A recente abordagem no blogue - ao de leve, mas que tantos comentários, por bem, gerou - , do tema dos filhos mestiços dos nossos homens na Guiné e das bajudas e mulheres que connosco, por variegadas razões, se deitavam (*), levou-me a alinhar meia dúzia de ideias e algumas citações que talvez nos ajudem a entender melhor quem fomos e quem somos. Aí vai:
A partir do século XV nós, portugueses, começámos a navegar por todos os mares. Tínhamos a terra portuguesa para nascer, mulheres de todas as terras para amar e como escrevia o padre António Vieira (1608 -1697) "toda a a terra para morrer."
Já Gil Vicente, o homem do nosso primeiro teatro, na sua comédia D. Duardos, fala dos portugueses "servidores de las mujeres, más que todas las naciones."
De onde nos vinha, de onde nos vem esta ausência de preconceito, esta capacidade de acasalar com raças e etnias espalhadas pelos quatro cantos do mundo?
O Prof. Almerindo Lessa (1908-1995) que ainda conheci, e de quem tive a honra de ser amigo, escrevia:
"Certas liberdades nos costumes e um gosto poligâmico ganho no trato peninsular com os mouros tinham preparado a nação, física e psicologicamente na carne (com raízes moçárabes) e no espírito (com impulsos universalistas), para uma prática de núpcias interraciais onde o amor por forma alguma seria necessariamente excluído." (Almerindo Lessa, in Macau, a História e os Homens da Primeira República Democrática do Oriente, Macau, Imprensa Nacional, 1974, pag. 43.)
Ora esta predisposição para amar mulheres de terra alheia (por exemplo, não só descobrimos o Brasil, mas através de uma excelente e desabusada miscigenação, inventámos o Brasil!...) não fazia esquecer as mulheres da pátria portuguesa.
Luís de Camões, em carta a um amigo escrita em Goa em 1555, fala das saudades que sente das damas de Lisboa, não mostra grande entusiasmo pelas mulheres indianas e promete uma procissão para receber as que vierem de Portugal, embarcadas nas naus. Vale a pena ler:
"Se das damas desta terra quereis novas (…) sabei que as que as que a terra dá (…) respondem-vos numa linguagem meada de ervilhaca que trava na garganta do entendimento, a qual vos lança água na fervura da maior quentura do mundo. Ora julgai, senhor, o que sentirá um estômago costumado a resistir às falsidades de um rostinho de tauxia de uma dama lisbonense que chia como um pucarinho novo com água, vendo-se agora entre esta carne de salé que nenhum amor dá de si. Como não chorará as memórias de in illo tempore! Por amor de mim, que às mulheres dessa terra (Portugal) digais da minha parte que, se querem absolutamente ter alçada com baraço e pregão, que eu as espero com procissão e pálio, revestido em pontifical." (In Versos e alguma Prosa de Luís de Camões, Porto, Ed. Inova, 1972, pag. 96.)
Camões, poeta, soldado, viajante, aventureiro e amante sabia como ninguém entender, sentir, escrever sobre a mulher e o amor. E depois da Índia, um ano após ter escrito esta carta, seguia viagem para o sul da China.
Fernão Mendes Pinto que conheceu a China uma dezena de anos antes de Camões, fala-nos assim das mulheres chinesas, que encontrou num banquete em Liampoo, actual Ningbo, na província de Zhejiang:
"A pessoa de António de Faria foi servida por oito moças fermosas, muito alvas e gentis mulheres (…) as quais vinham todas vestidas como sereias que a modo de dança faziam o serviço de mesa, ao som de instrumentos musicais que davam muito contentamento a quem as ouvia, com que todos os portugueses estavam assaz pasmados." (Fernão Mendes Pinto, Peregrinação, Lisboa, Edições Afrodite, 1971, cap. 70, pag. 239.)
Na China do século XVI, em plena dinastia Ming, era rigorosamente verdade os homens ricos e poderosos rodearem-se de genu ou pipa chai, jovens bonitas muitas vezes compradas que tocavam, cantavam, dançavam, faziam o serviço de mesa, e outros serviços, e se vestiam, se despiam requintadamente tal e qual como as sereias. As meninas chinesas em topless, tipo playboy, eram uma prática não muito rara pelo menos desde a dinastia Tang (618-907).
E temos os portugueses de quinhentos, assaz pasmados a olhar para o seio pequeno, mas redondo, firme e bem feito das mulheres chinesas! E a querer tocar, e a querer tê-las por companheiras de exaltantes prazeres.
Era assim na China, era assim nas terras da Guiné por nós descobertas, era assim na Índia, sem esquecer as também formosas damas de Lisboa.
Recordo que, em 1972 quando qualquer "piriquito" chegava ao meu CAOP 1, em Teixeira Pinto (éramos trinta homens todos de rendição individual) era costume levá-lo ao grande lavadouro da terra onde mulheres e bajudas, manjacas quase todas, lavavam roupa e aproveitavam para também lavar o corpo, até as reentrâncias mais íntimas. Roliças, de chocolate brilhante, nada púdicas, nuinhas como Deus as deitou ao mundo, eram um regalo para os olhos. E costumávamos dizer que, acabado de chegar à Guiné, o "piriquito" as via como negras mas passado um mês, o entendimento do rapaz mudar-lhes-ia a cor e ele olhá-las-ia como esplendorosas mulheres brancas. Ou chinesas, digo agora eu.
De resto, segundo a lenda, com um fundo de verdade, Camões trazia de Macau para Porugal uma mulher filha da China, a perfeita Dinamene que, quase menina, lhe morreu no naufrágio na foz do rio Mekong, no actual Vietnam . A
Alma minha gentil que te partiste,
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no céu eternamente
e viva eu cá na terra sempre triste.
A mulher, menina, companheira e amiga, portuguesa, africana, indiana, chinesa, ninfa, senhora, fada que um homem tem, na harmoniosa exaltação da natureza. Às vezes tão breve, tão cedo envolta em névoa, feita de alvas carnes, de pele de cetim e azeviche, de pedaços de sonho, de êxtases, enlevos e silêncios.
António Graça de Abreu,
Estoril, 22 de Setembro de 2011
___________
Nota do editor:
(*) Vd. último poste da série > 11 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8888: Filhos do vento (9): Tenho por mim que são mais as vozes que as nozes (António Costa)