Assunto - O famigerado Cabo 80
O Ten Spears, destemido e bravo oficial pára-quedista norte-americano, distribui cigarros aos 6 soldados alemães, feitos prisioneiros ao 2º dia do desembarque na Normandia. Após ter acendido os cigarros, com toda a lisura, a cada um deles, pega na sua metralhadora, e num impulso de loucura, descarrega o carregador sobre os prisioneiros alemães.
Esta era mais uma história, que circulava entre os homens da companhia Easy, pertencentes à 101ª Divisão de Paraquedistas, criando entre os soldados um misto de temor e admiração pelas suas façanhas, quase no fim da guerra na Europa, já com Spears promovido a capitão.
Lipton, expriente psar da companhia, interroga-o sobre essas "histórias"que se contam sobre ele. Spears sorri, conhecendo de cor todas essas histórias, maior parte delas inventadas, e diz a Lipton:
- Há 2000 anos atrás, havia centuriões à conversa sobre Tercius a dizer que ele decapitara prisioneiros cartagineses. Nunca ouviram Tercius negar as histórias, talvez porque Tercius queria que pensassem que ele era o pior e mais malvado guerreiro de toda a legião romana.
Li neste blogue há algum tempo, excertos do livro do senhor sargento pára Carmo Vicente, em que se refería a "conhecidos arruaceiros, como o famigerado 80", tendo logo aparecido quem defendesse a sua honra e afirmado que era enfermeiro, facto que eu não descionhecia (**).
Já eu nos anos 90, quando cumpria o meu serviço militar nos paraquedistas, ouvi muitas vezes da boca dos veteranos da Guiné, a prestar serviço nos páras, referências ao cabo 80, figura mítica dos páras na Guiné, conflituoso, lixado para a porrada, que partia os bares todos em Bissau, homem que enfrentava tudo e todos... Enfim, também ainda se ouvem sussurros sobre o 80 no dia de unidade dos paraquedistas, entre os páras que prestaram serviço na Guiné.
Mas, o que é feito da nossa personagem? Segundo consta, desapareceu após o fim da sua comissão. Ins dizem que já morreu, mas ouvi também dizer que fugiu do país, após ter morto um polícia, por altura do 25 de Abril... Atenção, são versões não confirmadas.
A certa altura, estando eu à conversa com um pára de uma associação de paraquedistas, também ele a par da fama do cabo 80, revelou-me o seu verdadeiro nome. Após consulta minuciosa ao livro do BCP12, qual não é o meu espanto, ao ver o famigerado cabo 80 assinalado várias vezes, com reconhecimento por bravura em combate.. . E mais!, na parte das condecorações, lá está o "arruaceiro" Primeiro Cabo Paraquedist nº 85/RD (...)
MEDALHA DA CRUZ DE GUERRA DE 2ª CLASSE
e novamente (...) .MEDALHA DA CRUZ DE GUERRA DE 3ª CLASSE.
Não sei, quem era o comandante de companhia, deste nosso cabo paraquedista (Cap Mira Vaz? Cap Terras Marques? Cap Avelar de Sousa? entre outros). Penso que era interessante saber, da parte dos elementos da sua companhia, quem era realmente o cabo 80. Eu, humildemente, e sem querer ofender, penso que era mais um soldado que queria honrar a sua pátria, e que tinha a sua maneira de o fazer.
Um grande abraço
Pedro Castanheira
[Revisão / fixação de texto: L.G.]
_____________
Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 22 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5518: Cancioneiro da CCP 122 / BCP 12 (1972/74) , a Gloriosa (Pedro Castanheiro)
Não sei, quem era o comandante de companhia, deste nosso cabo paraquedista (Cap Mira Vaz? Cap Terras Marques? Cap Avelar de Sousa? entre outros). Penso que era interessante saber, da parte dos elementos da sua companhia, quem era realmente o cabo 80. Eu, humildemente, e sem querer ofender, penso que era mais um soldado que queria honrar a sua pátria, e que tinha a sua maneira de o fazer.
Um grande abraço
Pedro Castanheira
[Revisão / fixação de texto: L.G.]
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 22 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5518: Cancioneiro da CCP 122 / BCP 12 (1972/74) , a Gloriosa (Pedro Castanheiro)
(**) Sobre o Cabo 80 e os tristes acontecimentos de Bissau, em Janeiro de 1968, vd. postes de:
10 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1512: Estórias de Bissau (11): Paras, Fuzos e...Parafuzos (Tino Neves)
(..) A estória é-me contada em 3ª ou 4ª mão, foi-me contada por uns amigos pára-quedistas, portanto é a sua versão (deles, pára-quedistas).
Então é assim: Não tenho a data do acontecimento, mas julgo ter sido em 1968. Houve um jogo de futebol de onze no campo do Benfica. Não me recordo, ao certo, do nome completo do clube de futebol. Sei que era de Bissau, só me lembro que era do Benfica.
Os contentores eram obviamente os Fuzileiros contra os Pára-quedistas, o jogo estava a correr muito bem, mas a um dado momento gerou-se uma troca de mimos, na assistência, entre as claques que chegaram mesmo a vias de facto (ou seja pancadaria).
Os Fuzileiros, estando relativamente perto do aquartelamento deles, correram a armarem-se, ou pedir reforços, não sei, mas os Pára-quedistas aperceberam-se disso e foram em seu encalço. A praça que estava de guarda na porta de armas do quartel, apercebendo-se do que se estava a passar, chamou o Cabo da Guarda e perguntou-lhe o que deveria fazer neste caso. Foi-lhe dada ordem de disparar, o que fez, originando a morte de um Pára-quedista.
A partir daí, qualquer Fuzileiro não se podia relacionar com Pár-aquedistas, e vice-versa, pelo que acontecia muitas vezes pancadaria entre ambos e, quando acontecia, cada um ia chamar o seu Camarada protector. O Protector dos Fuzileiros era um Cabo (julgo eu) chamado Lages, e da parte dos Pára-quedistas também havia um Cabo, Enfermeiro, conhecido por Oitenta.
Em café, esplanada ou qualquer espaço onde houvesse confrontos entre Fuzileiros e Pára-.quedistas com os seus respectivos Protectores, não restava nada que ficasse de pé. Quando os dois Cabos se encontravam no mesmo passeio, um deles tinha que mudar, porque ambos não se podiam cruzar.
Uma dada altura os Fuzileiros resolveram vingarem-se do Cabo 80, e sabendo que o 80, quase todos os dias antes de se recolher no quartel de Bissalanca, ia visitar a sua bajuda, que ficava relativamente perto, mas tinha que passar por alguns sítios isolados, resolveram fazer-lhe uma espera.
No dia combinado, o Cabo 80 quando já estava de regresso ao quartel, ouviu um cão a ladrar e, como o seguro morreu velho e o acautelado ainda é vivo, ele agarrou num pilão, não viesse o cão morder-lhe, mas para grande espanto dele, não foi o cão que apareceu, mas sim sete ou oito Fuzileiros armados de facas de ponte e mola.
Ele percebendo-se que também estava armado (e bem armado) com um grande pilão na mão, foi só despachar os Fuzileiros e, quando chegou ao quartel, telefonou para o Hospital para que os fossem buscar. (...).
(..) Junto fotos - eu com o meu amigo de longa data, desde a Metrópoloe, o Rodrigues, mais o Hoss, no aquartelamento de Bissalanca (Companhia Caçadores Paraquedistas nº. 122) em 1970. O Hoss assim como o Oitenta, ambos Cabos Enfermeiros, foram bastante condecorados. O Oitenta não cheguei a conhecer mas conheci (vi várias vezes em Bissau) também um grande Homem e combatente que na altura também diziam que ele tinha a cabeça a prémio. Estou a falar do Capitão na altura, hoje Coronel na reforma, Terra Marques (...).
Vd. também:
11 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1515: Antologia (58): A batalha de Bissau em Janeiro de 1968: boinas verdes contra boinas negras... Saldo: 2 mortos (Carmo Vicente)
(...) Extractos de VICENTE, Carmo - Gadamael: memórias da guerra colonial. 2ª ed. Lisboa: Caso. 1985. pp. 25-30. Selecção e digitalização de Jorge Santos. Subtítulos do editor do blogue. (...)
13 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1522: Bissau em estado de sítio por causa dos graves incidentes entre paraquedistas e fuzileiros em Janeiro de 1968 (Álvaro Mendonça)