terça-feira, 7 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17111: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (11): Enxalé, a outra margem do Geba


José Nascimento, um olhar sobre o Geba


1. Mensagem do nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) com data de 27 de Fevereiro de 2017:


ENXALÉ, A OUTRA MARGEM DO GEBA


O Enxalé começou a fazer parte da zona operacional do Xime e da CART 2520 em outubro de 1969. O rio Geba separava estes dois aquartelamentos, assim como uma bolanha intransponível na época das chuvas, portanto com um elevado grau de dificuldade para se estabelecer a ligação entre as duas unidades.

A travessia do Geba era uma completa aventura e dependia sempre da maré cheia, podia-se fazer esta cambança a bordo do  Sintex ou pelas pirogas manobradas por um indígena, cujo remo situado na sua popa servia de força propulsora e simultaneamente de leme.

Ao 3.º pelotão da CART 2520 também  coube a missão de permanência no Enxalé. No segundo dia após a nossa chegada, o alferes Lapa que foi em substituição do comandante de pelotão, o alferes Marques, regressou ao Xime, ficando o pelotão apenas com dois graduados, os furriéis Nascimento e  [Rentao] Monteiro, passando o comando para o mais "velho" destes elementos, que era eu.

Este destacamento era constituído por um aglomerado de antigas casas, pertença de um fazendeiro que se refugiou em Bissau com o eclodir da guerra. Este fazendeiro era possuidor de uma destilaria de cana de açúcar, que foi totalmente destruída, restando apenas alguma sucata [, o Pereira do Enxalé, pai da nossa amiga, grã-tabanqueira Maria Helena Carvalho]. Havia uma tabanca com seis centenas de moradores, composto maioritariamente por balantas e mandingas, cabendo a nós,   militares,  fazer a sua protecção de possíveis ataques do PAIGC, o que chegou a acontecer no dia 10 de Fevereiro de 1970, dia de Carnaval.

Quando se ouviram os primeiros disparos, já a noite havia caído, também eu disparo numa corrida a sete pés para o abrigo mais próximo, só que assim que saio dos meus aposentos ouço o rebentamento de uma granada de RPG7, num mergulho à peixe atiro-me ao chão entre uns bidões cheios de terra, que eventualmente nos protegiam dos projécteis do IN. Um dos estilhaços ainda em brasa, caprichosamente veio estacionar a um palmo do meu nariz. Enceto nova corrida até ao abrigo da Breda, penso ter batido o recorde mundial dos 30 metros. Já agarrado à Breda, chega o "Espanhol" e berra:
- Deixe isso comigo,  meu furriel, fazendo de seguida umas rajadas que ajudaram o IN a ir jogar ao Carnaval para um outro lado.

Resultou deste ataque: ferimentos com alguma gravidade na perna de uma habitante, outro elemento da população perdeu uma mão e um rapaz sofreu ferimentos ligeiros. Todos foram evacuados de héli para Bissau no dia seguinte. Arderam também várias tabancas.



Enxalé após o ataque


No dia anterior a este ataque, decorreu na outra margem do Geba, a operação Boga Destemida [, em 9 de fevereiro de 1970,] na qual as nossas tropas sofreram uma brutal emboscada na zona de Gandagué Beafada por parte do inimigo, sendo perfeitamente audível à distância em que nos encontrávamos, o matraquear das armas de fogo e o rebentamento de granadas.

Sabendo via rádio da gravidade da situação, solicito para ser transportado para a margem esquerda do rio, a fim de poder dar a minha ajuda no que fosse possível. Na enfermaria presto a minha colaboração ao furriel enfermeiro Augusto Costa, o ferido que mais me impressionou e que seria evacuado para Bissau, juntamente com outros elementos, foi o furriel Pestana, as suas costas estavam rasgadas por estilhaços de granada, numa das feridas cabia perfeitamente um dos meus punhos fechados. Este camarada jamais regressaria para a CART 2520, recuperou, mas as mazelas ficaram para sempre a marcar o seu corpo e o seu espírito.

Quando passava uma guia de livre trânsito para um dos habitantes da tabanca se deslocar a Bissau, o chefe de tabanca dos mandingas falou em francês, fiquei surpreendido e perante a minha pergunta porque falava naquela língua respondeu-me que tinha estudado no Senegal antes da guerra começar, mais perplexo ainda fiquei.

Com uma frequência quase diária, um puto da tabanca com cerca de 10 anos, de uma tez muito clara, vinha conversar connosco e fazer-nos alguma companhia, nós em troca demos-lhe a nossa amizade. Para ti,   Dingue, se ainda pertenceres ao número dos vivos, aqui vai um fraterno abraço.


Com o amigo Dingue


Era normal os nossos militares darem uns tirinhos à caça das rolas, quando o faziam na zona frontal ao destacamento virada para bolanha, não havia qualquer problema,  mas nas traseiras da tabanca isso representava algum perigo e foi o que aconteceu com o nosso apontador de metralhadora, de caçador ia sendo caçado. Valeu-lhe o seu sangue frio e coragem, que ao aperceber-se de que alguns guerrilheiros se preparavam para lhe deitar a luva, sacou de uma granada de mão e lá vai disto, escapando-se de imediato para o quartel e desta maneira o Martins deixou de ser um possível prisioneiro de guerra nas mãos do PAIGC e de fazer um passeio turístico até Conakri.

De vez em quando chegavam mensagens codificadas vindas do Xime, que eu decifrava através do Codoper, com ordens para montar uma emboscada ou fazer um patrulhamento a determinado local. Eu falava baixinho com os meus botões, capitão Maltez cá tem cabeça. Temos que assegurar a protecção do destacamento e da população, como é que vamos montar uma emboscada com meia dúzia de gatos pingados? Na volta do correio eu respondia: "montada" emboscada ou  patrulhamento "efectuado".

E assim se passaram dois meses com relativa tranquilidade, mas com muitas dificuldades. Matar a fome às nossas barriguinhas não foi tarefa fácil. Receber e enviar correspondência por vezes demorava mais de uma semana. O isolamento era enorme, os nossos contactos com o mundo exterior só eram possíveis através do Xime e com o Xime foi muito difícil e arriscado devido à travessia do rio. Cada vez que passava de uma margem para outra, pensava sempre que algum dia poderia servir de pequeno almoço a um qualquer jacaré se na eventualidade acontecesse algum incidente e a nossa embarcação nos mandasse a banhos.  Neste espaço de tempo só eu e mais dois ou três elementos do pelotão é que saímos do Enxalé até à sede da Companhia.



Enxalé

Fotos: © José Nascimento (2017). Todos os direitos reservados

Para todos os nossos camaradas de armas um grande abraço.
José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16737: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (10): A música das nossas vidas: "Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle, mon amour"... ou o braço de ferro entre o fur mil Renato Monteiro e o nosso primeiro Vaz, cuja amada esposa se chamava Isabel e vivia a 5 mil km de distância, em Vila Real, Portugal...

segunda-feira, 6 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17110: Agenda cultural (545): Apresentação do livro de fotografia, "Buruntuma", do nosso camarada Jorge Ferreira, em Oeiras, no passado sábado, dia 4 (Parte I) - As primeiras fotos


Foto nº 1 > Oeiras > Galeria-Livraria Municipal Verney > 4 de março de 2017 > 15h00 . 16h30 > Sessão de lançamento do livro de fotografia, da autoria de Jorge Ferreira, "Buruntuma: algum dia dia serás grande!... Guiné, Gabu, 1961-63" (edição de autor:  Oeiras, 2016; impressão: Jotagrafe - Artes Gráficas Lda)...  Na foto, o  "calmeirão" do Jorge Ferreira,  no uso da palavra...  A apresentação esteve a cargo do nosso editor Luís Graça.(*)


Foto nº 2 > Oeiras > Galeria-Livraria Municipal Verney > 4 de março de 2017 > 15h00-16h30 > O Manuel Barão da Cunha, fazendo as honras à casa... Esta é a 164ª tertúlia do Programa Fim do Império, da Liga dos Combatentes!... 

Presentes meia centena de camaradas e amigos, o que é um excelente nº para uma trade de sábado de fim de inverno... O convite foi foi feito  pelo autor, Jorge Ferreira, e teve o apoio de: (i)  Ptograma Fim do Império; (ii) Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné; (iii) Movimento de Expressão Fotográfica (MES); e (iv) Núcleo de Fotografia de Oeiras (NFO). (**)

O Programa Fim do Império celebrou no passado mês de janeiro o 8º aniversário da sua existência. O cor cav ref e escritor Manuel Barão da Cunha tem sido um dos rostos deste programa, que promove a publicação de obras literárias ligadas à temática da guerra do ultramar / guerra colonial (1961/75). A iniciativa é da Liga dos Combatentes, com apoio da Comissão Portuguesa de História Militar e a Câmara Municipal de Oeiras.


Foto nº 3  > Oeiras > Galeria-Livraria Municipal Verney > 4 de março de 2017 > 15h00-16h30 > Presidente do Núcleo de Oeiras-Cascais da Liga dos Combatentes, Isaías Fernando Ferreira Teles, superintendente reformado. Teve a gentileza de oferecer ao nosso blogue o livro "Olhares sobre a Guiné e Cabo Verde" (org., Manuel Barão da Cunha e José Castnho Paes) (Linda A Velha: DG Edições; e Porto; Caminhos Romanos, 2012, 389 pp. (Coleção Fim do Império, 9).

Oficial do exército, da arma de infantaria, Isaías Fernando Ferreira Teles  nasceu em Bragança em 1946, passou pelos TO de Guiné (esteve como alferes na região de Tombali), Angola e Moçambique. Em 1985 transitou para os quadros da PSP onde chegou ao posto de superintendente.



Foto nº 4  > Oeiras > Galeria-Livraria Municipal Verney > 4 de março de 2017 > 15h00-16h30 >  Além do Jorge Ferreira, do Luís Graça e do Manuel Barão da Cunha, estava na mesa o Manuel Rosas, do Núcleo de Expressão fotográfico, aqui em primeiro plano. O representante do  Núcleo de Fotografia de Oeiras, o fotógrafo Luís Rocha, não pôde comparecer motivo de agenda.



Foto nº 5 > Oeiras > Galeria-Livraria Municipal Verney > 4 de março de 2017 > 15h00 - 16h30 >   O mestre Braima Galissá mostrando o "mezinho" que, na melhor tradição mandinga, usa para proteger o seu korá... O instrumento que ele usa, nos seus concertos, já não é o que lhe deu o seu pai, mas uma versão moderna, ocidental, do instrumento original, misto de harpa e alaúde...  (Pode ser ligado a um amplificador, mas nesta ocasião o Braima Galissá tocou sem amplificação e encantou-nos!).



Foto nº 6 > Oeiras > Galeria-Livraria Municipal Verney > 4 de março de 2017 > 15h00 - 16h30  >   O Braima Galissá falando,  com saber e paixão, do "seu" korá... Além de tocador, é também "djidiu", cantor... E tem Portugal na sua alma. Nascido em 1964, no Gabu (NovaLamego), "sob a bandeira portuguesa" (sic), vive em Lisboa dese 1998  e aguarda, com ansiedade, o deferimento do seu pedido de naturalização como cidadão português.



Foto nº 7 > Oeiras > Galeria-Livraria Municipal Verney > 4 de março de 2017 > 15h00 - 16h30>   Atuação do mestre Braima Galissá  e aspeto da assistência. Infelizmente nãotenho fotos de todos os camaradas da Guiné que estavam presentes na sala: falei com alguns no fim...Um dos que esteve presente, por que o vi levantar-se da cadeira, a uma chamada do "comandante" Jorge Ferreira, foi o ex-fur mil cav Mário Magalhães, que comandava  secção da CCAV 252 (ou Esquadrão de Cavalaria 252), antes ainda de o Jorge Ferreira chegar a Buruntuma... 

Outro camarada que tive o prazer o conhecer foi o Domingos Pardal empresário de mármores (MP - Mármors Pardal, Lda, com sede em Terrugem Sintra) e grande colaborador do escultor Francisco Simões, com trabalhos representados no Parque dos Poetas, ali mesmo, em Oeiras. Esteve em Buruntuma 11 meses, tal como o seu camarada e nosso grã-tabanqueiro  Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66). Fiquei com o seu contacto e espero poder conversar mais com ele... Estava em Cufar quando morrue o meu primo, da Lourimnhã,  José António  Canoa Nogueira.


Foto nº 8 > Oeiras > Galeria-Livraria Municipal Verney > 4 de março de 2017 > 15h00 - 16h30>   A antiga equipa que deu voz e alma ao PIFAS: o antigo primeiro sargento Silvério Dias (, nosso grã-tabanqueiro) e a famosa "senhora tenente", sua esposa... 

Outro  camarada e grã-tabaqnueiro que tive o prazer de encontrar aqui, e de conhecer pessoalmente, "ao vivo", foi  o Albano Mendes de Matos (hoje ten cor art ref; ex-tenente art, GA 7 e QG/CTIG, Bissau, 1972/74; "último soldado do império". natural de Castelo Branco, vive entre Oeiras e o Fundão; é poeta, romancista e antropólogo)... Recorde-se que um dos organizadores do célebre caderno de poesia Poilão, por muitos considerado uma primeira antologia de poesia guineense...




Foto nº 9 > Oeiras > Galeria-Livraria Municipal Verney > 4 de março de 2017 > 15h00 - 16h30>   Na assistência, mais dois dos nossos grã-tabanqueiros, o António Graça de Abreu (que acaba de dar a volta ao mundo em 100 dias...) e a Alice Carneiro


Foto nº 10 > Oeiras > Galeria-Livraria Municipal Verney > 4 de março de 2017 > 15h00 - 16h30 >  Avô (Jorge) e neto (Daniel)... O Daniel quer ser fotógrafo como o avô...





Foto nº 11 > Oeiras > Galeria-Livraria Municipal Verney > 4 de março de 2017 > 15h00 - 16h30 >  Aspeto parcial da assistência: na primeira fila o Daniel e e a Alice... Ao fundo, do lado direito, o Jorge Miguel, filho do Jorge Ferreira, com a sua filha Sofia... O Jorge dedicou o seu livro àqueles  quem mais ama: "Para o meu filho Jorge Miguel, meus netos Daniel e Sofia que, espero, irão recordar o pai e o avô Jorge, e privilegiar os valores que enalteci"... É uma belíssima passagem de testemunho.




Foto nº 12 > Oeiras > Paço de Arcos > Centro Náutico >  4 de março de 2017 > O Estuário do Tejo, visto de Paço de Arcos... Foi daqui que todos (ou quase todos) partimos para a Guiné...



Foto nº 13 >  Oeiras > Paço de Arcos > Centro Náutico > 4 de março de 2017 > O Braima Galissá descobriu, emocionado, uma foto do Jorge Ferreira onde está o seu avô, tocador de korá, num festa em Buruntuma... O Jorge Ferreira trouxe-o, a suas expensas, para tocar e (en)cantar nesta sessão de lançamento do seu livro.



Foto nº 14 >  Oeiras > Paço de Arcos > Centro Náutico > 4 de março de 2017 >  O Jorge Miguel (que seguiu as peugadas do pai, trabalhando em informática, na Microsoft, no estrangeiro) e um velho colega do Jorge Fereira, dos tempos do Liceu Gil Vicente, o capitão de mar e guerra, reformado, Eugénio Ramos.


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Guiné 61/74 - P17109: Notas de leitura (934): “O Adeus Ao Império, 40 anos de descolonização portuguesa”, organização de Fernando Rosas, Mário Machaqueiro e Pedro Aires Oliveira, Nova Veja, 2015 (Mário Beja Santos)



Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Dezembro de 2015:

Queridos amigos,
Procede-se a um balanço em torno dos 40 anos de descolonização portuguesa. Antes de se falar na Guiné-Bissau, Guiné e outras parcelas que foram do Império, diferentes investigadores pronunciam-se sobre questões colaterais: o antigo colonialismo tardio do antifascismo português; os partidos nacionalistas africanos no tempo da revolução; o balanço militar em 1974 nos três teatros de operações; visões das forças políticas portuguesas sobre o fim do Império.
Analisados os termos da descolonização, outros dois investigadores debruçam-se sobre retornos e começos: experiências construídas entre Moçambique e Portugal, bem assim como memórias em conflito ou o mal-estar da descolonização.
Para os organizadores é tempo de fazer não apenas um balanço crítico mas, sobretudo, de contribuir, para aumentar a compreensão do fenómeno complexo que foi a descolonização portuguesa.

Um abraço do
Mário


Quando a Guiné se separou do Império

Beja Santos

“O Adeus Ao Império, 40 anos de descolonização portuguesa”, organização de Fernando Rosas, Mário Machaqueiro e Pedro Aires Oliveira, Nova Veja, 2015, é uma leitura irrecusável pelos diferentes registos que acolhe, pela exploração de temas que têm andado ao sabor de polémicas e paixões, o fim do colonialismo que motivou um penoso e duradouro luto imperial. Para os organizadores, os constrangimentos que haviam obstado à criação de uma comunidade pós-colonial para o espaço lusófono – os traumas coloniais, foram caindo graças a três acontecimentos simbólicos, entre 1998 e 2002: a realização da Expo 98, um evento concebido para celebrar uma identidade pós-colonial que não enjeitava a memória dos Descobrimentos; a transferência pacífica e ordenada da administração portuguesa em Macau para a República Popular da China; e o advento da independência Timor-Leste, no termo de um longo processo que mobilizou segmentos significativos da sociedade portuguesa.

Dentre o conjunto de ensaios em que se aborda a descolonização, destaco o trabalho de António Duarte Silva intitulado: “Guiné-Bissau: libertação total e reconhecimento portugueses”. O investigador começa por referir que o MFA local controlava quase todo o aparelho militar e que confirmado o triunfo do 25 de Abril, o núcleo duro demitiu e enviou para Lisboa o Governador e Comandante-Chefe e tornou irreversível o golpe do dia anterior. São factos que muitas vezes descuramos pelo seu significado, e que permitem ver claramente como a Guiné estava madura para a viragem da descolonização. Enquanto o PAIGC se pronunciava a sugerir a abertura imediata de negociações, diferentes comandos de unidades no interior da Guiné apelavam ao pronto cessar-fogo, pediam mesmo autorização para abandonar as posições. A 7 de Maio, Carlos Fabião foi nomeado pela Junta de Salvação Nacional para os cargos de Encarregado de Governo e Comandante-Chefe da Guiné. Mas não se deu esta substituição de governadores, Fabião passará a ser o “delegado da JSN, a quem Spínola lhe deu claras indicações sobre a forma de diretivas: negociar com o PAIGC, mas continuar o esforço defensivo de guerra até a assinatura do acordo de cessar-fogo; dar continuidade ao processo político de autodeterminação e preparar a sua visita à Província. Mal chegado a Bissau, Fabião constatou que tudo mudara: o MFA era poder, constituíra-se como gabinete de Governo. Em Lisboa, preparavam-se as conversações com o PAIGC que começaram ainda à carga, compareceram a delegação portuguesa com Mário Soares à frente e o PAIGC representado por Aristides Pereira e Joaquim Pedro da Silva. Do encontro não resultou qualquer compromisso formal. Seguiram-se conversações em Londres, a argumentação do PAIGC subia de tom: “de potência colonial, Portugal passou a estar na situação de agressor contra o nosso Estado soberano, reconhecido por mais de 80 países no mundo”.

Entre 25 e 31 de Maio, realizaram-se 10 sessões, a meio, Soares e Almeida Bruno deslocaram-se a Lisboa para apresentar um primeiro “protocolo” ou tentativa de acordo. Spínola recusou a proposta de Soares que contemplava o imediato reconhecimento da Guiné-Bissau como república. É durante estas conversações que se verifica que o PAIGC parecia não ter pressa na partida dos portugueses, admitindo um “período de transição” até 6 anos, desde que satisfeitas algumas exigências, a começar pelo reconhecimento da independência. Em Junho reiniciaram-se as conversações com o PAIGC, em Argel, a primeira reunião saldou-se por um fracasso. A atmosfera internacional também era desfavorável às obstinações de Spínola. Em Bissau, o MFA local não desarmava, e numa assembleia, perante cerca de 800 militares, foi aprovada uma moção onde se propunha: o repúdio de qualquer solução local e unilateral; o reconhecimento inequívoco da República da Guiné-Bissau; e o imediato recomeço das negociações com o PAIGC. Ninguém queria já falar em guerra e, o MFA local apresentava o seu plano de descolonização. Reúnem-se o governo de Bissau e o PAIGC na mata do Cantanhês, entre 15 e 18 de Julho. O tema central foi a retração do dispositivo das tropas portuguesas, mas debateram-se outros temas prementes como o problema dos Comandos Africanos e a troca dos prisioneiros de guerra. Nesse mesmo mês de Julho, é aprovada a lei n.º 7/74, a chamada Lei da Descolonização, através da qual Portugal reconhecia o direito dos povos à autodeterminação. E no início de Agosto recomeçaram as conversações entre o governo português e o PAIGC, assim se chegou a um protocolo de acordo bem como foi aprovado um anexo destinado a regular a continuação da retração do dispositivo militar português, a saída progressiva das Forças Armadas e algumas obrigações portuguesas. Os acordos de Argel foram assinados em 26 de Agosto de 1974 e traduziam-se no reconhecimento da nova República, no cessar-fogo, na saída das Forças Armadas até 31 de Outubro. E definiam-se matérias concretas quanto ao anexo: as Forças Armadas portuguesas obrigavam-se a desarmar as forças africanas sob o seu controlo; o governo português pagaria as pensões de sangue, de invalidez e de reforma a que tinham direito quaisquer cidadãos por serviços prestados às Forças Armadas portuguesas; e o governo português participaria também num plano de reintegração na vida civil de tais cidadãos militares.

Em 19 de Outubro, os titulares dos órgãos dirigentes da República da Guiné-Bissau e do PAIGC entraram festivamente em Bissau. Oiçamos os cometários do investigador:
“À data, o PAIGC era uma organização sólida, embora com escassos ‘quadros’, dotada de um aparelho ‘para-estadual’ e de umas forças armadas poderosas. Encontrava-se perante uma conjuntura particularmente favorável, pois beneficiava de amplo apoio e entusiasmo popular e dispunha de ajuda e cooperação multilateral, quer dos partidos comunistas quer dos países ocidentais. Mas a Guiné-Bissau era um dos países mais pobres do mundo e com poucas condições para construir um Estado-Nação. Rapidamente surgiram várias manifestações de fragilidade e de perversão do poder, sobretudo múltiplas medidas repressivas e evidentes sinais de corrupção, a par de provas de incompetência técnica do PAIGC para governar o país. A mobilização dos camponeses e o desenvolvimento rural esvaziaram-se e os recursos concentraram-se em Bissau – que tudo devorou. Em 1980, um golpe semimilitar pôs termo ao projeto histórico da unidade Guiné-Cabo Verde”.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de Março de 2017 > Guiné 61/74 - P17094: Notas de leitura (933): “Baía dos Tigres”, por Pedro Rosa Mendes, Publicações Dom Quixote, 1999 (4) (Mário Beja Santos)

domingo, 5 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17108: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral e outros / Casa Comum (21): O professor primário e o enfermeiro de Buruntuma, em 1961... Trabalhavam para o PAICG na cara da PIDE ?!...



Guiné > Região de Gabu > Buruntuma > c. 1961/62 > Destacamento deBuruntuma ( 1 Gr Com reforçado, 3ª CCAÇ e CCAV  252) > Uma ação de nomadização... À frente o alf mil Jorge Ferreira, de calões e FPB!... Atrás duas praças guineenses, com a velha mauser e capacete!...



Guiné > Região de Gabu > Buruntuma > c. 1961/62 >A escola de Buruntuma > O alf mil Jorge Ferreira e um dos seus dois gradudos, de chapéu colonial, que dava aulas aos militares... Não há nenhuma foto fo professor cabo-verdiano.  O Jorge Ferreira comandava uma guarnição miliatre de cerca de 40/45 homens, composta por ums seção do Esquadrão ou Companhia de Cavalaria 252 e por uma seção da 3ª CCAÇ. A seção de cavalaria era comandada pelo fur mil cav Mário Magalhães; a seçõa da 3ª CCAÇ era comandadapelo 2º sargento Moreira, depois substituido pelo 2º sargento Afonso (que aparece aqui nas duas fotos).



Fonte: vd. sítio do fotógrafo Jorge da Silva Ferreira e o seu livro "Buruntuma: algum, dia serás grande!... Guine, Gabu, 1961-63 (Lisboa, Programa Fim do Império, Liga dos Combatentes, 2016, p. 25).


Fotos: © Jorge Ferreira (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. No último trimestre de 1961, quando chegou a Buruntuma para comandar o destacamento, guarnecido por uma força cojunta (cerca de 40/45 homens) da 3ª CCAÇ e da CCAV 252, o alf mil Jorge Ferreira,  esta povoação fronteiriça era rua uma por onde passava a "estrada internacional" Bissau-República da Guiné (Conacri)... 

A fronteira (uma linha imaginária!) era a escassas centenas de metros... De um lado e do outro da rua, alinhavam-se "algumas casas de alvenaria", a saber:

(i) do lado direito, a casa do régulo Sene Sane, tenente de 2ª linha; o armazém de mancarra (que servia de aquartelamento); duas casas comerciais (uma da família Coelhoso, natural de Mirandea (?);

(ii) do lado esquerdo, a escola primária; as instalações da PIDE; duas casas comerciais, a Casa Gouveia e a Sociedade Ultramarina; e a enfermaria...

Por destrás da Buruntuma colonial, ficavam as moranças da população local (fulas e mandingas), estimada em um milhar de habitantes. 

Fonte: FERREIRA, Jorge - Buruntuma: algum dia serás grande!.. Guiné, Gabú, 1961-63. Lisboa: Programa Fim do Império [, Liga dos Combatentes,], 2016, p. 8.

Na página 25, há uma fotografia da escola de Buruntuma. O Jorge Ferreira aparece ao lado de uma figura que pode muito bem ser o professor. O autor da publicação citada diz-nos que em Buruntuma havia "!uam escola e uma enfermaria, aliás infraestruturas de qualidade que não era vulgar encontrar em povoações de igual dimensão na Metrópole" (p. 10)

Referindo-se ao "apoio social" prestado pela tropa, no seu tempo, acrescenta:

(...) " Em termos de escola, propôs-se ao professor de origem cabo-verdiana cujpo português muitas vezes era mescalado com termos de crioulo, dar-lhe apoio destacando para a escola militares habilitados" (p. 10). A proposta foi aceite, sendo "essa colaboração extremamente benéfica em termos de aproveitamento escolar"... A adesão foi "entusiástica" por parte dos nulitares, ajudando-os a ocupar os seus tempos libres e sair da rotina,

Quanto à "enfermaria". o comandante do destacamento propôs ao comando da companahia (a 3ª CCaç , sediada em Nova Lamego) que o médico se disponibilizasse para atender também a população local. Em geral, ele visitava regularmente o destacamento, ou seja, de quinze em quinze dias. O médico [, julgo que o ten mil médico António Sancho, mais tarde conhecido cirurgião plástico...] acolheu a ideia de bom grado e a extensão da cobertua médica à população contribuiu também para "o ótimo clima de relacionamento que a breve trecho se estabeleceu entre a população e os militares" (p. 10).

Jorge Ferreira não nos diz quem era o enfermeiro nem identifica o professor, que só sabemos que era, no final de 1961 / princípios de 1962, de origem cabo-verdiana. (Em Bambadinca, era uma professora, também de origem cabo-verdiana, a dona Violete da Silva Aires).

Pergunta:  o enfermeiro não deveria ser guineense, Cirilo de seu nome ? E o professor não seria o Timóteo Costa, autor da carta que a seguir se reproduz ? 

De acordo com o tratamento do documento, que faz parte do Arquivo Amílcar Cabral, Timóteo Costa, acabado de colocar em Buruntuma como professor [do ensino primário], escreve a um seu contacto [Marcelo de Almeida, membro do PAIGC, cabo-verdiano, próximo de Amílcar Cabral nesta época, 1961; era delegado do PAIGC em Koundara ], a quem trata afetuosamente por "amigo e irmão africano", e dando-lhe a seguinte informação:

(i) acaba de chegar a Buruntuma, vindo  de Bissau, há 12 dias;

(ii) dá notícias do seu "ilustre amigo Cirilo", enfermeiro;

(iii) incentiva [, o destinatário,] a "trabalha[r] que nós também estamos a fazer o mesmo para um bom futuro e feliz progresso do filho africano";

(iv) dá um recado do Cirilo, transmitido em linguagem algo hermética [, tudo indicando que o Cirilo faz trabalho político em Buruntuma, sendo por isso um militante do PAIGC];

E o Timóteo Costa termina dizendo, "cá me encontro como professor em Buruntuma, portanto podes contar comigo em todos os momentos"...

O que lhes terá acontecido, a um e a outro ? Não há mais rasto deles,,, no Arquivo Amílcar Cabral
e o Jorge Ferreira ceghou a conhecê-los e lideou com eles ? Trata-se de um documento interessante, que ilustra o trabalho de sapa que Amílcar Cabral e o seu partido estavam a fazer, a partir de Conacri, apesar da forte repressão exercida pela PIDE e demais autoridades portuguesas.

Não encontramos rasto deste Timóteo Costa. Ao telefone, o Jorge Ferreira diz que se lembra bem do enfemeiro Cirilo mas que o professor Timóteo Costa pode já não ser do seu tempo... Em todo o caso, prometeu tirar dúvidascom o ex-fur mil cav Mário Magalhães.

De acordo com as regras editoriais do nosso blogue, estas referências ao Cirilo e ao Timóteo Costa, pessoas que podem estar vivas, não implicam qualquer juízo de valor. Tanto a escola primária como o posto de enfermaria de Buruntuma eram mantidos pela administração da província. Os factos aqui relatados são hoje públicos. Mas a nossa interpretação pode estra enviesada por falta de "contraditório". O documento que reproduzidos, do Arquivo Amílcar Cabral, é único, não há mais mensagens eventualmente trocadas por Timóteo Costa com Marcelo de Almeida, representante do PAIGC em Koundara, envolvendo o nome do enfermeiro Ciriilo. Também sabemos que havia, no TO da Guiné, "agentes duplos", gente que tanto passava informações para a PIDE como para os movimentos nacionalistas, e em especail para o PAIGC (fundado em 1956, e até 1962, usando a sigla PAI - Partido Africano para a Independência).


2. Transcrição, revisão e fixação de texto (LG): 

Amigo e irmão africano Marcelo:

Tomo hoje a liberdade de lhe fazer [sic] duas linhas, informando que cheguei de Bissau, há já 12 dias, onde tenho notícias cujo termo lhe vou informar quando estiver [? ] dentro da minha normalidade. Isto é, quando tiver quem a levará. Pode ser dentro de já. Cá encontramos dia de eu e seu islustre [sic] amigo Cirilo, enfermeiro, com muito prazer de encontrar. Trabalha que nós também estamos a fazer o mesmo para um bom futuro e feliz progresso do filho africano,

Mudando de assunto, junto lhe dou o recado do senhor Cirilo:

Segue:
-  Enquanto a informação, isto do nosso combinado está correndo na medida do costume. Por hora (sic) não [há] nada de anormal, mas no entanto farei o possível de lhe enviar qualquer motivo dentro de breve. Pode estar sossegado que no sábado lhe enviarei algumas considerações sobre esta política africana.

Cá me encontro como professor em Buruntuma, portanto podes contar comigo em todos os momentos. Sou, Timóteo Costa. 



Documento, manuscrito, de 2 páginas. Transcrição, revisão e fixação de texto: LG





Portal Casa Comum /  Instituição:Fundação Mário Soares

Pasta: 04608.052.187

Assunto: Transmite um recado do enfermeiro Cirilo, que se encontra em Buruntuma como professor, sobre o trabalho em prol da luta de libertação.

Remetente: Timóteo Costa

Destinatário: Marcelo [de Almeida]

Data: 1961

Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência recebida 1961 (PAIGC, MPLA, FRELIMO, CONCP, UGEAN)
.

Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: Correspondencia

Arquivo Amílcar Cabral > Correspondência  > 1961

Citação:(1961), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_38633 (2017-3-5)

(Transcrito com a devida vénia)

__________

Guiné 61/74 - P17107: Blogpoesia (496): "Sol envergonhado..."; "Chave à porta..." e "Tentativas falhadas...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Foto: Com a devida vénia a Diário Digital Castelo Branco


1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros durante a semana ao nosso blogue, que publicamos com prazer:



Sol envergonhado...

Este sol que se esconde
atrás da cortina de nevoeiro espesso,
dormiu mal a noite longa
Ou andou na farra,
pela madrugada.
Agora tarda
o mafarrico.
Vai ter a paga.

De secar a terra,
toda encharcada.
Se quer brilhar.

Até ele falha,
de vez em quando.
Para nosso mal.

Só ele é rei.
Abusa da força.
Ninguém o manda...

Tira-nos tempo
de passear nos campos,
e ver o mar.

Mas dá-nos vida,
mesmo a dormir!...

Mafra, 5 de Março de 2017
8h04m

Nevoeiro denso
Jlmg

************

Chave à porta...

Como entrar no céu.
Depois de meses
sem dormir em casa.

Sabe tão bem!
O nosso cantinho,
com tudo à mão.

Foi bom partir.
Estar com os nossos.
Onde os pôs a vida...
Tão bom chegar.

Que bom sabor.
Pisar o chão,
Respirar a fundo,
Ao pé do mar.

Esperar o sol
com seu calor.
Ouvir falar
sem traduzir.

Saborear sabores
dos nossos frutos.

Do nosso azeite
e do nosso sal.
Foi bom partir.
É bom voltar...

Bar "Caracol" em Mafra
27 de Fevereiro de 2017
10h28m
Jlmg


************

Tentativas falhadas...

Esforço inglório.
Quando se almejam as distâncias
onde se adivinha o sucesso.
Por onde giram os nossos sonhos.
E há promessas de vitórias.

Se organizam arquitecturas
e se traçam estratégias.
Se aplicam as energias
e, com denodo esforçado,
se avança destemido.

Para, ao resto e ao cabo,
desaguar na ilusão.

Tanto esforço.
Tanta riqueza, em vão, se consumiu.
No fim de tudo,
só a lição...

Bar "Sete momentos" em Mafra
28 de Fevereiro de 2017
10h26m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17085: Blogpoesia (495): "Bendita a sorte de viver..."; "Outra vez..." e "Em breve...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P17106: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (24): o alferes "periquito" que escoltei até Buruntuma num domingo de agosto de 1964 e que nesse mesmo dia atravessou a fronteira e desapareceu... (Alcídio Marinho, ex-fur mil, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)


Guiné > Região de Gabu > Buruntuma > c. 1961/62 > Reunião de homens grandes para aplicação da justiça tribal. O cavalo era já raro na Guiné, devido à peste equina africana rndémica... Foto de Jorge Ferreira, com a devida vénia, vd. sítio do fotógrafo Jorge da Silva Ferreira e o seu  livro  "Buruntuma: algum, dia serás grande!... Guine, Gabu, 1961-63  (Lisboa, Programa Fim do Império, Liga dos Combatentes, 2016, p. 87).


1. Comentário de Alcídio [José Gonçalves] Marinho, ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65), ao poste P17104(*)


Fui duas vezes a Buruntuma.

A primeira vez foi com o nosso 3º pelotão na 1º ou 2ª semana de maio, cerca de um mês depois de chegarmos á Guiné (Bafatá). A área de Buruntuma ainda pertencia ao BCAÇ 238, comandado pelo sr. coronel Sá Cardoso.

A outra vez foi assim:

Era um domingo de agosto/1964, estava em Bafatá, pois no destacamento de Cantacunda tinha apanhado um ataque de paludismo, que levou à minha evacuação.

Cerca das 9 horas da manhã, o oficial de dia da 412, foi chamado ao Comandante do Batalhão 506, sr. tenente-coronel Liiz Nascimento de Matos. Informação do comando:
− Vai chegar uma Dornier com um sr. oficial, que é urgente fazer chegar a Nova Lamego, e depois a Buruntuma. Precisa-se duma escolta simples, basta um jeep, com um vosso oficial e dois soldados.

O oficial de dia, disse que não havia nenhum oficial disponível a não ser ele próprio. Resposta do sr. teneent-coronel:
− Então mande um sargento.

O alferes Baltazar chegou ao nosso quartel e toca a chamar-me:
- Marinho, manda preparar um jeep com respectivos condutor e operador rádio, mais dois soldados. Depois vais para a pista de aviação,  pois vai chegar um alferes "periquito" e vais levá-lo a Nova Lamego e depois a Buruntuma.

Requisitei um jeep, os militares necessários e ala para a pista de aviação, esperar o maçarico. Cerca das onze horas chegou o maçarico que cumprimentei e logo vi que o alferes era muito pouco comunicativo e taciturno. Vinha à civil, com uma malinha pequena.

Expliquei para onde íamos e como.  Não perguntou nada, nem disse nada. Nós olhamos uns para os outros, admirados e muito desconfiados. Lá seguimos para Nova Lamego. Aí chegados, o Alferes foi apresentar-se ao oficial dia  do BCAÇ 512.

Seguimos de seguida para Buruntuma. Chegamos, mesmo na hora do almoço. O destacamento era ao nível de pelotão. Fomos convidados para almoçar pelo furriel que substituía o alferes, agora chegado.
Conversa puxa conversa e lá ficamos cerca de três horas.

Entretanto, alguns militares do pelotão, deslocaram-se para o campo de futebol, para jogar. Nós, os da CCAÇ 412 também fomos ver o jogo. Decorria o jogo e alguns de nós,  furrieis,  trocavámos impressões do sr. alferes.

De repente, alguém começa berrar muito alto:
− Olha, o alferes vai para a fronteira!

A malta toda começa a gritar para chamar o alferes, que transporta a sua malinha. Ao ouvir os berros da malta, ele apressa o passo na estrada que segue para a fronteira. E desaparece.

Um furriel com alguns militares, foram de jipão, perseguir o alferes, mas dele já não havia
vestígios.

Então parti para Nova Lamego, onde comuniquei ao oficial de dia, os factos ocorridos. Claro que ele não acreditava, mas,  recebida a informação Rádio, comunicou ao sr. ten-cor Figueiredo Cardoso. Que ficou espantado.

O qlferes que no mesmo dia chega e parte. Mais tarde ouviram-o na Rádio Argel. Entretanto, dizia-se que ele em Bissau, havia afirmado que não ficaria muito tempo na Guiné. (**)

Alcidio Marinho

CCAC  412
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sábado, 4 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17105: Agenda cultural (544): Apresentação do livro "O General Ramalho Eanes e a História Recente de Portugal", II Volume, da autoria de M. Vieira Pinto, dia 9 de Março de 2017, pelas 15 horas, na Messe Militar do Porto, sita na Praça da Batalha



O nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, dá-nos notícia da apresentação de mais um livro, integrada no 17.º Ciclo de Tertúlias Fim do Império, a levar a efeito na próxima quinta-feira, dia 9 de Março de 2017, na Messe Militar do Porto.

17.º CICLO DE TERTÚLIAS, PORTO

164.ª TERTÚLIA

Apresentação do 26.º livro da coleção Fim do Império, "O General Ramalho Eanes e a História Recente de Portugal", II Volume, da autoria de M. Vieira Pinto (lançado em 2017.01.25, no Museu dos Combatentes), com Autor, a levar a efeito no próximo dia 9 de Março de 2017, pelas 15 horas, na Messe Militar do Porto.

«Ramalho Eanes, que estava em serviço em Angola, não participou no movimento do dia 25, mas sendo imediatamente chamado a Lisboa, foi, usando o seu prestígio e autoridade pessoais, um agente fundamental da evolução para a nova constitucionalização de Portugal, impedindo o triunfo dos extremismos e apoiando a entrega do poder ao eleitorado. Pondo de lado pequenos incidentes, pelo prestígio militar, e sabedoria ganha no conhecimento vivido da maior parte do findo império, foi conduzido pelas Forças Armadas aos mais altos postos, destacando-se, nesse processo complexo, ter sido eleito, por maioria esmagadora, Presidente da República, em 1976, por isso Comandante Supremo das Forças Armadas, mais a Chefia do Estado-Maior das Forças Armadas, e Presidente do Conselho da Revolução.» 

(Excerto do testemunho de Adriano Moreira)

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Sobre o autor:

Manuel Paulo Lalande Vieira Pinto é licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa. 
Foi quadro, administrador e consultor de diversas empresas privadas, públicas, e de serviços públicos. 

Presidiu aos Conselhos Directivos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e do Gabinete Português de Estudos Humanísticos. 

Desempenhou, como catedrático convidado, funções docentes no ensino superior particular, de que foi fundador com várias personalidades. 

É autor de algumas obras de natureza técnica, didáctica, histórica e biográfica, entre elas, "Adriano – Vida e obra de um grande português" (2010, DG Edições), tendo também participado no 6.º livro da colecção «Fim do Império», Memórias do Oriente, de Dias Antunes.

(Com a devida vénia a Âncora Editora)
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17089: Agenda cultural (543): Sessão de lançamento do livro de fotografia do nosso camarada Jorge Ferreira sobre Buruntuma, Gabu, 1961/63... Apresentação a cargo de Luís Graça, editor do nosso blogue.... Concerto de Korá com mestre Braima Galissá, nosso grã-tabanqueiro... Local e data: Galeria-Livraria Verney, Centro Histórico de Oeiras, sábado, dia 4 de março, às 15h00... Estamos todos convidados!

Guiné 61/74 - P17104: (Ex)citações (323): Buruntuma, que foi grande na guerra e na paz... Uma pequena homenagem aos bravos que souberam fazer a guerra e a paz, do Jorge Ferreira (1961) ao José Valente (1974)


Guiné- Bissau > Região de Gabu > Maio de 2016 > Piche, entre Gabu (a 30 km a oeste) e Buruntuma (a 37 km, a nordeste, na fronteira com a Guiné-Conacri. Canquelifá, mais a norte, fica a 30 km.

 [Vd. poste de 31 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16151: Revisitando o "chão fula", e ligando o passado com o futuro (Patrício Ribeiro, Impar Lda) - Parte II: Piche]

Foto: © Patrício Ribeiro (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região de Gabu > Buruntuma > Dezembro de 2015 > Tabanca e rua principal

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2015). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Buruntuma > É uma das mais bonitas e originais capelas que temos visto nas nossas fotos da Guiné... Deve ter tido várias mãos, ao longo do tempo... Um delas, de arquiteto, mestre de obras e decorador, terá sido a de José Mota Tavares, nosso camarada, antigo alferes capelão miliciano, da CCS/BCAÇ 1856 (Nova Lamego, 1965/67) que nos mandou, recentemente, fotos da "sua" capela (*)...

Foto: © Mota Tavares (2016). Todos os direitos reservados.


Guiné > Região de Gabu > Buruntuma > Memorial da CART 1742, "arquitectado" por João Fernando Lemos dos Santos > "Que os vivos mereçam os nossos mortos"

[Vd. poste de 28 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14198: Em busca de... (253): João Fernando Lemos dos Santos, ex-Soldado Condutor Auto da CART 1742 (Abel Santos)]

Foto: © Abel Santos (2015). Todos os direitos reservados.


1. Temos 75 referências no nosso blogue sobre Buruntuma... As mais recentes são relativas ao livro de Jorge Ferreira, nosso grã-tabanqueiro, e o prmeiro dos oficiais portugueses  a comandar o destacamento de Buruntuma (sendo a sua área de açãpo o triângulo Buruntuma- Bajocunda- Piche): esteve com 45 homens, metade metropolitanos e metade guineenses (a quem já tinha dado instrução em Bolama), entre novembro de 1961 e outubro de 1962...  Era uma força mista, de "infantes" (3.ª CCAÇ) e de "cavaleiros" da CCAV 252 (1961/63).

De rendição individual, mobilizado para a o TO da Guiné em maio de 1961 (e regressado a casa em junho de 1963), o Jorge Ferreira pertencia à 3.ª CCAÇ, sediada em Nova Lamego. Entre o início e o fim da guerra, muitas coisas aconteceram nesta povoação de fronteira, de importância estratégica para a defesa do leste e em especial, da região do Gabu...

No seu tempo, e tal como hoje, Buruntuma  era uma povoação construída junto à fronteira, ao longo de uma rua, por onde passava a "pomposamente" chamada estrada internacional que ligava Bissau à recém independente república da Guiné-Conacri... O nosso camarada António Martins de Matos, ex-ten pilav (BA 12,  Bissalanca, 1972/74) diz que demorava 1h30 a chegar lá, de DO 27, e 25 minutos de Fiat G-91..., no limite do raio de ação da aeronave (que era subsónica)...

Buruntuma, em mandinga, quer dizer, "algum dia serás grande"... Como muitos topónimos do leste da Guiné, é de origem mandinga (caso de Bambadinca, "a cova do lagarto")... Pertenceu ao império  (ou reino do Gabu) (1537-1867), que por sua vez resultou da desagregação do grande Império do Mali (séc.  XIII-XVI)... Em 1867, a "batalha de Cansalá" ditou o fim do reinado mandinga e a ascensão política dos fulas. Fulas e mandingas  coexistem hoje, pacificamente, no Gabu... O mesmo não aconteceu durante  a guerra colonial (ou do ultramar, ou de libertação, conforme as designações de uns e outros).

Evocamos, a talhe de foice, e a título meramente ilustrativo, alguns episódios, contados por camaradas que por lá andaram em diferentes épocas... Na esteira de Jorge Ferreira, podemos dizer que Buruntuma foi grande, na guerra e na paz...  Esta pequena antologia é também uma homenagem a todos aqueles que souberam fazer a guerra e a paz (******).


Manuel Luís Lomba > Não fui feliz em Buruntuma

Salvé, camaradas de Buruntuma!

Seguramente que sou um dos vossos mais velhos: CCav 703, 1965-66.

Não me exponho a grandes contradições ao dizer-vos que essa capelinha de Buruntuma remonta ao meu tempo: resultara da reconversão de um armazém de mancarra e complementada por um nicho votado à Senhora de Fátima, implantado no sítio da "torre" artística, que lhe é posterior. 

A sua concepção e execução pertencem ao furriel Manuel Francisco Moniz de Simas, um açoriano que combinava perfeitamente a sua alma de artista com a de guerreiro, que fará carreira nos Estados Unidos como escultor de ossos de baleia e a fechará como professor do Secundário em Ponta Delgada. Foi inaugurada pelo nosso capelão, tenente António Lavajo Simões, ora residente no Seminário de Vila Viçosa.

Na parte mais alta da tabanca mandinga deixamos (em abril de 1966) um parque de "roncos", à sombra e em redor de um grande poilão, com vedação feita com as leivas dos barris de vinho, inscrições apropriadas num pedregulho. Jamais me esquecerei de um rondo de arromba - a festa das "mulheres paridas"...

A ideia e a sua exploração partiu deste comentador e velho camarada, comandante da milícia e responsável pela "Apsico" local; a obra foi também mérito do Simas..

Ah, não fui feliz em Buruntuma. (**)


Domingos Gonçalves > Buruntuma, o meu batismo de fogo

26 de junho de 1966... Ao entardecer rebentou uma armadilha colocada pelas nossas tropas perto da fronteira.

Um alferes da guarnição local com o respectivo grupo de combate, reforçado por alguns dos soldados do meu grupo, comandados por mim, foi verificar as causas da explosão. Junto do local das armadilhas, que não sei se era em território português, ou da Guiné-Conacry, encontravam-se duas vacas quase mortas. Com alguns tiros de G3, acabou-se-lhes com a vida.

Imediatamente, do outro lado da fronteira, bastantes armas pesadas começaram a disparar sobre Buruntuma, enquanto que, as armas ligeiras, alvejavam o terreno fronteiriço onde nos encontrávamos.

Cautelosamente conseguimos retirar do local, mais para o interior, sem, contudo, conseguir entrar no nosso aquartelamento que, durante cerca de uma hora, ficou sob o fogo cerrado das armas do inimigo.

Abrigados por um ligeiro declive do terreno, e pela protecção do arvoredo, sentíamos nos ares o silvar das granadas que, às dezenas, choviam sobre Buruntuma.

Aqui e além as explosões provocavam incêndios, principalmente nas casas dos nativos, cujo telhado era feito de capim. Quase em simultâneo as armas de Buruntuma também abriram fogo. As bazookas e o canhão sem recuo vomitavam granadas ininterruptamente. Os morteiros cuspiam, para o outro lado da fronteira, os seus tenebrosos projécteis. Através das seteiras dos abrigos as metralhadoras consumiam centenas de munições. As armas ligeiras, os canos já aquecidos, disparavam, um pouco ao acaso, contra um inimigo que não tinham capacidade de atingir. De um e outro lado era ensurdecedor o ruído da fuzilaria e o detonar das granadas.

Anoiteceu. De ambos os lados começou a abrandar a intensidade do combate. Lentamente, o silêncio foi caindo sobre a povoação martirizada. Era o fim de uma pequena batalha. Cautelosamente, os soldados que estávamos fora do aquartelamento, longe da protecção dos abrigos subterrâneos, fomo-nos aproximando do arame farpado e entrámos no quartel.

Dirigi-me ao posto de socorros. Lá dentro, aguardando tratamento, já havia muitos feridos. Outros, brancos e negros, foram depois chegando. O médico, que na vida civil era cirurgião, trabalhava afanosamente, ajudado pelos enfermeiros, extraindo estilhaços, colocando ligaduras, injectando soro... Só muito tarde deu por findo o seu trabalho.

Contabilizados os prejuízos verificou-se que havia três mortos entre a população e bastantes feridos tanto entre os soldados como entre os civis. Para além disso o nosso sistema de transmissões estava inutilizado, as instalações danificadas e alguns indígenas tinham perdido as suas casas.

Trabalhava em Buruntuma um agente da PIDE que, através do sistema de transmissões particular, de que dispunha, alertou Bissau para o sucedido e pediu que fossem evacuados para o Hospital Militar os feridos mais graves. Eram já altas horas da noite quando nós, os oficiais, nos fomos deitar.

No abrigo onde dormíamos comentavam-se os acontecimentos com alguma insensibilidade. Já deitado, o capitão murmurava:

- Os filhos da puta não nos deixam em paz...

A guerra para ele era algo a que já estava habituado e pouco o impressionava. Quando em conversa se referia a acções de combate transmitia até a ideia de gostar das sensações da guerra. Eu sentia-me de certo modo aterrorizado com a baptismo de fogo que, sem o desejar fui obrigado a receber.

Foi um baptismo sério e prolongado... E cheio de calor!... (***)


Mota Tavares > Buruntuma, o silêncio de Deus...

Li, com muito entusiasmo o relato da vossa visita ao Gabu [, poste por AO - antigo alferes capelão], no meu tempo Nova Lamego. Aí passei quase dois anos. Todas as terras de que vocês falam, me foram familiares e de que tenho muitas fotografias e diapositivos. Estive [lá] em 1965-67.

Tenho imensas histórias de Piche, Canquelifá (uma operação e duas vezes debaixo de fogo), Fá (emboscada e… aventura!), Bajocunda, Copá, Madina do Boé (8 ou 10 vezes debaixo de fogo, três mortos, duas fugas durante a missa para o abrigo…), Buruntuma onde construí uma linda capela – fui o arquitecto, o engenheiro, o pintor, o mestre de obras com o apoio do capitão de que ainda hoje sou amigo. 

[Foi] inaugurada pelo brigadeiro Reimão Nogueira e [nela foi] baptizado um furriel de Lisboa. Chegou-me há tempo uma foto dessa capela 'vandalizada' pelos militares que lá estiveram depois – transformaram-na em escola!…

Bafatá, Bula, Bissau… as escoltas, 12 vezes debaixo de fogo, 27 operações com muitas histórias que dariam um enorme texto! Mas, por hoje, fico por aqui e ao vosso dispor. (*)


António Martins Matos > Buruntuma, cu de Judas...

Buruntuma era mesmo no cu de judas.

Tinha igualmente aquele estigma, (semelhante a Guidage e Pirada) demasiado próximo da fronteira com o país vizinho, podia ser utilizada como tiro ao alvo do PAIGC sem que pudéssemos ripostar, já que o Spínola não autorizava missões da FAP no estrangeiro.

Os aviadores aterravam na direcção da fronteira e descolavam na direcção oposta (qualquer que fosse o vento ou as condições meteorológicas).

Andei várias vezes por ali à procura de MiGs imaginários, nunca os vi!!!

Um dia deixaram-nos ir partir umas bilhas lá para Koundara, quando aterrámos em Bissau já estávamos a dever combustível ao G-91. (**)


C. Martins > Buruntuma, turismo em tempo de guerra...

Contava-se entre os artilheiros que o alferes miliciano,  comandante do Pel Art  de Buruntuma, em 73, resolveu um dia ir de Buruntuma até Nova Lamego em bicicleta, vestido à civil e munido de máquina fotográfica... Ia  parando pelo caminho e fartou-se de fazer fotos de pássaros, passarinhos e até passarões.

Quis regressar da mesma forma, mas o comandante do sector obrigou-o a ir numa coluna... Resultado: a coluna sofreu uma emboscada, ele levou um tiro num pé e estragou a máquina fotográfica...

Não sei se foi verdade, mas que se contava, contava. (**)


 Luís Borrega > Buruntuma e o carisma de Spínola

Caro António Matos: Quando foste a Buruntuma bombardear Kuundara (?), não seria Kandica?.. O gen Spínola estava lá em Buruntuma. A CCav 2747 tinha tido um valente ataque IN na noite de 25/11/71. Dia 27, Spínola vai de DO a Buruntuma. Manda formar a guarnição, a milícia e a população.. Nesse momento chegam seis Fiats G-91, rasam Buruntuma e Kandica, ali as antiaéreas começaram a disparar mas calaram-se logo. A seguir ouviram-se enormes rebentamentos em Sofá, a base do PAIGC. Nova passagem e largaram o resto das bombas e retiraram-se para Bissau.

Spínola mostrou o seu carisma de chefe. Falou às populações locais:

-Viram o que aconteceu? Agora vão dizer aos do lado de lá, que se tornam a fazer outro ataque com morteiros, mando o dobro dos aviões e o dobro das bombas!

Com esta atitude moralizou extraordinariamente os militares da CCav 2747 e milícias. (**)


José Manuel Matos Dinis > Buruntuma, as famosas 13 horas debaixo de fogo

É verdade,  o sentimento de Spínola em relação àquela fronteira. Não sei desde quando, mas o general teria mandado informar que, se Buruntuma fosse atacada, as NT ripostariam sobre Kandika. Em 27 de fevereiro de 1970, após um ataque àquele aquartelamento em 24  (é o que consta da História da Unidade, embora me pareça que decorreu mais tempo), que provocou 28 mortos civis, depois de vários transportes de material (obuses, canhões e morteiros, bem como munições, guarnições, e outra tropa de segurança), as NT retaliaram durante cerca de duas horas. O IN respondeu durante 13 horas.

As famosas 13 horas de Buruntuma. As NT sofreram 1 morto e 5 feridos.

Da mesma história da unidade consta que o IN sofreu 8 mortos militares, incluindo o tenente comandante, e o chefe da alfândega [do outro lado da fronteira].

Foi a primeira acção em que participou a minha companhia, através do 1º.pelotão e do Fur mil Azevedo, de armas pesadas. (**)


Luís Guerreiro > Buruntuma: Pel Caç Nat 65, e o 1º cabo Ismael que chegou a levar para o mato o cano do morteiro 60 cheio de vinho

Tem sido com interesse que tenho seguido as crónicas do José Manuel Dinis da CCaç 2679, pois os nossos caminhos cruzaram-se em Piche, Buruntuma e Bajocunda, onde menciona diversas vezes o Pel Caç Nat  65.

Na sua chegada na coluna de Nova Lamego para Piche, e que teve como escolta o Pel. Fox e o Pel Caç Nat 65, onde menciona que era comandado por um cromático alferes que deambulava de pistola à cinta, empunhando uma moca com um lenço amarelo, esclareço que o dito alferes se chamava Monteiro, e esse era o seu equipamento preferido mesmo em patrulhamentos.

Estivemos implicados no ataque de 27 de fevereiro de 1970 à base de Kandica, retaliando o ataque a Buruntuma, onde o Pel Caç Nat 65 permaneceu cerca de um mês, antes de ser transferido para Bajocunda.

Também menciona o apontador do morteiro, que chegou a levar [o ando de] este cheio de vinho durante uma saída para o mato, é verdade, chama-se Ismael, era cabo, e um excelente operador do morteiro 60, embora por vezes se encontrasse sob os efeitos do álcool, era bom rapaz e excelente combatente.


Ramón Pérez Cabrera > Buruntuma, cemitério do jovem internacionalista cubano Ramón Maestre Infante

Na 2ª fase da Op Djassi (a primeira tem a ver como os três G - Guidaje, Guileje e Gadamael, maio / junho de 1973, ainda no tempo do Spínola), Ramon Pérez Cabrera [, autor de "La historia cubana en África: 1963-1991: pilares del socialismo en Cuba", edição de 2005], iz que participaram "14 internacionalistas cubanos", um dos quais, um jovem oficial que tinha partido de Cuba por via aérea em 13/12/1973, e que vai encontrar a morte nas imediações de Copá (ou de Canquelifá?), às 8 da manhã do dia 8 (ou 7?) de janeiro de 1974, surpreendido por tropas portuguesas. 

O seu corpo terá sido "levado para Buruntuma", mutilado e exumado, diz Ramón Pérez Cabrera. Tratar-se-ia, quanto a nós, da mesma emboscada em que terá sido apanhado vivo, o cabo-verdiano Jaime Mota, 1940-1974, alegadamente executado depois

Ramón Maestre Infante terá sido o último dos 9 internacionalistas cubanos a morrer na "guerra de liberación" da Guiné-Bissau. Enfim, mais um caso para alimentar a nossa série Controvérsias, e que o nosso Jorge Araújo vai, por certo, querer explorar, ele que agora tem em mãos o "dossiê médicos cubanos". (****)


Luís Graça > Buruntuma: a chantagem do terror com o comandante Bobo Keita no pós 25 de abril

O Bobo Keita, antiga glória do futebol guineense, tinha feito parte da delegação do PAIGC, na 1.ª ronda de negociações de paz, em Argel... Depois de Argel, regressou à Frente Leste. E deve-lhe ter subido à cabeça a mania do protagonismo...

Aqui, no leste, foi claramente 'mais papista que o Papa', passando a perna à direção política do PAIGC. Foi ele quem teve a iniciativa de:

(i) colocar barragens para controlos dos nossos veículos militares, nas estradas do leste;

(ii) forçar a desocupação do quartel de Buruntuma;

...para além de (iii) ter resolvido, através do terror (3 fuzilamentos e diversas prisões), um conflito em Paunca com milícias (ou não seriam antes os militares da CCAÇ 11?)...

Ele próprio reconheceu, antes de morrer, na altura em que foi entrevistado para o seu livro de memórias, que a chantagem feita aos tugas de Buruntuma era mero bluff, que não era sua intenção atacar nenhum quartel...

A verdade é que este homem podia ter originado uma tragédia de consequências imprevisíveis e incalculáveis... A sua atitude de fanfarrão obrigou à intervenção pessoal do Fabião e do Juvêncio Gomes (delegado do PAIGC em Bissau) (*ª)


José Valente > Buruntuma: Guerra e paz

Há vários meses que estava em Buruntuma, como furriel do 28.º Pel Art quando no dia 5 de julho de 1974 fui obrigado a retirar para Ponte Caium. Tive que voltar a Buruntuma para inativar as munições de artilharia que tínhamos sido obrigados a abandonar. A tensão era tal que a todo o momento temíamos o pior. Felizmente tudo correu bem.

Mas o mais caricato da história da guerra é que passados alguns dias me sentei em Bafatá a uma mesa de café, a beber cerveja, com o comandante 'Nai', do comando leste do PAIGC, a quem e a seu pedido ofereci o livro "Portugal e o Futuro",  de António Spínola, e em troca recebi, tirado da própria lapela do uniforme, um pin original do PAIGC. Alguns dias antes éramos inimigos,  agora trocávamos presentes. Coisas de uma guerra que nunca compreendi nem quero compreender. (**)

Jose Valente
Furriel Mil 28.º PelArt


Luís Graça > Buruntuma > A primeira guarnição do leste a ser desocupada pelas NT, em 5/7/1974

Buruntuma foi a primeira guarnição da zona leste a ser desocupada pelas NT e ocupada de imediato pelo PAIGC, por uma força comandada pelo Bobo Keita, em 5 de julho de 1974. Camajabá e Canquelifá foram desocupadas a seguir, a 6 e a 7 de julho, respetivamente.

As restantes guarnições do leste só foram desativadas em agosto e setembro, respeitando os planos de retração do nosso dispositivo militar (aprovado pela 3.ª Rep/QG/CCFAG) (...)

Os factos acima relatados pelo Bobo Keita são confirmados pelo relatório da 2.ª rep. O ultimatum de Bobo Keita às NT em Buruntuma é vista uma clara violação ao acordo de cavalheiros estabelecido pelas NT e o PAIGC no que respeito à retirada, planeada, ordenada e concertada (a nível local), dos nossos aquartelamentos e destacamentos. 

Alega-se que Bobo Keita estaria "mal esclarecido" sobre esse acordo e os seus trâmites. Por outro lado, as instalações das NT eram particularmente apetecidas pelos combatentes do PAIGC, na zona leste, mais árida, com menos vegetação do que no sul, e em plena época das chuvas. No relatório da 2.ª Rep, diz-se explicitamente que o comportamento indisciplinado dos homens de Bobo Keita se devia também, em parte, ao facto de serem "periquitos", de serem novos na região e na guerrilha, viverem em condições precárias e estar-se na época das chuvas. (*****)