1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Fevereiro de 2014:
Queridos amigos,
O historiador David Castaño é autor de um livro recente sobre o papel de Mário Soares na revolução portuguesa.
No artigo ora em análise, Castaño procede a exame o ideário dos oposicionistas ao regime de Salazar e a evolução operada em Soares sobretudo após a criação da Ação Socialista Portuguesa.
Descreve os equívocos, ilusões e crispações vividos logo no arranque do I Governo Provisório e como foi evoluindo o sentir da descolonização da Guiné, negociações que Soares acompanhou do princípio ao fim e que foram, aliás, as únicas negociações em que Soares agiu como principal negociador português.
Um abraço do
Mário
Mário Soares e a descolonização da Guiné
Beja Santos
A revista Relações Internacionais R:I publicou no seu número de setembro de 2012 o artigo intitulado
“Abrindo a Caixa de Pandora: Mário Soares e o início da descolonização”, por David Castaño, investigador do ISCTE e do IPRI, doutor em História Contemporânea e autor do livro
“Mário Soares e a Revolução”, Publicações Dom Quixote, 2013. Dá-nos uma grande angular da evolução do pensamento de Soares acerca da do património colonial, clarifica o confronto entre Soares, ministro dos Negócios Estrangeiros e Spínola, presidente da República, e descreve toda a intervenção de Soares na descolonização da Guiné, aliás a única em que interveio.
Primeiro, em 1960, Soares é um dos redatores do Programa para a Democratização da República, documento que registava o ideário da oposição
“democrática, republicana, liberal e socialista”. No tocante à política ultramarina, este sector de oposição reclamava
“a imediata institucionalização da vida democrática, sem discriminação racial ou política, para todos os territórios e todos os povos”. Indicavam-se várias medidas destinadas à criação de elites locais, entre outras. Ou seja, estava-se ainda longe de falar em autodeterminação e de independência. A proposta foi rapidamente ultrapassada com os acontecimentos de 4 de fevereiro de 1961, em Angola. Neste novo contexto, estes oposicionistas defendiam que o problema ultramarino era essencialmente político, havia que
“reencontrar na paz – nunca na guerra – o caminho do diálogo entre as populações”. Um segmento expressivo da oposição cerrou fileiras em torno da defesa da África portuguesa. O livro de Frantz Fanon, entretanto, abalava as gerações mais jovens, a guerra da Argélia tornava-se-lhes claro que chegara a hora de dar um novo rumo às colónias. A Ação Socialista Portuguesa, a partir de 1964, condena política colonial da ditadura, reclama
“o direito à autodeterminação e à independência das populações submetidas à nossa soberania”. Em 1970, numa conferência em Nova Iorque, Soares defendeu que a democracia era
“incompatível com o prosseguimento da guerra colonial, e defende o fim da guerra". Estas declarações foram um dos motivos que o conduziram ao exílio.
Segundo, à chegada a Lisboa, na Estação de Santa Apolónia, Soares declarou que uma das prioridades imediatas passava por assegurar o
“respeito pelos princípios de autodeterminação”, referiu-se aos contactos que durante o exílio tivera com líderes dos movimentos africanos alertou para o perigo do desenvolvimentos de movimentos separatistas brancos. Spínola pede-lhe para efetuar uma viagem pelas principais capitais europeias a fim de explicar o sucedido em Portugal. Durante esse périplo, Soares apercebe-se que quase todos os líderes europeus pressionam os contactos com os movimentos de libertação. Já ministro dos Negócios Estrangeiros, reúne-se com James Callaghan, primeiro-ministro da Grã-Bretanha. Castaño escreve:
“Soares defendeu que a prioridade era a Guiné. Era necessário alcançar um cessar-fogo, separar a questão de Cabo Verde e preparar-se a realização de um referendo quando se realizassem as eleições em Portugal. Em sua opinião, Portugal não podia reconhecer imediatamente a Guiné-Bissau pois não existia um mandato popular nesse sentido já que o Governo em funções tinha origem num golpe militar, pelo que só depois de realizadas eleições em Portugal e consultados os guineenses se poderia dar esse passo”.
Tinham-se iniciado em Londres negociações com uma delegação do PAIGC, Soares acreditava que se ia conseguir um acordo de cessar-fogo, a troca e a libertação de prisioneiros, estabelecer-se-ia a retirada de tropas portuguesas e alguns pontos do território, seguir-se-iam negociações para implementar o princípio da autodeterminação, Soares contava igualmente com a boa vontade da OUA do bloco de Leste. Só que as negociações não evoluíram como o ministro português perspetivara. Os negociadores do PAIGC mostraram-se rígidos, recusaram e consideraram muito grave a proposta de consulta às populações, recordaram que o Estado da Guiné-Bissau já era reconhecido por 84 Estados e que em breve a Assembleia Geral das Nações Unidas podiam admiti a Guiné-Bissau e mais recordaram que a Assembleia Geral já tinha adotado uma resolução em que condenava Portugal pela ocupação ilegal de uma parte do território. As negociações foram interrompidas. No resumo das conversações de Londres, o chefe da delegação do PAIGC, Pedro Pires, anotava que os negociadores portugueses reconheciam que os seus soldados já não queriam combater.
A pressão internacional crescia, os países africanos e os países escandinavos defenderam junto de Mário Soares que Portugal deveria reconhecer, sem qualquer tipo de consulta, o Estado da Guiné-Bissau. Mas Spínola mantinha-se intransigente, queria a realização de consultas populares. E Soares parte para Argel, o PAIGC mantém a sua postura intransigente. Soares mudara entretanto de posição, ele que se revelara defensor da realização de um qualquer tipo de consulta, mesmo para o caso guineense, deixava claro que passara a ser partidário do reconhecimento imediato da Guiné-Bissau.
“Numa reunião dos ministro dos Negócios Estrangeiros dos países da NATO, realizada em Otava, nos dias 18 e 19 de junho, Soares informou Callaghan que o caso guineense era peculiar e que a independência poderia vir a ser alcançada sem a realização prévia de uma consulta popular”. Soares reúne-se com Kurt Waldheim, secretário-geral da ONU, e expõe-lhe francamente as diferentes posições em jogo, Waldheim defendeu que se devia fazer uma distinção entre a situação da Guiné-Bissau que já tinha a independência reconhecida.
Terceiro, é a descolonização e as suas vias possíveis que vai precipitar a crise política que levará à queda do primeiro-ministro, Palma Carlos, defensor da aprovação de uma constituição provisória que claramente reconhecesse o princípio do direito à autodeterminação. Os acontecimentos sucediam-se em turbilhão, Waldheim é confrontado com o pedido de adesão da Guiné-Bissau às Nações Unidas, Soares é informado pelos mais variados canais diplomáticos que a maioria esmagadora dos Estados aprova a ideia. O MFA da Guiné intervém, no início de julho aprovara uma moção em que se defendia que
“a realidade político-social da República da Guiné-Bissau e do PAIGC” não era
“compatível com o seu enquadramento nos limites de uma autodeterminação pela via de um referendo ou qualquer outro processo semelhante”, exigia-se que o Governo português reconhecesse
“imediatamente e sem equívocos a República da Guiné-Bissau e o direito à autodeterminação e independência dos povos de Cavo Verde”. Spínola apercebe-se que não tem margem de manobra e promulga a Lei 7/74, que irá ficar a ser conhecida como a lei da descolonização. No início de Agosto, Waldheim chega a Lisboa. No comunicado final da visita, o Governo português declarava-se pronto a reconhecer a República da Guiné-Bissau como Estado independente e disposto a celebrar imediatamente acordos com a República da Guiné-Bissau para a transferência imediata da Administração. A 8 de agosto as negociações foram retomadas em Argel e no dia seguinte os representantes de Portugal e do PIAGC alcançaram um protocolo de acordo. A 26 de agosto, novamente em Argel, assinou-se o acordo e ficou agendado para 10 de setembro o reconhecimento da Guiné-Bissau.
Estas foram as únicas negociações em que Mário Soares agiu como principal negociador português. A partir de julho, com a chegada do major Melo Antunes ao governo como ministro responsável pela descolonização, o MFA tomou as rédeas do processo.
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Nota do editor
Último poste da série de 22 de Agosto de 2014 >
Guiné 63/74 - P13524: Notas de leitura (625): “Che Guevara: La clave africana, Memorias de un comandante cubano, mebajador en la Argelia postcolonial”, por Jorge Serguera (Papito) (Mário Beja Santos)