quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15647: Efemérides (208): Lembrando José Botelho de CARVALHO ARAÚJO que faleceu a 14 de Outubro de 1918 a bordo do Caça-Minas NRP Augusto de Castilho afundado pelo submarino alemão U-139 (António Tavares)

Monumento a CARVALHO ARAÚJO em Vila Real
Com a devida vénia a minube


Combate entre o Navio Patrulha "Augusto Castilho" e o submarino alemão U-139 em 1918 durante a I Guerra Mundial.
Aguarela de Artur Guimarães
Museu Marítimo de Ílhavo.


1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), datada de 10 de Janeiro de 2016

Camarigos,
Ao ver esta excelente aguarela de Artur Guimarães recordei José Botelho de CARVALHO ARAÚJO que faleceu a 14 de Outubro de 1918 a bordo do Caça-Minas NRP Augusto de Castilho afundado pelo submarino alemão U-139 quando escoltava o vapor São Miguel.

O Comandante CARVALHO ARAÚJO interpôs o seu navio entre o submarino e o vapor São Miguel, no mar dos Açores, salvando os 206 passageiros que seguiam a bordo deste.
Estávamos na 1.ª Guerra Mundial iniciada a 28 de Julho de 1914 e terminada em 11 de Novembro de 1918.
A morte do Comandante CARVALHO ARAÚJO ocorreu 27 dias antes do fim da I Grande Guerra.
A Marinha Portuguesa de Guerra e a Mercante glorificou-o perpetuando o seu nome em diversas embarcações.


Características oficiais do Navio T/T CARVALHO ARAÚJO, que o BCAÇ 2912 conheceu em 24 de Abril de 1970:

Tipo... Navio misto de 2 hélices
Construtor... Cantiere Navale Trestino
Local construção... Monfalcone - Itália
Ano de construção... 1929
Ano de abate... 1973
Registo... Capitania do Porto de Lisboa, em 21 de Abril de 1930, com o número 420 F
Sinal de código... C S B U
Comprimento fora a fora... 112,82 m
Boca máxima... 15,30 m
Calado à proa... 6,69 m
Calado à popa... 6,99 m
Arqueação bruta ... 4.559,55 Toneladas
Arqueação Líquida... 2.694,45 Toneladas
Capacidade... 4.292 m3
Porte bruto ... 4.724 Toneladas.
Aparelho propulsor... Duas máquinas de triplice expansão, de 3 cilindros cada, construídas em 1929 por John G. Kincaid & Ca Lda. em Greenock - Escócia.
Quatro caldeiras, com 3 fornalhas cada, para a pressão de 14,7 K/cm2.
Potência... 4.430 CV
Velocidade máxima ... 14,0 nós
Velocidade normal ... 12,0 nós
Passageiros... Alojamentos para 10 em classe de luxo, 68 em primeira classe, 78 em segunda, 98 em terceira e 100 em cobertas, no total de 354 passageiros.
Tripulantes... 98
Armador... Empresa Insulana de Navegação - Lisboa

Com certeza que os milhares de militares que navegaram nele desde 1963 discordam dos números dos passageiros acima. Sentiram na prática o excesso de lotação.


O “EXCELENTE E VALOROSO” Batalhão de Caçadores 2912 desembarcou no cais de Pindjiguiti, Bissau, em 01 de Maio de 1970, com cerca de 500 militares.

O primeiro dia da guerra vivida em Galomaro, Cancolim, Dulombi e Saltinho, matas do Leste do TO do Comando Territorial Independente da Guiné.

António Tavares
Foz do Douro, Domingo 10 de Janeiro de 2016
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15541: Efemérides (207): Ataque ao Cachil na Consoada de 1965 (João Sacôto, ex-Alf Mil da CCaç 617/BCAÇ 619)

Guiné 63/74 - P15646: Álbum fotográfico de Armando Costa, ex-fur mil mec auto, CCAV 3366 / BCAÇ 3846 (Susana, 1971/73): Parte III: praia de Varela, junho de 1971







Guiné > Região do Cacheu > Susana > Praia de Varela > Junho de 1971

Fotos: © Armando Costa (2016). Todos os direitos reservados.


1. Terceira parte da publicação de fotos do álbum do Armando Costa, ex-fur mil mec auto, CCAV 3366 / BCAV 3846, Susana, 1971/73) (*) [, foto atual à direita].

A CCAV 3366.depois de ter chegado a Bissau em 9 de março de 1971,  fez no Cumeré a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional),  e em abril deve ter seguido para o seu destino, Susana, no coração do chão felupe. As fotos acima, tiradas na famosa praia de Varela, datam de junho de 1971.
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Guiné 63/74 - P15645: Parabéns a você (1021): João Graça, Médico e músico, Amigo Grã-Tabanqueiro

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15637: Parabéns a você (1020): José Crisóstomo Lucas, ex-Alf Mil Op Esp da CCAÇ 2617 (Guiné, 1969/71) e Manuel Mata, ex-1.º Cabo Apontador AP do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71)

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15644: Os nossos seres, saberes e lazeres (136): O ventre de Tomar (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Novembro de 2015:

Queridos Amigos,
Uma coisa é o comprazimento estético, olhar e ver com agrado, sentir intimidade, conivência com uma determinada peça do património, na sua aceção mais larga, sem quaisquer obrigações com moradores ou quem ali labuta, registar a imagem; outra coisa é estender o diálogo com quem ocupa este ou aquele espaço ou lugar, pedir para intervir, dar explicações, abrir portas a outra vertente da compreensão. Assim procurei proceder, entrando para pedir informações, simulando comprar; lá dentro, autorizado, zás, aquilo que olhei e passou a visto e passa agora ao público, é um mundo de proscénio e bastidores que constitui a fruição a que vos convido.

Um abraço do
Mário


O ventre de Tomar (1)

Beja Santos

Os lugares, os espaços, têm uma pele que é lida pelos nossos sentidos: a harmonia das formas, a riqueza dos materiais, a dimensão estética que pode ser ditada pela graciosidade das portas, das janelas, das varandas, o que é concêntrico ou retilíneo, azulejos, envidraçados, rebocos, por exemplo. Para além da pele, há um organismo interior, seja loja, residência, serviço público. Calcorreando Tomar, vou ajuntado elementos sobre o seu ventre (não confundir com o romance de Zola, “O ventre de Paris”, o grande escritor aqui abalançou-se na narrativa de dramas humanos, o meu ventre de Tomar são lojas que ressoam a um passado distante ou menos remoto, desta vez andei por estabelecimentos, pedi licença para fazer alguns disparos, aqui dou satisfação a um roteiro de viagem. E estou a juntar elementos sobre a pele, interessa-me muito essa Tomar inusitada, os tais lugares e espaços que estavam destinados a funcionar como fábricas, solares, moradas de família, estão fora dos roteiros ou são escombros, testemunhos silenciosos desse progresso galopante que deixa para trás vestígios do nosso impúdico esbanjamento. E vamos às imagens de um ventre que me é apetecível.



É um espaço amoroso, trata-se de um equipamento que provocou frémito na época, ainda bem que não o estragaram, se bem que a atividade comercial não seja a mesma. Aquela máquina registadora deve ter calculado muita compra, tilintou muitas vezes. Por esta porta é bem possível que tenha entrado e saído muita mercadoria, gente a fazer provas de roupa, dá para especular tudo o que se vendia a dinheiro. É impossível passar pela Corredoura e não embasbacar com esta nesga do passado, e o esforço adaptativa do presente, sem estragar o que merece ser preservado.



Entrei aqui e dei como pretexto que vinha à procura de um tecido para uma cortina e que precisava de algumas linhas. A proprietária mostrou estranheza quando lhe disse que gostava de todas aquelas coisas intensas nos fechos, novelos e tecidos para múltiplas aplicações e pedia licença para as fixar. “Ó senhor, esteja à vontade, tire as fotografias que quiser”. Tirei várias, ficam só estas duas, têm a paleta de cores que consolam todos os humanos, falam do engenho, da aplicação das nossas mãos, da vida que damos às máquinas de costura, ao conforto que depositamos em reposteiros e coisas parecidas. “Volte quando quiser”, e agradeci. É claro que hei de voltar.


Atravessei os Estaus e aqui dei como pretexto que andava à procura de um desenho ou gravura para meter uma moldura. O que eu meti foi conversa neste estabelecimento de curiosidades e velharias. Segundo o anúncio da porta, o proprietário diz o preço e o presumível cliente pode contrapor, ou seja entre a venda e a compra nada é definitivo até haver concordância a dois. É claro que também hei de voltar aqui, gosto imenso do prato que se reflete no espelho e gosto de conversar com gente que não está ali só para vender.



A senhora que me recebeu é açoriana de gema, enganei-me na ilha, a senhora vem das Flores, há mesmo quem diga que é a mais bela ilha do arquipélago, falámos de cascatas e daquele pedregulho que assinala o fim da Europa insular. Apanhei este cantinho multicolorido, imaginei a roupinha quente que aqueles novelos irão dar à luz. E segui caminho.


Aqui restaura-se mas também se faz de raiz, camas, móveis, armários, cadeiras, tudo o que é concebível em artes de marcenaria. Deram-me licença para ali andar a cirandar e fiquei embasbacado com esta linda solução dentro de um edifício muito antigo, aproveitou-se com engenho e arte aquele belo nicho para arrumar disciplinadamente as ferramentas do ofício. E meditei na grande distância que vai entre ver na superfície, ficar com a primeira impressão que os olhos registam e olhar onde as coisas se distinguem e passam a ser imagens nossas mesmo que muitos outros ali se tenham quedado a dizer: olha, mas que grande surpresa! E ficamos por aqui, temos que ter paciência com este ventre inesgotável que Tomar tem para nos oferecer.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15615: Os nossos seres, saberes e lazeres (135): Horácio Dantas, artesão oleiro de Barcelos, autor da réplica do Farol de Leça, oferecida aos presentes no Convívio dos Panteras da CART 1742, levado a efeito em Maio de 2014, em Leça da Palmeira (Abel Santos)

Guiné 63/74 - P15643: Inquérito 'on line' (32): "A tropa fez de mim um homem"?... A tropa acrescentou a decisão e a determinação na acção, atitudes muitas vezes necessárias para o vencimento de inércias, e o alcance de objectivos (José Manuel Matos Dinis, "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha)

A Tropa Fez de Mim Um Homem ? (*)

 por José Manuel Matos Dinis


[ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71; um dos "homens grandes" da Magnífica Tabanca da Linha que tem amanhã mais um dos convívios regulares, desta vez em Carcavelos]


Mais um repto dos nossos editores. De facto, a tropa mexeu muito connosco, com as gerações da guerra de África. A guerra que a certa altura das nossas vidas já se revelava um obstáculo inevitável, e que cada um encarava de forma particular, com reserva, ou com a descontracção possível, já que a todos os ajuizados havia de causar alguma ponderação, quiçá preocupação.

Com excepção da morte da minha mãe aos 8 anos, situação que o meu pai compensou o melhor possível, fui um puto muito feliz, e tive a sorte de ter sido criado num local ocupado por muitas famílias da mesma geração, de portas abertas para os amigos dos filhos, pelo que os putos acompanhavam-se com grande alegria, imaginação, rebeldia e solidariedade. Era a malta do bairro, que alinhava em alcateia, que jogava futebol, ou guerreava os putos de outros azimutes de Cascais. 

Na praia da Duquesa tínhamos os nossos lugares cativos. E as nossas amizades alargavam-se com a entrada para o secundário, onde passámos a conviver com a juventude estudantil do concelho.
Claro que vivi em casa do meu pai até frequentar os estabelecimentos militares do Exército Português. 

A certa altura comecei a imaginar que em África teria grandes possibilidades de levar um tiro na córnea, e quando chegava a casa com negativas, desculpava-me com essa possibilidade, do que resultava a seguinte questão: estudar para quê, se estava destinado a uma medalha a título póstumo. E o bom coração do meu pai cedia. Passei por baixo durante alguns anos.

Quando acabei o 5.º ano, já contava 18 de idade. O meu pai colocou-me perante uma escolha. Segundo ele, eu não dava para tirar um curso superior, logo, não valia a pena continuar a arrastar o corpinho nos corredores do colégio, e propôs-me tirar um curso técnico que me habilitasse para a vida. Um familiar tinha outra proposta para mim, e assim inscrevi-me na escola de hotelaria de Lisboa, enquanto de tarde estava autorizado a estagiar num hotel. Maravilha! 

As aulas eram bacanas, com um grupo de raparigas e rapazes bastante animado. De tarde, quando sentia necessidade de dinheiro para a estroina, duas a três vezes semanais, ia "trabalhar" na recepção (outro lugar que rapidamente degenerou num ambiente de reguilice), e acompanhava aos quartos os clientes recém-chegados com ar de deixar uma nota na mão. As moedas ficavam para um "groom" que não perdia pitada quando me via a alinhar. 

Foi um tempo também magnífico, divertido, e com dinheiro no bolso, ao contrário da minha vida anterior, que até me envergonhava de pedir 5 c'roas ao meu pai. Deixei de recorrer ao argumento da tropa, porque deixei de apresentar negativas.

Em Outubro de 68 fui diagnosticado de pleuresia, e o saudoso Canas da Mota recomendou uma mesinha e, sobretudo, muito descanso e boa alimentação, que tinha doença para uns 2 ou 3 meses. Foi o que fiz. Passadas duas semanas pedi-lhe licença para sair. Confirmou que tinha acontecido um milagre, e deixou-me sair por muito pouco tempo diariamente. Não o contrariei. Saía à noite. Já estava com o destino traçado para as Caldas. 

Numa dessas noites no bar do Chico (um primeiro andar fronteiro ao Largo Camões, onde morou o Américo Tomás), com um prodigioso amigo fui co-inventor de um jogo de setas denominado "Angola é Nossa". Consistia no uso das setas lançadas sobre um alvo circular, com espaços alternados de branco e preto. O melhor resultado de uns quantos jogos valia uma cervejola, um Porto, um Drambuie, um Constantino, qualquer coisa. Sabíamos quem ganhava conforme os pontos de cada espetadela no alvo. Acertando numa faixa preta, conquistava-se um ponto; acertando numa branca, descontavam-se 2 pontos. Estão a ver como comecei a exercitar-me com denodo, e a dominar a geometria no espaço, numa precoce preparação para a maldita guerra.

Em Dezembro apresentei-me para trabalhar, pedi o salário de um conto, e um horário com cartão de ponto. Foi um mês porreiro, pois a minha actividade era muito agradável, e punha-me em contacto com muitos ilustres e interessantes personagens. Segundo um dos ascensoristas, a Mylène Demongeot dava-me bola, talvez porque me fartei de esperar por ela, que deva entrevista à Maria Leonor; Jorge Amado foi de uma grande simpatia numa breve conversa que mantivemos; o capitão Warton, um veterano americano da 2.ª GG, que fazia transportes para o Biafra, convidou-me para seu representante em África, que recusei liminarmente; enfim, muitas outras personagens da política e do empresariado nacional davam alguma réplica ao meu atrevimento. Mas a Beatriz Costa era a mais simpática e gaiata, sempre a irradiar alegria, foi a primeira pessoa a falar-me das "delicias" de Torre de Molinos.

No final de Dezembro o director veio ter comigo e perguntou-me se queria receber a Gigliola Cinquetti no dia 9 de Janeiro. Respondi-lhe que não, que nesse dia teria que me apresentar nas Caldas para iniciar o serviço militar. Foi assim que se soube da minha incorporação.

Estava de chuva, e a malta em fila para recebermos fardamentos e armas, com os sacos civis ao lado de cada um. Um furriel de Operações Especiais, acompanhado de 4 ou 5 mamantes, fazia revista e sacava dos sacos as melhores iguarias. Eu tinha o saco cheio delas, e apresentava-me com os meus 70 kgs e 1,78 mts. Ao meu lado, o Zé Tito com o corpo ginasticado e os ombros largos da formação no INEF aguardávamos em cavaqueira, achando graça a tudo quanto víamos. Quando o furriel se me dirigiu, respondi-lhe que levava bolos de bacalhau, pastéis de carne, presunto, paio, salame de chocolate, e uma garrafa de qualquer coisa, mas que era tudo para mim, que era de bom alimento. Surpresa geral: o furriel declarou ao séquito que já tinham o suficiente, e eu granjeei alguma admiração. 

Na primeira semana o tempo persistia chuvoso, e os pelotões recolhiam-se nas salas de aulas regimentais, uma espécie de regresso ao liceu. Da última cadeira de uma fila, levantei o braço. O tenente Clemente ordenou: 
- .Diga lá, ó nosso instruendo! 
- Meu tenente, nós estamos aqui para ganharmos preparação para a guerra nos climas inóspitos, e agora porque está a chover, refugiamo-nos como uma turma de meninas.

Não cheguei a dizer mais nada, pois aquele tenente exclamou surpreendido: hhhaaannn!? E logo acrescentou: 
- Está tudo a formar lá fora!

E acompanhou-nos numa sucessão de ordens que incluíram rastejar na lama. Quando o pelotão chegou à caserna, outros elementos de outros pelotões comentavam que o tenente era um... (nome feio)... Não, (nome feio) é o Dinis, respondiam os meus camaradas. Tal episódio constituiu uma espécie de pacto entre nós, o tenente, e os cabos milicianos, onde o Mourinho pontificava. 

Depois de várias estórias fui colocado em Tavira, e também o Zé Tito, meu amigo da juventude, com quem fiz a tropa do primeiro ao último dia. E foram muitas as aventuras também em Tavira, onde só fomos penalizados durante um fim-de-semana. Custou-me muito. Nesse dia de manhã, enquanto a malta iniciava as tarefas (ida ao mercado e padaria, compra e preparação do almoço), só me levantei para comer, se não erro, uma posta de pescada cosida com batatas e legumes. Depois, os sacanas lá de casa abalaram para o mundo livre e deixaram-me a loiça para lavar. Velhacos!

Férias! E o curso de "mines and bloody tracks". Éramos 5 que constituíamos um grupo reguila. Na primeira noite, já bem avinhados, seriam umas duas da manhã, quando arribámos ao Casal do Pote. No gabinete do oficial de dia, um aspirante porreirinho desfez-se em gentilezas na recepção. Sacou de uma garrafa de whisky e encheu os cálices. Cada um tinha uma estória para desfiar, enquanto outro voltava a atestar. Quando a garrafa vazou, bazámos para dormir. Na caserna, a luz vermelha de presença inspirou uma sessão de streep, pois o pessoal não ia dormir com fardas. Alinhámos os caixotes em modo de desfile de modas, e o Ruas, um jeitoso de quase 2 metros oriundo da PM, começou a despir-se, enquanto a malta improvisava sons sobre a "pantera cor-de-rosa", uma música que se adaptou muitíssimo bem. Os que acordavam mal-dispostos levavam um aviso para não interromperem a "performance", e com isso ganhámos o nosso espaço e individualidade. Durante a primeira aula, o alferes-engenheiro ensinou-me o essencial: nunca se armem em parvos. 

Férias novamente, a que se seguiu uma viajem turística para o Funchal, a bordo do Funchal. Por altura da passagem da barra o Zé Tito fez-me uma declaração: estou quase teso; e eu respondi-lhe nos mesmos termos. O que fazer? Vamos p'rá batota. Por junto tínhamos cerca de um conto e trezentos. O Zé pediu para ficar com os 300 escudos e deu-me o conto de reis para o póquer. Rondámos as mesas para estudos dos potenciais adversários, e pedi licença na mesa onde jogavam uma família de três e um vendedor de artigos fotográficos, que me lembre. Estudei-os muito bem, até que o Zé Tito se aproximou e questionou; como vai nisso? Estou a ficar teso. Toma, respondeu, ganhámos nos jogos de tombadilho, deu-me agora o comissário. Era outro conto de reis, Em cerca de meia hora ganhei 6 contos. Era fim-de-semana, e de táxi fomos para o Hotel. Na 2.ª feira batemos a pala ao nosso Comandante, e pedimos um abono para nos instalarmos, porque já não tínhamos dinheiro

A estadia na Madeira pode merecer um episódio autónomo. Quero no entanto referir, que até esta altura nunca me escusei ao que fosse, de bom e de mau, embora considere que tenha vivido muito feliz, coisa que o serviço militar só ocasionalmente interrompeu. Nunca me fui abaixo com problemas, e adoptei a divisa de que o que não tem solução (para mim) solucionado está. 

Até essa idade também nunca deixei de encarar os problemas impossíveis de não enfrentar, e com maior ou menor sucesso consegui ultrapassá-los. Também concluí desde novo que a união faz a força, e sempre me preocupei em valorizar a solidariedade e o espírito de grupo. Sobre os princípios gerais de educação consignados nos deveres gerais de respeito, desde muito cedo que mos transmitiram, e de um modo geral estive atento a eles. Mas a tropa acrescentou a decisão e determinação na acção, atitudes muitas vezes necessárias para o vencimento de inercias, e o alcance de objectivos. Só a partir deste período é que fui confrontando com verdadeiras hipocrisias... e comecei a engolir alguns sapos. Muitas vezes por falta de solidariedade, causada pelo medo que impende sobre subordinados, conforme mecanismos psicológicos e sociais que limitam a liberdade de espírito e o sentido crítico, atitudes fundamentais para se atingir o bem comum.

José Manuel Matos Dinis
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Guiné 63/74 - P15642: Agenda cultural (458): Conferência, sábado, 23, às 16h, na Universidade Lusófona, Campo Grande, em Lisboa, sob o tema "Quem mandou matar Amílcar Cabral?: Da investigação à atualidade dos factos". Oradores: José Pedro Castanheira, jornalista; Julião de Sousa, historiador; José Luís Hoppfer de Almada, analista político; moderação: Mário Beja Santos; organização: Embaixada da República da Guiné-Bissau; apoio: RDP África



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Guiné 63/74 - P15641: Por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-mar em África, etc.: legislação régia (1603-1910) (5): crime & castigo, degredo para as praças de Cacheu e Bissau (1801), e para a Índia e Moçambique (1803)... E amnistia real a "todos os portugueses que se acharem presos, processados, desterrados, ou perseguidos por opiniões políticas", além de "todos os crimes de deserção simples, e agravadas, bem como todos os réus sentenciados por três anos a galés, degredo ou prisão dentro do reino ou fora dele" (Rio de Janeiro, 1826)



Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 09 DE JANEIRO DE 1801
Decreto mandando destinar para Cacheu, e Bissáo todos os Reos que se acharem incursos em degredo para Africa
› D. JOÃO, REGENTE DO REINO (1792-1816), Livro 1791-1801




Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 17 DE OUTUBRO DE 1803
Decreto para se commutar a pena de certos Réos em degredo para a India , e Moçambique
› D. JOÃO, REGENTE DO REINO (1792-1816), Livro 1802-1810





Portugal > Assembleia da República > Legislação Régia > DECRETO, 27 DE ABRIL DE 1826
Decreto concedendo Amnistia a todos os que se acharem prezos, processados, desterrados, ou perseguidos por opiniões politicas até á data deste Decreto, perdoando todos os crimes de deserção simples, e aggravada assim como a todos os Réos sentenceados por tres annos a galés, degredo, ou prizão dentro, ou fora do Reino, e aquelles, que estiverem nestas circumstancias , e que para cumprirem suas Sentenças lhes faltarem tres annos, quaesquer que forem os seus crimes.
› D. PEDRO IV (1826), Livro 1826 - 2º Sem




O último retrato Dom Pedro I do Brasil (e  depois IV de Portugal) (Queluz, 1798 . Queluz, 1834), c. 1830, da autoria do  pintor Simplício  Rodrigues de Sá (São Nicolau, Cabo Verde, 1785-Rio de Janeiro, 1839). O original está no Museu Imperial de Petrópolis, no Rio de Janeiro. Imagem do domínio público. Cortesia de Wikimedia Commons.

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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15374: Por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e d'Além-mar em África, etc.: legislação régia (1603-1910) (4): aberto um crédito especial de 250 contos, em 27/2/1908 (escassas semanas depois do regicídio), para fazer face às despesaas com operações militares na "província da Guiné", ao tempo do governador Oliveira Muzanty, 1º tenente da armada

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15640: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (34): De 1 a 10 de Junho de 1974

1. Em mensagem do dia 10 de Janeiro de 2016,  o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma Memória, a 34.ª.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

34 - De 1 a 10 de Junho de 1974

Almoçando com o inimigo

Prosseguem os encontros com os guerrilheiros do PAIGC e os contactos “diplomáticos” e de cortesia dos seus responsáveis com as autoridades militares de Aldeia Formosa e um pouco por todos os aquartelamentos do Sector. Estas e outras iniciativas do PAIGC geram momentos de regozijo nuns casos e focos de tensão noutros, criando uma atmosfera cada vez mais incerta à medida que se vão riscando os dias do calendário. Nota-se da parte da nossa tropa um certo distanciamento desconfiado, às vezes só uma aproximação pela curiosidade e, não raro, até algum desagrado por atitudes ou iniciativas demasiado ousadas, para não dizer mais, tendo em conta a nossa ainda legitimada presença no terreno. Esperava-se mais contenção da parte deles nesta fase crítica e ainda pouco clara do processo, e que até à entrega do território imperassem regras pré-determinadas e o bom senso, mesmo considerando que ninguém estava preparado para a presente situação. Devo referir, em abono do rigor, que não estou absolutamente seguro de, com isto, transmitir o sentimento geral naquele período concreto. Baseio-me na memória que me resta e em notas que transcreverei adiante. Todavia, não andarei longe da verdade tendo em conta o meu próprio sentimento e porque, mais importante, me podia assumir como um dos poucos que sempre estivera com a causa deles e com os seus ideais, embora me mantendo fiel e firme na função que me tinha ali. Ora, se até eu por vezes os achava demasiado ousados nas suas incursões, imagina-se facilmente o sentimento geral. Também é certo que nem todos manifestavam aquela quase insolência, e houve bons momentos de confraternização e genuína satisfação pelo encontro amistoso dos inimigos de antanho. Ainda assim, eu, o idealista com mau feitio, ainda gerei um incidente (por distracção ou indiferença) com um alferes de um bigrupo, relacionado com o arrear da bandeira do PAIGC junto à escola primária de Nhala, por não ter mandado pôr em sentido os nossos soldados ali presentes. E, noutra situação, ia gerando um conflito “diplomático” com um comissário Político, não fora a sensibilidade e diplomacia do nosso capitão de Nhala que o convidara para almoçar connosco, o qual, aceitando o convite, se sentou à mesa de pistola à cintura. O assunto ficou entre mim e o capitão, que não acedeu a fazer uma chamada de atenção ao convidado, convencendo-me de que eu sobrevalorizara a importância do caso. Convenhamos que tinha razão.

Transcrevo a sucinta mas fundamental informação da HU, intercalada das minhas notas e comentários. Começa com o registo banal da rotina diária (que nas datas seguintes me dispensarei de transcrever), mas dá bem a ideia da situação no terreno: as armas não estavam depostas e tudo estava em aberto.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

JUN74/01 – Forças do Batalhão e das Subunidades de reforço continuam, além dos patrulhamentos de defesa próxima dos aquartelamentos, a fazer a segurança dos trabalhos de Engenharia na estrada A. FORMOSA-BUBA e A. FORMOSA-R. CORUBAL.

- Realizou-se uma coluna a BUBA para transporte de víveres nomeadamente arroz para a população e militares.
- Esteve presente em A. FORMOSA o Exmo. Major ORNELAS MONTEIRO.
- O Comissário Político do PAIGC, BRAIMA BALDÉ, que tem permanecido em A. FORMOSA, deslocou-se a KANDIAFARA.


JUN74/03 – Regressou de KANDIAFARA, BRAIMA BALDÉ. Afirmou que de acordo com instruções recebidas do seu Comandante, não vai haver mais guerra, e que as NT poderão circular à vontade, e as populações poderão deslocar-se das localidades para cultivarem as suas lavras. Neste mesmo dia fez uma reunião com alguns elementos da população a quem distribuiu galhardetes e emblemas do PAIGC, assim como o livro “HISTÓRIA DA GUINÉ e ILHAS DE CABO VERDE”.

- Na direcção do SALTINHO, foram ouvidas pelas 16h30 alguns rebentamentos. Posteriormente veio-se a saber que a Tabanca de MADINA tinha sido atacada pelo PAIGC. [Sublinhado meu].


JUN74/04 – (...)

- Realizou-se uma reunião deste Comando com o Comissário Político BRAIMA BALDÉ, em que o mesmo deu uma panorâmica da distribuição dos diferentes Comissários Políticos por algumas zonas do TO, assim como tinha sido incumbido de confirmar a continuação do cessar-fogo tácito e alertar a população civil para não provocar nem arranjar problemas com os militares. Mostrou-se absolutamente sincero e extraordinariamente seguro de que tudo se virá a processar com a independência da Guiné.


JUN74/05 – Pelas 10h00 aproximou-se de A. FORMOSA, instalando-se a 100 metros do arame farpado, um bigrupo armado do PAIGC. Aproximaram-se do arame três elementos desse bigrupo, o Comandante HONÓRIO SILVA, e dois alferes. Imediatamente foram transportados ao Posto da Polícia de Informação Militar, onde posteriormente se reuniram com este Comando.

Durante a reunião os elementos do PAIGC declararam que vinham contactar com a tropa europeia, o que não foram autorizados e, além disso, apresentavam os cumprimentos do Comandante da Frente Sul. Após esta reunião, em que lhes foi dito que o seu procedimento não era correcto, pelo facto de se aproximarem de A. FORMOSA com um bigrupo armado, os mesmos retiraram novamente para KANSABEL.

(...)

JUN74/10 – Em A. FORMOSA realizaram-se as comemorações do 10 de Junho, que constaram de uma formatura geral das forças disponíveis e sediadas em A. FORMOSA, e uma alocução sobre CAMÕES. Estiveram também presentes delegações das várias Companhias destacadas do Sector. Após esta cerimónia e, com a presença das Autoridades Militares, Administrativas, Tradicionais e muita população, procedeu-se à inauguração do Reordenamento de COLIBUIA constituído por 40 casas, uma mesquita e uma escola.


Das minhas memórias: 

10 de Junho de 1974 (segunda-feira): Dia Camões

Desta efeméride, celebrada pela última vez (e certamente pela primeira vez também) pelo meu Batalhão em Aldeia Formosa, mostro a seguir algumas fotografias assim como do Reordenamento de Colibuia, inaugurado no seguimento daquelas celebrações.

Foto 1: Aldeia Formosa, 10 de Junho de 1974. Chegada das autoridades locais à porta-de-armas do quartel, para assistirem à celebração do Dia de Camões.

Foto 2: Aldeia Formosa, 10 de Junho de 1974. O Major Dias Marques, 2.º Comandante do BCAÇ 4513, dá as boas vindas às autoridades locais.

Foto 3: Aldeia Formosa, 10 de Junho de 1974. Formatura e alocução alusiva ao Dia de Camões.

Foto 4: Aldeia Formosa, 10 de Junho de 1974. No final da cerimónia, momentos de descontracção com uma beldade local a apresentar cumprimentos ao Comando do Batalhão e outros oficiais. Da esquerda para a direita: Ten Toscano (salvo erro); Cap. Mil Luís Marcelino (de óculos); Cap. Mil Brás Dias; Ten Cor Carlos Ramalheira, Comandante do Batalhão; Major Dias Marques; Cap. Jorge Cerveira e um capitão que não recordo.

Foto 5: Aldeia Formosa, 10 de Junho de 1974. Da esquerda para a direita: Alf Mil Mota (3.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 – A. Formosa), com a sua sempre bem-disposta irreverência, - repare-se nas botas por engraxar; Cap. Mil Brás Dias (1.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 – Buba); Cap. Mil Luís Marcelino (CART 6250 – Mampatá); Cap. Mil Guerreiro Dias, já falecido, (3.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 – A. Formosa).

Foto 6: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. Inauguração do Reordenamento de Colibuia. Na imagem, um dignitário que não sei identificar, faz uma pose para o fotógrafo no decorrer de um diálogo com o Comandante do Batalhão, à esquerda do enquadramento.

Foto 7: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. Outras individualidades assistem ao diálogo com o Comandante do Batalhão.

Foto 8: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. À direita na fotografia, de óculos escuros, o Cap. Mil Vasco da Gama, Comandante dos Tigres de Cumbijã, CCAV 8351.

Foto 9: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. Corte da fotografia anterior

Foto 10: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. Animação musical após a cerimónia.

Foto 11: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. Animação musical após a cerimónia.

Foto 12: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. A imagem da simplicidade, humildade e desamparo: mãe e filha, duas belezas agora “reordenadas” em Colibuia. A criança põe a mão no ventre: será fome ou será dor? Se precisar, quem vai ser o “fermero” a acudir-lhe após o regresso das tropas a casa?

Foto 13: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. Aspecto parcial do reordenamento.

Foto 14: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. A escola recém-inaugurada.

Foto 15: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. Retrato de grupo que julgo ser do pessoal que construiu o reordenamento com o Comandante e 2.º Comandante do Batalhão ao centro.

Foto 16: COLIBUIA, 10 de Junho de 1974. Provavelmente já de saída, da esquerda para a direita: Cap. Mil Brás Dias, Cap. Mil Guerreiro Dias, Ten Toscano (creio), Cap. Mil Luís Marcelino e Alf Mil António Murta.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15582: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (33): De 14 a 31 de Maio de 1974

Guiné 63/74 - P15639: Inquérito 'on line' (31): "A tropa fez de mim um homem" ?... Lembrando o caso dos meus conterrâneos que, tendo emigrado antes, vieram do estrangeiro propositadamente para fazer a tropa (Francisco Baptista, Brunhoso, Mogadouro)

Vista geral de Brunhoso.
Cortesia da página Brunhoso, Mogadouro


1. Comentário de Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72):

Brunhoso, a minha aldeia distava cinco quilómetros de Mogadouro, sede do concelho, por esse motivo os mancebos da terra chamados à inspecção, deslocavam-se a pé, pois estavam habituados a calcorrear muitos quilómetros no dia a dia de trabalhadores agrícolas. Arranjar transportes também não seria fácil. Bicicletas ninguém tinha, muito menos motorizadas. Os burros ou mulas, já que cavalos praticamente não havia, ninguém se atrevia a pedir aos pais, que iam considerar pouco másculo, para um rapaz de 20 anos fazer uma distância tão pequena.

No meu ano, fomos quatro, porque outros quatro do mesmo ano, já tinham emigrado para longes terras, Brasil e Angola.

Nesse tempo, em que os praças do meu ano e outros de anos anteriores, se dispersavam já pelo mundo europeu, americano ou africano à procura de melhores condições de sobrevivência, a velha máxima " de que a tropa vai fazer de ti um homem" estava a perder actualidade, já que eles,  pelas andanças pelo mundo, iam adquirindo os mesmos conhecimentos e experiências que a tropa lhes poderia dar. Experiência da vida e do mundo, que de certeza terá dado, a alguns dos seus antepassados, que na vida inteira só por essa causa, saíram para lá dos limites onde os levavam as pernas deles ou as dos animais de carga.

Por outro lado a tropa não os iria fazer homens mais obedientes e disciplinados do que já eram, a eles filhos de uma sociedade rural antiga e afastada de tudo, onde não tinham entrado ideias libertárias da revolução liberal do século dezanove, nem da revolução republicana dos inícios do século vinte e continuavam debaixo do poder absoluto das várias autoridades, a começar na Igreja e a acabar nos pais, que Salazar abençoou quando tomou o poder. 

O livro "Das Trincheiras com Saudade" sobre a participação do Corpo Expedicionário Português,
numa passagem fala sobre a coragem e disciplina do batalhão dos transmontanos. As duras condições de trabalho que tinham de suportar e as imposições seculares que lhes condicionavam a personalidade terão provavelmente contribuído para isso. 

Não quero deixar de salientar a atitude, destes meus "praças" que na nossa velha escola primária tinham aprendido a História de Portugal, à custa de muitos gritos, reguadas e vergastadas da professora, que patriotas, como poucos, vieram de França, para "dar a tropa" na linguagem deles. Seria patriotismo ou medo da Pátria, essa avó rabujenta´, que nunca lhes tinha dado algum amor, mas que se podia vingar deles e condená-los ao ostracismo?

Há dias ouvi,  na apresentação de um livro sobre a guerra, que mais do que desertores houve muitos que vieram do estrangeiro propositadamente para fazer a tropa. Estes meus conterrâneos devem fazer parte dessa contabilidade desse nosso camarada.

O ilustre intelectual e camarada que fez essas afirmações parece-me que não conhecia muito bem as motivações e a realidade dos nossos jovens emigrantes, na sua maioria futuros soldados, que durante três anos, para começo de vida e estando já alguns casados, iriam receber um vencimento miserável. Os futuros oficiais e sargentos milicianos, apesar da interrupção das suas carreiras profissionais ou escolares, iriam receber um vencimento bastante compensatório, o que não era o caso dos enumeros batalhões formados sobretudo por soldados. Concluindo os três camaradas que vieram de França, para ir às sortes comigo, e dar a tropa, vieram por amor à sua sua terra, terra dos seus pais e antepassados, porque sabiam que se não viessem ficavam condenados, não sabiam até quando, a não poder regressar.

A mim pessoalmente a vida militar, depois da crise mais ontológica da adolescência , relacionada com as razões, causas e justificações das nossas origens e destinos, provocou-me uma crise de consciência política sobre as razões ou sem razões dessa guerra. Um combatente com dúvidas não pode ser um bom combatente, embora um dia tenha sentido subir muito por mim a adrenalina e o desejo de vingança por causa da morte de um camarada.

Francisco Baptista
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Nota do editor:

Vd. postes de 16 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15622: Inquérito 'on line' (28): "A tropa fez de mim um homem"?... Nem sim nem não, metade da malta (12 em 24) responde "nim", "nem verdadeiro nem falso"... Inquérito em curso até 5ª feira...