados com êxito e apenas ligeiras baixas os objectivos situados na parte norte da cidade.
Já na parte sul a acção não decorreu com tanto sucesso. Uma equipa vinda para terra à uma da manhã, comandada por um alferes guineense e encarregada de ocupar a estação emissora de rádio, não conseguiu chegar ao seu destino por falta de orientação. Sete outras equipas todavia cumpriram as suas missões no interior da cidade sem grande resistência, com a excepção da encontrada no quartel da Gendarmerie. Neste recontro foi destruída uma coluna de blindados. No palácio presidencial também não foi possível encontrar Sekou Touré.
Ainda outra equipa, a que fora dada ordem de ocupar o aeroporto e destruir os aviões de caça Mig que se deviam aí encontrar fracassou no seu intento. A caminho, um tenente guineense desertou, levando consigo vinte homens.(5) O comandante da equipa, um capitão pára-quedista europeu, prosseguiu no seu trajecto mas teve a surpresa de não encontrar no aeroporto os Migs, que dias antes haviam sido transferidos para outro local.
O propósito inicial de Alpoim Galvão era de permanecer em Conakry até que o governo de Sekou Touré fosse derrubado. Considerando contudo que como os Migs não tinham sido destruídos, o que poderia constituir um grave perigo para as suas embarcações, decidiu-se por uma rápida retirada. Aliás soube-se mais tarde que os aparelhos não estavam operacionais, dada a falta de preparação dos seus pilotos. Desanimou-o também a constatação de que o FLNG não reunia as condições para um eficaz apoio popular na sua tentativa de subir ao poder.
A partida de Conakry teve lugar já depois do nascer do sol e o regresso a Bissau processou-se sem obstáculos de maior, embora tivessem sido feitos quatro tiros de morteiro em direcção a uma das lanchas. A flotilha aportou à ilha de Soga no dia seguinte, a meio da tarde.
A meticulosidade com que a Operação "Mar Verde" foi planeada e executada revelou-se verdadeiramente notável ao nível militar. As vedetas foram postas fora de combate, várias instalações do PAOGC inutilizadas e os prisioneiros portugueses libertados. O custo humano orçou apenas por três mortos e três feridos graves. No plano político resultou no entanto num estrondoso fracasso. Sekou Touré continuou no poder e Amílcar Cabral não foi aprisionado ou abatido, como seria decerto o secreto desejo de muitos.
É contudo curioso notar que "Mar Verde" representou a única acção de envergadura realizada em qualquer das três frentes das campanhas coloniais por forças de combate predominantemente africanas. (5) De todos os modos, no fundo foi um esforço tão inútil como todos os outros levados a efeito durante os longos anos da guerra colonial, rematada pela via política sem se terem obtido os resultados propostos.
__________
NOTAS
(1) Através da sua obra Poèmes militants (1978), Sekou Touré tornou-se também conhecido como poeta.
(2) Recorde-se que o Corpo de Fuzileiros Navais faz parte da Marinha de Guerra Portuguesa.
(3) O aprisionamento de militares portugueses em África era um segredo rigorosamente imposto pela censura aos meios de comunicação social.
(4) Parece que este oficial foi mais tarde executado por ordem de Sekou Touré.
(5) A deserção do tenente guineense com os seus homens constituiu um incidente que ilustra a continuada relutância portuguesa de empregar forças africanas em missões de combate contra a guerrilha.
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Notas de L.G.
(I) Vd. pot de 23 de Junho de 2005> Guiné 69/71 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau
(II) Vd. post de 4 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXVII: Antologia (12): Op Mar Verde
(III) No arquipélago dos Bijagós: vd. mapa da Guiné-Bissau
Foi publicado num jornal semanário, da comunidade luso-americana. Reproduzi-lo aqui, com a devia vénia:
Eduardo Mayone Dias: Carta da Califórnia: Último Combate da Marinha Portuguesa. Portuguese Times, New Bedford, Mass. nº 1706, de 3 de Março de 2004.
________
Em 1958 a Guiné-Conakry conseguiu a independência e Sekou Touré tornou-se o seu Presidente, instituindo um governo de nítido carácter esquerdista. A sua política ditatorial levou a uma forte resistência dentro do país.(1) É pois fácil compreender que este governo se oporia a qualquer sistema colonialista e se mostraria favorável a apoiar movimentos autonomistas, como era o PAIGC.
Foi pois nestas circunstâncias que esta nação se tornou a principal base logística e de treino dos guerrilheiros chefiados por Amílcar Cabral. As quatro vedetas do PAIGC, com uma deslocação de 66 toneladas, podiam atingir uma velocidade superior a 40 nós. Estavam armadas com duas peças anti-aéreas e dois tubos lança-torpedos. Dada a sua mobilidade e poder de fogo constituíam evidentemente uma grave ameaça para Portugal. De facto não lhes seria difícil acercar-se durante a noite ao porto de Bissau sem serem detectadas e afundar qualquer navio aí atracado, incluindo um dos paquetes então utilizados como transportes de tropas. Entre estas unidades contava-se
o Niassa (I), o primeiro navio mercante a ser requisitado para esse serviço, com
capacidade para receber mais de 3000 homens.
Foi por esta altura que o Capitão-Tenente Alpoim Calvão, especializado em operações de mergulhadores-sapadores, concebeu um plano para pôr fora de acção estas vedetas, tanto as da Guiné-Conakry como as do PAIGC. O método consistiria em conduzir equipas de homens-rãs em lanchas, durante a noite, até ao porto de Conakry. Aí os militares portugueses aporiam minas-lapa no costado das vedetas potencialmente inimigas.
Terminada a sua missão, esse contingente regressaria a Bissau, ainda a coberto das trevas. Dentro de poucas horas as minas explodiriam. Uma vez afundadas as vedetas, esperava-se que a autoria da operação não fosse determinada. No fundo era um plano que deveria ser desenvolvido com a maior discrição, já que Portugal não se encontrava em estado de guerra com a Guiné-Conakry e portanto não seria, sob um ponto de vista legal, justificável um ataque às suas forças.
O projecto mereceu o apoio do então Brigadeiro António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, o que possivelmente contribuiu para que fosse também aprovado pelo Chefe do Estado-Maior da Armada, decerto com a aquiescência de entidades superiores. Com o caminho agora aberto, Alpoim Galvão deslocou-se à Áfrical do Sul na companhia de um inspector da Direcção Geral de Seguraça (DGS), a sucessora da PIDE. Tratava-se de adquirir nesse país as minas necessárias para a execução desta audaciosa empresa. (Recorde-se que a União Sul-Africana foi o único país deste Continente que de forma activa cooperou com Portugal na luta contra os movimentos autonomistas.) Obtido o material desejado, Alpoim Galvão escondeu-o na sua bagagem e assim o levou para Lisboa, de onde depois
seguiu para a Guiné.
A fase seguinte consistia em obter dados sobre as instalações portuárias de Conakry. Nem em Lisboa nem em Bissau se tornou possível encontrar uma planta da cidade, de modo que houve que optar por uma observação in loco. Para isso destinou-se uma lancha que durante a noite entraria no porto, camuflada como pertencendo ao PAIGC. A unidade escolhida, a meados de Setembro de 1969, foi a lancha Sagitário. Para manter a ilusão, determinou-se que no caso de a embarcação ser avistada, apenas tripulantes africanos pudessem ser vistos na coberta. Um cabo de fuzileiros (2), ostentando boné de oficial, aparentaria ser o comandante.
Dando uma volta para simular ter vindo do sul, a lancha entrou no porto de Conakry às duas horas da noite de 17 de Setembro sem qualquer incidente, embora no seu trajecto se houvesse cruzado com alguns barcos de pesca. O seu radar pôde determinar a localização exacta dos cais. Tudo correu bem e preparavam-se para iniciar o regresso quando deixou de funcionar o gerador da lancha, o que obrigou a que fosse fundeada ainda dentro do porto. Criaram-se naturalmente momentos de grande tensão a bordo mas conseguiu-se reparar a avaria sem grande demora e a embarcação pôde atingir Bissau a são e salvo.
O magnífico êxito desta operação incentivou Alpoim Galvão a alargar o escopo da seguinte, a que seria dado o nome de código "Mar Verde" (II). Havia conhecimento da existência em Conakry de 26 prisioneiros de guerra portugueses (3) e o empreendedor oficial propôs a Spínola tentar a sua libertação, proposta com que o Comandante-Chefe entusiasticamente concordou. Mais do que isso, alvitrou também a destruição das instalações do PAIGC no porto.
O plano da "Mar Verde" iria no entanto continuar a ser ampliado. Já desde 1964 as autoridades portuguesas tinham mantido contactos com o FNLG, o Front de Libération National Guinéen, uma organização que fortemente se opunha ao regime de Sekou Touré. Pensava-se mesmo em autorizar o FNLG a criar bases em território da Guiné Portuguesa para daí lançar operações militares.
Encarou-se então a hipótese de usar forças armadas do FNLG para colaborarem na Operação "Mar Verde", o que, esperava-se, poderia levar à deposição de Sekou Touré e à instalação de um governo mais avesso a uma hostilidade a Portugal. De novo Spínola, agora já promovido ao posto de general, alinhou com esta iniciativa. Pouco a pouco a operação ia assumindo um decidido carácter de bola de neve.
A utilização de forças do FLNG neste empreendimento implicava vários problemas. Um deles consistia nas desfavoráveis repercussões internacionaisde um golpe de estado fomentado num país estrangeiro pelo Governo Português.Também os elementos da organização se encontravam dispersos por vários países africanos e tornava-se imperioso reuni-los e trazê-los sob o maior sigilo até ao território da Guiné Portuguesa, onde seriam treinados. Uma vez aí foram levados à ilha de Soga, de onde não lhes era permitido sair, a fim de que se mantivesse absoluto silêncio sobre a sua presença. Embora muitos deles houvessem já servido no exército colonial francês ou no da Guiné-Conakry, foram submetidos a uma intensa preparação, dirigida por
instrutores portugueses, que durou de Janeiro a Novembro de 1970. Conseguido o assentimento do Presidente do Conselho de Ministros, Marcelo Caetano, com a condição de que não fosse deixado em Conakry qualquer indício da intervenção portuguesa, tudo estava preparado para lançar a "Mar Verde", apesar dos graves riscos políticos que poderia desencadear.
Ao fim da tarde de 19 de Novembro zarpou da ilha de Soga (III) uma força naval comandada por Alpoim Galvão e constituída por quatro lanchas de fiscalização e duas de desembarque. A bordo seguiam uns 200 homens do FLNG, fuzileiros guineenses e uma companhia de comandos também africanos.
Apoiadas por um avião da Força Aérea Portuguesa, estas unidades navegaram para o sul e conseguiram atingir as imediações de Conakry, sem a sua presença ter sido observada, pelas vinte horas do dia 21 de Novembro. As lanchas fundearam depois em pontos diferentes, esperando a hora do desembarque, marcada para a uma e trinta da madrugada de domingo, dia 22.
O primeiro passo a ser dado era o da neutralização de todas as vedetas, o que também impediria qualquer resistência séria. Dessa missão encarregou-se uma equipa de catorze fuzileiros africanos, comandados por um jovem oficial europeu. Em absoluto silêncio tomaram lugar em botes de borracha. A um lado de um pontão encontraram as quatro vedetas do PAIGC, amarradas entre si, e do lado oposto as três da Guiné-Conakry. No pontão avistaram uma sentinela, que se lhes afigurou estar adormecida. Um grumete aproximou-se em silêncio e matou a sentinela com uma punhalada. Vieram em seguida os restantes membros da equipa, que através das escotilhas lançaram para o interior das vedetas granadas de mão que liquidaram os tripulantes que aí se encontravam e causaram vários incêndios. Isso alertou um posto instalado no telhado de um armazém da doca, de onde começou a ser feito fogo de metralhadora.
Apesar de ter sofrido alguns feridos, a equipa pôde regressar aos botes, deixando em chamas as vedetas, que pouco mais tarde explodiram. Pela uma e quarenta largaram de outras lanchas dez botes transportando uma equipa destinada a tomar posse de um complexo militar a perto de sete quilómetros da cidade. Alguns dos botes embaraçaram-se em armações de pesca, o que atrasou o desembarque. A equipa dividiu-se então em três grupos. O primeiro encaminhou-se para a prisão La Montaigne, onde se encontravam
detidos os prisioneiros portugueses. Após um breve combate com os guardas, os prisioneiros foram libertados.
O objectivo do segundo grupo era o ataque a instalações do PAIGC, o que foi alcançado com a destruição de cinco edifícios e algumas viaturas. Também foram abatidos alguns militantes do partido.
O terceiro grupo, após um violento combate com os defensores, arrasou um complexo de milícias e uma residência de férias de Sekou Touré. Poderá admitir-se que o ataque ao segundo alvo teria sido concebido com o fim de eliminar o Presidente, o que não aconteceu.
De outra lancha largaram três equipas. A primeira assaltou o quartel da Guarda Republicana e libertou cerca de 400 presos políticos, alguns dos quais pegaram em armas e se juntaram aos atacantes. Essa lancha atracou ao cais do Yacht Club e desembarcou as outras duas equipas. Uma delas ocupou a central eléctrica e cortou a energia para a cidade, com o propósito de desorientar os defensores e facilitar a retirada dos atacantes. O terceiro grupo ocupou sem resistência um campo militar e destroçou uma coluna motorizada que acorrera ao local. Pelas quatro da manhã haviam sido alcançados com êxito e apenas ligeiras baixas os objectivos situados na parte norte da cidade.
Já na parte sul a acção não decorreu com tanto sucesso. Uma equipa vinda para terra à uma da manhã, comandada por um alferes guineense e encarregada de ocupar a estação emissora de rádio, não conseguiu chegar ao seu destino por falta de orientação. Sete outras equipas todavia cumpriram as suas missões no interior da cidade sem grande resistência, com a excepção da encontrada no quartel da Gendarmerie. Neste recontro foi destruída uma coluna de blindados. No palácio presidencial também não foi possível encontrar Sekou Touré.
Ainda outra equipa, a que fora dada ordem de ocupar o aeroporto e destruir os aviões de caça Mig que se deviam aí encontrar fracassou no seu intento. A caminho, um tenente guineense desertou, levando consigo vinte homens.(5) O comandante da equipa, um capitão pára-quedista europeu, prosseguiu no seu trajecto mas teve a surpresa de não encontrar no aeroporto os Migs, que dias antes haviam sido transferidos para outro local.
O propósito inicial de Alpoim Galvão era de permanecer em Conakry até que o governo de Sekou Touré fosse derrubado. Considerando contudo que como os Migs não tinham sido destruídos, o que poderia constituir um grave perigo para as suas embarcações, decidiu-se por uma rápida retirada. Aliás soube-se mais tarde que os aparelhos não estavam operacionais, dada a falta de preparação dos seus pilotos. Desanimou-o também a constatação de que o FLNG não reunia as condições para um eficaz apoio popular na sua tentativa de subir ao poder.
A partida de Conakry teve lugar já depois do nascer do sol e o regresso a Bissau processou-se sem obstáculos de maior, embora tivessem sido feitos quatro tiros de morteiro em direcção a uma das lanchas. A flotilha aportou à ilha de Soga no dia seguinte, a meio da tarde.
A meticulosidade com que a Operação "Mar Verde" foi planeada e executada revelou-se verdadeiramente notável ao nível militar. As vedetas foram postas fora de combate, várias instalações do PAOGC inutilizadas e os prisioneiros portugueses libertados. O custo humano orçou apenas por três mortos e três feridos graves. No plano político resultou no entanto num estrondoso fracasso. Sekou Touré continuou no poder e Amílcar Cabral não foi aprisionado ou abatido, como seria decerto o secreto desejo de muitos.
É contudo curioso notar que "Mar Verde" representou a única acção de envergadura realizada em qualquer das três frentes das campanhas coloniais por forças de combate predominantemente africanas. (5) De todos os modos, no fundo foi um esforço tão inútil como todos os outros levados a efeito durante os longos anos da guerra colonial, rematada pela via política sem se terem obtido os resultados propostos.
__________
NOTAS
(1) Através da sua obra Poèmes militants (1978), Sekou Touré tornou-se também conhecido como poeta.
(2) Recorde-se que o Corpo de Fuzileiros Navais faz parte da Marinha de Guerra Portuguesa.
(3) O aprisionamento de militares portugueses em África era um segredo rigorosamente imposto pela censura aos meios de comunicação social.
(4) Parece que este oficial foi mais tarde executado por ordem de Sekou Touré.
(5) A deserção do tenente guineense com os seus homens constituiu um incidente que ilustra a continuada relutância portuguesa de empregar forças africanas em missões de combate contra a guerrilha.
__________
Notas de L.G.
(I) Vd. pot de 23 de Junho de 2005> Guiné 69/71 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau
(II) Vd. post de 4 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXVII: Antologia (12): Op Mar Verde
(III) No arquipélago dos Bijagós: vd. mapa da Guiné-Bissau
sexta-feira, 5 de agosto de 2005
Guiné 63/74 - P141: Filmografia e videografia da Guerra Colonial - Guiné (3) (Jorge Santos)
1. Selecção de Jorge Santos:
GUINÉ – ASPECTOS VÁRIOS
Portugal, 1963
Realização: Rogado Godinho
Produção: Centro de Estudos de Antropologia Cultural
Género: Documentário
PRODUÇÕES DO SERVIÇO DE INFORMAÇÕES PÚBLICAS
DAS FORÇAS ARMADAS
MISSÃO NA GUINÉ
Portugal, 1965
Realização: Luís Miranda
Produção: RTP /S.I.P.F.A.
Género: Documentário
GUINÉ 1970
Portugal, 1970
Produção: S.I.P.F.A.
Género: Documentário
PRODUÇÕES DOS SERVIÇOS CARTOGRÁFICOS DO EXÉRCITO
MISSÃO NA GUINÉ 1, 2, 3, 4 e 5
Portugal, 1964
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
EXÉRCITO NA GUINÉ 1 – Operação “Odette”
Portugal, 1966
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Curta-Metragem
EXÉRCITO NA GUINÉ 2
Portugal, 1966
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
UMA OPERAÇÃO NA GUINÉ
Portugal, 1966
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
AUTO-DEFESA - GUINÉ
Portugal, 1967
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
EXÉRCITO NA GUINÉ 3 E 4
Portugal, 1967
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
ENGENHARIA NA GUINÉ
Portugal, 1968
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
FORÇA AÉREA NA GUINÉ 1
Portugal, 1968
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
MARINHA NA GUINÉ
Portugal, 1968
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
EXÉRCITO NA GUINÉ 5 – Auto-Defesa das Populações
Portugal, 1968
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
FORÇA AÉREA NA GUINÉ 2 e 3
Portugal, 1970
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
MARINHA NA GUINÉ 1 e 2
Portugal, 1970
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
INSTRUÇÃO DO EXÉRCITO NA GUINÉ
Portugal, 1970
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
VISITA DE GUINEENSES À METRÓPOLE
Portugal, 1970
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
PRODUÇÕES DA TELECINE-MORO
GUINÉ 68
Portugal, 1968
Realização: Quirino Simões
Produção: Telecine-Moro
Género: Curta-Metragem
GUINÉ A CAMINHO DO FUTURO
Portugal, 1971
Realização: Quirino Simões
Produção: Telecine-Moro
Género: Documentário
GUINÉ 1
Portugal, 1972
Realização: Abel Escoto
Produção: Telecine-Moro
Género: Documentário
GUINÉ 2
Portugal, 1972
Realizador: Felipe de Solms
Produção: Telecine-Moro
Género: Documentário
GUINÉ 74
Portugal, 1974
Realizador: Quirino Simões
Produção: Telecine-Moro
Género: Documentário
GUINÉ – ASPECTOS VÁRIOS
Portugal, 1963
Realização: Rogado Godinho
Produção: Centro de Estudos de Antropologia Cultural
Género: Documentário
PRODUÇÕES DO SERVIÇO DE INFORMAÇÕES PÚBLICAS
DAS FORÇAS ARMADAS
MISSÃO NA GUINÉ
Portugal, 1965
Realização: Luís Miranda
Produção: RTP /S.I.P.F.A.
Género: Documentário
GUINÉ 1970
Portugal, 1970
Produção: S.I.P.F.A.
Género: Documentário
PRODUÇÕES DOS SERVIÇOS CARTOGRÁFICOS DO EXÉRCITO
MISSÃO NA GUINÉ 1, 2, 3, 4 e 5
Portugal, 1964
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
EXÉRCITO NA GUINÉ 1 – Operação “Odette”
Portugal, 1966
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Curta-Metragem
EXÉRCITO NA GUINÉ 2
Portugal, 1966
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
UMA OPERAÇÃO NA GUINÉ
Portugal, 1966
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
AUTO-DEFESA - GUINÉ
Portugal, 1967
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
EXÉRCITO NA GUINÉ 3 E 4
Portugal, 1967
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
ENGENHARIA NA GUINÉ
Portugal, 1968
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
FORÇA AÉREA NA GUINÉ 1
Portugal, 1968
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
MARINHA NA GUINÉ
Portugal, 1968
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
EXÉRCITO NA GUINÉ 5 – Auto-Defesa das Populações
Portugal, 1968
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
FORÇA AÉREA NA GUINÉ 2 e 3
Portugal, 1970
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
MARINHA NA GUINÉ 1 e 2
Portugal, 1970
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
INSTRUÇÃO DO EXÉRCITO NA GUINÉ
Portugal, 1970
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
VISITA DE GUINEENSES À METRÓPOLE
Portugal, 1970
Realização: S.C.E
Produção: S.C.E.
Género: Documentário
PRODUÇÕES DA TELECINE-MORO
GUINÉ 68
Portugal, 1968
Realização: Quirino Simões
Produção: Telecine-Moro
Género: Curta-Metragem
GUINÉ A CAMINHO DO FUTURO
Portugal, 1971
Realização: Quirino Simões
Produção: Telecine-Moro
Género: Documentário
GUINÉ 1
Portugal, 1972
Realização: Abel Escoto
Produção: Telecine-Moro
Género: Documentário
GUINÉ 2
Portugal, 1972
Realizador: Felipe de Solms
Produção: Telecine-Moro
Género: Documentário
GUINÉ 74
Portugal, 1974
Realizador: Quirino Simões
Produção: Telecine-Moro
Género: Documentário
Guiné 63/4 - P140: Filmografia e videografia da Guerra Colonial - Guiné (2) (Jorge Santos)
1. Texto do Jorge Santos
GERAÇÃO DE 60 – Movimento Estudantil, Movimentos de Libertação
Portugal, 1989
Realização: Diana Andringa
Edição: RTP
Nota: Registo Vídeo, 1 cassete (180 m)
RESUMO:
Contém depoimentos dos líderes dos movimentos de libertação africanos, líderes do movimento estudantil e alguns políticos portugueses.
GERAÇÃO DE 60 – Presos Políticos, Guerra Colonial
Portugal, 1989
Realização: Diana Andringa
Edição: RTP
Nota: Registo Vídeo, 1 cassete (180 m)
RESUMO:
Contém depoimentos de políticos e militares portugueses.
GUERRA COLONIAL: Estado Novo e Regime Democrático
Portugal, 1995
Realização: Revista Vértice
Edição: Centro de Documentação 25 de Abril
Nota: Registo Vídeo, 2 cassetes (180 m)
RESUMO:
A Guerra Colonial em Angola, Guiné e Moçambique e os deficientes militares das forças armadas.
ANTÓNIO DE SPÍNOLA (Especial Informação)
Portugal, 1995
Realização: Luís Salvador
Edição: (Suana Zarco) - TVI
Nota: Registo Vídeo, 1 cassete (30 m)
RESUMO:
Contém imagens da carreira militar e política de Spínola, vários depoimentos, sobre a Guerra Colonial na Guiné, Amílcar Cabral, o PAIGC, o MDLP.
AS ÚLTIMAS PALAVRAS DE SALGUEIRO MAIA
Portugal, 1995
Realização: Apres. Victor Moura Pinto
Edição: SIC
Nota: Registo Vídeo, 1 cassete (50 m)
RESUMO:
Guerra Colonial, memórias, contendo imagens da Guerra Colonial e do 25 de Abril.
GRANDE REPORTAGEM - De Guillege a Gadamael: O Corredor da Morte
Portugal, 1996
Realização: Manuel Tomás – José Manuel Saraiva
Edição: SIC
Nota: Registo Vídeo, 1 cassete (60 m)
RESUMO:
Encontro de ex-combatentes no local onde foi travada a guerrilha.
GUERRA COLONIAL: Angola, Guiné e Moçambique – Ventos da História: Fases da Guerra
Portugal, 1997
Realização: Anabela Ramalhão de Almeida
Edição: Diário de Notícias
Nota: Registo Vídeo, 1 cassete (130 m)
RESUMO:
Abrange o período da Guerra Colonial compreendido entre 1961 e 1969.
GUERRA COLONIAL: Histórias de Campanha na Guiné
Portugal, 1998
Realização: Diário de Notícias
Edição: Diário de Notícias
Nota: Registo Vídeo, 1 cassete (28 m)
RESUMO:
Depoimentos da Guerra Colonial na Guiné.
GERAÇÃO DE 60 – Movimento Estudantil, Movimentos de Libertação
Portugal, 1989
Realização: Diana Andringa
Edição: RTP
Nota: Registo Vídeo, 1 cassete (180 m)
RESUMO:
Contém depoimentos dos líderes dos movimentos de libertação africanos, líderes do movimento estudantil e alguns políticos portugueses.
GERAÇÃO DE 60 – Presos Políticos, Guerra Colonial
Portugal, 1989
Realização: Diana Andringa
Edição: RTP
Nota: Registo Vídeo, 1 cassete (180 m)
RESUMO:
Contém depoimentos de políticos e militares portugueses.
GUERRA COLONIAL: Estado Novo e Regime Democrático
Portugal, 1995
Realização: Revista Vértice
Edição: Centro de Documentação 25 de Abril
Nota: Registo Vídeo, 2 cassetes (180 m)
RESUMO:
A Guerra Colonial em Angola, Guiné e Moçambique e os deficientes militares das forças armadas.
ANTÓNIO DE SPÍNOLA (Especial Informação)
Portugal, 1995
Realização: Luís Salvador
Edição: (Suana Zarco) - TVI
Nota: Registo Vídeo, 1 cassete (30 m)
RESUMO:
Contém imagens da carreira militar e política de Spínola, vários depoimentos, sobre a Guerra Colonial na Guiné, Amílcar Cabral, o PAIGC, o MDLP.
AS ÚLTIMAS PALAVRAS DE SALGUEIRO MAIA
Portugal, 1995
Realização: Apres. Victor Moura Pinto
Edição: SIC
Nota: Registo Vídeo, 1 cassete (50 m)
RESUMO:
Guerra Colonial, memórias, contendo imagens da Guerra Colonial e do 25 de Abril.
GRANDE REPORTAGEM - De Guillege a Gadamael: O Corredor da Morte
Portugal, 1996
Realização: Manuel Tomás – José Manuel Saraiva
Edição: SIC
Nota: Registo Vídeo, 1 cassete (60 m)
RESUMO:
Encontro de ex-combatentes no local onde foi travada a guerrilha.
GUERRA COLONIAL: Angola, Guiné e Moçambique – Ventos da História: Fases da Guerra
Portugal, 1997
Realização: Anabela Ramalhão de Almeida
Edição: Diário de Notícias
Nota: Registo Vídeo, 1 cassete (130 m)
RESUMO:
Abrange o período da Guerra Colonial compreendido entre 1961 e 1969.
GUERRA COLONIAL: Histórias de Campanha na Guiné
Portugal, 1998
Realização: Diário de Notícias
Edição: Diário de Notícias
Nota: Registo Vídeo, 1 cassete (28 m)
RESUMO:
Depoimentos da Guerra Colonial na Guiné.
Guiné 63/74 - P139: Filmografia e videografia da Guerra Colonial - Guiné (1) (Jorge Santos)
1. Texto do Jorge Santos (1º Gr. Fz., DFA, da Comp. Fuzileiros nº 4, Moçambique, Metangula, Cobué, 1968/70; página pessoal > "rapaziada da Tertúlia" possa completá-los. Logo que tenha mais, envio. Consultar a base de dados sobre o Cinema Português .
UM GRUPO DE TERRORISTAS ATACA
Inglaterra, 1964
Realização: John Sheppard
Produção: BBC
SINOPSE:
Uma reportagem realizada para a BBC, em 1964, que contribuiu para o despertar do mundo sobre a situação da guerra colonial que se travava nas matas da Guiné-Bissau, pela independência do país. A guerrilha p.d. teve início em Janeiro de 1963.
MISSÃO NA GUINÉ
Portugal, 1965
Realização: Luís Miranda
Produção: RTP / Serviço de Informação Pública das Forças Armadas
OPERAÇÃO MAR VERDE
Portugal, 197 (?)
Realização: Henrique Vasconcelos e Rui Araújo
Produção: RTC (Rádio Televisão Comercial)
Distribuição: RTC
SINOPSE:
Durante a guerra nas colónias o soldado português executou somente o seu dever. E um dos momentos em que melhor o executou terá sido durante a invasão e a ocupação da capital da Guiné-Conacri, em 22 de Novembro de 1970.
GUINÉ-BISSAU - INDEPENDÊNCIA
Portugal, 1977
Realização: António Escudeiro
Produção: Francisco de Castro
Fotografia.: António Escudeiro
ACTO DOS FEITOS DA GUINÉ
Portugal, 1980
Produção: Cinequipa
Realização: Fernando Matos Silva
Fotografia: José Luís Carvalhosa
Argumento: Fernando Matos Silva e Margarida Gouveia Fernandes
Música: Fausto
Som: Carlos Alberto Lopes
SINOPSE:
Ficção e realidade misturam-se neste filme, explicando a história da Guiné-Bissau, a colonização portuguesa e a luta de libertação nacional conduzida pelo PAIGC. Imagens reais de guerra e excertos de documentários cruzam-se com imagens e leituras do livro do século XVI História Trágico-Marítima, e textos inspirados pela guerra colonial, e com os pontos de vista ficcionados de personagens emblemáticos: o colono, o retornado, o guerrilheiro, o militar, o pide, o padre, o "descobridor".
MADINA DO BOÉ
Portugal, 1995
Realização: Manuel Costa e Silva, Manuel Tomás
Produção: Quimera do ouro; IPACA/ Estado-Maior do Exército
Fotografia: Rui Poças
Argumento: José Manuel Saraiva
Som: Vasco Barão
SINOPSE:
A operação de retirada de Madina de Boé vista por dois antigos oficiais do Exército Português, volvidos 25 anos, assim como por antigos guerrilheiros do PAIGC que estiveram directamente implicados. É o primeiro documentário sobre a guerra colonial que procura efectuar um levantamento histórico dos acontecimentos que levaram á morte de meia centenas de miliatres portugueses , na travessia do Corubal, no dia 6 de Fevereirod e 1968.( Vd. post de 2 de Agosto > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (6 de Fevereiro de 1969)
NINGUÉM NASCE SOLDADO
Portugal/Inglaterra, 1995
Realização: Jo Willems
Produção: Karen O´Brien - Dear Films
Fotografia: Glynn Speeckaert
Música: Vasco Martins
Som: Bart Van Den Bempt
SINOPSE:
As consequências da guerra colonial na população portuguesa, hoje. Três gerações que estiveram envolvidas na guerra: os próprios soldados, os seus pais e os seus filhos. Uma mãe fala do seu filho, morto na Guiné; dois soldados evocam o seu passado, falam do seu presente e do seu futuro; um filho de 25 anos, ainda aguarda o pai, soldado, que veio da guerra mas que nunca regressou ao seio da família.
ANOS DA GUERRA: Guiné 1963-1974
Portugal, 2000
Realização: José Barahona
Produção: Pedro Efe - Acetato / RTP
MONSANTO
Portugal, 2000
Realização: Ruy Guerra
Produção: Animatógrafo - SIC
Fotografia: José António Loureiro
Argumento: Vicente Alves do Ó
Música: Luís Cília
Som: Carlos Pinto
SINOPSE:
O filme centra a sua atenção no stresse pós-traumático que afecta muitos dos ex-combatentes. Um veterano, inadaptado, acaba por perder a noção da realidade e regressar à Guiné no parque de Monsanto.
AMILCAR CABRAL
Portugal, 2001
Realização: Ana Lúcia Ramos
Produção: Paulo de Sousa - Continental Filmes / RTP
Fotografia: José Brinco e Octávio Espírito Santo
Argumento: Ana Lúcia Ramos
Música: Celina Pereira
Som: Vasco Pedroso
SINOPSE:
Retrato simples e eficiente de Amílcar Cabral, o líder do processo de independência da Guiné-Bissau.
UM GRUPO DE TERRORISTAS ATACA
Inglaterra, 1964
Realização: John Sheppard
Produção: BBC
SINOPSE:
Uma reportagem realizada para a BBC, em 1964, que contribuiu para o despertar do mundo sobre a situação da guerra colonial que se travava nas matas da Guiné-Bissau, pela independência do país. A guerrilha p.d. teve início em Janeiro de 1963.
MISSÃO NA GUINÉ
Portugal, 1965
Realização: Luís Miranda
Produção: RTP / Serviço de Informação Pública das Forças Armadas
OPERAÇÃO MAR VERDE
Portugal, 197 (?)
Realização: Henrique Vasconcelos e Rui Araújo
Produção: RTC (Rádio Televisão Comercial)
Distribuição: RTC
SINOPSE:
Durante a guerra nas colónias o soldado português executou somente o seu dever. E um dos momentos em que melhor o executou terá sido durante a invasão e a ocupação da capital da Guiné-Conacri, em 22 de Novembro de 1970.
GUINÉ-BISSAU - INDEPENDÊNCIA
Portugal, 1977
Realização: António Escudeiro
Produção: Francisco de Castro
Fotografia.: António Escudeiro
ACTO DOS FEITOS DA GUINÉ
Portugal, 1980
Produção: Cinequipa
Realização: Fernando Matos Silva
Fotografia: José Luís Carvalhosa
Argumento: Fernando Matos Silva e Margarida Gouveia Fernandes
Música: Fausto
Som: Carlos Alberto Lopes
SINOPSE:
Ficção e realidade misturam-se neste filme, explicando a história da Guiné-Bissau, a colonização portuguesa e a luta de libertação nacional conduzida pelo PAIGC. Imagens reais de guerra e excertos de documentários cruzam-se com imagens e leituras do livro do século XVI História Trágico-Marítima, e textos inspirados pela guerra colonial, e com os pontos de vista ficcionados de personagens emblemáticos: o colono, o retornado, o guerrilheiro, o militar, o pide, o padre, o "descobridor".
MADINA DO BOÉ
Portugal, 1995
Realização: Manuel Costa e Silva, Manuel Tomás
Produção: Quimera do ouro; IPACA/ Estado-Maior do Exército
Fotografia: Rui Poças
Argumento: José Manuel Saraiva
Som: Vasco Barão
SINOPSE:
A operação de retirada de Madina de Boé vista por dois antigos oficiais do Exército Português, volvidos 25 anos, assim como por antigos guerrilheiros do PAIGC que estiveram directamente implicados. É o primeiro documentário sobre a guerra colonial que procura efectuar um levantamento histórico dos acontecimentos que levaram á morte de meia centenas de miliatres portugueses , na travessia do Corubal, no dia 6 de Fevereirod e 1968.( Vd. post de 2 de Agosto > Guiné 63/74 - CXXXIII: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (6 de Fevereiro de 1969)
NINGUÉM NASCE SOLDADO
Portugal/Inglaterra, 1995
Realização: Jo Willems
Produção: Karen O´Brien - Dear Films
Fotografia: Glynn Speeckaert
Música: Vasco Martins
Som: Bart Van Den Bempt
SINOPSE:
As consequências da guerra colonial na população portuguesa, hoje. Três gerações que estiveram envolvidas na guerra: os próprios soldados, os seus pais e os seus filhos. Uma mãe fala do seu filho, morto na Guiné; dois soldados evocam o seu passado, falam do seu presente e do seu futuro; um filho de 25 anos, ainda aguarda o pai, soldado, que veio da guerra mas que nunca regressou ao seio da família.
ANOS DA GUERRA: Guiné 1963-1974
Portugal, 2000
Realização: José Barahona
Produção: Pedro Efe - Acetato / RTP
MONSANTO
Portugal, 2000
Realização: Ruy Guerra
Produção: Animatógrafo - SIC
Fotografia: José António Loureiro
Argumento: Vicente Alves do Ó
Música: Luís Cília
Som: Carlos Pinto
SINOPSE:
O filme centra a sua atenção no stresse pós-traumático que afecta muitos dos ex-combatentes. Um veterano, inadaptado, acaba por perder a noção da realidade e regressar à Guiné no parque de Monsanto.
AMILCAR CABRAL
Portugal, 2001
Realização: Ana Lúcia Ramos
Produção: Paulo de Sousa - Continental Filmes / RTP
Fotografia: José Brinco e Octávio Espírito Santo
Argumento: Ana Lúcia Ramos
Música: Celina Pereira
Som: Vasco Pedroso
SINOPSE:
Retrato simples e eficiente de Amílcar Cabral, o líder do processo de independência da Guiné-Bissau.
quinta-feira, 4 de agosto de 2005
Guiné 63/74 - P138: Antologia (13): Manhã cedo, em Canhagina (Marques Lopes)
1. Texto do A. Marques Lopes:
Caros camaradas:
Para intervalar nesta salutar polémica do quem disse o que disse, envio-vos alguns textos de um autor ainda desconhecido. Faz-nos recordar muitas das nossas vivências.
«...Manhã cedo em Canhagina. A bolanha! Quem diria que a bolanha é um pântano... Após os primeiros dias da época das chuvas é maravilhosa. Estávamos a 23 de Junho. Com uma precisão quase matemática, as chuvas começaram a cair aí por volta do dia 15. Do solo, da vegetação luxuriante desprende-se um vapor que paira sobre as águas e envolve o ambiente. É o calor acumulado durante o período seco. Há quem lhe chame cacimba e quem diga que é prejudicial à boa saúde das vias respiratórias... mas, aos 23 anos, não há cacimba que impeça os pulmões de respirar poesia. Se há coisas belas que eu tenho visto na minha vida, uma delas, é, sem dúvida, a bolanha da Guiné, cercada por palmeiras, cibos e tufos de capim.
" (...) A bicha de pirilau, ao longo de quase trezentos metros, pondo em relevo, na paisagem verde, todas as sinuosidades do antigo carreiro já quase totalmente coberto, movia-se como um réptil enorme, segmentado e escamoso. O silêncio profundo e agradavelmente sombrio da mata era apenas cortado pelo roçar das botas de lona e dos camuflados pelas ervas e folhagens que acompanhavam o carreiro. Ambiente para piqueniques e amor. Na hora em que o intenso sol tropical só conseguiu ainda afastar e diluir a luminosidade doentia libertada durante a noite por aquela vegetação farta de clorofila, mantinha-se o meio termo da frescura agradável que faz da Guiné um dos locais mais belos e repousantes às sete horas da manhã.
"(...) Enterrei os galões no sítio onde jazem tantas noites de amor africano. Achei que não me servia ali a Convenção de Genebra, que o meu futuro de prisioneiro seria melhor se não soubesse o meu posto... Estranho, agora, como é que fui assaltado por essa estúpida ideia de avaliar nesses termos a enrascada em que me encontrava.
"Ali, deitado sobre a terra, desejoso de nela me afundar, como quem dorme com mulher, deixei a minha condição humana. Ali fiquei, alapado como um coelho que segue os passos do caçador à espera do momento oportuno para fugir.
"Levantei a cabeça e espreitei por cima do capim alto. Tendo abandonado as suas posições de combate, os turras avançavam em linha ao longo da clareira, lançando rajadas curtas de costureirinhas e kalashs. Estou a vê-los, numa imagem de ocasião, sem saber ainda se é real se imaginária: fortes, atléticos mesmo, em passadas decididas, senhores da vitória. Despertou em mim o animal cujas reacções são comandadas pelo instinto de sobrevivência e, ao mesmo tempo, o animal especial que eu era: o animal domesticado que eu era para reagir a determinados sinais e estímulos. Mais do que um naturalista, estou agora apto a compreender todo o mecanismo de comportamento do animal encurralado por numerosos caçadores. Não há computador electrónico, por mais perfeito e programado, que consiga dar a solução tão acertada e rapidamente como o maquinismo instintivo da sobrevivência, aliado ao treino para reagir às mais variadas situações.»
2. Já dei os parabéns ao futuro autor de um best seller sobre a guerra da Guiné! O nosso jagudi anda inspirado, criativo e produtivo… Parabéns, coronel! ....Só não sei ainda onde fica Canhagina... ! Também não importa: fica-me a poderosa impressão de, como há trinta e tal anos, atravessar uma bolanha da Guiné... Sém dúvida: com a cacimba (substantivo feminino), às sete da manhã, era um dos lugares mais perturbantes e fascinantes do mundo... Não gostaria de morrer sem voltar a... Canhagima! ... Ou talvez não: estão a matar as bolanhas da Guiné, um dos lugares mais belos da terra. O assassino chama-se... caju. (L.G.).
Caros camaradas:
Para intervalar nesta salutar polémica do quem disse o que disse, envio-vos alguns textos de um autor ainda desconhecido. Faz-nos recordar muitas das nossas vivências.
«...Manhã cedo em Canhagina. A bolanha! Quem diria que a bolanha é um pântano... Após os primeiros dias da época das chuvas é maravilhosa. Estávamos a 23 de Junho. Com uma precisão quase matemática, as chuvas começaram a cair aí por volta do dia 15. Do solo, da vegetação luxuriante desprende-se um vapor que paira sobre as águas e envolve o ambiente. É o calor acumulado durante o período seco. Há quem lhe chame cacimba e quem diga que é prejudicial à boa saúde das vias respiratórias... mas, aos 23 anos, não há cacimba que impeça os pulmões de respirar poesia. Se há coisas belas que eu tenho visto na minha vida, uma delas, é, sem dúvida, a bolanha da Guiné, cercada por palmeiras, cibos e tufos de capim.
" (...) A bicha de pirilau, ao longo de quase trezentos metros, pondo em relevo, na paisagem verde, todas as sinuosidades do antigo carreiro já quase totalmente coberto, movia-se como um réptil enorme, segmentado e escamoso. O silêncio profundo e agradavelmente sombrio da mata era apenas cortado pelo roçar das botas de lona e dos camuflados pelas ervas e folhagens que acompanhavam o carreiro. Ambiente para piqueniques e amor. Na hora em que o intenso sol tropical só conseguiu ainda afastar e diluir a luminosidade doentia libertada durante a noite por aquela vegetação farta de clorofila, mantinha-se o meio termo da frescura agradável que faz da Guiné um dos locais mais belos e repousantes às sete horas da manhã.
"(...) Enterrei os galões no sítio onde jazem tantas noites de amor africano. Achei que não me servia ali a Convenção de Genebra, que o meu futuro de prisioneiro seria melhor se não soubesse o meu posto... Estranho, agora, como é que fui assaltado por essa estúpida ideia de avaliar nesses termos a enrascada em que me encontrava.
"Ali, deitado sobre a terra, desejoso de nela me afundar, como quem dorme com mulher, deixei a minha condição humana. Ali fiquei, alapado como um coelho que segue os passos do caçador à espera do momento oportuno para fugir.
"Levantei a cabeça e espreitei por cima do capim alto. Tendo abandonado as suas posições de combate, os turras avançavam em linha ao longo da clareira, lançando rajadas curtas de costureirinhas e kalashs. Estou a vê-los, numa imagem de ocasião, sem saber ainda se é real se imaginária: fortes, atléticos mesmo, em passadas decididas, senhores da vitória. Despertou em mim o animal cujas reacções são comandadas pelo instinto de sobrevivência e, ao mesmo tempo, o animal especial que eu era: o animal domesticado que eu era para reagir a determinados sinais e estímulos. Mais do que um naturalista, estou agora apto a compreender todo o mecanismo de comportamento do animal encurralado por numerosos caçadores. Não há computador electrónico, por mais perfeito e programado, que consiga dar a solução tão acertada e rapidamente como o maquinismo instintivo da sobrevivência, aliado ao treino para reagir às mais variadas situações.»
2. Já dei os parabéns ao futuro autor de um best seller sobre a guerra da Guiné! O nosso jagudi anda inspirado, criativo e produtivo… Parabéns, coronel! ....Só não sei ainda onde fica Canhagina... ! Também não importa: fica-me a poderosa impressão de, como há trinta e tal anos, atravessar uma bolanha da Guiné... Sém dúvida: com a cacimba (substantivo feminino), às sete da manhã, era um dos lugares mais perturbantes e fascinantes do mundo... Não gostaria de morrer sem voltar a... Canhagima! ... Ou talvez não: estão a matar as bolanhas da Guiné, um dos lugares mais belos da terra. O assassino chama-se... caju. (L.G.).
Guiné 63/74 - P137: Antologia (12): Op Mar Verde (Marques Lopes)
Trecho do livro de Alpoím Calvão De Conakry ao MDLP (1976), seleccionado por A. Marques Lopes (vd. post de 22 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXX: Bibliografia de uma guerra (9): a invasão de Conacri):
A LFG ORION fundeou a NW dos molhes de protecção do porto de Conakry. A maré estava completamente cheia, o vento era nulo, e apenas o clarão da cidade iluminava a noite. Os botes de assalto foram colocados na água e, pelas 00.45, a equipa Victor, do comando do 2.° tenente Rebordão de Brito e composta por 14 elementos, largou discretamente em direcção aos molhes. Encostou ao Dique Norte, localizou exactamente o objectivo e partiu ao ataque.
O grumete FZE Abu Camará eliminou silenciosamente a sentinela, o que permitiu a entrada a bordo das três vedetas P6, que se encontravam a N da ponte do cais bananeiro. Abertas as portas das cobertas foram lançadas granadas de mão ofensivas para o interior das mesmas neutralizando as guarnições. A equipa de assalto atravessou velozmente a ponte e invadiu os restantes navios: mais três vedetas e uma espécie de lancha de desembarque.
Entretanto soara o alarme no porto e o inimigo abriu fogo sobre os nossos elementos que, repetindo a técnica das granadas de mão, eliminaram os focos de resistência a bordo. Os incêndios ateados pelas granadas cresceram rapidamente e, em breve, de bordo da ORION, avistaram-se as bolas de fogo provenientes das explosões das lanchas.
A equipa Victor, que realizou o notabilíssimo trabalho, regressou a bordo pelas 02.10, com dois feridos ligeiros e sem a menor perda de material.
As LFG Dragão e Cassiopeia, transportando a equipa ZULU, fundearam em 5 metros de fundo, na pequena baía a N da península de Conakry, junto aos baixos de La Prudente, cerca das 00.15, a três milhas marítimas do local de abicagem.
Às 01.40 os botes (em número de 10) largaram dos navios. Houve, poucos momentos depois, um pequeno contratempo: alguns botes enrodilharam-se em várias redes de pesca, que não foram avistadas devido à escuridão da noite. Depois de aturado trabalho a desvencilhar os hélices, conseguiu-se o desembarque pelas 02.15.
A equipa dividiu-se em três elementos: o primeiro, comandado pelo 1° tenente Cunha e Silva, dirigiu-se imediatamente à prisão La Montaigne, onde, depois de violenta escaramuça, eliminou a respectiva guarda e libertou os 26 prisioneiros portugueses que lá se encontravam.
O segundo, comandado pelo sub-tenente Falcão Lucas seguiu para o grupo de objectivos do PAIGC. Neutralizou uma série de sentinelas, destruiu 5 edifícios do partido, seis viaturas e abateu vários militantes que se encontravam nas instalações.
Finalmente o terceiro, comandado pelo 2° tenente Benjamim Abreu, encarregou-se do Campo das Milícias e da Villa Silly, residência secundária de Sekou Touré. Com uma decisão notável, o pequeno grupo (22 homens), forçou a entrada do Campo, esmagou a débil estrutura que se começou a formar e, à granada de mão, à bazucada e com bem dirigidas rajadas de metralhadora, pôs fora de combate cerca de 60 milicianos que guarneciam as duas casernas existentes. Prevendo que a guarda da casa de Sekou Touré, tivesse acorrido à defesa dos dois portões de entrada da propriedade, o tenente Benjamim resolveu saltar o muro que separava os dois objectivos e pôde assim, colhendo-a de supresa, eliminar a referida guarda. Sekou Touré ainda não chegara a casa: o quarto de dormir, a cama, impecavelmente aberta, aguardava o ditador Guineense! Incendiado o objectivo, o grupo retirou-se a fim de se juntar ao resto da equipa, o que conseguiu pelas quatro da manhã.
Passou a equipa ZULU a constituir a reserva de manobra do Comandante da operação.
Da LDG Montante, partiram as equipas OSCAR, ÍNDIA e MIK. A primeira, seguiu em botes de borracha conduzidos por pessoal do navio e abicou ao Quartel da Guarda Republicana, pelas 01.35. Para o desembarque das outras duas, a Montante, num alarde de boa manobra, abicou pelas 01.40 ao molhe Yatch Club!
A equipa OSCAR, constituída por efectivos nossos do Front (total 40 homens) e encabeçada pelos alferes Ferreira e Tomás Camará, dirigiu-se discretamente para o portão da entrada. O alferes Ferreira temerariamente tentou dominar a sentinela, a qual se refugiou na casa da guarda. O alferes, ao tentar persegui-lo, foi abatido na soleira da porta por dois homens que se encontravam no interior, os quais abriram nutrido fogo sobre os assaltantes. Valeu a decisão e coragem do furriel de comandos Marcelino da Mata: mergulhou através da janela e na confusão de vidros partidos e cadeiras caídas, etc., abateu os oponentes com uma rajada de AK-47.
O grupo entrou de rompante pelo recinto, colocando-se em posição de enfiar a saída das casernas, enquanto alguns homens corriam para a armaria. Apanhados de supresa, os guardas republicanos tentaram sair das casernas mas foram abatidos na maioria perdendo-se os outros na escuridão da noite.
Ocupado o campo, abriram-se as portas da prisão onde foram encontrados cerca de 400 presos políticos, que retomaram a liberdade no meio de grandes manifestações de alegria (ver relato do Capitão Abou Sommah, ocupante da cela n.° 37). Fez-se em seguida a entrega do campo às forças do FNLG (20 homens), na pessoa do chefe Barry Ibrahima, conhecido por BARRY III e cujas qualidades o tinham feito estimar por todos quantos com ele contactaram.
A equipa ÍNDIA (10 homens, furriel Demda Seca e Thiam do FLNG) atravessou a linha de caminho de ferro de Conakry – Fria e dirigiu-se para a Central. Observou a existência de quatro portas com sentinelas. Eliminou duas, prendeu o encarregado da central e obrigou-o a cortar a luz da cidade. Eram 02.15. Esta acção era primordial para o efeito psicológico que se pretendia obter. O seu sucesso contribuiu bastante para a desorientação verificada.
A equipa MIKE (50 homens) tinha por objectivo o Campo Militar Samory. Em marcha acelerada percorreu o quilómetro que a separava do alvo. Desarmou as sentinelas que estavam nos portões e ocupou o recinto sem efusão de sangue. A tarefa seguinte constituiu em bazucar e destruir os veículos que vinham para o campo carregados de pessoal: foram assim destruídas 16 viaturas com algumas dezenas de soldados. Deitou-se fogo aos edifícios do Estado-Maior e, não havendo mais resistência, a equipa dividiu-se em duas: uma, com o Alferes Sisseco (ferido na boca), que conduziu os nossos elementos feridos para o molhe do Yatch Club; a outra, com o coronel do FNLG DIALLO, o Comandante Assad e o jornalista do JEUNE AFRIQUE Siradiou Diallo, seguiu a ligar-se à equipa ÍNDIA. Por um acaso infeliz os rádios da equipa MIKE ficaram quase imediatamente fora de acção, o que obrigava a contactos directos com os outros grupos para saber o que se passava.
A LDG BOMBARDA, do comando do cap. ten. Aguiar de Jesus, cuja calma imperturbável era demonstrada pela descontracção como fumava o inseparável cigarrinho na extremidade duma já velha boquilha, pelas 01.00 pairava a 300 jardas a sul da praia Peronné. As 01.05, largaram de bordo dois botes com a equipa HOTEL, encarregada de se apossar da Emissora de Boulbinet.
Esta equipa, comandada pelo Alferes Jamanca e tendo como assessor do FNLG o engenheiro electrónico Tidiane Diallo, actuou de forma bizarra. O alferes Jamanca dera boas provas ao longo de 7 anos de campanha. Mas inexplicavelmente, depois de desembarcar junto do objectivo ou por desorientação do engenheiro Diallo, conhecedor do local, ou por indecisão do alferes, o facto é que os dez homens da equipa HOTEL ficaram agarrados ao local de desembarque até receberem ordem para retirar!
Entretanto, e em duas vagas de botes de borracha, desembarcaram as restantes equipas: ALFA, BRAVO, CHARLIE, DELTA, ECHO, FOXTROT e GOLF. Passada a desorientação inicial devida à escuridão provocada pelo corte de luz e por se estar numa cidade desconhecida, estas equipas, compostas por elementos da CCCA e do FNLG — cujos guias nem sempre se mostravam à altura da situação — seguiram para os objectivos e neutralizaram os meios importantes.
Apenas na Gendarmerie se encontrou resistência de vulto. Como a equipa ECHO (reforçada com a GOLF, BRAVO e DELTA, num total de 50 homens) demorou mais que o previsto a reagrupar o pessoal, ao chegar ao alvo que lhe estava destinado, verificou que uma coluna blindada se preparava para sair. O Capitão João Bacar, que comandava a equipa, atacou as viaturas com decisão, destruindo quatro e causando elevado número de baixas. A guarda do Palácio Presidencial, ao ver chegar os dez homens da equipa ALFA, debandou em grande velocidade deixando aos assaltantes o problema de revistar um edifício tão grande e que se encontrava vazio!
Finalmente, a LFG HIDRA (1° tenente Fialho Goes), aproximou-se, depois duma hábil navegação, do local de desembarque da equipa Sierra (capitão pára Morais), pairando pelas 212330, com dois metros de fundo. Em 220015, os botes largaram do navio, com rumo ao local de desembarque, sob o comando do guarda-marinha Centeno, imediato da HIDRA. As três milhas demoraram uma hora a percorrer e só pelas 01.30 se conseguiu desembarcar.
A equipa Sierra era composta por:
a) Elementos nacionais.
Cap. Lopes Morais
2° Sarg. mi/, comando Teixeira
Formação do comando
1.°s cabos paras Duarte, Morais
Tenente Januário, com 9 homens do seu pelotão
Alferes Justo, com 24 homens do seu pelotão.
b) Elementos do FNLG
Sub-Lieutenant Boiro, com cinco homens, sendo um, de nome Mamadu Balde, antigo controlador de circulação aérea no Aeroporto de Conakry.
Iniciou a progressão em direcção ao campo e antes de o atingir foi surpreendido pelo som dos rebentamentos que se iam ouvindo na cidade. O Cap. Morais, apesar de uma lesão num joelho contraída recentemente num salto de pára-quedas, forçou a marcha, mas sentindo uma certa resistência ao movimento na retaguarda, mandou um dos seus homens tentar a ligação e verificou com espanto que o tenente Januário e cerca de 20 homens tinham desaparecido.
"...A partir daquela altura só uma coisa importava já: localizar os MIG e destruí-los; dirigi-me ao local, mas não estavam; entretanto, no campo Alpha Ya-Ya, ouviam-se toques de clarins e ruídos fortes de motores a trabalhar;por me ressentir do joelho fiquei com três homens a meio do taxi-way e ordenei ao Alf. Justo e 2.° Sarg. Teixeira para irem procurar os MIG; voltaram vinte minutos depois, informando-me que no fim da pista estavam 3 aviões de hélice já velhos e que havia outra pista ao lado da principal e em terra batida, mas nada de MIG. Voltei para trás e aproximei-me da placa; nessa altura ouvia-se um toque prolongado de sino no aeroporto seguindo-se-lhe, passados alguns minutos, toques de apitos, calculo que por motivo da chegada dos pescadores a terra. Na placa havia seis aviões: 2 Caravelle, que o Ten. Boiro identificou pertencerem à Companhia AIR AFRIQUE e 4 aviões bi-motores, de asa alta, tipo Fokker F-27. O Alf. Justo quis ir destruí-los, mas não autorizei. Entretanto chegou uma viatura pesada que me pareceu uma auto-metralhadora; nos hangares que estavam abertos e iluminados não havia aviões" (do relatório do Capitão Morais).
Desde as duas da manhã que o comandante do T. G. tinha conhecimento da deserção do ten. Januário (msg. enviada pelo Grupo SIERRA — "O filho da puta do tenente fugiu com 20 dos meus homens. Traiu-me miseravelmente"). Embarcada a equipa VICTOR, a ORION levantou ferro, seguindo a toda a força para junto da BOMBARDA e HIDRA. Era necessário desembarcar a equipa PAPA, destinada a cortar o istmo que separa Conakry l de Conakry II.
O CTG 2 passou em bote de borracha para a BOMBARDA a fim de, face à evolução da situação, accionar a equipa PAPA.
Às 02.30 recebera comunicação da HIDRA de que a equipa SIERRA não tinha encontrado os MIG. Pelas 03.00 algumas notícias colhidas junto de prisioneiros em terra afirmavam que os MIG tinham sido enviados para Labé, no dia 20, devido a uma remodelação ministerial no Governo de Conakry! Havia ainda a hipótese de se conseguir capturar Sekou Touré. Às 04.00, CGT 2 teve conhecimentos que o Presidente não fora visto nem na Villa Silly nem no Palácio Presidencial. Mandou suster o desembarque da equipa PAPA, quando a BOMBARDA já manobrava para tomar posição, e fez o ponto.
"Pelas 04.30, a situação apresentava-se da seguinte maneira:
— Objectivos PAIGC atingidos em boa parte.
— Domínio no mar, assegurado.
— Domínio em terra, ainda em disputa, mas com forte possibilidade de sucesso.
— Presidente Sekou Touré — não encontrado.
— Domínio no ar — não assegurado.
"Este factor pesou fundamentalmente no meu julgamento pois, dali em diante, a minha única preocupação foi deixar o menor número de provas documentais da nossa actividade. A possibilidade de afundamento dum navio nas águas de Conakry era de evitar a todo o custo. Mandei, pois, reembarcar todo o pessoal que compareceu nos locais para isso designados em caso de insucesso".(Do relatório de CTG 27.2).
A LFG HIDRA, que reembarcara a equipa SIERRA foi mandada pairar na posição uma milha a sul do farol de Boulbinet. Às 04.40, a LDG BOMBARDA iniciou a tarefa, pela equipa HOTEL e terminou-a às 05.30, deixando dois botes para o grupo ALFA, que foi recolhido pela ORION, onde já se encontrava novamente o CTG 2. Às 06.00 deu-se ordem à BOMBARDA e ORION para constituírem a T.U. 27.2.1., seguindo para sul da ilha de Kassa onde, às 07.10, meteu ao Rv-180° durante uma hora, em diversão.
Navegou depois independentemente, tendo às 13.35, recebido indicação para aguardar o resto da TG 27-2 em Orango.
O problema do reembarque na parte norte do T.O. Parâmetros mais delicados devido ao baixa-mar. Além disso, o Sol já iluminava perfeitamente o terreno e uma grande multidão, que vitoriava ruidosamente as equipas que actuaram em terra, aglomerava-se agora junto aos locais de reembarque.
A MONTANTE colocou-se a 1.000 jardas de terra e, com o auxílio dos botes das LFG, foi reembarcado o pessoal, com excepção dos elementos do FNLG que quiseram continuar em terra. De terra, às 07.40, duma posição junto ao Palácio do Povo fizeram quatro disparos de morteiro de 82 sobre a MONTANTE, muito mal regulados. O navio e a DRAGÃO que se interpôs a fazer de escudo ao pessoal que reembarcava, calaram a boca de fogo com alguns tiros de intimidação. Às 08.05, a DRAGÃO encostou à ORION para receber material de transfusão de sangue, pois o 1° tenente MR Hélder Romero necessitava dele para o tratamento dos feridos e transbordou o sargento aviador Lobato, que se encontrava prisioneiro há 7 anos!
Desde o romper do dia que a força naval se achava no mais alto grau de prontidão anti-aérea. Quando, pelas 09.00, se deu por terminado o reembarque, já havia ordem para formar em losango, dispositivo que foi executado às 10.30, ao rumo base 240.°
O regresso fez-se sem incidentes, fundeando-se em Soga em 231625.
Terminada a operação, que custou ao inimigo mais de 500 baixas, desfez-se a TG 27.2.
A LFG ORION fundeou a NW dos molhes de protecção do porto de Conakry. A maré estava completamente cheia, o vento era nulo, e apenas o clarão da cidade iluminava a noite. Os botes de assalto foram colocados na água e, pelas 00.45, a equipa Victor, do comando do 2.° tenente Rebordão de Brito e composta por 14 elementos, largou discretamente em direcção aos molhes. Encostou ao Dique Norte, localizou exactamente o objectivo e partiu ao ataque.
O grumete FZE Abu Camará eliminou silenciosamente a sentinela, o que permitiu a entrada a bordo das três vedetas P6, que se encontravam a N da ponte do cais bananeiro. Abertas as portas das cobertas foram lançadas granadas de mão ofensivas para o interior das mesmas neutralizando as guarnições. A equipa de assalto atravessou velozmente a ponte e invadiu os restantes navios: mais três vedetas e uma espécie de lancha de desembarque.
Entretanto soara o alarme no porto e o inimigo abriu fogo sobre os nossos elementos que, repetindo a técnica das granadas de mão, eliminaram os focos de resistência a bordo. Os incêndios ateados pelas granadas cresceram rapidamente e, em breve, de bordo da ORION, avistaram-se as bolas de fogo provenientes das explosões das lanchas.
A equipa Victor, que realizou o notabilíssimo trabalho, regressou a bordo pelas 02.10, com dois feridos ligeiros e sem a menor perda de material.
As LFG Dragão e Cassiopeia, transportando a equipa ZULU, fundearam em 5 metros de fundo, na pequena baía a N da península de Conakry, junto aos baixos de La Prudente, cerca das 00.15, a três milhas marítimas do local de abicagem.
Às 01.40 os botes (em número de 10) largaram dos navios. Houve, poucos momentos depois, um pequeno contratempo: alguns botes enrodilharam-se em várias redes de pesca, que não foram avistadas devido à escuridão da noite. Depois de aturado trabalho a desvencilhar os hélices, conseguiu-se o desembarque pelas 02.15.
A equipa dividiu-se em três elementos: o primeiro, comandado pelo 1° tenente Cunha e Silva, dirigiu-se imediatamente à prisão La Montaigne, onde, depois de violenta escaramuça, eliminou a respectiva guarda e libertou os 26 prisioneiros portugueses que lá se encontravam.
O segundo, comandado pelo sub-tenente Falcão Lucas seguiu para o grupo de objectivos do PAIGC. Neutralizou uma série de sentinelas, destruiu 5 edifícios do partido, seis viaturas e abateu vários militantes que se encontravam nas instalações.
Finalmente o terceiro, comandado pelo 2° tenente Benjamim Abreu, encarregou-se do Campo das Milícias e da Villa Silly, residência secundária de Sekou Touré. Com uma decisão notável, o pequeno grupo (22 homens), forçou a entrada do Campo, esmagou a débil estrutura que se começou a formar e, à granada de mão, à bazucada e com bem dirigidas rajadas de metralhadora, pôs fora de combate cerca de 60 milicianos que guarneciam as duas casernas existentes. Prevendo que a guarda da casa de Sekou Touré, tivesse acorrido à defesa dos dois portões de entrada da propriedade, o tenente Benjamim resolveu saltar o muro que separava os dois objectivos e pôde assim, colhendo-a de supresa, eliminar a referida guarda. Sekou Touré ainda não chegara a casa: o quarto de dormir, a cama, impecavelmente aberta, aguardava o ditador Guineense! Incendiado o objectivo, o grupo retirou-se a fim de se juntar ao resto da equipa, o que conseguiu pelas quatro da manhã.
Passou a equipa ZULU a constituir a reserva de manobra do Comandante da operação.
Da LDG Montante, partiram as equipas OSCAR, ÍNDIA e MIK. A primeira, seguiu em botes de borracha conduzidos por pessoal do navio e abicou ao Quartel da Guarda Republicana, pelas 01.35. Para o desembarque das outras duas, a Montante, num alarde de boa manobra, abicou pelas 01.40 ao molhe Yatch Club!
A equipa OSCAR, constituída por efectivos nossos do Front (total 40 homens) e encabeçada pelos alferes Ferreira e Tomás Camará, dirigiu-se discretamente para o portão da entrada. O alferes Ferreira temerariamente tentou dominar a sentinela, a qual se refugiou na casa da guarda. O alferes, ao tentar persegui-lo, foi abatido na soleira da porta por dois homens que se encontravam no interior, os quais abriram nutrido fogo sobre os assaltantes. Valeu a decisão e coragem do furriel de comandos Marcelino da Mata: mergulhou através da janela e na confusão de vidros partidos e cadeiras caídas, etc., abateu os oponentes com uma rajada de AK-47.
O grupo entrou de rompante pelo recinto, colocando-se em posição de enfiar a saída das casernas, enquanto alguns homens corriam para a armaria. Apanhados de supresa, os guardas republicanos tentaram sair das casernas mas foram abatidos na maioria perdendo-se os outros na escuridão da noite.
Ocupado o campo, abriram-se as portas da prisão onde foram encontrados cerca de 400 presos políticos, que retomaram a liberdade no meio de grandes manifestações de alegria (ver relato do Capitão Abou Sommah, ocupante da cela n.° 37). Fez-se em seguida a entrega do campo às forças do FNLG (20 homens), na pessoa do chefe Barry Ibrahima, conhecido por BARRY III e cujas qualidades o tinham feito estimar por todos quantos com ele contactaram.
A equipa ÍNDIA (10 homens, furriel Demda Seca e Thiam do FLNG) atravessou a linha de caminho de ferro de Conakry – Fria e dirigiu-se para a Central. Observou a existência de quatro portas com sentinelas. Eliminou duas, prendeu o encarregado da central e obrigou-o a cortar a luz da cidade. Eram 02.15. Esta acção era primordial para o efeito psicológico que se pretendia obter. O seu sucesso contribuiu bastante para a desorientação verificada.
A equipa MIKE (50 homens) tinha por objectivo o Campo Militar Samory. Em marcha acelerada percorreu o quilómetro que a separava do alvo. Desarmou as sentinelas que estavam nos portões e ocupou o recinto sem efusão de sangue. A tarefa seguinte constituiu em bazucar e destruir os veículos que vinham para o campo carregados de pessoal: foram assim destruídas 16 viaturas com algumas dezenas de soldados. Deitou-se fogo aos edifícios do Estado-Maior e, não havendo mais resistência, a equipa dividiu-se em duas: uma, com o Alferes Sisseco (ferido na boca), que conduziu os nossos elementos feridos para o molhe do Yatch Club; a outra, com o coronel do FNLG DIALLO, o Comandante Assad e o jornalista do JEUNE AFRIQUE Siradiou Diallo, seguiu a ligar-se à equipa ÍNDIA. Por um acaso infeliz os rádios da equipa MIKE ficaram quase imediatamente fora de acção, o que obrigava a contactos directos com os outros grupos para saber o que se passava.
A LDG BOMBARDA, do comando do cap. ten. Aguiar de Jesus, cuja calma imperturbável era demonstrada pela descontracção como fumava o inseparável cigarrinho na extremidade duma já velha boquilha, pelas 01.00 pairava a 300 jardas a sul da praia Peronné. As 01.05, largaram de bordo dois botes com a equipa HOTEL, encarregada de se apossar da Emissora de Boulbinet.
Esta equipa, comandada pelo Alferes Jamanca e tendo como assessor do FNLG o engenheiro electrónico Tidiane Diallo, actuou de forma bizarra. O alferes Jamanca dera boas provas ao longo de 7 anos de campanha. Mas inexplicavelmente, depois de desembarcar junto do objectivo ou por desorientação do engenheiro Diallo, conhecedor do local, ou por indecisão do alferes, o facto é que os dez homens da equipa HOTEL ficaram agarrados ao local de desembarque até receberem ordem para retirar!
Entretanto, e em duas vagas de botes de borracha, desembarcaram as restantes equipas: ALFA, BRAVO, CHARLIE, DELTA, ECHO, FOXTROT e GOLF. Passada a desorientação inicial devida à escuridão provocada pelo corte de luz e por se estar numa cidade desconhecida, estas equipas, compostas por elementos da CCCA e do FNLG — cujos guias nem sempre se mostravam à altura da situação — seguiram para os objectivos e neutralizaram os meios importantes.
Apenas na Gendarmerie se encontrou resistência de vulto. Como a equipa ECHO (reforçada com a GOLF, BRAVO e DELTA, num total de 50 homens) demorou mais que o previsto a reagrupar o pessoal, ao chegar ao alvo que lhe estava destinado, verificou que uma coluna blindada se preparava para sair. O Capitão João Bacar, que comandava a equipa, atacou as viaturas com decisão, destruindo quatro e causando elevado número de baixas. A guarda do Palácio Presidencial, ao ver chegar os dez homens da equipa ALFA, debandou em grande velocidade deixando aos assaltantes o problema de revistar um edifício tão grande e que se encontrava vazio!
Finalmente, a LFG HIDRA (1° tenente Fialho Goes), aproximou-se, depois duma hábil navegação, do local de desembarque da equipa Sierra (capitão pára Morais), pairando pelas 212330, com dois metros de fundo. Em 220015, os botes largaram do navio, com rumo ao local de desembarque, sob o comando do guarda-marinha Centeno, imediato da HIDRA. As três milhas demoraram uma hora a percorrer e só pelas 01.30 se conseguiu desembarcar.
A equipa Sierra era composta por:
a) Elementos nacionais.
Cap. Lopes Morais
2° Sarg. mi/, comando Teixeira
Formação do comando
1.°s cabos paras Duarte, Morais
Tenente Januário, com 9 homens do seu pelotão
Alferes Justo, com 24 homens do seu pelotão.
b) Elementos do FNLG
Sub-Lieutenant Boiro, com cinco homens, sendo um, de nome Mamadu Balde, antigo controlador de circulação aérea no Aeroporto de Conakry.
Iniciou a progressão em direcção ao campo e antes de o atingir foi surpreendido pelo som dos rebentamentos que se iam ouvindo na cidade. O Cap. Morais, apesar de uma lesão num joelho contraída recentemente num salto de pára-quedas, forçou a marcha, mas sentindo uma certa resistência ao movimento na retaguarda, mandou um dos seus homens tentar a ligação e verificou com espanto que o tenente Januário e cerca de 20 homens tinham desaparecido.
"...A partir daquela altura só uma coisa importava já: localizar os MIG e destruí-los; dirigi-me ao local, mas não estavam; entretanto, no campo Alpha Ya-Ya, ouviam-se toques de clarins e ruídos fortes de motores a trabalhar;por me ressentir do joelho fiquei com três homens a meio do taxi-way e ordenei ao Alf. Justo e 2.° Sarg. Teixeira para irem procurar os MIG; voltaram vinte minutos depois, informando-me que no fim da pista estavam 3 aviões de hélice já velhos e que havia outra pista ao lado da principal e em terra batida, mas nada de MIG. Voltei para trás e aproximei-me da placa; nessa altura ouvia-se um toque prolongado de sino no aeroporto seguindo-se-lhe, passados alguns minutos, toques de apitos, calculo que por motivo da chegada dos pescadores a terra. Na placa havia seis aviões: 2 Caravelle, que o Ten. Boiro identificou pertencerem à Companhia AIR AFRIQUE e 4 aviões bi-motores, de asa alta, tipo Fokker F-27. O Alf. Justo quis ir destruí-los, mas não autorizei. Entretanto chegou uma viatura pesada que me pareceu uma auto-metralhadora; nos hangares que estavam abertos e iluminados não havia aviões" (do relatório do Capitão Morais).
Desde as duas da manhã que o comandante do T. G. tinha conhecimento da deserção do ten. Januário (msg. enviada pelo Grupo SIERRA — "O filho da puta do tenente fugiu com 20 dos meus homens. Traiu-me miseravelmente"). Embarcada a equipa VICTOR, a ORION levantou ferro, seguindo a toda a força para junto da BOMBARDA e HIDRA. Era necessário desembarcar a equipa PAPA, destinada a cortar o istmo que separa Conakry l de Conakry II.
O CTG 2 passou em bote de borracha para a BOMBARDA a fim de, face à evolução da situação, accionar a equipa PAPA.
Às 02.30 recebera comunicação da HIDRA de que a equipa SIERRA não tinha encontrado os MIG. Pelas 03.00 algumas notícias colhidas junto de prisioneiros em terra afirmavam que os MIG tinham sido enviados para Labé, no dia 20, devido a uma remodelação ministerial no Governo de Conakry! Havia ainda a hipótese de se conseguir capturar Sekou Touré. Às 04.00, CGT 2 teve conhecimentos que o Presidente não fora visto nem na Villa Silly nem no Palácio Presidencial. Mandou suster o desembarque da equipa PAPA, quando a BOMBARDA já manobrava para tomar posição, e fez o ponto.
"Pelas 04.30, a situação apresentava-se da seguinte maneira:
— Objectivos PAIGC atingidos em boa parte.
— Domínio no mar, assegurado.
— Domínio em terra, ainda em disputa, mas com forte possibilidade de sucesso.
— Presidente Sekou Touré — não encontrado.
— Domínio no ar — não assegurado.
"Este factor pesou fundamentalmente no meu julgamento pois, dali em diante, a minha única preocupação foi deixar o menor número de provas documentais da nossa actividade. A possibilidade de afundamento dum navio nas águas de Conakry era de evitar a todo o custo. Mandei, pois, reembarcar todo o pessoal que compareceu nos locais para isso designados em caso de insucesso".(Do relatório de CTG 27.2).
A LFG HIDRA, que reembarcara a equipa SIERRA foi mandada pairar na posição uma milha a sul do farol de Boulbinet. Às 04.40, a LDG BOMBARDA iniciou a tarefa, pela equipa HOTEL e terminou-a às 05.30, deixando dois botes para o grupo ALFA, que foi recolhido pela ORION, onde já se encontrava novamente o CTG 2. Às 06.00 deu-se ordem à BOMBARDA e ORION para constituírem a T.U. 27.2.1., seguindo para sul da ilha de Kassa onde, às 07.10, meteu ao Rv-180° durante uma hora, em diversão.
Navegou depois independentemente, tendo às 13.35, recebido indicação para aguardar o resto da TG 27-2 em Orango.
O problema do reembarque na parte norte do T.O. Parâmetros mais delicados devido ao baixa-mar. Além disso, o Sol já iluminava perfeitamente o terreno e uma grande multidão, que vitoriava ruidosamente as equipas que actuaram em terra, aglomerava-se agora junto aos locais de reembarque.
A MONTANTE colocou-se a 1.000 jardas de terra e, com o auxílio dos botes das LFG, foi reembarcado o pessoal, com excepção dos elementos do FNLG que quiseram continuar em terra. De terra, às 07.40, duma posição junto ao Palácio do Povo fizeram quatro disparos de morteiro de 82 sobre a MONTANTE, muito mal regulados. O navio e a DRAGÃO que se interpôs a fazer de escudo ao pessoal que reembarcava, calaram a boca de fogo com alguns tiros de intimidação. Às 08.05, a DRAGÃO encostou à ORION para receber material de transfusão de sangue, pois o 1° tenente MR Hélder Romero necessitava dele para o tratamento dos feridos e transbordou o sargento aviador Lobato, que se encontrava prisioneiro há 7 anos!
Desde o romper do dia que a força naval se achava no mais alto grau de prontidão anti-aérea. Quando, pelas 09.00, se deu por terminado o reembarque, já havia ordem para formar em losango, dispositivo que foi executado às 10.30, ao rumo base 240.°
O regresso fez-se sem incidentes, fundeando-se em Soga em 231625.
Terminada a operação, que custou ao inimigo mais de 500 baixas, desfez-se a TG 27.2.
Guiné 63/74 - P136: Informação & Propaganda: de que lado estava a verdade ? (3) (Sousa de Castro)
1. Ainda sobre as "histórias do outro lado" (artigo de Marinho Neves, publicado no Notícias Magazine, de 24 de Abril de 1994)... O Sousa da Castro fez-nos chegar um outro excerto. É sobre a invasão pelas tropas portuguesas à cidade de CONAKRY
"A versão vista pelo prisma do PAIGC, contada pelo comandante Mateus Correia do PAIGC, diz assim:
"Mateus Correia estava em Conakry quando as tropas portuguesas invadiram aquela cidade em 22 de Novembro de 1970, sob o comando de Alpoim Calvão e, a sua versão, vista pelo prisma do PAIGC, tem outros contornos:
- Os portugueses tinham informação do local onde estavam os seus prisioneiros e a sua primeira acção foi libertá-los. Entre eles estava o major-aviador António Lobato.
E acrescentou:
- Muito antes do embarque tivemos acesso à informação de que Alpoim Calvão circulava livremente por Conakry com a cobertura de alguns pides e elementos ligados à oposição de Sekou Touré.
2. Comentário do A. Marques Lopes:
O comandante Mateus Correia teve, naturalmente, uma visão parcelar dessa operação. O que se passou conta Alpoim Calvão em várias páginas do seu livro De Conakry ao MDLP (ver texto que se publica a seguir: vd. Guiné 63/74 - CXXXVII: Antologia (12): Op Mar Verde ), e creio que ele diz a verdade, pois escreve na base do relatório que fez dessa operação.
E o sargento piloto-aviador António Lourenço Sousa Lobato [que esteve em cativeiro durante sete anos, experiência que mais tarde irá relatar em livro] só foi promovido a major depois da sua libertação e depois de muito esforço seu.
Quanto aos militares da CART 1690 que não compareceram entre os 26 libertados (1):
(i) o Luís dos Santos Marques (2) terá morrido depois de uma tareia que lhe deram na prisão, segundo o actual major Lobato;
(ii) o João da Costa Sousa [,soldado,] "passou-se" e terá mesmo feito campanha contra a guerra na rádio Voz da Liberdade, em Argel;
(iii) o Francisco Gomes da Silva e o Armindo Correia Paulino [,soldados,] morreram de cólera.
______
Nota de M.L.:
(1) Dos 26 prisioneiros libertados, 8 eram da CART 1690: o fur. mil. João N. Vaz; os 1ºs cabos José M.M. Duarte (residente em Amarante), e José S. Morais; os soldados Domingos N. Costa (residente em Braga), António A. Duarte (Carriço)(residente em Barreiros - Amor), David N. Pedras, José S. Teixeira, Luís S.A.A. Vieira.
"A versão vista pelo prisma do PAIGC, contada pelo comandante Mateus Correia do PAIGC, diz assim:
"Mateus Correia estava em Conakry quando as tropas portuguesas invadiram aquela cidade em 22 de Novembro de 1970, sob o comando de Alpoim Calvão e, a sua versão, vista pelo prisma do PAIGC, tem outros contornos:
- Os portugueses tinham informação do local onde estavam os seus prisioneiros e a sua primeira acção foi libertá-los. Entre eles estava o major-aviador António Lobato.
E acrescentou:
- Muito antes do embarque tivemos acesso à informação de que Alpoim Calvão circulava livremente por Conakry com a cobertura de alguns pides e elementos ligados à oposição de Sekou Touré.
2. Comentário do A. Marques Lopes:
O comandante Mateus Correia teve, naturalmente, uma visão parcelar dessa operação. O que se passou conta Alpoim Calvão em várias páginas do seu livro De Conakry ao MDLP (ver texto que se publica a seguir: vd. Guiné 63/74 - CXXXVII: Antologia (12): Op Mar Verde ), e creio que ele diz a verdade, pois escreve na base do relatório que fez dessa operação.
E o sargento piloto-aviador António Lourenço Sousa Lobato [que esteve em cativeiro durante sete anos, experiência que mais tarde irá relatar em livro] só foi promovido a major depois da sua libertação e depois de muito esforço seu.
Quanto aos militares da CART 1690 que não compareceram entre os 26 libertados (1):
(i) o Luís dos Santos Marques (2) terá morrido depois de uma tareia que lhe deram na prisão, segundo o actual major Lobato;
(ii) o João da Costa Sousa [,soldado,] "passou-se" e terá mesmo feito campanha contra a guerra na rádio Voz da Liberdade, em Argel;
(iii) o Francisco Gomes da Silva e o Armindo Correia Paulino [,soldados,] morreram de cólera.
______
Nota de M.L.:
(1) Dos 26 prisioneiros libertados, 8 eram da CART 1690: o fur. mil. João N. Vaz; os 1ºs cabos José M.M. Duarte (residente em Amarante), e José S. Morais; os soldados Domingos N. Costa (residente em Braga), António A. Duarte (Carriço)(residente em Barreiros - Amor), David N. Pedras, José S. Teixeira, Luís S.A.A. Vieira.
Guiné 63/74 - P135: Informação & propaganda: de que lado estava a verdade ? (2) (Vítor Junqueira)
1. Mensagem do Vitor Junqueira, que foi alferes miliciano da CCAÇ 2753, em Mansabá (1970/72).
Amigos e camaradas;
Recorrendo à minha memória e a documentos classificados de então, que ainda hoje guardo religiosamente, estou em condições de assegurar que a transcrição de um comunicado oficial da época que o Afonso Sousa nos facultou, corresponde em absoluto à verdade.
Fui testemunha presencial de alguns dos factos referidos no comunicado. Entre eles vi elementos IN capturados e muito material apreendido. Outros há que me abstenho de relatar dada a sua natureza chocante.
Participei nesta operação emboscando nos dias 19, 20, 21 e 22 de Dezembro de 1971, na região de Madina Fula que era considerada uma das possívei vias de fuga dos guerrilheiros do PAIGC sob grande pressão nas suas bases do Morés. O IN sofreu nesta operação [Safira Solitária] um dos revezes mais brutais, tendo a sua estrutura naquela zona ficado afectada durante muito tempo.
Glória aos Heróis Tenente Saegue, Sargento Loma, Alferes Tomás, [dos Comandos Africanos] e outros que conheci, guineenses orgulhosamente portugueses, cobardemente assassinados no Cumeré.
Morte a todos os embusteiros, traidores e oportunistas que durante os últimos trinta anos tudo têm feito para desonrar as Forças Armadas Portuguesas e os ex-combatentes.
2. Ainda a propósito da Op Safira Solitária, o Vítor Junqueira manda-nos "um trecho de um texto que escrevi há algum tempo onde consta a missão da minha Companhia [CCAÇ 2753], tal como vinha definida na ordem de operações.
(...) Estávamos nos primeiros dias do mês de Fevereiro de 1971. A nossa Companhia era uma das Unidades que compunham o COP 6, cujo comando estava sediado em Mansabá. Fazia parte do Agrupamento T, tendo-lhe sido atribuída a missão (transcrevo dos registos oficiais, que constam da História da Unidade e Feitos e Factos da CCAÇ 2753):
"Assegurar a protecção dos trabalhos da estrada Mansabá - Farim, em ordem a garantir um ritmo acelerado de construção e evitar as flagelações do IN sobre os meios técnicos empenhados.
"Na segurança dos trabalhos as forças adoptam o dispositivo com as seguintes missões:
- Montam a segurança próxima dos trabalhos em ordem a garantir a interdição de itinerários de aproximação, eliminando a possibilidade do IN exercer acções de flagelação sobre a zona dos trabalhos, para o que monta emboscadas nas possíveis bases de fogos e executam patrulhamentos na ZA atribuída.
-Garantem a segurança imediata dos trabalhadores e equipamentos, detectando ou aniquilando quaisquer elementos IN infiltrados através do dispositivo próximo, para o que realiza patrulhamentos frequentes nas imediações da zona de trabalhos e ocupa posições sobre os eixos da mais possível infiltração.
- Realizam acções ofensivas sobre as áreas fulcrais do Morés, Canjaja e Biribão em ordem a anular a pressão do IN sobre o eixo Mansabá - Farim".
(...) há anos que nenhuma força militar portuguesa tivera condições para se movimentar naquele itinerário, a partir de e para norte de Mansabá até ao K3. A região estava agora a ser (re)conquistada diariamente, palmo a palmo, metro a metro. Por sua vez, o IN tentava a todo o custo impedir ou retardar o avanço dos trabalhos, pois aquela era uma via estratégica para o desenvolvimento das suas acções. Nela desaguavam os corredores do Sitató e Lamel, que lhe permitiam uma ligação fácil e rápida entre as bases junto à fronteira sul do Senegal e o coração da Guiné (Oio, Morés e região dos Sares).
As frequentes escaramuças consistiam em emboscadas e flagelações sobre a frente de trabalhos, com baixas entre trabalhadores e danos nas máquinas. Após o pôr do Sol, invariavelmente pela hora do jantar, era preciso estar atento ao som inconfundível das saídas dos CSR [Canhão sem recuo], MORT 82 e RPG que, vindo da orla mata, anunciava uma saraivada de balas e estilhaços a rasgar o céu por cima do aquartelamento.
Localizado num ponto do mapa, onde antes da guerra existia uma pequena povoação, o Destacamento Temporário do Bironque foi ocupado pela CCAÇ 2753 em 1 de Dezembro de 1970, que aí veio substituir a CCAÇ 17. Dias antes, tinha havido uma espécie de motim com cenas de tiros entre os oficiais e sargentos daquela Companhia e os seus elementos nativos, de etnia maioritariamente manjaca. Estes, fartos de bordoada, recusaram-se a sair para o mato, alegando que, a terem levar porrada forte e feia, preferiam apanhá-la defendendo o seu Chão. O gen. Spínola resolveu o contencioso através de umas despromoções e da transferência da Companhia para Bula.
De Bissau, avançam os Barões da CCAÇ 2753 até então afecta ao COMBIS como força de reserva. Passam assim da noite para o dia de uma espécie de tropa VIP, bem alojada, bem alimentada e com tarefas aligeiradas, ao grau mais elementar de tropa macaca. Cheirando ainda a periquito, sem qualquer treino operacional e, não tendo beneficiado de rodagem por sobreposição com tropas mais batidas, vêem-se entregues à bicharada, obrigados a aprender à própria custa. Certo é que provaram ser dignos do lema que orgulhosamente ostentavam nos crachats Noblessse Oblige [Nobreza Obriga]!
Acompanhando a progressão dos trabalhos, a Companhia transfere-se com armas e bagagens em 13 de Janeiro de 1971 para um novo Destacamento mais a norte, na zona de Madina Fula, a uns 8 Km de Farim. Nestes Destacamentos Temporários não existia qualquer construção ou barraca, apenas algumas tendas de lona, insuportáveis durante o dia devido ao calor. À noite não ofereciam a quem estivesse no seu interior, qualquer protecção contra balas ou estilhaços, pelo que toda a gente preferia pernoitar nos abrigos. Tratava-se em rigor de um acampamento que as poderosas máquinas Caterpillar ao serviço da empresa construtora, edificavam do seguinte modo:
Sobre uma das faixas desmatadas de cerca de 100 metros de largura que se estendiam de cada lado da estrada em construção (para evitar o ataque próximo às nossas colunas), erguiam quatro barreiras de terra com dois metros de altura, de maneira a formar um quadrado com mais ou menos 50 metros de lado. No topo destas barreiras, escavavam-se então os espaldões para as armas pesadas, trincheiras e simples covas que abrigavam um ou dois homens. Era a partir deste arremedo de fortim que se montava a vigilância e defesa, tanto do pessoal como das máquinas que no final do dia de trabalho, recolhiam ao seu interior. Como vizinhança , muita força de mosquitos e matacanhas!
Logo nos primeiros passeios pela natureza, tivemos a visão clara do inferno que teria sido a vida dos camaradas que nos precederam. Numa região enxameada por bases do PAIGC localizadas nas regiões de (e volto a citar dos registos) Cã Quebo, Santambato, Cambajú, Iracunda, Mansodé, Cubonje, Canjaja, Biribão, Ionfarim, Uália, Mansomine, Binta, Queré, Banjara e Manhau, qualquer movimento nosso era acompanhado por acção semelhante por parte do IN, tornando-se o contacto inevitável.
Em alguns pontos, nomeadamente ao longo do que antes tinham sido as bermas e valetas da estrada, as cápsulas de munições de armas ligeiras, apanhavam-se aos milhares, nalguns sítios literalmente à pazada. No entanto, o sortido abrangia um pouco de tudo, desde velhas minas anti-pessoal com a tampa de madeira carcomida pela formiga mas ainda capazes de nos pregar uns sustos, até granadas anti-tanque, algumas intactas, bojudas, matulonas que se chamavam (?) Panzerovkas.
Havia armadilhas na estrada e nas zonas de mato contíguas. Por ali confiscamos também em operações subsequentes, variadas peças do arsenal do IN que incluía itens antigos, como obsoletos canhangulos, novíssimas granadas de RPG 2 e 7 e respectivos lançadores, Mort. 82, munições de Browning 20mm e os tripés das mesmas (utilizadas então como anti-aéreas), muitas pistolas de várias proveniências, PPSH, Degtariev e kalashnikov, Esping. M44 americanas (!). E ainda, Met. Pesadas Breda (2) e Dreyses (1), por certo gamadas ao Exército Português. Também faziam parte deste catálogo um par de lindíssimas espingardas Mauser, com ferragens cromadas e, gravado sobre as câmaras, o sêlo da República Portuguesa. A quem teriam pertencido? Quem terá ficado com elas?
O dia começava bem cedo para o pessoal engajado nas operações de segurança próxima, e não só! Ainda não eram quatro da matina e já uma das sentinelas tinha obrigado o russo (cozinheiro) e o básico, seu ajudante, a porem-se de pé a fim de preparar o pequeno almoço e a merenda para o 3º Gr Comb que iria emboscar em Farim 2 C6 97.
Os restantes, guarnição e pessoal da segurança imediata, comiam mais tarde, por volta das seis e meia ou sete horas. Junto à banca que servia de refeitório, a parelha dos tachos aguardava impaciente (queriam voltar para o choco!) os homens que iam assomando em pequenos grupos para o dejejum. Apresentavam-se praticamente em estado de prontidão. Devidamente equipados. Emoldurando-lhes os cachaços, cachos de granadas de mort. 60 e grinaldas de munições de bazuca 6cm, 10.7, Instalazzas, dilagramas e outro material de efeito pirotécnico. GMD penduradas em tudo o que era grampo ou presilha e, naturalmente, quilómetros de fitas para as HK.
Todo o material se encontrava limpo e bem cuidado. Com as canhotas então, tinham desvelos amorosos, tratando-as tão bem ou melhor do que se fossem namoradas! Suspensos do cinturão, um ou dois cantis de água e todos os carregadores de G3 próprios e alheios a que pudessem deitar mão. Sem contar com aquele sistema inventado pelo Zé soldado em momentos de aperto, que consistia em embutir um carregador na arma, ficando outro amarrado a este, preso em cruz com fita adesiva. E não se disse ataviados como impõe a gíria militar.
Porque fardas era coisa que já não existia havia tempo, tinham ido à vida. Mergulhos forçados nas bolanhas, lavagens frequentes com pouco sabão e muita paulada aliadas às carícias de gravetos e espinhos do mato, tinham decretado o seu desgaste precoce. Por esta altura, iam-se combinando os restos dos camuflados com peças n.º 1, 2 e 3. Botas de cabedal bambas com várias comissões no coiro, umas já sem rasto, outras com ventiladores nas biqueiras, alternavam com as de lona a dar as últimas e chanatos adquiridos pelos próprios. Já então era a crise!
Vitor Junqueira
Amigos e camaradas;
Recorrendo à minha memória e a documentos classificados de então, que ainda hoje guardo religiosamente, estou em condições de assegurar que a transcrição de um comunicado oficial da época que o Afonso Sousa nos facultou, corresponde em absoluto à verdade.
Fui testemunha presencial de alguns dos factos referidos no comunicado. Entre eles vi elementos IN capturados e muito material apreendido. Outros há que me abstenho de relatar dada a sua natureza chocante.
Participei nesta operação emboscando nos dias 19, 20, 21 e 22 de Dezembro de 1971, na região de Madina Fula que era considerada uma das possívei vias de fuga dos guerrilheiros do PAIGC sob grande pressão nas suas bases do Morés. O IN sofreu nesta operação [Safira Solitária] um dos revezes mais brutais, tendo a sua estrutura naquela zona ficado afectada durante muito tempo.
Glória aos Heróis Tenente Saegue, Sargento Loma, Alferes Tomás, [dos Comandos Africanos] e outros que conheci, guineenses orgulhosamente portugueses, cobardemente assassinados no Cumeré.
Morte a todos os embusteiros, traidores e oportunistas que durante os últimos trinta anos tudo têm feito para desonrar as Forças Armadas Portuguesas e os ex-combatentes.
2. Ainda a propósito da Op Safira Solitária, o Vítor Junqueira manda-nos "um trecho de um texto que escrevi há algum tempo onde consta a missão da minha Companhia [CCAÇ 2753], tal como vinha definida na ordem de operações.
(...) Estávamos nos primeiros dias do mês de Fevereiro de 1971. A nossa Companhia era uma das Unidades que compunham o COP 6, cujo comando estava sediado em Mansabá. Fazia parte do Agrupamento T, tendo-lhe sido atribuída a missão (transcrevo dos registos oficiais, que constam da História da Unidade e Feitos e Factos da CCAÇ 2753):
"Assegurar a protecção dos trabalhos da estrada Mansabá - Farim, em ordem a garantir um ritmo acelerado de construção e evitar as flagelações do IN sobre os meios técnicos empenhados.
"Na segurança dos trabalhos as forças adoptam o dispositivo com as seguintes missões:
- Montam a segurança próxima dos trabalhos em ordem a garantir a interdição de itinerários de aproximação, eliminando a possibilidade do IN exercer acções de flagelação sobre a zona dos trabalhos, para o que monta emboscadas nas possíveis bases de fogos e executam patrulhamentos na ZA atribuída.
-Garantem a segurança imediata dos trabalhadores e equipamentos, detectando ou aniquilando quaisquer elementos IN infiltrados através do dispositivo próximo, para o que realiza patrulhamentos frequentes nas imediações da zona de trabalhos e ocupa posições sobre os eixos da mais possível infiltração.
- Realizam acções ofensivas sobre as áreas fulcrais do Morés, Canjaja e Biribão em ordem a anular a pressão do IN sobre o eixo Mansabá - Farim".
(...) há anos que nenhuma força militar portuguesa tivera condições para se movimentar naquele itinerário, a partir de e para norte de Mansabá até ao K3. A região estava agora a ser (re)conquistada diariamente, palmo a palmo, metro a metro. Por sua vez, o IN tentava a todo o custo impedir ou retardar o avanço dos trabalhos, pois aquela era uma via estratégica para o desenvolvimento das suas acções. Nela desaguavam os corredores do Sitató e Lamel, que lhe permitiam uma ligação fácil e rápida entre as bases junto à fronteira sul do Senegal e o coração da Guiné (Oio, Morés e região dos Sares).
As frequentes escaramuças consistiam em emboscadas e flagelações sobre a frente de trabalhos, com baixas entre trabalhadores e danos nas máquinas. Após o pôr do Sol, invariavelmente pela hora do jantar, era preciso estar atento ao som inconfundível das saídas dos CSR [Canhão sem recuo], MORT 82 e RPG que, vindo da orla mata, anunciava uma saraivada de balas e estilhaços a rasgar o céu por cima do aquartelamento.
Localizado num ponto do mapa, onde antes da guerra existia uma pequena povoação, o Destacamento Temporário do Bironque foi ocupado pela CCAÇ 2753 em 1 de Dezembro de 1970, que aí veio substituir a CCAÇ 17. Dias antes, tinha havido uma espécie de motim com cenas de tiros entre os oficiais e sargentos daquela Companhia e os seus elementos nativos, de etnia maioritariamente manjaca. Estes, fartos de bordoada, recusaram-se a sair para o mato, alegando que, a terem levar porrada forte e feia, preferiam apanhá-la defendendo o seu Chão. O gen. Spínola resolveu o contencioso através de umas despromoções e da transferência da Companhia para Bula.
De Bissau, avançam os Barões da CCAÇ 2753 até então afecta ao COMBIS como força de reserva. Passam assim da noite para o dia de uma espécie de tropa VIP, bem alojada, bem alimentada e com tarefas aligeiradas, ao grau mais elementar de tropa macaca. Cheirando ainda a periquito, sem qualquer treino operacional e, não tendo beneficiado de rodagem por sobreposição com tropas mais batidas, vêem-se entregues à bicharada, obrigados a aprender à própria custa. Certo é que provaram ser dignos do lema que orgulhosamente ostentavam nos crachats Noblessse Oblige [Nobreza Obriga]!
Acompanhando a progressão dos trabalhos, a Companhia transfere-se com armas e bagagens em 13 de Janeiro de 1971 para um novo Destacamento mais a norte, na zona de Madina Fula, a uns 8 Km de Farim. Nestes Destacamentos Temporários não existia qualquer construção ou barraca, apenas algumas tendas de lona, insuportáveis durante o dia devido ao calor. À noite não ofereciam a quem estivesse no seu interior, qualquer protecção contra balas ou estilhaços, pelo que toda a gente preferia pernoitar nos abrigos. Tratava-se em rigor de um acampamento que as poderosas máquinas Caterpillar ao serviço da empresa construtora, edificavam do seguinte modo:
Sobre uma das faixas desmatadas de cerca de 100 metros de largura que se estendiam de cada lado da estrada em construção (para evitar o ataque próximo às nossas colunas), erguiam quatro barreiras de terra com dois metros de altura, de maneira a formar um quadrado com mais ou menos 50 metros de lado. No topo destas barreiras, escavavam-se então os espaldões para as armas pesadas, trincheiras e simples covas que abrigavam um ou dois homens. Era a partir deste arremedo de fortim que se montava a vigilância e defesa, tanto do pessoal como das máquinas que no final do dia de trabalho, recolhiam ao seu interior. Como vizinhança , muita força de mosquitos e matacanhas!
Logo nos primeiros passeios pela natureza, tivemos a visão clara do inferno que teria sido a vida dos camaradas que nos precederam. Numa região enxameada por bases do PAIGC localizadas nas regiões de (e volto a citar dos registos) Cã Quebo, Santambato, Cambajú, Iracunda, Mansodé, Cubonje, Canjaja, Biribão, Ionfarim, Uália, Mansomine, Binta, Queré, Banjara e Manhau, qualquer movimento nosso era acompanhado por acção semelhante por parte do IN, tornando-se o contacto inevitável.
Em alguns pontos, nomeadamente ao longo do que antes tinham sido as bermas e valetas da estrada, as cápsulas de munições de armas ligeiras, apanhavam-se aos milhares, nalguns sítios literalmente à pazada. No entanto, o sortido abrangia um pouco de tudo, desde velhas minas anti-pessoal com a tampa de madeira carcomida pela formiga mas ainda capazes de nos pregar uns sustos, até granadas anti-tanque, algumas intactas, bojudas, matulonas que se chamavam (?) Panzerovkas.
Havia armadilhas na estrada e nas zonas de mato contíguas. Por ali confiscamos também em operações subsequentes, variadas peças do arsenal do IN que incluía itens antigos, como obsoletos canhangulos, novíssimas granadas de RPG 2 e 7 e respectivos lançadores, Mort. 82, munições de Browning 20mm e os tripés das mesmas (utilizadas então como anti-aéreas), muitas pistolas de várias proveniências, PPSH, Degtariev e kalashnikov, Esping. M44 americanas (!). E ainda, Met. Pesadas Breda (2) e Dreyses (1), por certo gamadas ao Exército Português. Também faziam parte deste catálogo um par de lindíssimas espingardas Mauser, com ferragens cromadas e, gravado sobre as câmaras, o sêlo da República Portuguesa. A quem teriam pertencido? Quem terá ficado com elas?
O dia começava bem cedo para o pessoal engajado nas operações de segurança próxima, e não só! Ainda não eram quatro da matina e já uma das sentinelas tinha obrigado o russo (cozinheiro) e o básico, seu ajudante, a porem-se de pé a fim de preparar o pequeno almoço e a merenda para o 3º Gr Comb que iria emboscar em Farim 2 C6 97.
Os restantes, guarnição e pessoal da segurança imediata, comiam mais tarde, por volta das seis e meia ou sete horas. Junto à banca que servia de refeitório, a parelha dos tachos aguardava impaciente (queriam voltar para o choco!) os homens que iam assomando em pequenos grupos para o dejejum. Apresentavam-se praticamente em estado de prontidão. Devidamente equipados. Emoldurando-lhes os cachaços, cachos de granadas de mort. 60 e grinaldas de munições de bazuca 6cm, 10.7, Instalazzas, dilagramas e outro material de efeito pirotécnico. GMD penduradas em tudo o que era grampo ou presilha e, naturalmente, quilómetros de fitas para as HK.
Todo o material se encontrava limpo e bem cuidado. Com as canhotas então, tinham desvelos amorosos, tratando-as tão bem ou melhor do que se fossem namoradas! Suspensos do cinturão, um ou dois cantis de água e todos os carregadores de G3 próprios e alheios a que pudessem deitar mão. Sem contar com aquele sistema inventado pelo Zé soldado em momentos de aperto, que consistia em embutir um carregador na arma, ficando outro amarrado a este, preso em cruz com fita adesiva. E não se disse ataviados como impõe a gíria militar.
Porque fardas era coisa que já não existia havia tempo, tinham ido à vida. Mergulhos forçados nas bolanhas, lavagens frequentes com pouco sabão e muita paulada aliadas às carícias de gravetos e espinhos do mato, tinham decretado o seu desgaste precoce. Por esta altura, iam-se combinando os restos dos camuflados com peças n.º 1, 2 e 3. Botas de cabedal bambas com várias comissões no coiro, umas já sem rasto, outras com ventiladores nas biqueiras, alternavam com as de lona a dar as últimas e chanatos adquiridos pelos próprios. Já então era a crise!
Vitor Junqueira
quarta-feira, 3 de agosto de 2005
Guiné 63/74 - P134: Informação & Propaganda: de que lado estava a verdade ? (1) (Sousa de Castro)
1. O Sousa de Castro enviou para a nossa tertúlia esta estória sobre a guerra colonial na Guiné contada pelo Coronel João Malaca, do PAIGC. Trata-se de um excerto de uma reportagem publicada no Notícias Magazine, de 24 de Abril de 1994, da autoria do jornalista Marinho Neves, que também foi combatente na Guiné:
"O coronel João Malaca foi um dos comandantes da guerrilha na zona de Morés e Bissorá [na região do Óio]. Foi ele quem comandou a célebre batalha de Morés na zona de Farim, em 21 de Dezembro de 1971, onde as tropas portuguesas deixaram no terreno 61 mortos confirmados pelo PAIGC.
Foto tirada do lado sul do rio Cacheu, pelo Humberto Reis, em 24 de Março de 1996 > "À espera da lancha para atravessar para Farim que se vê do lado de lá".
"O coronel João Malaca foi um dos comandantes da guerrilha na zona de Morés e Bissorá [na região do Óio]. Foi ele quem comandou a célebre batalha de Morés na zona de Farim, em 21 de Dezembro de 1971, onde as tropas portuguesas deixaram no terreno 61 mortos confirmados pelo PAIGC.
Foto tirada do lado sul do rio Cacheu, pelo Humberto Reis, em 24 de Março de 1996 > "À espera da lancha para atravessar para Farim que se vê do lado de lá".
Foto: © Humberto Reis (2005).
Ia uma companhia de africanos à frente. Tínhamos um rádio para captar todas as informações. A operação chamava-se Estrela Solitária. Quando os apanhamos na zona para onde os canhões e morteiros estavam apontados, começámos a descarregar a artilharia e fechámos-lhes a saída. Morreu muita gente. Era a guerra, ninguém ficou contente com isso".
A tentativa da tomada [da base do PAIGC] de Farim demorou mais dias. Os guerrilheiros tinham informadores dentro do próprio exército português. O comandante Malaca confessou-me:
- Era gente que vivia dentro dos quartéis e convivia diariamente com os militares. Vieram os Comandos e fomos avisados de que Marcelino da Mata tinha garantido que, com as tropas dele, nos conquistava o terreno. Armámos-lhe uma cilada da qual não poderia fugir. Mas ele parece ter adivinhado a situação e mandou o seu adjunto comandar a operação. Acabou por morrer. Mas nós queríamos era o Marcelino da Mata.
João Malaca disse-nos que Marcelino da Mata “era um soldado sanguinário. Ele não era um verdadeiro guerreiro. Só surgia no alvo quando tudo estava praticamente conquistado. A sua fama veio, apenas, das barbaridades que cometeu”.
Foram contados 61 mortos que as tropas portuguesas abandonaram no terreno. O coronel Malaca garantiu-nos que os próprios guerrilheiros do PAIGC abriram valas para os enterrar depois de os identificarem:
- Revistámos todos os corpos e recolhemos os documentos possíveis, para além de lhes tirarmos a chapa de identificação. Elaborámos um arquivo que ainda está na posse do PAIGC. Mas havia dificuldades porque a maior parte dos nossos guerrilheiros eram analfabetos. Posso é garantir que todos os soldados mortos nesses combates foram enterrados com respeito.
"O PAIGC tinha a certeza de que a guerra estava ganha:
- O 25 de Abril só veio abreviar a situação. O nosso problema estava na aviação, mas na altura da independência já estávamos a receber os mísseis Estrela-2 e isso seria fatal para a aviação portuguesa”.
2. O Vitor Junqueiro, que era na altura alferes miliciano da CCAÇ 2743 (Mansambá, 1970/72), veio de imediato protestar:
Amigo Sousa de Castro: Esta história do Sr. João Malaca é completamente falsa. Direi mesmo absurda. Eu estive lá nessa época ... Um abraço do Junqueira.
3. O Sousa de Castro justificou-se:
É uma história publicada no Notícias Magazine em 24 de Abril 1974 e assinada pelo jornalista Marinho Neves. Ele mesmo finaliza a entrevista dizendo isto: "Após quase uma hora de conversa, jornalista e guerrilheiro acabaram por chegar á conclusão que estiveram frente a frente em vários combates. Recordaram-se situações nada agradáveis, mas sem ressentimentos. A guerra tinha acabado".
A minha opinião é de que terá sido possível ter acontecido o que o Comandante Malaca contou, até prova em contrário. Ainda não li nada, desmentindo esta notícia. Esta revista sai semanalmente com o Jornal de Notícias e Diário de Notícias . É seguramente das mais lidas do País. Mas, apareça alguém da tertúlia que possa rebater este ponto de vista.
4. Eu, Luís Graça, sugeri ao Castro e ao Vitor o seguinte:
Amigos: Seria bom apurar a verdade…O Vitor estava lá nessa altura e diz que é tudo mentira… Seria bom ouvir o depoimento dele, com mais detalhes, mais factos… Eu já não estava na Guiné em 21 de Dezembro de 1971 nem nunca fui à Região do Cacheu nem do Óio. O máximo que estive foi a sul do mítico Morés…
Que operação foi essa, a Estrela Solitária ? Envolveu os comandos africanos: só ou também com outras unidades ? Para conquistar Farim ? Mas Farim nunca caiu, que eu saiba, até ao 25 de Abril de 1974, contrariamente a Madina do Boé ou outros aquartelamentos abandonados pela NT... [Confusão minha: o comandante João Malaca deveria querer referir-se à base de Farim, do PAIGC, no Morès. Será isso ? ].
Outra questão: os alegados 61 mortos em combate foram reconhecidos pelas NT ? Não se tratará de fantasia ou delírio do comandante João Malaca ? 61 mortos é um massacre! Ora isso nem no sul aconteceu. Nem mesmo no Como, em 1964, segundo creio saber…
Não tenho ideia de ter havido uma batalha na Guiné, com tantos mortos, só da nossa parte… É claro que nós também fantasiávamos quando se tratava de fazer as contas às baixas do IN em combate...
Um jornalista não pode ouvir só uma das partes. Nesta peça não há nenhuma referência às fontes portuguesas. A avaliar por esta amostra do artigo ou reportagem, não dou crédito nenhum ao autor do texto, o Marinho Neves, que ainda por cima diz que foi combatente na Guiné, na mesma altura (1971)…
Em suma, temos de averiguar melhor esta estória, que me parece estar mal contada… É certo que não temos a peça completa, mas apenas um extracto…
O melhor é ouvir a opinião do A. Marques Lopes, cuja experiência e conhecimento do terreno têm sido preciosos, para todos nós, ajudando-nos a reconstituir o puzzle da guerra da Guiné. A verdade da guerra era como a nota de 100 pesos: também ela tinha um verso e um reverso...
5. O Afonso Sousa (furriel miliciano de transmissões,que conheceu bem a região do Cacheu, entre 1968 e 1970), veio trazer-nos o ponto de vista das NT.
"Notícias captadas da radiodifusão pelas transmissões da Presse Lusitânia > Dia 29 de Dezembro de 1971.
"Do País > Bissau - Comunicado especial do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné:
"Numa das mais importantes operações militares realizadas no Teatro de Operações da Guiné, as forças guerrilheiras acabam de sofrer um expressivo revés. Desde Outubro, final da época da chuvas que o Comando, através dos seus orgãos de pesquisa vinha acompanhando os movimentos de infiltração do inimigo nas florestas da área do Morés, situada no norte da Província, tendo lançado algumas operações de diversão com vista a criar no inimigo uma falsa sensação de segurança que o levasse a continuar a concentrar meios na referida área o que efectivanente se verificou.
"A crescente adesão das populações à causa nacional permitiu que através de informações seguras e detalhadas, colhidas no seio do próprio dispositivo inimigo, se localizassem exactamente as posições inimigas e se completasse o conhecimento do esquema da sua denominada Ofensiva do Natal e definida nos seguintes termos constantes em documentos apreendidos: Oposição a todo o custo ao asfaltamento das estradas Mansoa - Bissorã e Bula- Bissorã - Olossato; desencadeamento dum conjunto de acções ofensivas na quadra do Fim de Ano sobre as povoações mais importantes da área, nomeadamente Bissorã, Mansoa, Olossato, Mansabá e sobre todos os novos aldeamentos.
"De posse de todos os elementos foi planeado, no maior sigilo, uma grande operação visando envolver, cercar e aniquilar as forças de guerrilha concentradas na referida área fulcral do Morés. Montada a operação, denominada Safira Solitária, foi esta levada a efeito por unidades da força africana e teve início ao alvorecer do dia 20 prolongando-se até à tarde do dia 26 tendo as nossas forças sido guiadas na floresta por elementos das populações da área pertencentes à nossa rede de informações que conhecia a localização precisa das posições inimigas.
"Apesar de colhido de surpresa, o inimigo estimado em 6 bigrupos, 2 grupos armados de armas pesadas instalados em posições fortificadas e cerca de 333 elementos armados da milícia popular, opôs durante os três primeiros dias tenaz resistência acabando todavia por ser desarticulado e aniquilado, tendo sofrido 215 mortos confirmados, entre os quais três cubanos, e alguns mercenários estrangeiros africanos, 28 capturados, além de apreciável número de feridos.
"Segundo declarações dos capturados, encontravam-se na área pelo menos mais 4 elementos cubanos. Verificou-se que o inimigo estava implantando no Morés um sistema de fortificação de campanha do qual se destacavam espaldões para armas pesadas e abrigos subterrâneos para pessoal. Os grupos de guerrilha, pela resistência que ofereceram revelaram uma sensível melhoria de enquadramento e uma técnica mais avançada de guerra de posição.
"No decurso da operação foi capturado o seguinte material: 1 canhão sem recúo B-10, 2 morteiros de 82 mm, 2 morteiros de 60mm, 3 metralhadoras pesadas Goryonov, 7 lança-granadas RPG-7, 14 espingardas automáticas Kalashnikov, 38 espingardas semi-automáticas Simonov, 8 espingardas Mosin Nagant, 14 pistolas metralhadoras PPSH, além de avultado número de armas de repetição, de cunhetes de munições, fitas e carregadores, destruídos no local por desnecessários. As nossas forças sofreram 8 mortos, 12 feridos graves e 41 feridos ligeiros".
6. O A. Marques Lopes, o nosso coronel, protesta, mas por outras razões:
Não me chegou esse artigo. Peço ao Sousa de Castro que mo envie. De qualquer modo, nunca ouvi falar nessa operação nem que alguma vez tivesse havido tamanha mortandade por parte do PAIGC. Se houve, acho estranho que, como noutras situações, nenhum dos intervenientes da nossa parte tivesse ainda contado sobre ela. E é claro que Farim nunca foi abandonada [pelas NT] ou tomada pelo PAIGC. E do Marinho Neves, jornalista, só ouvi falar daquele que escreveu Golpe de Estádio [um livro de ficção sobre a corrupção no futebol, edição da Terramar, 1996]...
E numa outra mensagem a seguir, acrescenta:
Quanto á Estrela Solitária do coronel João Malaca, não terá sido, então, a operação Safira Solitária ? Se calhar há confusão do coronel João Malaca. De qualquer modo, os relatos não conferem um com o outro, o que acho natural, se foram da mesma operação, pois sabemos como é que era essa coisa de fazer relatos de operações: cada um procurava fazer chegar a brasa à sua sardinha... tanto mais nos relatos de um inimigo e os do outro inimigo. De qualquer modo, continuo a pensar que é um exagero os 61 mortos da nossa parte - os relatores das nossas operações também davam números de mortos que não correspondiam à realidade (ver Op Jigajoga, por exemplo).
7. O Sousa de Castro mandou-nos, ainda a propósito desta estória que promete fazer correr muita tinta (ou melhor: muitos KB), a seguinte mensagem:
Encontrei num livro que disponho (A guerra Colonial: Angola - Guiné - Moçambique) editado pelo Diário de Notícias e de que são autores Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, a seguinte referência, na parte da cronologia:
"1971.12.20 - Início de uma operação na zona de Morés, no Norte da Guiné, para reocupar posições pelas tropas portuguesas".
Vou fotocopiar as páginas da revista Notícias Magazine e enviás-las pelo correio para o Luís Graça. Convém desmistificar a notícia afim de repôr a verdade. Pode de facto ser uma fanfarronice do CMDT João Malaca. Convinha também descobrir o autor do texto, esse tal Marinho Neves.
A tentativa da tomada [da base do PAIGC] de Farim demorou mais dias. Os guerrilheiros tinham informadores dentro do próprio exército português. O comandante Malaca confessou-me:
- Era gente que vivia dentro dos quartéis e convivia diariamente com os militares. Vieram os Comandos e fomos avisados de que Marcelino da Mata tinha garantido que, com as tropas dele, nos conquistava o terreno. Armámos-lhe uma cilada da qual não poderia fugir. Mas ele parece ter adivinhado a situação e mandou o seu adjunto comandar a operação. Acabou por morrer. Mas nós queríamos era o Marcelino da Mata.
João Malaca disse-nos que Marcelino da Mata “era um soldado sanguinário. Ele não era um verdadeiro guerreiro. Só surgia no alvo quando tudo estava praticamente conquistado. A sua fama veio, apenas, das barbaridades que cometeu”.
Foram contados 61 mortos que as tropas portuguesas abandonaram no terreno. O coronel Malaca garantiu-nos que os próprios guerrilheiros do PAIGC abriram valas para os enterrar depois de os identificarem:
- Revistámos todos os corpos e recolhemos os documentos possíveis, para além de lhes tirarmos a chapa de identificação. Elaborámos um arquivo que ainda está na posse do PAIGC. Mas havia dificuldades porque a maior parte dos nossos guerrilheiros eram analfabetos. Posso é garantir que todos os soldados mortos nesses combates foram enterrados com respeito.
"O PAIGC tinha a certeza de que a guerra estava ganha:
- O 25 de Abril só veio abreviar a situação. O nosso problema estava na aviação, mas na altura da independência já estávamos a receber os mísseis Estrela-2 e isso seria fatal para a aviação portuguesa”.
2. O Vitor Junqueiro, que era na altura alferes miliciano da CCAÇ 2743 (Mansambá, 1970/72), veio de imediato protestar:
Amigo Sousa de Castro: Esta história do Sr. João Malaca é completamente falsa. Direi mesmo absurda. Eu estive lá nessa época ... Um abraço do Junqueira.
3. O Sousa de Castro justificou-se:
É uma história publicada no Notícias Magazine em 24 de Abril 1974 e assinada pelo jornalista Marinho Neves. Ele mesmo finaliza a entrevista dizendo isto: "Após quase uma hora de conversa, jornalista e guerrilheiro acabaram por chegar á conclusão que estiveram frente a frente em vários combates. Recordaram-se situações nada agradáveis, mas sem ressentimentos. A guerra tinha acabado".
A minha opinião é de que terá sido possível ter acontecido o que o Comandante Malaca contou, até prova em contrário. Ainda não li nada, desmentindo esta notícia. Esta revista sai semanalmente com o Jornal de Notícias e Diário de Notícias . É seguramente das mais lidas do País. Mas, apareça alguém da tertúlia que possa rebater este ponto de vista.
4. Eu, Luís Graça, sugeri ao Castro e ao Vitor o seguinte:
Amigos: Seria bom apurar a verdade…O Vitor estava lá nessa altura e diz que é tudo mentira… Seria bom ouvir o depoimento dele, com mais detalhes, mais factos… Eu já não estava na Guiné em 21 de Dezembro de 1971 nem nunca fui à Região do Cacheu nem do Óio. O máximo que estive foi a sul do mítico Morés…
Que operação foi essa, a Estrela Solitária ? Envolveu os comandos africanos: só ou também com outras unidades ? Para conquistar Farim ? Mas Farim nunca caiu, que eu saiba, até ao 25 de Abril de 1974, contrariamente a Madina do Boé ou outros aquartelamentos abandonados pela NT... [Confusão minha: o comandante João Malaca deveria querer referir-se à base de Farim, do PAIGC, no Morès. Será isso ? ].
Outra questão: os alegados 61 mortos em combate foram reconhecidos pelas NT ? Não se tratará de fantasia ou delírio do comandante João Malaca ? 61 mortos é um massacre! Ora isso nem no sul aconteceu. Nem mesmo no Como, em 1964, segundo creio saber…
Não tenho ideia de ter havido uma batalha na Guiné, com tantos mortos, só da nossa parte… É claro que nós também fantasiávamos quando se tratava de fazer as contas às baixas do IN em combate...
Um jornalista não pode ouvir só uma das partes. Nesta peça não há nenhuma referência às fontes portuguesas. A avaliar por esta amostra do artigo ou reportagem, não dou crédito nenhum ao autor do texto, o Marinho Neves, que ainda por cima diz que foi combatente na Guiné, na mesma altura (1971)…
Em suma, temos de averiguar melhor esta estória, que me parece estar mal contada… É certo que não temos a peça completa, mas apenas um extracto…
O melhor é ouvir a opinião do A. Marques Lopes, cuja experiência e conhecimento do terreno têm sido preciosos, para todos nós, ajudando-nos a reconstituir o puzzle da guerra da Guiné. A verdade da guerra era como a nota de 100 pesos: também ela tinha um verso e um reverso...
5. O Afonso Sousa (furriel miliciano de transmissões,que conheceu bem a região do Cacheu, entre 1968 e 1970), veio trazer-nos o ponto de vista das NT.
"Notícias captadas da radiodifusão pelas transmissões da Presse Lusitânia > Dia 29 de Dezembro de 1971.
"Do País > Bissau - Comunicado especial do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné:
"Numa das mais importantes operações militares realizadas no Teatro de Operações da Guiné, as forças guerrilheiras acabam de sofrer um expressivo revés. Desde Outubro, final da época da chuvas que o Comando, através dos seus orgãos de pesquisa vinha acompanhando os movimentos de infiltração do inimigo nas florestas da área do Morés, situada no norte da Província, tendo lançado algumas operações de diversão com vista a criar no inimigo uma falsa sensação de segurança que o levasse a continuar a concentrar meios na referida área o que efectivanente se verificou.
"A crescente adesão das populações à causa nacional permitiu que através de informações seguras e detalhadas, colhidas no seio do próprio dispositivo inimigo, se localizassem exactamente as posições inimigas e se completasse o conhecimento do esquema da sua denominada Ofensiva do Natal e definida nos seguintes termos constantes em documentos apreendidos: Oposição a todo o custo ao asfaltamento das estradas Mansoa - Bissorã e Bula- Bissorã - Olossato; desencadeamento dum conjunto de acções ofensivas na quadra do Fim de Ano sobre as povoações mais importantes da área, nomeadamente Bissorã, Mansoa, Olossato, Mansabá e sobre todos os novos aldeamentos.
"De posse de todos os elementos foi planeado, no maior sigilo, uma grande operação visando envolver, cercar e aniquilar as forças de guerrilha concentradas na referida área fulcral do Morés. Montada a operação, denominada Safira Solitária, foi esta levada a efeito por unidades da força africana e teve início ao alvorecer do dia 20 prolongando-se até à tarde do dia 26 tendo as nossas forças sido guiadas na floresta por elementos das populações da área pertencentes à nossa rede de informações que conhecia a localização precisa das posições inimigas.
"Apesar de colhido de surpresa, o inimigo estimado em 6 bigrupos, 2 grupos armados de armas pesadas instalados em posições fortificadas e cerca de 333 elementos armados da milícia popular, opôs durante os três primeiros dias tenaz resistência acabando todavia por ser desarticulado e aniquilado, tendo sofrido 215 mortos confirmados, entre os quais três cubanos, e alguns mercenários estrangeiros africanos, 28 capturados, além de apreciável número de feridos.
"Segundo declarações dos capturados, encontravam-se na área pelo menos mais 4 elementos cubanos. Verificou-se que o inimigo estava implantando no Morés um sistema de fortificação de campanha do qual se destacavam espaldões para armas pesadas e abrigos subterrâneos para pessoal. Os grupos de guerrilha, pela resistência que ofereceram revelaram uma sensível melhoria de enquadramento e uma técnica mais avançada de guerra de posição.
"No decurso da operação foi capturado o seguinte material: 1 canhão sem recúo B-10, 2 morteiros de 82 mm, 2 morteiros de 60mm, 3 metralhadoras pesadas Goryonov, 7 lança-granadas RPG-7, 14 espingardas automáticas Kalashnikov, 38 espingardas semi-automáticas Simonov, 8 espingardas Mosin Nagant, 14 pistolas metralhadoras PPSH, além de avultado número de armas de repetição, de cunhetes de munições, fitas e carregadores, destruídos no local por desnecessários. As nossas forças sofreram 8 mortos, 12 feridos graves e 41 feridos ligeiros".
6. O A. Marques Lopes, o nosso coronel, protesta, mas por outras razões:
Não me chegou esse artigo. Peço ao Sousa de Castro que mo envie. De qualquer modo, nunca ouvi falar nessa operação nem que alguma vez tivesse havido tamanha mortandade por parte do PAIGC. Se houve, acho estranho que, como noutras situações, nenhum dos intervenientes da nossa parte tivesse ainda contado sobre ela. E é claro que Farim nunca foi abandonada [pelas NT] ou tomada pelo PAIGC. E do Marinho Neves, jornalista, só ouvi falar daquele que escreveu Golpe de Estádio [um livro de ficção sobre a corrupção no futebol, edição da Terramar, 1996]...
E numa outra mensagem a seguir, acrescenta:
Quanto á Estrela Solitária do coronel João Malaca, não terá sido, então, a operação Safira Solitária ? Se calhar há confusão do coronel João Malaca. De qualquer modo, os relatos não conferem um com o outro, o que acho natural, se foram da mesma operação, pois sabemos como é que era essa coisa de fazer relatos de operações: cada um procurava fazer chegar a brasa à sua sardinha... tanto mais nos relatos de um inimigo e os do outro inimigo. De qualquer modo, continuo a pensar que é um exagero os 61 mortos da nossa parte - os relatores das nossas operações também davam números de mortos que não correspondiam à realidade (ver Op Jigajoga, por exemplo).
7. O Sousa de Castro mandou-nos, ainda a propósito desta estória que promete fazer correr muita tinta (ou melhor: muitos KB), a seguinte mensagem:
Encontrei num livro que disponho (A guerra Colonial: Angola - Guiné - Moçambique) editado pelo Diário de Notícias e de que são autores Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes, a seguinte referência, na parte da cronologia:
"1971.12.20 - Início de uma operação na zona de Morés, no Norte da Guiné, para reocupar posições pelas tropas portuguesas".
Vou fotocopiar as páginas da revista Notícias Magazine e enviás-las pelo correio para o Luís Graça. Convém desmistificar a notícia afim de repôr a verdade. Pode de facto ser uma fanfarronice do CMDT João Malaca. Convinha também descobrir o autor do texto, esse tal Marinho Neves.
terça-feira, 2 de agosto de 2005
Guiné 63/74 - P133: O desastre de Cheche, na retirada de Madina do Boé (5 de Fevereiro de 1969) (Humberto Reis)
1. Este documento, que me chegou às mãos através do Humberto Reis, relata a dramática operação em que participou a CCAÇ 2405, sedeada em Galomaro, e pertencente ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), operação essa que tinha em vista retirar as NT da posição insustentável de Madina do Boé, cercada pelo PAIGC (e depois ocupada logo a seguir, no mesmo dia, a 6 de Fevereiro de 1969, após a retirada das NT).
Recorde-se que a companhia que estava em Madina do Boé, há 13 meses, era a CCAÇ 1790, a mesma a que pertencia Gustavo Pimenta, o alferes miliciano que perdeu metade do seu pelotão nessa trágica retirada (ele é o autor do livro sairómeM - Guerra Colonial. Porto: Palimage Editores, 1999) [vd. post de 17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790) ]
Em Cheche, já no regresso de Madina, pelas 9 da manhã do dia 6 de Fevereiro de 1969, as NT sofrem a perda de meia centenas de homens e grandes quantidades de material, quando a jangada que fazia a travessia do Rio Corubal se virou. Aparentemente, sem explicação (Já ouvi várias teorias sobre isso, mas essas especulações ficam para mais tarde...).
O desastre terá sido devido a excesso e desiquíbrio de peso. Iam na jangada mais de cem homens (4 grupos de combate mais a tripulação da embarcação), além de viaturas e outro equipamento. Dos que desapareceram, 17 pertenciam à companhia de Galomaro.
Esta operação foi uma das mais dramáticas que se desenrolaram no TO da Guiné, devido não só à pressão do IN (invisível mas sempre ubíquo como Deus) como a outros factores desfavoráveis para as NT (o calor, a falta de água, as condições do terreno, as terríveis abelhas da Guiné que estavam objectivamente ao serviço do PAIGC, as insónias, o stresse, a exaustão física e emocional...).
A minha experiência de operacional diz-me que mais do que dois dias no mato, naquelas terras, era humanamente impossível para um tuga. Andar a pé, no mato, ao sol, entre as 10 e as 16 horas, era uma loucura suicidária. As elevadas temperaturas, à sombra e ao sol, a par da humidade do ar, obrigavam à ingestão de elevadas quantidades de água. As rações de combate eram intragáveis e inadequadas às condições da guerra da Guiné. Apercebendo-se de que provocavam mais sede, os militares deixavam de as consumir. O risco de desidratação e de subnutrição aumentava. O abastecimento de água era sempre crítico e nunca estava garantido. Além disso, tínhamos mais medo das abelhas do que o diabo da cruz.
Nesse ano, no início da estação seca, iriam realizar-se grandes operações de limpeza, como a da Lança Afiada, já aqui descrita (vd. post de 31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza: Op Lança Afiada, Março de 1969) . Dizia-se em Bissau que o então brigadeiro Spínola queria acabar com a guerra em seis meses... O PAIGC percebeu que o homem grande de Bissau não era pera doce, que era um adversário de respeito, mas também não lhe deu tréguas...
O impacto negativo do desastre de Cheche no moral das nossas tropas foi enorme (É curioso que ainda hoje não se fala em Cheche, mas sim em Madina do Boé... Ora o desastre ocorreu justamente em Cheche, na travessia do Rio Corubal, com Madina já para trás...).
Lembro-me, quando ainda periquito, em Contuboel, ouvir os dramáticas relatos de camaradas mais velhos que participaram nesta complexa e vasta operação, a nível de agrupamento. No meu Diário de um Tuga, eu costumava comparar Madina do Boé a Dien Bien Phu, comandada pelo célebre general Giap, onde os franceses perderam a guerra do Vietname.
A comparação era um evidente exagero. Mas é um facto que em Madina do Boé, em 5 de Fevereiro de 1969, começava provavelmente o fim da guerra colonial na Guiné e do nosso império. Esta queda foi também simbólica. Para o PAIGC representou uma vitória retumbante. Não é por acaso que a proclamação unilateral da independência é feita em Madina do Boé, a 24 de Setembro de 1973. Mas deixemos isso para mais tarde e sobretudo para os historiadores...
O texto que se segue tem uma ou outra palavra ilegível. Foi feita a sua recuperação. Impresso a stencil há 35 anos, do documento foi feita uma fotocópia, fornecida ao Humberto Reis por um camarada da CCS do BCAÇ 2852.
Curiosamente, o autor do relatório da Op Mabeco (?), o comandante da CCAÇ 2405, não apresenta quais quer razões, técnicas, militares ou outras, para o afundamento da jangada, limitando-se a descrever, de maneira sucinta e factual, o desastre, como mandava o livro de estilo dos operacionais, nunca deixando que os seus sentimentos ou emoções interferissem com a capacidade de identificar e descrever os acontecimentos mais relevantes ocorridos durante uma operação.
No entatanto, o autor do relatório usa um advérbio de modo (espectacularmente) que me parece deslocado e que até pode chocar o leitor de hoje. O episódio é descrito assim, sucintamente, a seco, sem emoção, sem mais explicações. Por outro lado, neste relatório nada se diz sobre o que ocorreu com os outros destacamentos (já que houve mais baixas, de outras unidades, que iam na jangada):
"Durante a transposição do Corubal a jangada em que seguiam 4 Gr Comb, respectivos comandos e tripulação afundou-se espectacularmente (sic), acerca de um terço da largura do rio, provocando o desaparecimento de 17 militares do Dest F e grandes quantidades de material perdido”.
Era assim a linguagem de pau dos nossos relatórios de operações. No desastre do Corubal, em Cheche, morreram 47 militares portugueses. 47 ou 46, já vi várias versões. A imprensa da Metrópole, na época, deu grande destaque a essa notícia, não obstante a existência de censura (ou, como então se dizia, eufemisticamente, exame prévio).
O Humberto Reis, ao facultar cópia, em suporte digital, deste relatório à nossa tertúlia e ao decidir divulgá-la pela Internet, presta também a sua homenagem aos bravos de Cheche (e aos que resistiram, com coragem e galhardia, ao cerco de Madina do Boé).
Aliás, prestamos aqui, todos nós, a nossa sentida homenagem aos nossos camaradas da CCAÇ 2405 e de outras unidades, como a CCAÇ 1790, que pereceram em Cheche. A sua memória não poderia (nem nunca poderá) ser esquecida. Por razões éticas, omitimos o número mecanográfico dos militares que são referidos no relatório, e abreviamos o seu nome para não serem facilmente identificados. Gostaríamos, no entanto, que eles nos contactassem, se ainda forem vivos, como esperamos. Para o Humberto, por sua vez, vai aquele grande abraço! (L.G.) .
2. Extractos de: Guiné 68-70 . Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Classificação: Reservado. Cap. II. 36-38.
Ilustração do cabeçalho do capítulo II, da História do BCAÇ 2852. Documento gentilmente disponibilizado pelo Nova Lamego por volta das 1.30h do mesmo dia, sem qualquer novidade.
Aqui fizeram-se os preparativos finais da organização da coluna que partiu às 5.30h do dia 2 [D]. Abre [o autor do relatório] um parêntesis para discordar do pormenor da organização da coluna: os meus condutores e mecânicos tiveram que conduzir e dar assistência técnica a viaturas que não lhe pertenciam e das quais desconheciam as mazelas.
Daqui resultaram perdas de tempo inúteis e uma tremenda confusão resultante do facto de os atiradores terem guardado parte dos seus haveres e utensílios militares em viaturas que supunham pertencer às unidades e que, sem que se saiba porquê, foram trabalhar para unidades diferentes.
A coluna saiu de Nova Lamego para Cajadude [vd mapa local de Cheche] com o pessoal totalmente embarcado e atingiu-se esta povoação por volta das 9.00h sem qualquer problema.
A partir de Cajadude a coluna progrediu com guardas de flancos tendo o Dest F colaborado na guarda da rectaguarda da coluna fazendo uma progressão apeada que não estava prevista.
Atingiu-se o Cheche por volta das 17.00h (sempre com uma cobertura aérea excelente). Imediatamente os Dest D e F fizeram a transposição do [Rio] Corubal e foram ocupar as posições estratégicas previstas.
Já escurecia e o Dest D levava 1 minuto de avanço sobre o Dest F. Subitamente o 1º Pel[otão] revelou achar estranho algo que se passava à nossa direita, parecendo-lhes ter visto elementos estranhos. Por outro lado o guia assegurou tratar-se de turras pelo que a Companhia tomou posições de combate, lançando-se ao solo e imobilizando-se.
Seguiram-se [dois disparos rápidos ? ilegível] de morteiro (os clarões foram facilmente visíveis quando as granadas saíram à boca da arma). Foram tiros curtos na direcção sudoeste, e os rebentamentos deram-se próximo do local que o Dest F iria ocupar daí a momentos.
O IN não voltou a manifestar-se mas obrigou-nos a uma vigilância nocturna permanente e a uma mudança de posição por volta das 23.00h. Às 20.00h ouviram-se na direcção oeste dois tiros que me pareceram de arma nossa fazendo fogo de reconhecimento.
Pelas 5.30h [do dia 3, D + 1] mandou-se um Pelotão a Cheche buscar um Pelotão do Dest E que fazia guarda imediata às viaturas e que eu devia levar até Madina. Pelas 6.30h dirigi-me à zona do Dest E onde se organizou a coluna com o Dest F à frente e uma guarda de flanco avançada e o Dest D atrás igualmente com guarda de flanco.
Iniciei o movimento guiado com carta e bússola porque a marcha foi feita a cerca de 200 metros (mínimo) da estrada. O meu objectivo era surpreender o IN pela rectaguarda tanto mais que os aviões me anunciaram haver possibilidade de sermos emboscados. Cerca 1000 [10.00h ] o Dest F sofreu um violento ataque de abelhas e teve que recuar cerca de um quilómetro para se reorganizar de novo.
Um soldado, em consequência, ficou imediatamente fora de acção. Foi pedida a respectiva evacuação bem como a de outro soldado que apresentava sintomas de insolação. As evacuações fizeram-se para Nova Lamego dos 1ºs cabos (…) Carlos G. Machado, (…) Agostinho R. Sousa, e dos soldados (…) José A. M. S. Ferreira, (…) Manuel N. Parracho, (…) Benjamim D. Lopes, (…) Fernando A. Tavares, (…) Cândido F. S. Abreu, (…) SAntónio S. Moreira e, para Bissau, O 1º CABO (…) Adérito S. Loureiro. O héli desceu mais tarde para reabastecer o pessoal de água.
Reiniciada a marcha, sofremos segundo ataque de abelhas que inutilizaram mais uma praça para quem teve de ser pedida mova evacuação. Entretanto. Eram 14.30h, e mais 2 soldados, esgotada a sua provisão de água, apresentavam sintomas de insolação. Foram evacuados conjuntamente com 2 praças do Dest D que apresentavam sintomas semelhantes (vómitos, intensa palidez, olhos dilatados, respiração frenética).
O Dest D passou para a frente e reinicou-se a marcha, sempre fora da estrada até à recta que leva a Madina. Nada mais se passou além do sofrimento intenso das tropas por via do calor. O DEst D foi reabastecido de água. Atingimos Madina por volta das 19.00h desligados do Dest D que prosseguiu a sua marcha quando [eu tive? ilegível] que parar para reajustar o dispositivo e tratar os mais debilitados (4 praças e 1 furriel).
Houve descanso em Madina e tomou-se uma refeição quente. No dia 4 (D + 2) o Dest F dirigiu-se para [T … Cumbera ?, ilegível] ocupando a posição 3 que atingiu sem dificuldade por volta das 11.00h. Alternadamente ocupou-se as posições 3 e 4 de acordo com o plano.
Em D + 3 [5 de Fevereiro de 1969] por volta das 7.30h recebemos ordens do PCV [Posto de Comando Volante] para a abandonar a nossa posição e seguir ao encontro da coluna. Uma hora depois atingimos o campo de aviação de Madina onde fomos reabastecidos de água e r/c [rações de combate].
Pelas 9.00h a coluna pôs-se em movimento e meia hora depois 4 carros da rectaguarda tiveram um acidente. Não obstante, a coluna prosseguiu e o pessoal do Dest F mais os mecânicos resolveram a dificuldade.
Entretanto, o final da coluna pôs-se em movimento acelerado para apanhar as viaturas da frente e deixaram a guarda da rectaguarda isolada no mato, num momento particularmente difícil em que precisávamos evacuar 2 soldados vencidos pelo esgotamento físico e nervoso (2 noites seguidas sem dormir, ataque de abelhas em D +1, intenso calor). O Comandante da coluna ordenou que se fizesse a evacuação e o reabastecimento de água.
Feitos estes, iniciou-se a marcha e abreve trecho tomámos contacto com a coluna e tudo correu normalmente até ao Cheche. A cobertura aérea pareceu-me impecável. Próximo de Cheche recebi ordens para ocupar a posição que ocupara que tivera em D / D+1 porque o Exmo. Comandante da Operação entendeu dever poupar alguns quilómetros ao Dest F e D, bastante atingidos pela dureza dos respectivos percursos.
Essa foi a razão porque não transpus o [Rio] Corubal em D + 3 [ 5 de Fevereiro] só o vindo a fazer em D + 4 [6 de Fevereiro] por volta das 9.00h. O IN continua sem se manifestar (ou sem se poder manifestar).
Durante a transposição do Corubal a jangada em que seguiam 4 Gr Comb, respectivos comandos e tripulação afundou-se espectacularmente acerca de um terço da largura do rio, provocando o desaparecimento de 17 militares do Dest F e grandes quantidades de material perdido.
Por voltas das 10.00h de D+ 4 [6 de Fevereiro] saímos de Cheche para Cajadude [vd. mapa local de Cheche] que atingimos por volta das 16.30h com o pessoal deste Dest embarcado. Descansou-se e em D + 5 [7 de Fevereiro] às primeiras horas a coluna pôs-se em movimento para Nova Lamego que foi atingida por volta das 11.00h. Às 12.00h as tropas ouviram uma mensagem do Exmo. Comandante-Chefe que se deslocou propositadamente para a fazer.
Permaneci em Nova Lamego para organizar a coluna do dia seguinte. Às primeiras horas de D + 6 [8 de Fevereiro] iniciei o movimento para Galomaro onde cheguei cerca das 10.30h.
Recorde-se que a companhia que estava em Madina do Boé, há 13 meses, era a CCAÇ 1790, a mesma a que pertencia Gustavo Pimenta, o alferes miliciano que perdeu metade do seu pelotão nessa trágica retirada (ele é o autor do livro sairómeM - Guerra Colonial. Porto: Palimage Editores, 1999) [vd. post de 17 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIX: Antologia (7): Os bravos de Madina do Boé (CCAÇ 1790) ]
Em Cheche, já no regresso de Madina, pelas 9 da manhã do dia 6 de Fevereiro de 1969, as NT sofrem a perda de meia centenas de homens e grandes quantidades de material, quando a jangada que fazia a travessia do Rio Corubal se virou. Aparentemente, sem explicação (Já ouvi várias teorias sobre isso, mas essas especulações ficam para mais tarde...).
O desastre terá sido devido a excesso e desiquíbrio de peso. Iam na jangada mais de cem homens (4 grupos de combate mais a tripulação da embarcação), além de viaturas e outro equipamento. Dos que desapareceram, 17 pertenciam à companhia de Galomaro.
Esta operação foi uma das mais dramáticas que se desenrolaram no TO da Guiné, devido não só à pressão do IN (invisível mas sempre ubíquo como Deus) como a outros factores desfavoráveis para as NT (o calor, a falta de água, as condições do terreno, as terríveis abelhas da Guiné que estavam objectivamente ao serviço do PAIGC, as insónias, o stresse, a exaustão física e emocional...).
A minha experiência de operacional diz-me que mais do que dois dias no mato, naquelas terras, era humanamente impossível para um tuga. Andar a pé, no mato, ao sol, entre as 10 e as 16 horas, era uma loucura suicidária. As elevadas temperaturas, à sombra e ao sol, a par da humidade do ar, obrigavam à ingestão de elevadas quantidades de água. As rações de combate eram intragáveis e inadequadas às condições da guerra da Guiné. Apercebendo-se de que provocavam mais sede, os militares deixavam de as consumir. O risco de desidratação e de subnutrição aumentava. O abastecimento de água era sempre crítico e nunca estava garantido. Além disso, tínhamos mais medo das abelhas do que o diabo da cruz.
Nesse ano, no início da estação seca, iriam realizar-se grandes operações de limpeza, como a da Lança Afiada, já aqui descrita (vd. post de 31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza: Op Lança Afiada, Março de 1969) . Dizia-se em Bissau que o então brigadeiro Spínola queria acabar com a guerra em seis meses... O PAIGC percebeu que o homem grande de Bissau não era pera doce, que era um adversário de respeito, mas também não lhe deu tréguas...
O impacto negativo do desastre de Cheche no moral das nossas tropas foi enorme (É curioso que ainda hoje não se fala em Cheche, mas sim em Madina do Boé... Ora o desastre ocorreu justamente em Cheche, na travessia do Rio Corubal, com Madina já para trás...).
Lembro-me, quando ainda periquito, em Contuboel, ouvir os dramáticas relatos de camaradas mais velhos que participaram nesta complexa e vasta operação, a nível de agrupamento. No meu Diário de um Tuga, eu costumava comparar Madina do Boé a Dien Bien Phu, comandada pelo célebre general Giap, onde os franceses perderam a guerra do Vietname.
A comparação era um evidente exagero. Mas é um facto que em Madina do Boé, em 5 de Fevereiro de 1969, começava provavelmente o fim da guerra colonial na Guiné e do nosso império. Esta queda foi também simbólica. Para o PAIGC representou uma vitória retumbante. Não é por acaso que a proclamação unilateral da independência é feita em Madina do Boé, a 24 de Setembro de 1973. Mas deixemos isso para mais tarde e sobretudo para os historiadores...
O texto que se segue tem uma ou outra palavra ilegível. Foi feita a sua recuperação. Impresso a stencil há 35 anos, do documento foi feita uma fotocópia, fornecida ao Humberto Reis por um camarada da CCS do BCAÇ 2852.
Curiosamente, o autor do relatório da Op Mabeco (?), o comandante da CCAÇ 2405, não apresenta quais quer razões, técnicas, militares ou outras, para o afundamento da jangada, limitando-se a descrever, de maneira sucinta e factual, o desastre, como mandava o livro de estilo dos operacionais, nunca deixando que os seus sentimentos ou emoções interferissem com a capacidade de identificar e descrever os acontecimentos mais relevantes ocorridos durante uma operação.
No entatanto, o autor do relatório usa um advérbio de modo (espectacularmente) que me parece deslocado e que até pode chocar o leitor de hoje. O episódio é descrito assim, sucintamente, a seco, sem emoção, sem mais explicações. Por outro lado, neste relatório nada se diz sobre o que ocorreu com os outros destacamentos (já que houve mais baixas, de outras unidades, que iam na jangada):
"Durante a transposição do Corubal a jangada em que seguiam 4 Gr Comb, respectivos comandos e tripulação afundou-se espectacularmente (sic), acerca de um terço da largura do rio, provocando o desaparecimento de 17 militares do Dest F e grandes quantidades de material perdido”.
Era assim a linguagem de pau dos nossos relatórios de operações. No desastre do Corubal, em Cheche, morreram 47 militares portugueses. 47 ou 46, já vi várias versões. A imprensa da Metrópole, na época, deu grande destaque a essa notícia, não obstante a existência de censura (ou, como então se dizia, eufemisticamente, exame prévio).
O Humberto Reis, ao facultar cópia, em suporte digital, deste relatório à nossa tertúlia e ao decidir divulgá-la pela Internet, presta também a sua homenagem aos bravos de Cheche (e aos que resistiram, com coragem e galhardia, ao cerco de Madina do Boé).
Aliás, prestamos aqui, todos nós, a nossa sentida homenagem aos nossos camaradas da CCAÇ 2405 e de outras unidades, como a CCAÇ 1790, que pereceram em Cheche. A sua memória não poderia (nem nunca poderá) ser esquecida. Por razões éticas, omitimos o número mecanográfico dos militares que são referidos no relatório, e abreviamos o seu nome para não serem facilmente identificados. Gostaríamos, no entanto, que eles nos contactassem, se ainda forem vivos, como esperamos. Para o Humberto, por sua vez, vai aquele grande abraço! (L.G.) .
2. Extractos de: Guiné 68-70 . Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Classificação: Reservado. Cap. II. 36-38.
Ilustração do cabeçalho do capítulo II, da História do BCAÇ 2852. Documento gentilmente disponibilizado pelo Nova Lamego por volta das 1.30h do mesmo dia, sem qualquer novidade.
Aqui fizeram-se os preparativos finais da organização da coluna que partiu às 5.30h do dia 2 [D]. Abre [o autor do relatório] um parêntesis para discordar do pormenor da organização da coluna: os meus condutores e mecânicos tiveram que conduzir e dar assistência técnica a viaturas que não lhe pertenciam e das quais desconheciam as mazelas.
Daqui resultaram perdas de tempo inúteis e uma tremenda confusão resultante do facto de os atiradores terem guardado parte dos seus haveres e utensílios militares em viaturas que supunham pertencer às unidades e que, sem que se saiba porquê, foram trabalhar para unidades diferentes.
A coluna saiu de Nova Lamego para Cajadude [vd mapa local de Cheche] com o pessoal totalmente embarcado e atingiu-se esta povoação por volta das 9.00h sem qualquer problema.
A partir de Cajadude a coluna progrediu com guardas de flancos tendo o Dest F colaborado na guarda da rectaguarda da coluna fazendo uma progressão apeada que não estava prevista.
Atingiu-se o Cheche por volta das 17.00h (sempre com uma cobertura aérea excelente). Imediatamente os Dest D e F fizeram a transposição do [Rio] Corubal e foram ocupar as posições estratégicas previstas.
Já escurecia e o Dest D levava 1 minuto de avanço sobre o Dest F. Subitamente o 1º Pel[otão] revelou achar estranho algo que se passava à nossa direita, parecendo-lhes ter visto elementos estranhos. Por outro lado o guia assegurou tratar-se de turras pelo que a Companhia tomou posições de combate, lançando-se ao solo e imobilizando-se.
Seguiram-se [dois disparos rápidos ? ilegível] de morteiro (os clarões foram facilmente visíveis quando as granadas saíram à boca da arma). Foram tiros curtos na direcção sudoeste, e os rebentamentos deram-se próximo do local que o Dest F iria ocupar daí a momentos.
O IN não voltou a manifestar-se mas obrigou-nos a uma vigilância nocturna permanente e a uma mudança de posição por volta das 23.00h. Às 20.00h ouviram-se na direcção oeste dois tiros que me pareceram de arma nossa fazendo fogo de reconhecimento.
Pelas 5.30h [do dia 3, D + 1] mandou-se um Pelotão a Cheche buscar um Pelotão do Dest E que fazia guarda imediata às viaturas e que eu devia levar até Madina. Pelas 6.30h dirigi-me à zona do Dest E onde se organizou a coluna com o Dest F à frente e uma guarda de flanco avançada e o Dest D atrás igualmente com guarda de flanco.
Iniciei o movimento guiado com carta e bússola porque a marcha foi feita a cerca de 200 metros (mínimo) da estrada. O meu objectivo era surpreender o IN pela rectaguarda tanto mais que os aviões me anunciaram haver possibilidade de sermos emboscados. Cerca 1000 [10.00h ] o Dest F sofreu um violento ataque de abelhas e teve que recuar cerca de um quilómetro para se reorganizar de novo.
Um soldado, em consequência, ficou imediatamente fora de acção. Foi pedida a respectiva evacuação bem como a de outro soldado que apresentava sintomas de insolação. As evacuações fizeram-se para Nova Lamego dos 1ºs cabos (…) Carlos G. Machado, (…) Agostinho R. Sousa, e dos soldados (…) José A. M. S. Ferreira, (…) Manuel N. Parracho, (…) Benjamim D. Lopes, (…) Fernando A. Tavares, (…) Cândido F. S. Abreu, (…) SAntónio S. Moreira e, para Bissau, O 1º CABO (…) Adérito S. Loureiro. O héli desceu mais tarde para reabastecer o pessoal de água.
Reiniciada a marcha, sofremos segundo ataque de abelhas que inutilizaram mais uma praça para quem teve de ser pedida mova evacuação. Entretanto. Eram 14.30h, e mais 2 soldados, esgotada a sua provisão de água, apresentavam sintomas de insolação. Foram evacuados conjuntamente com 2 praças do Dest D que apresentavam sintomas semelhantes (vómitos, intensa palidez, olhos dilatados, respiração frenética).
O Dest D passou para a frente e reinicou-se a marcha, sempre fora da estrada até à recta que leva a Madina. Nada mais se passou além do sofrimento intenso das tropas por via do calor. O DEst D foi reabastecido de água. Atingimos Madina por volta das 19.00h desligados do Dest D que prosseguiu a sua marcha quando [eu tive? ilegível] que parar para reajustar o dispositivo e tratar os mais debilitados (4 praças e 1 furriel).
Houve descanso em Madina e tomou-se uma refeição quente. No dia 4 (D + 2) o Dest F dirigiu-se para [T … Cumbera ?, ilegível] ocupando a posição 3 que atingiu sem dificuldade por volta das 11.00h. Alternadamente ocupou-se as posições 3 e 4 de acordo com o plano.
Em D + 3 [5 de Fevereiro de 1969] por volta das 7.30h recebemos ordens do PCV [Posto de Comando Volante] para a abandonar a nossa posição e seguir ao encontro da coluna. Uma hora depois atingimos o campo de aviação de Madina onde fomos reabastecidos de água e r/c [rações de combate].
Pelas 9.00h a coluna pôs-se em movimento e meia hora depois 4 carros da rectaguarda tiveram um acidente. Não obstante, a coluna prosseguiu e o pessoal do Dest F mais os mecânicos resolveram a dificuldade.
Entretanto, o final da coluna pôs-se em movimento acelerado para apanhar as viaturas da frente e deixaram a guarda da rectaguarda isolada no mato, num momento particularmente difícil em que precisávamos evacuar 2 soldados vencidos pelo esgotamento físico e nervoso (2 noites seguidas sem dormir, ataque de abelhas em D +1, intenso calor). O Comandante da coluna ordenou que se fizesse a evacuação e o reabastecimento de água.
Feitos estes, iniciou-se a marcha e abreve trecho tomámos contacto com a coluna e tudo correu normalmente até ao Cheche. A cobertura aérea pareceu-me impecável. Próximo de Cheche recebi ordens para ocupar a posição que ocupara que tivera em D / D+1 porque o Exmo. Comandante da Operação entendeu dever poupar alguns quilómetros ao Dest F e D, bastante atingidos pela dureza dos respectivos percursos.
Essa foi a razão porque não transpus o [Rio] Corubal em D + 3 [ 5 de Fevereiro] só o vindo a fazer em D + 4 [6 de Fevereiro] por volta das 9.00h. O IN continua sem se manifestar (ou sem se poder manifestar).
Durante a transposição do Corubal a jangada em que seguiam 4 Gr Comb, respectivos comandos e tripulação afundou-se espectacularmente acerca de um terço da largura do rio, provocando o desaparecimento de 17 militares do Dest F e grandes quantidades de material perdido.
Por voltas das 10.00h de D+ 4 [6 de Fevereiro] saímos de Cheche para Cajadude [vd. mapa local de Cheche] que atingimos por volta das 16.30h com o pessoal deste Dest embarcado. Descansou-se e em D + 5 [7 de Fevereiro] às primeiras horas a coluna pôs-se em movimento para Nova Lamego que foi atingida por volta das 11.00h. Às 12.00h as tropas ouviram uma mensagem do Exmo. Comandante-Chefe que se deslocou propositadamente para a fazer.
Permaneci em Nova Lamego para organizar a coluna do dia seguinte. Às primeiras horas de D + 6 [8 de Fevereiro] iniciei o movimento para Galomaro onde cheguei cerca das 10.30h.
segunda-feira, 1 de agosto de 2005
Guiné 63/74 - P132: Cem pesos, manga de patacão, pessoal! (2)
Moeda de 1 escudos da Guiné. Comemorativa dos 500 anos de descoberta da Guiné, em 1446, por Nuno Tristão
© Transmontana, em Bafatá ? E uma passagem de avião, para virmos a casa, de férias ? E o famigerado Hotel da Cona Rachada onde a gente ficava, de passagem, em Bissau ? Eu pelo menos fiquei uma vez ou duas, se não me engano... (Ou era outra pensão ainda mais reles ? Recordo-me que um dia rebentaram-me a mala e fanaram-me o uísque)... Tu tinhas os teus conhecimentos em Bissau...
Moeda de 10 escudos da Guiné. © Afonso Sousa (2005).
Como tens uma boa memória, pode ser que te lembres disso... Eu já nem me lembro sequer de quanto ganhávamos... Cerca de cinco notas de conto, não ? Os alferes, sete; os capitães, não faço ideia... E os nossos soldados africanos, que eram praças de 2ª ? Tenho ideia que ganhavam seiscentos pesos, mais outro tanto (25 pesos / dia) por serem desarranchados... Como eram islamizados, não podiam comer a comida do tuga, pelo que foram mais tarde autorizados a receber o subsídio de alimentação... Mandaram-me isso à cara, no Xime, quando morreu o Cunha e o restante pessoal da CART 2715... Os sacanas tiveram um momento de hesitação, antes de aceitarem ir comigo resgatar os corpos dos nossos camaradas mortos, à cabeça da coluna (vd post de 25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970):
- Pessoal africano só ganha seiscentos pesos! - Que é como quem diz: vai lá tu, que os mortos são do vosso sangue, são do vosso chão, são da vossa terra, são tugas... Foi o único momento, em toda a minha comissão, em que vi os nossos soldados terem medo...
Moeda de 5 escudos da Guiné. © Afonso Sousa (2005).
De qualquer modo, o que eram 600 escudos guineenses (pesos) naquela época ? Apenas o suficiente para comprar, na loja do libanês ou do tuga, um saco de arroz importado, e para alimentar (mal) uma família extensa, reunida na sua morança (muitos deles, tinham pelo menos duas mulheres que trouxeram das suas terras para Bambadinca).
2. Resposta do (senhor engenheiro) Humberto Reis:
Já não me lembro da maioria dos preços mas tenho uma ideia de que uma viagem na TAP em Março de 1970, Bissau-Lisboa-Bissau, me custou à volta de 6 contos e nós ganhávamos cerca de 5.
O pré dos soldados era de 600 pesos os de 2ª, 900 pesos os de cá e os cabos 1200 pesos. Eu sei dessa diferença pois tinha no meu Gr Comb o Arménio (o vermelhinha) que foi como soldado, visto que levou cá uma porrada (foi apanhado numa rusga pela PM no Porto quando já estávamos no IAO em Santa Margarida) que lhe lixou a promoção.
Em Bissau, como normalmente ficava instalado na BA12 [Base Aérea nº 12] nos alojamentos dos pilotos, pois tinha lá malta minha conhecida de cá, não sei qual o preço das pensões, e do bifinho na Transmontana de Bafatá também já não me lembro.
Sei bem, isso não me esqueceu, que o visque era mais barato que a cervejola : 2,50 simples contra 3,00 ou 3,50, além de que dava direito, o whisky, a gelo. As cervejas nunca estavam suficientemente geladas pois os frigoríficos da messe, a petróleo, não tinham poder de resposta para a quantidade de pedidos.
Não se riam, meus amigos, com a expressão dos frigoríficos "a petróleo" pois era assim mesmo que funcionavam, visto que o gerador eléctrico [de Bambadinca] só trabalhava à hora de almoço e depois durante a noite. Disto, da produção de frio/ar condicionado falo de cátedra pois é a minha vida profissional (eu costumo dizer que vivo do ar condicionado).
Aquele sistema de produção do frio a partir de uma fonte quente ainda hoje é utilizado, chama-se de absorção, e utiliza como refrigerante a água, ao contrário dos sistemas mais vulgarizados que utilizam alguns gases, mais ou menos poluentes da camada de ozono. Posso dar-vos como exemplo alguns dos sistemas de produção do frio para o ar condicionado, que conheço pois acompanhei de perto: Estalagem da Srª das Neves, no nordeste transmontano, do Hospital de Matosinhos, dos edifícios do BCP-Millennium no Tagus Park em Oeiras, do Hospital de Mirandela, etc., utilizam sistemas destes.
Um abraço. Humberto Reis
3. Obrigado, Humberto, por me refrescares a memória. Já agora fica com este apontamento: trata-se de um interessante "Rol das despesas mensais de um soldado" que nos permite reconstituir, de certo modo, o quotidiano e o padrão de consumo de um soldado-tipo. Não tenho a certeza se a stituação se reportava à Guiné, Angola ou Moçambique. Para o caso, também não interessa muito. De qualquer modo diz respeito a 1973.
Encontrei esta informação numa nota de despesa, fotografada, que consta de um livro de que é primeiro autor o meu amigo e nosso contemporâneo de Contuboel, o Renato Monteiro, da CART 11, o homem da piroga no Geba:
Despesa do 3/1973:
Cerveja > 54 x 6$00 = 324$00
Cerveja > 24 x 4$00 = 92$00
Floid (sic) = 55$00
Pasta p/ dentes = 18$00
1 frasco de cola = 30$00
1 bloco de escrever = 15$00
1 lata de fruta = 11$00
1 garrafa de Porto = 55$00
Sabão = 7$00
Selos = 30$00
Envelopes = 8$00
Fotos = 44$00
Carne patoscada (sic) = 77$00
Vagaço (sic) = 14$00
1 lata de leite = 8$00
FIO = 750$00
Despesa total = 1538$00
1/4/1973
Assinatura ilegível
(1) Monteiro, R.; Farinha, L. - Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: Círculo de Leitores / D. Quixote. 1990. 223.
4. Estes valores acima referidos são já reveladores da crise que, no 1º trimestre de 1973, afectava já a economia portuguesa bem como das pressões inflacionistas. Repare-se, em todo o caso, que numa despesa mensal de 788$00, pouco restava do pré do soldado do Ultramar, uma parte do qual era de resto depositado na Metrópole. Do total do consumo mensal (788$00), 52.8% ia para a cerveja! Havia dois tipos de garrafa: a de 0,6 litros (a chamada bazuca, na Guiné) e a de 0,33 l.
A moeda da República da Guiné Bissau. 5 pesos (1977) (Frente). © Afonso Sousa (2005).
Admitindo que esta era a despesa média da generalidade das nossas praças em África, o consumo de cerveja diária, per capita, seria então superior a um litro, ou seja, mais de 40 litros por mês: (24 x 0,33) + (54 x 0,6)=7,92 + 32,4= 40,32 litros. Ao fim de um ano, seria o equivalente a 460 litros...
Há ainda a acrescentar o consumo de outras bebidas alcoólicas (8.8%), como o Porto, o bagaço e o uísque (este último consumido, diaramente, sobretudo pelos oficiais e sargentos). As duas rubricas, somadas, perfazem um total de 60%, que seria quanto muitos soldados gastavam com a droga do quotidiano da guerra da Guiné, que era o álcool. A última coisa que podia faltar num aquartelamento era a cerveja, o vinho e outras bebibas alcoólicas. Também havia os vicidados da coca-cola...
Para os fumadores, haveria ainda que considerar uma despesa mensal de 50$00 a 100$00 (sabendo-se que um maço de tabaco, de tipo SG Filtro, custava 2$50, segundo a preciosa informação do Humberto Reis). Sem contar com despesas extras (uma escapadela a Bissau ou a Bafatá), deveria ainda considerar-se o patacão destinado à lavadeira, embora muitos soldados poupassem neste item, lavando a sua própria roupa.
A moeda da República da Guiné Bissau. 5 pesos (1977) (Verso). © Afonso Sousa (2005).
De notar, por outro lado, o peso que o correio tinha nas despesas mensais do soldado: neste caso, cerca de 16% considerando itens de despesa com o correio o frasco de cola, o bloco de escrever, os selos, os envelopes e as fotos (total: 127$00). Cerca de 10% da despesa tem a ver com a higiene pessoal (80$00) e o restante (cerca de 12.2%) com a alimentação (96$00). O petisco era também uma forma de reforçar a solidariedade entre camaradas e ajudar a passar os dias da comissão que nunca mais chegava ao fim...
O pré do soldado (que em 1973 não deveria muito diferente de 1969/71: 900$00, mais o prémio de especialidade que não deveria ultrapassar os 225$00) não chegaria, nalguns meses, para cobrir as despesas essenciais. Daí ele ter que recorrer ao fiado, ou seja, à boa vontade do sargento da companhia que explorava o bar e cantina (neste caso o fiado é o equivalente à despesa de um mês: 750$00!). Em último caso, mandava uma aerograma para a família lhe enviar, no correio mais próximo, mais uma ou duas notas de cem.
© Transmontana, em Bafatá ? E uma passagem de avião, para virmos a casa, de férias ? E o famigerado Hotel da Cona Rachada onde a gente ficava, de passagem, em Bissau ? Eu pelo menos fiquei uma vez ou duas, se não me engano... (Ou era outra pensão ainda mais reles ? Recordo-me que um dia rebentaram-me a mala e fanaram-me o uísque)... Tu tinhas os teus conhecimentos em Bissau...
Moeda de 10 escudos da Guiné. © Afonso Sousa (2005).
Como tens uma boa memória, pode ser que te lembres disso... Eu já nem me lembro sequer de quanto ganhávamos... Cerca de cinco notas de conto, não ? Os alferes, sete; os capitães, não faço ideia... E os nossos soldados africanos, que eram praças de 2ª ? Tenho ideia que ganhavam seiscentos pesos, mais outro tanto (25 pesos / dia) por serem desarranchados... Como eram islamizados, não podiam comer a comida do tuga, pelo que foram mais tarde autorizados a receber o subsídio de alimentação... Mandaram-me isso à cara, no Xime, quando morreu o Cunha e o restante pessoal da CART 2715... Os sacanas tiveram um momento de hesitação, antes de aceitarem ir comigo resgatar os corpos dos nossos camaradas mortos, à cabeça da coluna (vd post de 25 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970):
- Pessoal africano só ganha seiscentos pesos! - Que é como quem diz: vai lá tu, que os mortos são do vosso sangue, são do vosso chão, são da vossa terra, são tugas... Foi o único momento, em toda a minha comissão, em que vi os nossos soldados terem medo...
Moeda de 5 escudos da Guiné. © Afonso Sousa (2005).
De qualquer modo, o que eram 600 escudos guineenses (pesos) naquela época ? Apenas o suficiente para comprar, na loja do libanês ou do tuga, um saco de arroz importado, e para alimentar (mal) uma família extensa, reunida na sua morança (muitos deles, tinham pelo menos duas mulheres que trouxeram das suas terras para Bambadinca).
2. Resposta do (senhor engenheiro) Humberto Reis:
Já não me lembro da maioria dos preços mas tenho uma ideia de que uma viagem na TAP em Março de 1970, Bissau-Lisboa-Bissau, me custou à volta de 6 contos e nós ganhávamos cerca de 5.
O pré dos soldados era de 600 pesos os de 2ª, 900 pesos os de cá e os cabos 1200 pesos. Eu sei dessa diferença pois tinha no meu Gr Comb o Arménio (o vermelhinha) que foi como soldado, visto que levou cá uma porrada (foi apanhado numa rusga pela PM no Porto quando já estávamos no IAO em Santa Margarida) que lhe lixou a promoção.
Em Bissau, como normalmente ficava instalado na BA12 [Base Aérea nº 12] nos alojamentos dos pilotos, pois tinha lá malta minha conhecida de cá, não sei qual o preço das pensões, e do bifinho na Transmontana de Bafatá também já não me lembro.
Sei bem, isso não me esqueceu, que o visque era mais barato que a cervejola : 2,50 simples contra 3,00 ou 3,50, além de que dava direito, o whisky, a gelo. As cervejas nunca estavam suficientemente geladas pois os frigoríficos da messe, a petróleo, não tinham poder de resposta para a quantidade de pedidos.
Não se riam, meus amigos, com a expressão dos frigoríficos "a petróleo" pois era assim mesmo que funcionavam, visto que o gerador eléctrico [de Bambadinca] só trabalhava à hora de almoço e depois durante a noite. Disto, da produção de frio/ar condicionado falo de cátedra pois é a minha vida profissional (eu costumo dizer que vivo do ar condicionado).
Aquele sistema de produção do frio a partir de uma fonte quente ainda hoje é utilizado, chama-se de absorção, e utiliza como refrigerante a água, ao contrário dos sistemas mais vulgarizados que utilizam alguns gases, mais ou menos poluentes da camada de ozono. Posso dar-vos como exemplo alguns dos sistemas de produção do frio para o ar condicionado, que conheço pois acompanhei de perto: Estalagem da Srª das Neves, no nordeste transmontano, do Hospital de Matosinhos, dos edifícios do BCP-Millennium no Tagus Park em Oeiras, do Hospital de Mirandela, etc., utilizam sistemas destes.
Um abraço. Humberto Reis
3. Obrigado, Humberto, por me refrescares a memória. Já agora fica com este apontamento: trata-se de um interessante "Rol das despesas mensais de um soldado" que nos permite reconstituir, de certo modo, o quotidiano e o padrão de consumo de um soldado-tipo. Não tenho a certeza se a stituação se reportava à Guiné, Angola ou Moçambique. Para o caso, também não interessa muito. De qualquer modo diz respeito a 1973.
Encontrei esta informação numa nota de despesa, fotografada, que consta de um livro de que é primeiro autor o meu amigo e nosso contemporâneo de Contuboel, o Renato Monteiro, da CART 11, o homem da piroga no Geba:
Despesa do 3/1973:
Cerveja > 54 x 6$00 = 324$00
Cerveja > 24 x 4$00 = 92$00
Floid (sic) = 55$00
Pasta p/ dentes = 18$00
1 frasco de cola = 30$00
1 bloco de escrever = 15$00
1 lata de fruta = 11$00
1 garrafa de Porto = 55$00
Sabão = 7$00
Selos = 30$00
Envelopes = 8$00
Fotos = 44$00
Carne patoscada (sic) = 77$00
Vagaço (sic) = 14$00
1 lata de leite = 8$00
FIO = 750$00
Despesa total = 1538$00
1/4/1973
Assinatura ilegível
(1) Monteiro, R.; Farinha, L. - Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: Círculo de Leitores / D. Quixote. 1990. 223.
4. Estes valores acima referidos são já reveladores da crise que, no 1º trimestre de 1973, afectava já a economia portuguesa bem como das pressões inflacionistas. Repare-se, em todo o caso, que numa despesa mensal de 788$00, pouco restava do pré do soldado do Ultramar, uma parte do qual era de resto depositado na Metrópole. Do total do consumo mensal (788$00), 52.8% ia para a cerveja! Havia dois tipos de garrafa: a de 0,6 litros (a chamada bazuca, na Guiné) e a de 0,33 l.
A moeda da República da Guiné Bissau. 5 pesos (1977) (Frente). © Afonso Sousa (2005).
Admitindo que esta era a despesa média da generalidade das nossas praças em África, o consumo de cerveja diária, per capita, seria então superior a um litro, ou seja, mais de 40 litros por mês: (24 x 0,33) + (54 x 0,6)=7,92 + 32,4= 40,32 litros. Ao fim de um ano, seria o equivalente a 460 litros...
Há ainda a acrescentar o consumo de outras bebidas alcoólicas (8.8%), como o Porto, o bagaço e o uísque (este último consumido, diaramente, sobretudo pelos oficiais e sargentos). As duas rubricas, somadas, perfazem um total de 60%, que seria quanto muitos soldados gastavam com a droga do quotidiano da guerra da Guiné, que era o álcool. A última coisa que podia faltar num aquartelamento era a cerveja, o vinho e outras bebibas alcoólicas. Também havia os vicidados da coca-cola...
Para os fumadores, haveria ainda que considerar uma despesa mensal de 50$00 a 100$00 (sabendo-se que um maço de tabaco, de tipo SG Filtro, custava 2$50, segundo a preciosa informação do Humberto Reis). Sem contar com despesas extras (uma escapadela a Bissau ou a Bafatá), deveria ainda considerar-se o patacão destinado à lavadeira, embora muitos soldados poupassem neste item, lavando a sua própria roupa.
A moeda da República da Guiné Bissau. 5 pesos (1977) (Verso). © Afonso Sousa (2005).
De notar, por outro lado, o peso que o correio tinha nas despesas mensais do soldado: neste caso, cerca de 16% considerando itens de despesa com o correio o frasco de cola, o bloco de escrever, os selos, os envelopes e as fotos (total: 127$00). Cerca de 10% da despesa tem a ver com a higiene pessoal (80$00) e o restante (cerca de 12.2%) com a alimentação (96$00). O petisco era também uma forma de reforçar a solidariedade entre camaradas e ajudar a passar os dias da comissão que nunca mais chegava ao fim...
O pré do soldado (que em 1973 não deveria muito diferente de 1969/71: 900$00, mais o prémio de especialidade que não deveria ultrapassar os 225$00) não chegaria, nalguns meses, para cobrir as despesas essenciais. Daí ele ter que recorrer ao fiado, ou seja, à boa vontade do sargento da companhia que explorava o bar e cantina (neste caso o fiado é o equivalente à despesa de um mês: 750$00!). Em último caso, mandava uma aerograma para a família lhe enviar, no correio mais próximo, mais uma ou duas notas de cem.
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