terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12648: O segredo de... (17): O maior frio da minha vida (Fernando Gouveia)

1. Mensagem do nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec Inf, CMD AGR 2957, Bafatá, 1968/70), com data de 25 de Janeiro de 2014:


O Segredo De… e ainda a propósito de Mafra

O maior frio da minha vida

Presentemente não se pode considerar propriamente um segredo mas, na altura em os factos aconteceram, tive que me abster de falar nesse assunto para eventualmente não sofrer represálias dos meus superiores, instrutores, na classificação final da especialidade, determinante para a mobilização, ou não, para a guerra.

Começo novamente por lembrar a muita sorte que tive na tropa e na guerra:
Nas marchas finais da especialidade que duraram quatro dias o meu PEL REC foi escolhido para representar, nessa guerra de quatro dias, o inimigo. Enquanto o resto da tropa percorreu a pé talvez mais de uma centena de quilómetros, nós, o IN tínhamos à disposição uns “jeepões” para nos deslocarmos sempre à frente dos outros para lhe fazermos as emboscadas e outras tropelias. 

Recordo, agora com tristeza, que quando íamos, de jeep, a subir para o cimo da serra de Montejunto passámos por “uma guerra” que ia a subir a pé. Nessa coluna de pessoal ia um cadete meu conhecido, o Brandão, a quem acenei mas não obtendo qualquer resposta dado o seu cansaço. Digo com tristeza, porque ele veio a falecer na Guiné, na zona de Mato Cão, num estúpido acidente com uma arma capturada ao IN.

Caminho que levava ao cimo da serra 
Foto: All 4 Running, com a devida vénia 

Num à-parte e sobre o cansaço, andando mesmo os quatro dias sempre de jeep, acabei por nunca dormir. Na última noite armámos a tenda, com os habituais três panos, debaixo de uma oliveira. Peguei no sono e passado uma ou duas horas fui acordado dizendo-me que já estava todo o pessoal em marcha. Perguntando aos meus dois camaradas de tenda, porque não me acordaram, a resposta foi:
- Então não ouviste a granada que rebentaram no meio do acampamento?

Não, não tinha ouvido.
Feita a guerra que tínhamos que fazer nesse dia e já noite escura, foram-nos posicionar mesmo no cimo da serra. Era Agosto e lembro-me que nesse dia à tarde andámos a tomar banho numa lagoa. Porém no cimo da serra, de noite, estava nevoeiro, havia muito vento e um frio terrível. Estávamos só de camisa pois era verão.

Durante algum tempo estivemos todos encostados a um pequeno muro. Também, como era costume em casos semelhantes, fomo-nos encostando uns aos outros para conservar melhor o calor corporal. Alguns camaradas e eu próprio tentámos acender uma fogueira mas tornou-se impossível por estar tudo molhado. A situação estava a tornar-se insuportável, pelo menos para mim. Agora à distância posso dizer que efectivamente foi o maior frio que apanhei na minha vida.

Passado algum tempo, não aguentando mais a situação saí do local e comecei a andar, às escuras pelas imediações procurando algum local mais abrigado, quiçá um buraco, mesmo de bicho, onde me meter.
Alargando mais o meu raio de acção, em plena escuridão, às apalpadelas, a cerca de cem metros, fui dar com um jeep de capota de lona com alguém lá dentro nos bancos da frente. Instrutores pela certa. Como o meu desespero era grande e correndo o risco de ser escorraçado dali, resolvi, sem fazer barulho, entrar para a parte de trás do jeep, pensando eu que com assobiar do vento não me iriam ouvir.
Levantei parte da capota e entrei.

Os bancos, laterais, eram metálicos, frios portanto, mas como aí havia muitas cartas militares envoltas em plástico coloquei algumas num banco e cobri-me com as outras. Estando eu nesses preparos ouvi uma voz ensonada vinda da cabine:
- Tenham cuidado com isso.

Não dormi mas estive ali toda a noite no quente e com uma diversão suplementar.
A partir de determinada altura os elementos que estavam à frente estabelecem uma conversação, via rádio, com outra viatura daquela guerra. Tentavam perceber onde se encontravam uns e outros não chegando a conclusão alguma. Falaram, falaram até que ao fim de muito tempo o outro jeep ligou as luzes. Estava ali a uns cinquenta metros. Foi uma risada geral, lá e cá e eu muito calado a tentar suster o riso.

Quando começou a clarear o dia, sorrateiramente, saí do jeep e fui ter com os camaradas da minha guerra. Nunca soube quem estava na cabine daquele jeep e muito menos a eles lhe teria passado pela cabeça que naquela noite gélida deram guarida a um cadete instruendo.

Abraços
Fernando Gouveia
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Nota do editor

Último poste da série 25 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12632: O segredo de... (16): Ricardo Almeida (ex-1.º cabo, CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879, Farim, K3 / Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71): Como arranjei uma madrinha de guerra, como lhe ganhei afeição e amor, e como por causa da minha terrível doença fui obrigado a tomar uma dramática de decisão de ruptura... A carta de amor pungente que ela me escreveu, em resposta...

Guiné 63/74 - P12647: (Ex)citações (229): O 'pesadelo', à noite, do destacamento da ponte do Rio Udunduma (Tony Levezinho, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)



Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Destacamento da ponte do Rio Udunduma > Um bu...rako de muitas estrelas... Na foto, o Humberto Reis,  fur mil op esp,  a comandar o 2º Gr Comb da CCAÇ 12, na ausência do alf mil at inf António Manuel Carlão, destacado para o reordenamento de Nhabijões, "ali ai lado", do outro ladod a bolanha...

Do lado direito, os três cabos, metropolitanos, do 2º Gr Comb:  de cócoras, o saudoso José Marques Alves (1947-2013) [2ª secção, a do Humberto Reis]; de pé, em primeiro plano e de perfil, o  Arménio Monteiro da Fonseca [1ª secção; vive no Porto, onde é ou era taxista]; em segundo plano, ao lado do Humberto, o Manuel Alberto Faria Branco [3ª secção, a do Tony Levezinho]. Este grupo de combate só tinah 2 furriéis. E depressa ficou sem o alferes...

Foto: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados [Edição: L.G.]

1. Mensagem de António Levezinho, 23/1/2014, 22:38:

Velho Amigo:

Obrigado pelos "lembretes" (*)

Tenho daquele local a memória de que, apesar de calmo durante o dia, as precárias instalações, como tu bem as descreves, tornavam as noites de quem lá ficava em missão, longas e convidativas ao pesadelo
sistemático.

Porquê? Pois, se bem te recordas, tais abrigos estavam implantados praticamente ao nível do solo, como, aliás, tinha que ser, mas num terreno em declive, descendo no sentido Xime-Bambadinca. Em tais circunstâncias, torna-se óbvio que aquelas instalações seriam alvo fácil de serem tomadas de assalto.

Recordo que, entre nós, comentávamos: "Se os turras quiserem um dia atacar a guarda da ponte terão apenas que fazer rolar algumas granadas pela ribanceira abaixo".

Enfim, é também por questões de mero detalhe, como este caso sugere que, ainda hoje, muitos de nós se interrogam se todos esses setecentos e tal dias ali vividos [, na Guiné,], não terão passado de uma "brincadeira de mau gosto", de participação obrigatória e que, para muitos, acabou mal. (**)

Um abraço,

Tony Levezinho 

(**) Último poste da série > 15 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12152: (Ex)citações (228): Confirmo que o Mário Mendes, chefe de bigrupo do PAIGG; no subsetor do Xime, foi morto pela CCAÇ 12, em maio de 1972 (António Duarte, ex-fur mil, CART 3493 e CCAÇ 12, 1971/74)

Guiné 63/74 - P12646: Tabanca Grande (422): Mamadu Baio, nosso grã-tabanqueiro nº 642, músico de Tabatô, fundador dos Super Camarimba, casado com uma portuguesa... Vai estar amanhã, às 18h30, em concerto a solo, na Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella, Estrada de Benfica, Lisboa... Entrada livre.





Alfragide, 21 de janeiro de 2014 > Festa de anos do João Graça > O Mamadu Baio e a Silvia Mendes Baio

Fotos: © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados.


1. Conheci o Mamadu Baio [, leia-se: Baiô,] no 29 de janeiro de 2013, em dia de anos. Veio a minha casa pela mão do meu filho João Graça, médico, músico e nosso grã-tabanqueiro. Passámos, juntos, um serão muito agradável, em família, abrilhantado com a sua presença e a sua música.

Recorde-se que Mamadu Baio é oriundo da famosa tabanca de Tabatô, na Guiné-Bissau, e líder dos Super Camarimba, de que já éramos  fãs (a família toda...).

Festa é festa, pelo que estivemos até à 1 hora da noite na conversa e a ouvir música afromandinga...   O Mamadu Baio casou com uma jovem portuguesa, a Sílvia Margarida Mendes Baio, professora do ensino básico, natural de Évora, que também veio jantar connosco. O João tinha conhecido  o Mamadu Baio,  em Bissau, em dezembro de 2009, depois de ter passado uns dias antes uma noite inesquecível na sua tabanca de Tabatô.

O que é que eu posso dizer dele ? Que é  um jovem músico, na casa dos trinta e poucos anos (ele não sabe ao certo a sua idade: na sua sua página no Facebook  lê-se que nasceu a 16 de agosto de 1980). Talentoso. De fácil contacto. Extremamente jovial. Humilde. Amigo do seu amigo. Está há dois anos em Portugal, ainda não tem a nacionalidade portuguesa (só daqui a um ano, mesmo sendo casado com uma portugeusa...). Está a compor e a preparar o seu próximo CD. Por fim, e não menos importante, está à espera do seu  filho, português, que há-de nascer em meados de março. A Sílvia Mendes, de 36 anos, é uma mulher feliz, e prepara, com todo o amor e cuidado, o nascimento do seu primeiro filho. O Mamadu Baio, por seu turno, já compôs uam canção para o filho (ou filha) que aí vem...

Já aqui informámos que a tabanca do Mamadu Baio, única na Guiné, composta de de trovadores e músicos, chamava-se Dando, no nosso tempo, situando-se na antiga estrada Bafatá -Nova Lamego, a cerca de 12 km, a leste de Bafatá (vd.carta de Bafatá). Hoje é Tabatô. É seguramente a mais "internacional" das tabancas da Guiné-Bissau, e ainda mais afamada depois de nela ter sido rodado o filme "A batalha de Tabatô", do realizador português João Viana (2012). E em que o Mamadu Baio se estreou como ator.

Logo na altura, convidei os dois, o Mamadu e a Sílvia, para integrarem a nossa Tabanca Grande.  São ambos fãs do nosso blogue. A Silvia viveu cinco anos na Guiné-Bissau, como cooperante. 

2. Hoje, finalmente, vou apresentar à Tabanca Grande (**)  o Mamadu Baio, um verdadeiro "super camarimba" que na língua mandinga, significa jovem activo. "Super Camarimba" (os jovens ativos)  é o nome de um grupo musical, criado em 1997 na tradição da música afromandinga.  Todos os seus membros são de Tabatô, embora hoje estejam separados pela distância. De belíssima sonoridade acústica, as suas músicas são  tocadas nos instrumentos tradicionais afromandingas: balafon, kora, djembé, dundunba, cabace e viola... Mamadu Baio canta e toca (viola). As suas composições celebram a paz, a harmonia, a juventude, a alegria de viver e a esperança no futuro.  O primeiro CD dos Super Camarimba ("Sila Djanhará", c. 2010)  foi  gravado no Mali. É um CD de que gosto muito, com destaque para os temas 2 (Camarimba) e 10 (Dona Berta). Sendo edição de autor, não é fácil encontrar no mercado. Em Portugal, toca a solo e em grupo, com músicos guineenses da diáspora.

Sê bem vindo à nossa Tabanca Grande, Mamadu Baio! E fazemos votos para que neste ano de 2014 (em que vais ser pai) tenhas mais oportunidades de mostrar o teu talento e a tua criatividade, em Portugal e noutros países (como o Brasil onde já foste cantar e que adoraste).

PS - O Mamadu Baio é o primeiro músico guineense, da diáspora, a integrar a nossa Tabanca Grande.  Mas igual convite já foi feito ao Braima Galissá e ao Kimi Djabaté, dois grandes nomes da música e da cultura da Guiné-Bissau de hoje, com os quais no entanto não temos tido grandes oportunidade de conviver. (Em boa verdade, conheço o Braima mas não o Kimi, que de resto  é primo do Mamadu).

 O nosso blogue apoia a música da Guiné-Bissau e os seus artistas!



Guiné-Bissau > Bissau > 17 de dezembro de 2009 > Mamadu Baio, líder dos Super Camarimba, "experimentando" o violino do João Graça, instrumento que muito provavelmente ele nunca tinha pegado antes...

Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados.



Guiné-Bissau  > Região de Bafatá > Tabatô > Poilões > "A porta do meu coração", diz a Sílivia, na legenda a esta foto. Foto retirada da página do Facebook de Sílvia Margarida Mendes... Com  a devida vénia...

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Notas do editor:

(*) Alguns dos nossos  postes que fazem referência ao Mamadu Baio:

1 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12530: Agenda cultural (299): Uma janela para o mundo lusófono: um olhar sobre a Guiné-Bissau, no mês de janeiro, na Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella, Lisboa... Destaque para: (i) Filme "A Batalha de Tabatô", de João Viana (dia 8); e (ii) Concerto de Música Tradicional com o nosso amigo Mamadu Baio (dia 29)

11 de julho de  2013 > Guiné 63/74 - P11826: Agenda cultural (278): Estreia hoje, nos cinemas, em Lisboa (Nimas) e Porto (Medeia Cine Estúdio do Teatro Campo Alegre), o filme "A batalha de Tabatô", de João Viana. Os Super Camarimba, banda afromandinga do nosso amigo Mamadu Baio, atuam hoje no Espaço Nimas, em Lisboa

26 de abril de  2013  > Guiné 63/74 - P11478: (Ex)citações (219): Patrício Ribeiro, "pai dos tugas em Bissau", parte mantenhas com o Mamadu de Tabatô, a sua mulher, alentejana, Sílvia, o cineasta João Viana (, realizador do filme "A batalha de Tabaô"), e a antropóloga Joana Vasconcelos

26 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11475: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (67): Hoje há festa no "sempre em festa" (Ritz Clube, R da Glória, 57, Lisboa), a partir das 23h, com Mamadu Baio / Super Camarinda, de Tabatô...

23 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11449: Agenda cultural (264): Indie Lisboa 2013: A estreia, 4ª feira, na Culturgest, às 21h30, do filme de João Viana, "A batalha de Tabatô". O Jorge Cabral será o representante do nosso blogue, a convite da produtora... E 6ª feira, 26, às 23h00, há festa no Ritz Clube, com os "Super Camarimba" !

1 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11036: Agenda cultural (254): "Tabatô" (curta) e "A Batalha de Tabatô" (longa metragem), dois filmes portugueses, do realizador João Viana, na seleção oficial do Festival de Cinema de Berlim, 7-17 de fevereiro de 2013 (Luís Graça)

23 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10848: Agenda cultural (243): Mamadu Baio, líder da banda de música afromandinga Super Camarimba no Clube B.leza, Lisboa, Cais da Ribeira, a seguir ao Natal, dia 26 de dezembro de 2012

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12645: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (13): Mafra e Lamego duas cidades que me marcaram (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 21 de Janeiro de 2014:

Durante a vida militar passei por algumas vilas e cidades: Mafra, Lamego, Amadora, Lisboa e Beja. Falarei só das duas mais marcantes, Mafra e Lamego.

Mafra, onde fiz a recruta, foi o assombro, a desilusão e a revolta.

O assombro foi o Convento de Mafra aquele edifício imponente que o rei D. João V, qual brasileiro rico, mandou construir com ouro do Brasil, para sua honra e glória, tal como os "brasileiros" ricos construíram palácios mais modestos naturalmente nas suas terras de origem.
O Convento enorme na parte superior da vila de Mafra parecia ter toda a terra ajoelhada em sua adoração e homenagem. Lembro-me de Mafra com algumas ruas largas que iam desembocar ao largo do Convento, com alguns cafés grandes cheios de recrutas como eu.

Palácio Nacional de Mafra
Foto: Wikipédia, com a devida vénia

A desilusão, foi aquele inverno frio e molhado, a recruta começou em janeiro de 1969, e a instrução na tapada de Mafra, quase sempre com as fardas molhadas, o tenente do pelotão, um transmontano, duro até ao sadismo a obrigar-nos a rastejar na água e na lama, éramos sempre os últimos a regressar ao quartel.
Havia um camarada baixote e um pouco forte, que não sei se teria um metro e meio, muito sofreu, pois o comandante do pelotão queria obrigá-lo a fazer todos os exercícios. Acabou por ser dispensado da tropa antes de acabar a recruta.

Revolta na foz do rio Lisandro, naquela noite fatídica de acção psicológica com todo o batalhão encerrado numa espécie de grande redil, formado por cordas, a ouvir as provocações lançadas por altifalantes, enquanto rebentavam petardos e granadas à nossa volta.
Maus cálculos ou excesso de zelo de algum especialista de explosivos, petardos muito próximos provocaram a morte de alguns cadetes*.
Gritos de cólera e fúria saídos de quinhentas ou mais gargantas encheram a noite dum clamor de revolta imenso.

O regresso ao quartel foi imediato, por iniciativa dos instruendos. Sem qualquer ordem nem enquadramento de oficiais ou sargentos, mais parecia um exército em retirada.
Entre os três mortos estava um camarada que eu conhecia muito bem por dormir próximo de mim na camarata. Era natural duma aldeia de Figueira da Foz, tinha estudado no seminário, era um tipo puro, sossegado, um camarada estimado por todos.

Recordo o ar triste e choroso dos pais dele, com aspecto de gente pobre como no geral eram os portugueses nesse tempo. Nunca esqueci aqueles pais na sua dor e na pobreza que patenteavam, na forma de vestir, no ar humilde, na resignação perante aquela imensa tragédia. Senti-me tão próximo deles.
Os meus pais, seriam um pouco mais altos, talvez um pouco mais bem vestidos mas a dor e a resignação seria a mesma. Na linha da morte os filhos devem preceder sempre os pais, é a lei natural da vida. Pobres pais que tinham sonhado uma vida melhor para o seu filho.
Quando jovens, já na posse de todas as suas aptidões físicas e intelectuais a aceitação da morte torna-se difícil não só para a família próxima mas também para toda a comunidade.

No fim da recruta em Mafra, para testar as minhas capacidades, quis entrar na difícil seleção a nível físico das tropas especiais.

Já nos Rangers em Lamego entrei nas provas de seleção dos Comandos onde também consegui entrar.
Nos Comandos apesar da dureza da instrução encontrei sempre graduados, tanto oficiais como sargentos, educados e respeitadores.
Lamego uma terra bela pelo traçado das ruas com um traçado histórico, romano, árabe, medieval e monástico, ruas estreitas do passado, mais largas dos tempos mais recentes A avenida principal, onde em noites quentes de verão os militares passeavam para apreciar as belezas da cidade que se queriam mostrar, dominada a sul por uma colina onde se situava o Santuário de Nossa Senhora dos Remédios e a sul pela Sé, em frente a uma praça com uma rotunda.

Lá conheci o já infelizmente falecido Jaime Neves, Comandante da Companhia de Instrução de Comandos que apesar da dureza da instrução sempre se portou connosco como um autêntico cavalheiro.
Na instrução as provas físicas sempre as fui fazendo. Nunca consegui foi absorver um certo fervor patriótico que devia fazer de mim um guerreiro com uma fé inabalável. Educadamente e sem ressentimentos excluíram-me daquela tropa e eu sem muitas explicações compreendi perfeitamente o motivo.
Tal como o tenente de Mafra, o Jaime Neves também era transmontano mas pelos exemplos e pela comparação cheguei à conclusão que só as origens não bastam para qualificar alguém. O Jaime Neves independentemente das diferenças da mais variada ordem que possa ter havido entre nós, considero-o um chefe militar corajoso, patriota, frontal, como Portugal raramente teve.
Como português, como transmontano, inclino-me perante a sua memória.
Tenho uma dívida de gratidão e camaradagem para com ele e para com todos esses camaradas dos Comandos e dos Rangers, tanto instrutores como instruendos.

Sé de Lamego
Foto: Blogue Asas da Montanha, com a devida vénia

Para acabar esta crónica que já vai longa e para a amenizar com algum humor, vou contar um episódio acontecido em Mafra aquando do terramoto de 1969.
Já era noite alta quando sentimos o edifício do convento a estremecer, acordaram alguns, outros foram acordados pelo alarido. A camarata situava-se no oitavo e último andar. A terra tremia e nós sentíamos a violência desses tremores mas dada a distância do solo julgo que ninguém daquela camarata se aventurou a fugir para rua.
Ficámos todos por lá, cada qual com sua coragem ou com os seus medos. Lembro-me que alguns rezavam e outros choravam mesmo. Nunca esqueci porém o camarada que morava na cama ao meu lado, um tipo alto, forte, bonacheirão, um alentejano típico e bem disposto. Quando havia muitos outros por perto cheios de tremuras, agarrou numa garrafa de brandy que tinha para lá guardada e disse:
- Deixa-me beber antes que seja tarde.

Obrigado camarada alentejano pela tua coragem e pelo teu humor que nunca esqueci!
Um grande abraço a todos os camaradas.                        

Francisco Baptista

OBS: - * - Haverá algum camarada que saiba o número exacto de mortos neste incidente?
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12639: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (12): Lisboa e Figueira da Foz (António Eduardo Ferreira)

Guiné 63/74 - P12644: Notas de leitura (557): "Rosas da Liberdade", por Manuel da Costa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Agosto de 2013:

Queridos amigos,
Temos tudo a ganhar em ler Manuel da Costa.
Na prefácio do livro de poesia “Rosas da Liberdade”, o escritor guineense Félix Sigá contextualiza perfeitamente o heroísmo e a pungência deste lírico que não esconde o orgulho de escrever em português, é artista confessado em várias partidas do mundo, sempre com saudades em regressar.
Este livrinho precioso é uma apologia a favor da reconciliação e do desembaraço de preconceitos tribais. Que os incrédulos tomem nota: a literatura luso-guineense está desperta e carece da nossa atenção.

Um abraço do
Mário


Rosas da liberdade, a poesia luso-guineense está viva

Beja Santos

Se “Maré Branca em Bulínia” foi uma agradável revelação do escritor guineense Manuel da Costa (Editorial Minerva, 2013) que deixou exarado, com esmero e talento, uma denúncia poderosa do narcotráfico e dos seus executantes, “Rosas da Liberdade” é uma poesia de exultação, de apelo à reconciliação entre guineenses e de amor indómito à terra-mãe. Tudo num iniludível contexto luso-guineense, urdido num português claro e vibrante em estreita associação com o caldo de cultura do crioulo guineense. É heroico, contemplativo, religioso, um inconfessável residente entre a saudade de estar e partir. Orgulha-se de comunicar em português, define os termos em que se abre à reconciliação:

Não me procures
Para a reconciliação
Com o ódio no coração.

Confessa a sua impotência perante os fautores do golpe de Estado de 2012:

Vi a monstruosidade humana
Vi armas
Vi defuntos de cães
Vi casas destruídas
Vi bens saqueados
Vi correrias e debandadas
Vi prisioneiros
Vi o medo no rosto da gente
Eu vi
Vi tudo
Vi e ouvi tudo
Eu vi
E nada pude fazer.

Poesia de tom confessional, desdobra-se entre o amor dos seus e o amor pátrio, atravessa com elegância e firmeza aquela fronteira ténue que separa o panfleto da exaltação patriótica, é um lirismo empolgante e sincero:

Havemos de lutar e vencer
Na vida com a verdade
E de enxadas nas mãos, camaradas
Havemos de lutar, havemos de lutar
Contra a pobreza e contra a fome
Com a escola e com o trabalho
Pela nossa afirmação pela felicidade

Havemos de lutar e morrer
Por amor pela paz
Pelo desenvolvimento e pela liberdade.

A Guiné é desfraldada como um hino, canta a plenos pulmões:

Enquanto lavramos pantanais e lugares de mpam-pam
Enquanto fazemos campanha de caju, mangas e laranjas
Enquanto pescamos bicuda, tainha, bagre e esquilons
Enquanto comemos kaldu di tchaben, mancarra e siga
Enquanto bebemos vinho palmo, ataia e cana bordão
Enquanto nos sentamos na tripeça, na esteira e nos canapés
Podemos acreditar que não morremos de fome

Enquanto tocamos bombolons, tambores e nhanheros
Enquanto dançamos e cantamos melodioso gumbé, tina e sicó
Enquanto vestimos saias Bijajós e nos mascaramos no Carnaval
Enquanto escrevemos, dizendo poemas e cantando histórias
Podemos acreditar, nô kultura ten balur.

Manuel da Costa tem saudades da terra e da sua gente espalhada por várias partidas, alimenta sonhos de uma Guiné convivente e próspera, não enjeita a simplicidade de dizer que vai plantar rosas e de caminhar levando a paz para o mundo, com rosas irá semear nos corações amor profundo. Exalta os homens grandes, o trabalho hercúleo nas lides da tabanca. Vemo-lo triste falando de Maria Preta, a prostituta:

Rosa fértil da nossa flora
Vive e anda na rua
Por magros mil-réis
Vende-se na rua
Do Intendente
Do Bairro Alto
Do Cais do Sodré
Da Avenida

Minha irmã da terra mãe
Mulher de limpeza
Noiva de um negro
Amante de um branco
Vende-se na rua
O corpo
As insígnias da sua raça.

Festivamente, ergue a voz para assinalar a diferença da poesia africana:

Por que razão os poetas africanos
Não perdem tempo em escrever sonetos?
Porque são demasiado ágeis e inquietos
Movendo-se velozes sobre a terra e oceanos

Por que razão os poetas africanos
Não se preocupam em rimar a poesia?
Porque, ávidos pela liberdade, desafiam os tiranos
E menosprezam a beleza e a cortesia.

Manuel da Costa é um poeta que merece a nossa atenção. Este seu livro de poesia, “Rosas da Liberdade”, foi publicado pela Editorial Minerva, em Fevereiro deste ano. E traz glossário, muito útil para os mais esquecidos: mpam-pam é arroz de sequeiro, nô kultura ten balur – a nossa cultura é importante; sicó é o estilo de música tradicional usado na música e gumbe é o ritmo moderno da música guineense. Estejamos atentos a estes gritos de liberdade de Manuel da Costa, um delicioso fio de música que se impõe na literatura luso-guineense.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12629: Notas de leitura (556): "Soldadó", por Carlos Vale Ferraz (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12643: O que é que a malta lia, nas horas vagas (26): A Bola, o Diário de Notícias, a Vida Mundial, Banda Desenhada... (Jorge Araújo, ex-fur mil, op esp/ ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974)


Foto nº 4


Foto nº 3


Foto nº 2


Foto nº 1 

Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) >  O Jorge Araújo e os seus  "tempos livres"...

Fotos: © Jorge Araújo (2013). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do nosso camarada Jorge Araújo [, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974],  com data de 9 de dezembro último:


Caríssimo Camarada Luís Graça,

Procurando no baú das imagens do meu tempo de Guiné lá encontrei algumas [poucas] que ajudaram a compor o texto que anexo, referente a esta nova série temática.
Que tenhas uma boa semana.

Um abração, Jorge Araújo.



2.  O que a malta lia, nas horas vagas:  A Bola, o DN - Diário de Notícias, BD - Banda Desenhada e VM - Vida Mundial (Jorge Alves Araújo, ex-fur mil, op esp/ ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974)


 O que eu lia… quando o contexto o permitia.

Não será novidade para nenhum dos camaradas tertulianos, ex-combatentes no CTIGuiné, que o tempo reservado à leitura [ou leituras] não tinha dia nem hora marcada, dependendo da interacção entre, principalmente, duas das dimensões humanas: a biológica e a psicológica, já que a social se ia desenvolvendo com alguma tranquilidade.

Daí o repouso ser considerado como atitude de bom senso no sentido de garantir a melhor condição física possível, carregando o máximo de baterias, já que o tempo prospectivo era… sempre… uma incógnita, independentemente de termos, naquela época, 21/22 anos. Mas, como sabemos, cada Ser Humano é uno e indivisível, ou, como nos refere o poeta brasileiro, nascido em Minas Gerais, Carlos Drummond de Andrade [1902-1987], “Todo o Ser Humano é um estranho ímpar”.

Por isso, as minhas leituras… e escritas… no Xime, estavam dependentes da intensidade da jornada e da competente recuperação que nos era imposta pelo nosso grau de consciência, quanto às crenças, expectativas e desempenhos, tendo em consideração o somatório de experiências que esse contexto sociogeográfico e militar nos determinavam.

Agora, que o tempo nos permitiu criar um certo distanciamento sobre as diferentes práticas, é relativamente fácil concluir que se tratava de um contexto difícil e muito complexo, fazendo apelo permanente a um elevado grau de concentração, pela qualidade e exigência da missão global, na justa medida em que estávamos encurralados por arame farpado e por dois rios, o Geba e o Corubal, e quem lá esteve ou por lá passou sabe bem do que estou a falar.

Nesse sentido, as primeiras leituras [e escritos] eram reservadas à actualização das notícias vindas da Metrópole – de familiares e amigos – em particular dos pais, em que a minha mãe, agora com oitenta e seis anos, escrevia todos os dias, numerando os aerogramas, as cartas e/ou os postais sequencialmente, para efeitos de conferência, caso algum deles se extraviasse. [Foto nº 1]

Ao meu pai [que já não está entre nós] estava reservada a remessa do Jornal Desportivo «A Bola», então trissemanário [desde 10Jul1950], com edições às 2ªs, 5ªs e sábados. Porque tinha um estabelecimento comercial, onde existiam diariamente alguns dos matutinos editados em Lisboa, no dia seguinte à sua publicação fazia o pacote, e remetia-me para a Guiné. [Foto nº 2]

Juntamente com o jornal “A Bola”, enviava-me, também, com periodicidade irregular, um exemplar do “Diário de Notícias”, baseado em critério pessoal, cuja opção residia em factos e temas que estivessem relacionados com a vida política nacional e/ou com referências a notícias ultramarinas, em particular sobre a Guiné. [Foto nº 3]

No aquartelamento do Xime, no ano de 1972, não existia nada organizado sobre literatura. Mas, para além da referida anteriormente, circulavam outros jornais regionais, particularmente do Norte, remetidos pelos familiares do efectivo militar ali residente, assim como livros de Banda Desenhada, já muito gastos pelo tempo e pelo uso, a maioria deles deixados pelas Unidades Militares que por lá passaram. [Foto nº 4]

Neste lote avulso de livros, era também possível encontrar algumas revistas da Vida Mundial.

Eis, em suma, a minha pequena contribuição histórica sobre o pedido formulado para alimentar a série começada no Poste 12371, de 1 de Dezembro de 2013 (*).

Um abraço e votos de muita saúde… de modo a que nos permita continuar a ler, a escrever e a contar… outras histórias. (**)

Jorge Araújo.

09Dez2013.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12371: O que é que a malta lia, nas horas vagas (1): a revista "Time", de 10 de maio de 1971 (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)

Guiné 63/74 - P12642: Parabéns a você (684): Mário Serra de Oliveira, ex-1.º Cabo Escriturário da BA 12 (Guiné, 1967/68)

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12635: Parabéns a você (683): Fernando Macedo, ex-1.º Cabo Apont Art.ª do 5.º PelArt (Guiné, 1971/72)

domingo, 26 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12641: Agenda cultural (300): Noite Temática Guineense, dia 1 de Fevereiro de 2014, no Centro InterculturaCidade, a partir das 20,00 horas


1. Em mensagem de hoje, 26 de Janeiro de 2014, o nosso amigo tertuliano José Ceitil [foto à direita]enviou-nos o seguinte convite:

Caros amigos
Seria um prazer contar com a V. presença.
José Ceitil




C O N V I T E


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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12530: Agenda cultural (299): Uma janela para o mundo lusófono: um olhar sobre a Guiné-Bissau, no mês de janeiro, na Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella, Lisboa... Destaque para: (i) Filme "A Batalha de Tabatô", de João Viana (dia 8); e (ii) Concerto de Música Tradicional com o nosso amigo Mamadu Baio (dia 29)

Guiné 63/74 - P12640: Facebook...ando (33): Eu Queria pra Brancos Voltar Governar Guine de Novo... Bubacar Baldé dixit... Filho de 1º Cabo Tcherno Baldé, CCAÇ 11 (Paunca, 1974)... À conversa com J. Casimiro Carvalho (ex-fur mil op esp, CCAV 8350 e CCAÇ 11, 1972/74)




1. Um "chat" no Facebook entre o nosso camarada J. Casimiro Carvalho e o jovem guineense Bubacar Baldé, filho do 1º cabo Tcherno Baldé, da CCAÇ 11 onde ele [, o fur mil Carvalho,] estava em 1974, na altura da retração das NT...

O Bubacar Baldé é estudante, do curso de Contabilidade e Gestão, no ISEG, Dakar, Senegal, onde vive. É natural de Paunca, Gabu, Guinea-Bissau. Tem página no Facebook. E mandou a seguinte mensagem ao J. Casimiro Carvalho: "Adress de meu ermao Oscar, ele esta junto com me Pai Tcherno Cabo: Rua Samora Barros Edf Arco Iris Apartmnt 44 2esq, Código postal 8200-178 Albufeira, telfn 920 271 683. Oscar Cabiro Balde".

2. Aqui vai a reprodução do "chat",  sem emendas nem rasuras...

Bubacar Balde, 17/01/2014, 15:05

eu queria pra voces voltar ai na Guine.

José Casimiro Carvalho17/01/2014, 16:29

Todo o POVO da Guiné, no interior, falou assim para nós...

Bubacar Balde, 20/1/2014, 12:23

Ola Casimiro

José Casimiro Carvalho, 20/1/2014, 12:27

No pinda.

Bubacar Balde, 20/1/2014, 12:37

djanton pimi an le?

José Casimiro Carvalho, 20/1/2014, 12:42

Jarama nani,
Djarama nani.
Bo para di falar fula/crioulo, ca sabi. lol.

Bubacar Balde, 20/1/2014, 12:44

Anca la djarama bui na ceda.

José Casimiro Carvalho, 20/1/2014, 12:44

Eu sempre estive com Futa Fula (Guileje) e Fula (Paunca).

Bubacar Balde 20/1/2014, 12:46

Assim fula e como um portugueis.

José Casimiro Carvalho20/1/2014, 12:46

Si um pouco, mas já passou 40 anos.

Bubacar Balde 20/1/2014, 12:47

O Pai queria flar com vce ele ta na portugal na Albufeira.

José Casimiro Carvalho, 20/1/2014, 12:47

Mim ca podi, estou na Norte, Porto/Maia.

Bubacar Balde, 20/1/2014, 12:48

Oi muito longe.

José Casimiro Carvalho, 20/1/2014, 12:48

Si.

Bubacar Balde, 20/1/2014, 12:49

posso dar me ermao fbook pra vce falar com ele.

José Casimiro Carvalho, 20/1/2014, 12:51

O meu ? Claro qui podi, ele que peça minha amizadi.
Tambem eu estava na Colibuia/Cumbijã. Eu estive lá.
E na Prabis, perto de BOR.

Bubacar Balde, 20/1/2014, 12:53

Sim eu conhese la.

José Casimiro Carvalho, 20/1/2014, 12:54

Brancos qui combateu lá na bo terra, tem ela no coração. Político Não, claro.

Bubacar Balde, 20/1/2014, 12:56

Eu Queria pra Brancos Voltar Governar Guine de Novo.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12639: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (12): Lisboa e Figueira da Foz (António Eduardo Ferreira)

1. Em mensagem do dia 21 de Janeiro de 2014, o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74), fala-nos das cidades de Lisboa e Figueira da Foz onde passou algum do seu tempo de tropa:

Amigo Carlos
Por que a saúde está acima de tudo, que a tua te não falte para poderes continuar com o trabalho tão importante que vens desenvolvendo para satisfação de quantos pisaram o chão da Guiné.
Um abraço


Hoje vou falar da minha tropa por cá, não propriamente das cidades por onde passei, foram poucas e, algumas por pouco tempo.

A 25 de Janeiro de 71 assentei praça no GCTA, em Lisboa. Passados alguns dias, apareceu por lá um veículo com pessoal da área da saúde tendo em vista saber como estavam os nossos pulmões, a mim foi- me dito que alguma coisa parecia não estar bem.

Mandaram-me para o HMDIC, hospital de infecto-contagiosas onde estive quase um mês e onde fui sujeito a vários exames.
Confesso que cheguei a desejar que se confirmasse estar doente porque talvez me mandassem para casa, mas não, chegaram à conclusão que tinha sido falso alarme.

Lisboa
Foto: Pensar Lisboa, com a devida vénia

Lá voltei de novo para continuar a recruta e a especialidade, as duas eram uma só. A poucos dias de jurar bandeira, depois de quase um mês no hospital e mais uns dias de férias, pensava ter perdido a recruta, mas os responsáveis pelo pelotão a que eu pertencia entenderam que não merecia a pena andar por ali mais tempo.
Jurei bandeira com o resto do pessoal.
A recruta e especialidade no mesmo local foram boas, éramos cento e vinte naquele turno, todos com carta de condução civil o que tornava as coisas mais fáceis, já que nossa especialidade ia ser condutor.
A outra atividade não relacionada com a condução era desenvolvida na parada do quartel, onde naquela altura era colocado um grande colchão para dar cambalhota em frente, não deviam ser muitos os quartéis onde isso acontecia.
Certa noite saímos para o campo, ao chegarmos ao local, estava a chover e não saímos das viaturas.

Também por lá se comiam bifes com batatas fritas, coisa rara na maioria dos quartéis.
Passavam por lá certos recrutas que não dava muito jeito que se lesionassem, eram os vários futebolistas que ali assentavam praça.

Naquele tempo estavam lá três, de turnos anteriores ao meu: o guarda- redes do Sporting Vítor Damas, Raul Águas do Benfica e o Ruas, guarda- redes do Belenenses, andava também por lá o cantor Fernando Tordo, e talvez outros que não cheguei a conhecer dado o pouco tempo que lá estive.

Figueira da Foz

Depois seguiu-se a Figueira da Foz a 2 de Maio.
Para quem ia à praia, era maravilhosa a Figueira, agora para um militar com a especialidade de monitor auto, ir dar instrução no RAP-3 onde as viaturas eram normais, tinham apenas um volante, era treino de adaptação, o que por vezes nos defendia de males maiores era o travão de mão que não raramente tive de utilizar. Foram demasiados sustos para quem não gostava de tropa.

Uma pequena estória nada agradável que me aconteceu no fim da segunda semana de lá estar.
Um dos circuitos que fazíamos saía da Figueira passava por Vila Verde, Alto da Brenha e vinha de novo à Figueira. Em condições normais era repetido duas vezes mas naquela tarde já íamos na terceira, Num dos altos que fazíamos, um monitor dos velhos disse: agora levo eu a viatura, e eu, maçarico, fiz o mesmo. Cerca de duzentos metros à frente cruzamo-nos com o Comandante da Bateria que nos disse: vão lá para o quartel que já falamos.

O que ele depois nos disse, foi:
- Vocês vão ter trinta dias de dispensas cortadas e fazer reforços aos fins-de- semana.

O primeiro que fiz calhou no dia em que fazia vinte e um anos. Para tornar esse dia ainda mais aborrecido fiz confusão com a senha que nos foi distribuída para respondermos quando passava a ronda. A senha era pesca, mas quando o oficial de ronda se aproximou em vez de pesca, eu disse peixe. O oficial era o aspirante Marques, que me disse: você vai apanhar uma porrada, eu não disse nada, mas pensei: então ainda não cumpri uma já vou levar outra?… Mas não, ele não fez caso da minha confusão.
Depois, também o comandante da bateria, alferes Pereira, viu que eu nem era mau diabo… disse-me naquele que era para ser o último fim-de-semana de reforço de castigo, que já não o fazia, podia meter passaporte para ir a casa.

Passados alguns meses deixei de dar instrução, passei a fazer serviço no parque, tirar e recolher as viaturas que andavam na instrução, aí o serviço era melhor.
Entretanto o fim do ano aproximava-se, um dia pela manhã fui entregar o passaporte para gozar onze dias de férias de Natal, assim estava combinado na bateria a que pertencia.
Ao fim da tarde recebi ordens para meter novo passaporte, mas agora não com onze, mas sim dez dias, ao mesmo tempo era informado que tinha sido mobilizado para a província da Guiné. 

Passados os dez dias voltei ao RAP-3 e nessa mesma noite mandaram-me para o RAP-2 de Vila Nova de Gaia.
Não conhecia nada a norte da Figueira, fui de comboio até Alfarelos, aí esperei mais três horas que outro comboio chegasse para seguir rumo a Vila Nova de Gaia, não mais esqueci as três horas de frio que lá passei, não estava congelado mas quase.
Supunha ir encontrar a Companhia para onde tinha sido mobilizado, mas não, tinham lá estado mas já tinham ido embora. Cheguei lá pela manhã e ao fim da tarde voltei para casa, com nova data para me apresentar na semana seguinte.
Mais uma viagem até Alfarelos, nova mudança de comboio agora até ao Valado dos Frades, depois mais quinze quilómetros de táxi para chegar aos Molianos.

Na segunda vez fui à boleia com um vizinho camionista, também ele tinha estado na Guiné, em Guilege. Uma vez mais à tardinha fui mandado para casa, agora com ordem e data para me apresentar nos Adidos, em Lisboa, a fim de embarcar de avião para a Guiné.
Antes dessa data recebi nova informação, vinda de Lisboa, que a viagem tinha sido adiada, tinha ficado para o dia 24 de Janeiro, como veio a acontecer.

Depois de tantas alterações e do desgaste a que fui sujeito naqueles dias, aconteceu-me uma coisa boa que eu já não esperava que acontecesse.
Na madrugada do dia vinte e dois, fui levar a minha esposa à maternidade e à tarde fui ver o meu filho acabado de nascer. No dia seguinte parti para Lisboa, onde embarquei para a Guiné.

Os dias em que estive em Lisboa, não deram para grandes saídas, só lá fiquei um fim-de-semana, porque estava de serviço.

A Figueira da Foz era uma terra que não conhecia (conhecia tão pouco) mas que fiquei a gostar.
Já lá tenho ido algumas vezes, não para recordar o tempo de tropa, mas porque me sinto bem lá.
De Vila Nova de Gaia, nada fiquei a conhecer, só mais tarde lá voltei, a última vez foi há cerca de três anos participar no almoço da nossa companhia.

Na Guiné: um mês nos Adidos, depois Mansambo, uma semana de “férias” em Fá Mandinga, a seguir a terrível Cobumba, de novo Bissau e, a 2 de abril de 1974, o regresso à Metrópole.

Como dizia o meu saudoso avô António, não dê Deus ao corpo o que ele não aguenta…

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12634: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (11): Figueira da Foz... ou dois anos inesquecíveis na Princesa do Mondego (Vasco Pires)

Guiné 63/74 - P12638: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (11): Março de 1967, aproximava-se o fim da comissão de serviço

1. Em mensagem do dia 16 de Janeiro de 2014, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio da sua série Fragmentos de Memórias.


FRAGMENTOS DE MEMÓRIAS

11 - APROCHEGAVA-SE O FIM DA COMISSÃO MILITAR 

Março de 1967

Já vos contei antes, que criei uma equipa de futebol, lá na minha Repartição mas depois convidado fui para dar a preparação física ao Sporting de Bissau, onde o treinador era um 2.º sargento amigo, de Portalegre.
Tive até de treinar a equipa durante um mês. Estudei uma nova táctica que pus em prática de imediato. O importante final é que a bola não chegasse próximo da nossa baliza. Por isso dei ordens aos jogadores que não queria cá fintas ou passagens, de uns para os outros, e disse:
- Quando a bola estiver ao vosso alcance, chutem, chutem de qualquer forma para que ela saia do nosso meio campo. Lá à frente só quero dois à melosa.

Nos quatro jogos disputados, só ganhámos um aos Balantas de Mansoa, (empatámos a zeros os outros três) com um golo monumental meu, jogador nesse dia, metido fora de jogo, mas convém acrescentar que o árbitro era meu amigo e tinha sido ameaçado por mim myself com retaliações... sim... que na altura não se ofereciam cousas boas com'ó milho. E lá diz o ditado: se queres ver um pobre toleirão... mete-lhe quelque chose avec... na mão e eu prometera-lhe ...já se ma não alembra o quê...


A guerra fizera de mim, um xico-esperto mas cheio de força, arrogante qb e desejoso sempre de entrar em conflitos, resolvê-los na boa ordem e acima de tudo ao abrigo da lei do mais forte. E por isso... como eu me identifiquei com umas imagens há dias mostradas num canal de TV !!!

Em qualquer País que não reparei qual, um árbitro de futebol amandou duas galhetas num jogador depois um valente murro noutro que avançava malandrosamente para o agredir. É que eu fui assim e assim fiz, quando regressei da Guiné e reactivei o prazer de andar com um apito na boca, já que não podia andar de G3 dentro do campo.
Vinha cheio de força, sedento de sangue fresco, isento não era, não fui e nem conhecia quem o fosse e por isso, quando o povo do futebol, se atrevia a chamar-me nomes, fazia-lhes frente, acintosa e provocadoramente e se preciso fosse afinfava-lhes mesmo, qu'essa coisa do medo ficara bem lá longe "onde o sol castiga mais" (sic, Paco Bandeira).

No fundo eu estava a ser um prazentoso utilizador do que aprendera na sociedade militar onde passara 40 meses e sabia bem dar o valor, não aos temores, mas há camaradagem e à vida e a disparar se necessário. E só deixei de ser apitador, quando vergonhosamente, resolveram pôr redes à volta do campo. Aí sim disse para comigo: - "Não pá... assim não... então a turba chinga-te, ofende-te, chama nomes à família, fere-te na tua hombridade e tu não podes subir à bancada, enquanto páras o jogo que recomeçará com bola ao solo, e partir as trombas ao ofensor?"

Eu era, eu era não... eu sentia-me ou começava a sentir-me um renegado da Pátria, que apenas permitira que a defendesse, mas qu'agora começava a esquecer o que por ela fizera.
Voltei também há vida artística, ou seja a minha voz voltou a fazer as delícias das avós, filhas e netas, que compareciam nos bailes onde o Conjunto musical (Sôr-Ritmo, se chamava) actuava ao vivo... naturalmente e pelos vastos palcos da República Federal do Alto-Alentejo e até nos Países limítrofes do Ribatejo e Beira-Baixa.


Mas... e ainda em Bissau, o Abril aproximava-se e fui convidado para ficar pelo menos mais um ano, naquela função chata mas não perigosa e confesso que tremi entre o ficar ou não. Acabei por vir embora, mas arrependi-me depois. Voltei mas o coração ficou lá. Ficou lá em Mansabá... em Manhau (e aqui para além do coração ficou também a alma)... em Bissorã... no Pelundo... em Jolmete... e no K3.

Os sentimentos desapareceram depois em Bissau, nos horríveis nove meses finais. O Uíge trouxe a CCAÇ 1422, e foram cinco belos dias, de contactos e promessas para encontros futuros, o que não aconteceu. A rapaziada era toda de sítios dispersos, a maioria do Centro do País, gentes pobres que na sua maioria emigrou, mas com os poucos que ficaram sempre nos íamos vendo quando passavam por Lisboa, onde acabei a procurar e consegui, dias melhores, profissionalmente entenda-se.

A Guiné?
Pois foi importante e de tal maneira que ainda hoje vivo tudo o que de bom e de mau por lá passei.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12605: Fragmentos de Memórias (Veríssimo Ferreira) (10): Fevereiro de 1967 - Aproveitamento dos tempos livres de Bissau

Guiné 63/74 - P12637: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (45): Carta de condução

1. Em mensagem do dia 27 de Junho de 2013, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, QuinhamelBinta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais algumas das suas curiosas histórias, desta vez subordinadas ao tema carta de condução:


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES

45 - Exame de condução
(Complementando o texto do Zé Castro Lopes.)

Em tempos idos fazer exame de condução era uma aventura tremenda, tendo em conta o exame em si e a competente preparação, culminando com a deslocação até terras de longe.
Eu tirei a minha carta (militar) na Guiné em Abril de 1966; no fim do mesmo mês, embarquei de regresso a Lisboa, no navio Uíge, o mesmo que me havia levado para a Guiné, dois anos antes.

Outro alferes e eu deslocámo-nos de avião até à capital da província (por via terrestre era impensável, pois a estrada Farim/Bissau estava em boa parte do percurso, totalmente vedada ao turismo vedada ao Turismo).
Aqui chegados dirigimo-nos ao QG para fazer a inscrição de candidatura ao tal exame.

Os camaradas que nos proporcionaram os papeis que havíamos de preencher, tiveram o especial cuidado de nos informar, em off, que só havia dois oficiais examinadores: um capitão e um alferes. Transmitiram também que o capitão examinava todos os oficiais candidatos; o alferes ocupava-se da maior parte dos menos graduados (sargentos e praças).
Soubemos também, pela mesma fonte, que em cerca de 16 meses de comissão, aquele capitão havia reprovado, todos os oficias que lhe haviam aparecido pela frente, à primeira vez.
Ficámos um tanto alarmados!

Uma outra fonte, na messe de oficiais, confirmou que aquela informação era absolutamente verdadeira. O alferes Mendonça, meu companheiro de infortúnio, na Guiné, no mato e no exame de condução – já conduzia o carro do pai, lá na sua quinta em Felgueiras; às escondidas, arriscava, de vez em quando, uma escapadela pelas estradas da região, para se exibir perante as garotas.
Nunca foi apanhado pelas autoridades. Entre os oficiais subalternos da nossa companhia (a CCaç 675) ele era, portanto, o mais experimentado naquelas lides.

A minha única experiência de condução, antes da tropa, foi com carros de bois, pois a minha aldeia, antes da “bronca” (leia-se revolução dos cravos) não era servida por qualquer estrada digna desse nome. No mato, depois da “pacificação” total da nossa zona, os oficiais “podiam” (um pouco às escondidas) usar as viaturas militares para se embrenharem na arte da condução.
A companhia dispunha de 3 jeeps (da 2.ª Grande Guerra), 10 ou 12 Unimogs e 3 ou 4 Mercedes, viaturas de maiores dimensões.
Como os jeeps raramente estavam disponíveis, eu, com a mania das grandezas, habituei-me a conduzir uma caminheta Mercedes, uma viatura anormalmente grande, mas já com direção assistida, uma maravilha!

Perante as informações surpreendentes e assustadoras colhidas no QG, eu tomei logo uma decisão que considerei ser a mais acertada: fazer exame de condução usando um caminhão militar, uma Mercedes que requisitei na Intendência. Deliberei deste modo, por dois motivos:
- 1.º eu estava habituado a conduzir, quase em exclusivo, carros grandes, especialmente a Mercedes;
- 2.º considerei que poderia ser uma boa maneira de escapar ao exame com aquela fera (o capitão). - 3.º era mais económico que alugar um carro na Escola.

Sem perda de tempo, contactámos uma Escola de Condução (a única em Bissau) para adquirir um pouco de prática em estradas civilizadas (leia-se alcatroadas, com passeios laterais, com sinais de trânsito e movimento. Conduzi um “velho carocha” durante meia hora e uma viatura pesada, durante hora e meia. Esta segunda parte foi extremamente útil; o instrutor civil “levou-me” a todos os locais por onde o capitão costumava passar durante o exame. Elucidou-me também sobre as “armadilhas” que ele usava habitualmente: mandar entrar em rua de sentido proibido, ultrapassar com sinal sonoro junto a um hospital, estacionar em local proibido, etc.
Informou também que ele ordenaria que entrasse em determinada rua estreita e que voltasse na primeira à esquerda, entrando numa rua perpendicular e também acanhada.
Chegados a este cruzamento ele mandou parar e explicou: "há apenas uma maneira de sair daqui! Se não fizer como vou ensinar-lhe, não consegue concluir o exame; como vou transmitir-lhe, sai com uma pequena manobra”.

Conduzi como ele ensinou e… tudo bem! Dei a volta ao quarteirão e voltei ao mesmo local para repetir a manobra agora sem ajuda – nenhuma complicação!
De seguida, juntamente com o alferes Mendonça, percorremos, a pé, todas as ruas por onde o capitão haveria de nos “levar” para nos familiarizarmos com os sinais (no mato não havia disso): aqui podemos entrar, ali não, acolá não podemos estacionar, além não podemos voltar à direita, etc.

No dia e hora aprazados, compareceram mais de 20 candidatos dos quais 3 eram alferes; um dos oficiais era candidato apenas à carta de mota. Uns 7 ou 8 chumbaram antes da condução: uns na prova escrita, outros na oral e alguns nos testes psicotécnicos. Qualquer destes exames “parciais” era eliminatório.
Os três oficiais superaram a 1.ª fase, passando à condução. O alferes Mendonça foi o primeiro a ser chamado para ser examinado num “carocha” que alugara na Escola. Entrou na viatura e aguardou a ordem do examinador:
- Ligue o motor! - Se está tudo bem, inicie a marcha!

O Mendonça “arrancou” de tal ordem (os pneus derraparam, levantando poeira a rodos) que o capitão gritou que parasse imediatamente e, com voz doce, informou sarcasticamente:
- Desligue o motor se faz favor e vá à sua vida! O seu exame terminou agora! Com isto não se brinca!

O outro alferes foi chamado para o exame de mota; não sei o que se passou; voltaram pouco depois, e… não conseguiu levar a carta.
Chegou a minha vez!

O capitão ordenou que entrasse e ligasse o motor – de nada serviu o meu estratagema – e se tudo está em ordem siga em direcção à Baixa.
Tudo correu de acordo com os sábios ensinamentos do instrutor civil. Que sorte! Regressados ao QG ordenou que arrumasse a viatura de marcha atrás, num barracão ali existente, entre duas outras que lá se encontravam.
De seguida ordenou que aguardasse. Eu tinha a “certeza”(?) que não tinha cometido qualquer atropelo… mas a minha preocupação era enorme; creio que era mais terror que outra coisa.
Pouco depois, um soldado, por ordem do examinador, informou-me que voltasse depois do almoço e que trouxesse duas fotos tipo passe para a carta de lista branca (penso que era branca) que me seria entregue nesse mesmo dia, mediante pagamento da módica quantia de 10$00 (pesos).

Usei-a durante uns anos; em 1972, quando saí da tropa, troquei-a pela carta civil. Em cerca de 16 meses fui, portanto, o único oficial a conseguir a carta à primeira tentativa… graças aos ensinamentos pertinentes do instrutor civil. Acontecia que àquela data, eu tinha bem mais de 30.000km de condução em estradas e “picadas” onde o que aparecesse estava destinado ao abate.

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Outra estória

Em 1961, conheci em Coimbra, um estudante, natural de Lamego (Britiande) que no ano anterior vivera na mesma casa na qual eu estava hospedado e aparecia lá com certa frequência.
Ele foi chamado a cumprir serviço militar em Mafra (EPI) no início de 1963; em Agosto do mesmo ano eu “bati com o costado” naquela mesma Escola Prática. Ele foi mobilizado para Angola e, pouco depois, eu embarquei para a Guiné.

Em Junho de 1966, regressado da Guerra, fui colocado no Colégio Militar, onde esperava preparar-me para concluir o curso. Em Outubro, o Walter Carvalho, o tal companheiro de Coimbra, encontrou-se lá comigo. Como aos dois faltava fazer quase as mesmas cadeiras, logo combinámos que estudaríamos juntos. Em primeiro lugar tentaríamos duas cadeiras mais simples. Havia um DL que permitia aos ex-combatentes fazer exame em qualquer época do ano; de seguida, já mais ambientados ao estudo e já “esquecidos” das complicações bélicas, tentaríamos uma cadeira nuclear para aquilatar as nossas capacidades psíquicas e psicológicas para continuar os estudos a sério, depois dum interregno de 3 anos em grande parte passados na Guerra de África – outros chamam-lhe colonial.

Um ano mais tarde, o Walter decidiu “tirar” a carta; adquiriu os papeis, preencheu-os e foi entregá-los na D.G.V.
Ao conferir os documentos, um funcionário extremamente zeloso e cumpridor informou, emproado:
- Oficial miliciano não é profissão!
- É disso que eu vivo! Mas se não é aceite… eu sou estudante!
- Também não é profissão!
- Não tenho outra! Estudo e recebo salário como oficial miliciano! Será que não posso obter a carta para se profissional de condução?
- Claro que não!

Devolveram-lhe a papelada! Preocupado com o que estava a acontecer-lhe, decidiu contactar uma Escola de Condução para que tratassem dos documentos de candidatura ao tal exame. Recolheram logo os elementos considerados necessários, mas não perguntaram pela profissão e sugeriram que voltasse no dia seguinte para assinar.
Curioso, logo foi verificar qual a profissão que lhe haviam atribuído. Ao certificar-se que era “agricultor”, comentou, sorrindo:
- Não tenho nada contra os agricultores, mas é tão verdade como afirmar que sou médico ou engenheiro.
- Na verdade, ou aceita ser agricultor, ou outra profissão que não necessite de comprovativo académico (carpinteiro, pedreiro, etc.) ou não pode habilitar-se à carta de condução.

Assinou! Foi essa a sua profissão (apenas na carta) enquanto o documento foi de cartolina; agora, com o cartão substituído por plástico, será diferente.

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Mais uma 

Um jovem frequentava o Liceu em Goa, quando, em finais de 1961, a União Indiana decidiu anexar a, até então, Índia Portuguesa (Goa, Damão e Diu, bem como, os enclaves de Dadrá e Nagar Haveli, escreve-se assim?).

O jovem, com a sua família “sem armas e com pouca bagagem” rumou à capital do Império onde concluiu o curso liceal, matriculando-se de seguida na Faculdade de Medicina. Ainda antes do fim do curso candidatou-se ao exame de condução; seria de bom-tom que o Sr. Doutor conduzisse a sua viatura.

Preencheu os impressos necessários e entregou-os na DGV; solicitaram que apresentasse o diploma da 4.ª classe, habilitação” mínima “exigida na Lei.
- Não possuo tal documento! Fiz esse exame em Goa e, na hora da “anexação” no meio da grande azáfama e perigo, trouxe apenas o que tinha… ali à mão. Estou prestes a concluir o curso de medicina; posso apresentar o certificado do 7.º ano que concluí no Liceu Camões!
- Eu quero apenas o comprovativo da 4.ª classe! O resto é conversa! Não interessa!

É certo que o futuro “galeno” conseguiu a sua carta de condução, mas viu-se obrigado a mover influências – as tradicionais e sempre atuais “cunhas” – para que alguém” sugerisse” ao zeloso funcionário que fizesse o “favor” de não exigir o tal documento… mas ninguém teve coragem de o informar que tinha… vista curta!
Se o candidato tivesse mais habilitações que as “mínimas”...tanto melhor.

Como dizem os nossos irmãos do outro lado do Atlântico: “o que abunda (ou a bunda?) não prejudica”.
Os burocratas esqueciam que era possível tirara um curso superior sem fazer a quarta classe...
Questões… de mangas de alpaca!
Ainda há disso a rodos… nas repartições públicas e Câmaras Municipais emperrando todo o sistema!

Saudações colegiais
Junho 2013
BT
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE ABRIL DE 2013 > Guiné 63/74 - P11496: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (44): A gloriosa CCAÇ 675 foi realmente única

Guiné 63/74 - P12636: Em busca de... (235): Nelson Silva, natural de Oliveira do Hospital, o qual terá pertencido a uma Companhia de Comandos, e que terá desertado (Rui Poeira)... Resposta do nosso colaborador José Martins

1. Mensagem de nosso leitor Rui Poeira, com data de 23 do corrente:

Caro Senhor,

Somente agora descobri o vosso blog, precisamente por tentar encontrar o rasto de um familiar desaparecido.

Na verdade, tenho um primo, de seu nome Nelson Silva, natural de Oliveira do Hospital, o qual, segundo o pouco que sei, terá pertencido a uma Companhia de Comandos que desertou na Guiné.

Como sou mais novo que ele, somente me recordo de ouvir dizer que o mesmo se tinha tornado mercenário, que tinha casado com uma italiana,  e que residia na Rodésia, mas que certo dia teve que fugir...
Se souber algo deste meu familiar, se o conheceu, ou mesmo alguns pormenores sobre as eventuais motivações da dita deserção,  agradeço, desde já, que me faça chegar alguma ínformação.

Com os melhores cumprimentos, Rui Poeira

2. Pedido de informação, com data de 23 do corrente,  ao nosso colaborador José Martins:

(i) Zé: Tens alguma ideia ? Haverá alguma lista de desertores ?

Já tenho encontrado alguns (desertores e prisioneiros) no Arquivo Amílcar Cabral > vd. Casa Comum, site da Fundação Mário Soares. Estamos autorizados a reproduzir fotos e outros documentos mas em formato reduzido... Os documentos,  transcrevo-os...

Queres responder ao leitor, em nosso nome ? Um abraço. Luis

(ii) Zé: Tu estás em boas condições de fazeres trabalhos nesta área. És um camarada consensual... Sabes que o assunto é fraturante... Vejam-se as polémicas que já deu... no blogue. Mas faltam-nos nomes, números e até histórias, porque não? Se não formos nós, outros fá-lo-ão por nós... E nós temos mais legitimidade para falar dos desertores (não dos refractários)... Os desertores foram nossos camaradas, os outros, os refratários, não...

Um abraço. LG

3. Resposta, com data de 24 do corrente,  do José Martins [, foto atual, à esquerda,] ao nosso leitor Rui Poeira:

Caro Rui Poeira:

Acusamos a recepção do e-mail que enviou a Luís Graça e Camaradas da Guiné e coube-me a mim, na qualidade de colaborador, tentar dar alguma pista sobre o assunto que nos coloca.

Desde o inicio da II Série deste blogue, em junho de 2006, que o tema DESERÇÃO, não sendo tabu, nunca foi levantado para discussão. Entendemos que é um assunto do foro íntimo de cada um e que  foram várias as motivações que originaram tal situação.

Também não conhecemos, ou pelo menos algum de nós partilhou tal informação, da existência de estatísticas sobre refractários ou desertores, termos utilizados para referir quem sai do âmbito da organização [militar], apesar de terem significados diferentes, consoante a altura em que acontece.

A única estatística conhecida, e que por mim foi organizada a partir de diversas fontes, refere-se a quem não se apresentou à inspecção (refractários), que não ultrapassou os 20% dos mancebos recenseados. [Pode ser vista em  http://ultramar.terraweb.biz/CTIG_JoseMartins_Recrutados2Guine.htm]

No caso especifico que nos coloca, apenas o nome e a possibilidade de ter sido tropa Comando são poucos elementos, uma vez que, na Guiné além de 3 Companhias de Comandos Africanos, estiveram 9 companhias formadas na metrópole/continente, além de alguns grupos que, localmente, foram voluntariados.

Para saber mais elementos do seu primo Nelson Silva, poderá pedir informações ao Arquivo Geral do Exército, instalado no Largo de Chelas - 1949-010 Lisboa; E-mail: arqgex@mail.exercito.pt, Telefones 218391600 e 218391619 e Fax 218391611, ou à Associação de Comandos.

Sabendo a unidade a que o seu primo pertenceu, poderá solicitar elementos ao Arquivo Histórico Militar, instalado no Largo dos Caminhos de Ferro, nº2 - 1100-105 Lisboa; E-mail: ahm@mail.exercito.pt, com o telefone 218842563 e Fax:218842514.

Lamentamos não ter meios de poder fornecer as informações que nos solicita, fazemos votos para que consiga obter esses elementos do seu família, apresentamos as nossas saudações.

José Martins
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Guiné 63/74 - P12635: Parabéns a você (683): Fernando Macedo, ex-1.º Cabo Apont Art.ª do 5.º PelArt (Guiné, 1971/72)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12624: Parabéns a você (682): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3306 (Guiné, 1971/73); Francisco Godinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2753 (Guiné, 1970/72) e José Albino, ex-Fur Mil Art do Pel Mort 2117 e BAC 1 (Guiné, 1969/71)