quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Guiné 63/74 – P9051: Memórias de Gabú (José Saúde) (14): Festa no quarto e uma equipa de “craques”

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.


FESTA NO QUARTO E UMA EQUIPA DE “CRAQUES”

MOMENTOS DE LAZER E DESPORTO

Das minhas “Memórias de Gabú” ficaram momentos inesquecíveis que marcam ainda hoje pedaços de uma vida que conheceu ápices bons e maus. Por inteira justiça trago, com a devida vénia, à estampa instantes vividos quando malta se divertia e se entretinha a jogar à bola. A guerra passava então de lado!

E a verdade é que esses episódios inolvidáveis enriquecem no presente a minha suculenta montra dos “troféus” conquistados. Com o peso da idade (já sou sexagenário) recorro amiúde ao meu sentimento nostálgico e ele, muito grato, remete-me para pausas que me levam a cruzar épocas e escrever pequenos apontamentos sobre a guerrilha na Guiné.

Era domingo! No quarto impregnado de fotos - mulheres semi-nuas, equipas de futebol, motos de alta cilindrada, carros de corrida (fórmula 1) entre outros motivos atraentes – a rapaziada divertia-se. O som ambiente emitido pelo Sanyo (ronco comprado numa loja de monhés em Gabú) enternecia as nossas almas.

Corpos elegantes, nada trespassados por inusitados pingos de celulite, dançavam de acordo com a solenidade da música. Os meus companheiros, entusiasmados com o evoluir da dança, tentavam seguir os meus acelerados passos de bailado. Tudo batia certo!

A dada altura, um outro rádio, em onda média, que nos trazia da Metrópole o relato entre o FC Porto e o Vitória de Setúbal dava-nos em directo a notícia infeliz da morte do Pavão, médio azul e branco, em pleno terreno de jogo.

Nós que lidávamos permanentemente com o imprevisto concluímos que o eco do eterno adeus ocorre em qualquer parte do Mundo, não obstante o lugar mais recôndito onde por ventura nos encontremos.

Fluxos de prazer ocasionais que se misturavam com momentos de dor! Talvez que naquele preciso momento algures em território guineense alguém chorasse, também, a morte de um companheiro que acabara de tombar em combate no palanque da guerra.

À parte dessa inequívoca realidade o pessoal curtia momentos do jogo da bola. O futebol era uma bênção que nos preenchia em finais de tarde de calor intenso. Um campo, duas balizas, as equipas constituídas (cinco para cada lado) e toca a jogar.

Aliás, o futebol foi sempre o meu grande sonho desportivo. Os craques mostravam qualidades quanto baste para realizar aqueles “grandes derby´s” que entretanto se protelavam no tempo, levando, contudo, a raríssima assistência ao rubro. Eram giros os instantes da entrega da malta ao jogo!

De pé: Santos, Dias, “Maia” e Fonseca. De cócoras: eu e o Rui

O “Charles Bronson” (como amiúde lhe chamávamos face às suas parecenças com o ilustre actor cinematográfico de Hollywood) e o Rui, parecem atentos aos meus geniais passos de dança.

Um abraço a todos os camaradas,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

 7 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 – P9010: Memórias de Gabú (José Saúde) (13): Bafatá, cidade acolhedora

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9050: (Ex)citações (157): A relação comandante operacional/subordinado nas companhias de quadrícula (José Manuel Dinis)

1. Comentário de José Manuel Dinis ao Poste P9041 (*)

Viva o Chico e o restante tabancal!

O Chico tem mostrado de diferentes pontos de vista, o seu interesse e sagacidade, relativamente aos militares portugueses envolvidos na guerra que a todos condicionou. Vem agora lançar um desafio: o de avaliarmos sob o aspecto da humanidade a relação dos capitães com as companhias em quadrícula.

Designou-se, de quadrícula, a malha de aquartelamentos que deviam garantir a segurança nos territórios em luta. Tornava-se mais ou menos densa, conforme os índices de população, a preservação de meios de comunicação, e a intensidade da luta. Não havia um critério rígido.

Já sobre as relações dos capitães com os seus subordinados, pode dizer-se muita coisa, porque tratando-se de comunidades relativamente autónomas,que podiam extravasar do âmbito de relações de um chefe de um serviço com os seus subordinados, a ligação dos capitães aos comandados pode ou deve ser apreciada de muitos pontos de vista, que resumo a: níveis de equilíbrios psiquícos, níveis de segurança e de relações internas, níveis de organização administrativa, níveis de relacionamento com as esferas militares de que dependia.

Dentro de cada nível poderemos considerar outros itens de avaliação, que no conjunto nos permitirão aferir sobre a real capacidade de intervenção do comandante para o bom desempenho da companhia.

Do meu ponto de vista, e já o tenho comentado, houve grandes falhas na organização piramidal que, pontualmente, estimularam o alheamento dos interesses colectivos, e permitiram o desenvolvimento de acções egoístas e de afastamento ao interesse maior, em última análise, o interesse público, neste caso, uma relação do interesse nacional com o dos militares que serviam nas companhias.

Como nota final: o papel de cada capitão era de muito mais variada e premente responsabilidade, do que o da maioria dos oficiais superiores, que no remanso dos gabinetes lidavam como especialistas, sem as urgências e as necessidades que em cada dia se faziam sentir nas companhias. Deste ponto de vista, acho que os capitães não foram devidamente acompanhados, por isso distinguiram-se positiva, ou negativamente, conforme as suas formações pessoais de carácter, conjugadas com a experiência e capacidade de adaptação ao meio. (**)

Abraços fraternos
JD
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Notas do editor:


(...) Entre nós há um provérbio que diz que os mais velhos são como as lixeiras, sítios/espaços para (des)carregar as mazelas e...o lixo dos outros. Na língua Fula chamam-lhe "Donha" e em crioulo é “Muntudo”, ou seja a capacidade de sofrimento na humildade.
Estas observações me levam a uma tese (questionamento) que lanço à discussão de todos e em especial ao meu irmão de Contuboel, Luís Graça na qualidade de antigo combatente e sociólogo:
A forma (modelo de base) como as companhias (de quadrícula) eram formadas, estruturadas criava laços de união (ver cumplicidade) tão fortes que, por sua vez recriavam, no conjunto do pessoal, uma espécie de confiançaa/dependência exclusiva e quase paternal nos comandantes como única forma de alcançar reais sucessos no teatro de operações ou de, pelo menos, conseguir sair do inevitável sem grandes prejuízos. (...)

(**) Último poste da série > 15 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9046: (Ex)citações (156): A recensão a Pami Na Dondo foi feita não ao livro mas à pessoa do autor (Mário Fitas)

Guiné 63/74 - P9049: Parabéns a você (340): António Inverno (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª e 2.ª CART do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 – S. Domingos -, 1972/74

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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

15 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9044: Parabéns a você (339): Orlando Pinela, ex-1.º Cabo da CART 1614 (Cabedú, 1966/68) e Pacífico dos Reis, Coronel de Cavalaria (R), ex-Capitão, CMDT da CCAÇ 5


Guiné 63/74 - P9048: A minha CCAÇ 12 (20): Abril de 1970: intensificação da acção psicossocial através de contacto pop, e suspensão temporária da actividade operacional ofensiva por causa das negociações com o IN no chão manjaco (Luís Graça)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > CCAÇ 12 (1969/71) > Vista aérea da tabanca de Samba Juli, do Regulado de Badora.




Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > CCAÇ 12 (1969/71) > Um elemento pop, do regulado de Badora, de etnia fulça, vestido a rigor. Adereços ocidentais, tais como o chapéu automátiico, eram considerados na altura como grande ronco...



Fotos: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados





Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca &gt > BART  2917 (1970/72) > A acção psiscossocial ao tempo do novo batalhão, o BART 2917... População fula do regulado de Badora. 


O régulo era o  tenente de 2ª linha, Mamadu Bonco Sanhá, que tinha uma motorizada, de 50 cm3, de marca japonesa, em vez do cavalo branco... Foi fuzilado em Bambadinca depois da independência (segundo a lista dos guineenses, militares e milícias das NT, fuzilados pelo PAIGC a seguir à independência, organizado pelo Cor Inf Ref Manuel  Amaro Bernardo)... Dizia-se, no meu tempo,   que tinha 50 mulheres, uma em cada tabanca de Badora; e alguns filhos seriam militares na minha CCAÇ 12, o que eu nunca pude confirmar, obviamente...


Na época, as autoridades militares de Bambadinca transformaram-no num mito... Veja-se por exemplo o que se pode ler na história do BART 2917 (1970-72), a seu respeito:

(...) "No Sector L1 podemos considerar duas raças (sic) distintas: para Leste da estrada Bambadinca-Xitole onde predomina a raça Fula, e para Oeste da mesma estrada onde predominam as raças Balanta e Beafada.

"A população Fula de um modo geral é nos favorável, sendo de destacar o regulado de Badora, que tem como Chefe / Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus. Esse homem é o Tenente Mamadu, já conhecido do meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população, fortes dúvidas se tem, especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero" (...).


O seu notável currículo era apresentado nestes termos: 



"Régulo do Badora; vogal do conselho legislativo da Província; comandante da Companhia de Milícias do Cuor;  intitulando-se Fula, é considerado pelos Mandingas e Beafadas como Beafada, em virtude da ascendência materna; pelos seus actos de valentia é condecorado com a Cruz de Guerra; régulo justo e especialmente preocupado com a segurança das suas populações; o seu prestígio transvasa em muito para além dos limites do seu Regulado; é um excelente colaborador das NT, parece representar o movimento dos Fulas Nativos" (...).


Espantosamente não tenho/temos nenhuma foto deste homem que era presença, quase diária, no aquartelamento de Bambadinca...


Fotos: © Benjamim Durães (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



A. Continuação da série A Minha CCAÇ 12 (*)
por Luís Graça

(11). Abril de 1970 intensificação da acção psicossocial através de patrulhas de contacto pop


A 5 de Abril de 1970, dois Gr Comb da CCAÇ 12 escoltam mais uma coluna logística ao Xitole (onde estava aquartelada a CART 2413). Durante a picagem do itinerário, foram detectadas e levantadas, por forças da CCAÇ 2404 (Mansambo), duas minas A/P reforçadas com barras de TNT de 2 kg cada.  Estava-se no fim do tempo seco. E no mês seguinte o BCAÇ 2852 terminaria a sua comissão de serviço no TO da Guiné, sendo substituído pelo BART 2917.

Durante o mês de Abril, verificar-se-ia de resto um acréscimo de engenhos explosivos implantados na estrada Bambadinca-Xitole, sendo levantadas, a 22,  por forças da CCAÇ 2404, mais 5 minas A/P, das quais 3 reforçadas

(11.1.) Op Pavão Real: Batida à Foz do Corubal

A 9 dá-se início à Op Pavão Real para uma batida entre a Foz do Corubal e a Ponta do Inglês, e em que participam 2 Gr Comb da CCAÇ 12 (Dest A) e forças da CART 2520, do Xime (Dest B e C).


Do antecedente sabia-se que o IN tinha 1 brigrupo na área, actuando normalmente subdividido, e controlava importantes aglomerados populacionais. Numa das últimas operações das NT, no mês anterior, tinham sido detectados muitos vestígios de vida e destruídos vários depósitos de arroz na região de Poindon / Ponta Varela, tendo o IN reagido à acção das NT durante a Op Rinoceronte Temível.

Desenrolar da Op Pavão Real:

Enquanto 1 Gr Comb reforçado da CART 2520 (Dest C) executava uma manobra de diversão entre Madina Colhido e Gundagué Beafada, os Desta A e B saíam de Xime pelas 17h do dia 9. Em Ponta Varela, já ao anoitecer, detectaram vestígios recentes do grupo IN cuja missão era atacar as embarcações que passavam no Rio Geba.


Progredindo de noite através da enorme bolanha do Poindon, as NT chegaram ao tarrafo ao amanhecer mas seriam entretanto detectadas por dois homens que vinham em sentido contrário. Tratava-se de elementos pop uma vez que estavam desarmados. Ao avistarem as NT ao longe, deveriam ter dado imediatamente o alarme uma vez que se notou, de pronto, um movimento de fuga por parte da população que trabalhava no noutro lado da bolanha.

A progressão ao longo do Rio Geba tornava-se cada vez mais penosa até que em Xime 3A 2-46 depararam-se as NT com uma tabanca de população civil, composta por 11 casas sobre estacaria, um metro acima do solo, e 2 depósitos colectivos, com diâmetro de 3 metros, cheios de arroz (em casca), e em Xime 3 A 4-41 uma outra tabanca com 10 casas para 1 a 2 pessoas.


Foram destruídos víveres (milho e arroz) e outros meios de vida. Por sua vez, o PCV [,. Posto de Comando Volante,] detectou um possível acampamento em Xime 2E0 -69 e Xime 2B7-64. Feita uma batida à região entre a Foz do Corubal e a Ponta do Inglês, as NT detectaram ainda  vários trilhos, um dos quais (Ponta do Inglês – João Silva) apresentando indícios de ser muito utilizado pela população.

As NT passaram pelo antigo aquartelamentio da Ponta do Inglês, abandonado deste Novembro de 1968 e já completamente em ruínas, e ainda pelas tabancas destruídas durante a Op Safira Única, regressando ao Xime pelas 17h30, sem contacto.

Uma semana antes, a 2 de Abril, um grupo IN estimado em 100 elementos tinha atacado com canhão s/r, mort 82, LGFog e armas automáticas, durante 50 minutos e de várias direcções (Oeste, Sudoeste, Sul e Sudeste), o aquartelamento do Xime, causando 2 feridos, destruindo 1 abrigo e 2 paredes do aquartelamento e provocando elevados danos materiais, como resposta à acção de contra-penetração das NT.

A 7, em pleno dia (11h00) durante a montagem de segurança a uma embarcação a navegar no Geba Estreito, nas proximidades de S. Belchior, foi detectado um grupo IN, na estrada, aparentemente preparando-se para montar o seu dispositivo com vista à flagelação  do destacamento do Enxalé. Em resposta ao fogo das NT, o destacamento seria flagelado pelo IN com armas automáticas e LGFog, retirando em direcção a S. Belchior.

A 14, 3 Gr comb da CCAÇ 12 mais uma secção do pelotão da CART 2520 (Xime), destacado em Enxalé,  realizaram uma patrulha de reconhecimento à área de Enxalé, Bissilon e Foz do Rio Malafo, regressando pela estrada Portogole – S. Belchior. Junto à praia do Bissilon foi encontrado o cadável ainda em decomposição dum elemento IN, fardado, que, supõe-se, teria sido morto durante a última flagelação ao aquartelamento do Enxalé (a 7).

(11.2.) Suspensão temporária de toda a actividade operacional ofensiva no TO da Guiné


Registe-se a 10 a visita a Bambadinca, sede do Sector L1,  do príncipe Bourbon Parma, acompanhado do comandante do Comando de Agrupamento 2957 e do administrador de Bafatá.

A partir de 15, data em que foi suspensa temporariamente toda a actividade operacional de natureza ofensiva no TO da Guiné [, por causa das negociações das NT com forças do PAIGC no chão manjaco, sabe-se hoje], intensificaram-se as patrulhas de contacto pop a fim de inquirir do estado psicológico da população sob o nosso controlo, e em especial das tabancas isoladas do regulado de Badora,  e prestar-lhe assistência saniária. Dentro dessa linha directiva, os 4 Gr Comb da CCÇ 12 contactaram as populações das seguintes tabancas:

Samba Juli

Sinchã Mamadjai
Sansancuta
Dembataco (Pel Mil 243)
Sare Ade
Queroane
Queca
Aliu Jai
Sare Nhado
Iero Nhapa
Talata
Bonjenden
Sinchã Coli
Bricama
Embalocunda
Sinchã Umaru
Madina Bonco (Pel Mil 203 -)
Jana
Candembuia
Sare Iero
Mamaconon
Sinchã Infali
Dutajara
Mero
Fá Balanta
Fá Mandinga (Pel Caç Nat 63)
Bissaque (1 secção do Pel Mil 203), etc.

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Fontes consultadas:

(i) Diário de um Tuga, de Luís Graça. Manuscrito.

(ii) História da Companhia de Caçadores 12 (CCAÇ 2590): Guiné 1969/71. Bambadinca: CCAÇ 12. 1971. Policopiado

(iii) História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Policopiado

(iv) Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (I e II Séries)

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Nota do editor:


(*) Último poste da série > 26 de Julho de 2011 >
Guiné 63/74 - P8604: A minha CCAÇ 12 (19): Março de 1970, a rotina da guerra, a visita do Ministro do Ultramar ao reordenamento de Bambadincazinho... (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P9047: Memórias da CCAÇ 798 (Manuel Vaz) (2): Uma perspectiva a partir de Gadamael Porto - 65/67 - II Parte - Actividade militar

1. Em mensagem do dia 14 de Novembro de 2011, o nosso camarada Manuel Gonçalves Martins Vaz (ex-Alf Mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67), dá continuidade às memórias da sua Unidade, com o envio da segunda parte dos seus apontamentos.

MEMÓRIAS DA CCAÇ 798 (2)

De 63 a 73, uma década de Guerra na Fronteira Sul da Guiné


Uma Perspectiva a Partir de Gadamael Porto - 65/67 (II Parte)

A Situação Militar junto da fronteira, que era de tensão, quando da chegada da Companhia, foi melhorando. O PAIGC parecia agora mais interessado em consolidar a sua presença noutras zonas, nomeadamente no Catanhez, para o que lhe era vital manter aberto o “corredor de Guiledje”.

Ainda com o Cap. Vieira dos Santos que passados 3 ou 4 meses foi colocado no QG, a Companhia começou a operar no “corredor de Guiledje”. Era claro que, para além do patrulhamento e segurança do setor, a Companhia teria que dar apoio logístico no reabastecimento de Sangonha e Guiledje e intervir no “corredor de Guiledje”.

Conjunto de edifícios que englobavam a Messe de Oficiais, o Comando, a Enfermaria e as Transmissões em Gadamael Porto

No entanto, a Companhia estava condenada a não ter Capitão. Passado algum tempo, depois do Cap. Vieira dos Santos sair, foi nomeado Comandante, o Cap. Mil. Anacoreta Soares que não se manteve até ao fim, acabando por ser transferido para o Norte. Quando faltavam três meses para a Companhia regressar à metrópole foi atribuído o Comando da mesma ao Cap. Vilas Boas a quem faltava sensivelmente o mesmo tempo para ser promovido a Major. A situação diminuiu a capacidade operacional da Companhia que só actuava como tal, quando tinha Comandante efectivo. (3)

No entanto, o eixo Kandiafara, (4) norte de Guiledje e Mejo transformava-se numa via de abastecimento fundamental para todo o Catanhez. Nos últimos tempos de permanência da Companhia, o reconhecimento aéreo revelava que o PAIGC desmatava faixas de considerável largura no(s) trilho(s) utilizado(s) para o reabastecimento. Tal facto levava os responsáveis militares a interrogarem-se da utilidade desta medida, suspeitando que estavam a criar condições para a utilização de viaturas.

Vista do interior do Aquartelamento, onde se pode ver do lado esquerdo, o Refeitório, a Cozinha e os Balneários. Ao fundo, a saída para Ganturé

Os contactos entre o Catanhez e o exterior eram ainda assegurados por um helicóptero que levantava da zona de Cadique/Caboxanque e cuja luz era perfeitamente visível de Gadamael, sensivelmente à mesma hora e respeitando, quase sempre, os mesmos dias da semana.

A situação, de relativa acalmia, facilitava a apresentação de nativos e as visitas a familiares, o que permitia conhecer as movimentações do PAIGC. A Companhia não desperdiçou a oportunidade e desenvolveu contactos que lhe permitiam captar informações militares ao longo de toda a fronteira, desde Boké a Kandiafara, (4) na República da Guiné.

Ainda a vista do interior do do Aquartelamento, agora do lado contrário. Vê- se a Arrecadação, o Depósito de Víveres, a Casa do Gerador, a Capela e, por entre viaturas, debaixo das árvores, a Messe de Sargentos e Secretaria. Quase imperceptível, ao fundo, o rio.


A Actividade Militar ao longo da Fronteira apenas registava pequenos incidentes sem grande significado, com excepção a Norte, no setor de Guiledje e a Sul, no sector de Cacine (Cameconde) no Quitafine. Duas situações me ocorrem que merecem registo: - No Setor de Gadamael, no dia 15 de Ago/66, quando um Grupo de Combate patrulhava a estrada que ligava a tabanca de Bricama à fronteira, o soldado Moisés acionou, na tabanca de Caur, uma mina anti-pessoal; No Setor de Sangonhá um pequeno grupo de guerrilheiros, que procurava montar uma “enfermaria”, junto à fronteira, sofreu um Golpe de Mão da Companhia que capturou material e fez prisioneiros.

Esta Ação provocou um ataque de represália ao aquartelamento de Sangonhá comandado pelo próprio NINO. Este instalou o morteiro debaixo de uma árvore e indicou ao apontador dois ramos por entre os quais as granadas deviam passar e passaram. (5) O interior do aquartelamento foi atingido por várias granadas de morteiro e algumas delas caíram em redor do abrigo do Morteiro 81.
Fora do Setor, onde a Companhia 798 atuou, destaco quatro Acções no “Corredor de Guiledje “ e uma no Quitafine.

Aspeto particular da vista anterior, onde é mais claro o Depósito de Víveres, (redondo) a Casa do Gerador e parte da Capela. A fotografia captou um ritual de que falarei noutra parte


“No Corredor de Guiledje”

- A 1ª Operação, integrando outras forças, ocorreu a 01/AGO/65 com o Cap. Vieira dos Santos a comandar 2 Grupos de Combate. O Objectivo era Salancaur Fula que foi abordado com intensa chuva, surpreendendo a sentinela. Destruiu-se o acampamento, capturando-se algum armamento.

- A 2ª Operação, de iniciativa do Batalhão, ocorreu a 18/JAN/66. O objectivo era a limpeza de mato e de minas na estrada para Gandembel, até às pontes do Rio Balana. Deveria ser executada por um Grupo de Combate da CCAÇ 798 e pelo Pel. FOX de Guiledge com o apoio de nativos para a desmatagem. O percurso de ida decorreu sem incidentes, para além da deteção de uma mina anti-carro que foi detonada no local. O regresso foi feito em coluna auto até esta ser interrompida por uma emboscada que provocou 5 mortos e 14 feridos.

- A 3ª Operação, integrando outras forças, ocorreu a 22/JUN/66 com o Cap. Anacoreta Soares a comandar 2 Grupos de Combate. O Objectivo situava-se na zona de Salancaur. Tendo-se saído de Mejo a corta-mato, o percurso apresentou-se muito difícil e mais difícil se tornou, quando um guia acionou uma armadilha que provocou baixas entre os nativos. Quebrada a surpresa e localizada a posição das NT, o Capitão recuou, tendo retomado novo itinerário no dia seguinte, mas sem efeitos práticos. Note-se que os efectivos envolvidos na Operação, não se limitavam à Companhia 798. A Operação fora planeada, tal como a anterior, a nível de Batalhão.

- A 4ª Operação, integrando também outras forças, ocorreu a 02/NOV/66 com o Cap. Vilas Boas a comandar 2 Grupos de Combate. O Objectivo situava-se entre Mejo e Salancaur Jate. O objectivo foi alcançado e destruído.
Interessa sublinhar a táctica que o IN normalmente seguia, na defesa das zonas ocupadas: - Dispunha as suas sub-unidades na periferia das unidades principais ou bases, barrando todos os acessos possíveis com vigilantes. Assim criava um sistema de defesa e alerta que era muito difícil surpreender e ultrapassar.

- Operação no Quitafine, integrando ainda outras forças, ocorreu a 12/MAI/66, tendo como objectivo o ataque a Cambeque/Cabonepo. O objectivo da CCAÇ 798 era proteger a retaguarda das restantes forças em acção. Entretanto, por engano, a FAP fez 4 mortos e uma dezena de feridos das NT. A CCAÇ 798 teve de socorrer e evacuar os feridos para uma zona de segurança, tendo-se distinguido o 1.º Cabo Ivo e o Soldado Agonia que foram agraciados com a Cruz de Guerra.

OBS:
(3) - De acordo com as Normas Militares, não era permitido ao Alferes, comandante interino, assumir o comando operacional da Companhia
(4) - Kandiafara, Canchanfara ou Canchafarim, conforme a língua e/ou dialeto, situava-se bem dentro da República da Guine (12 a15Km) e transformou-se numa base fundamental de apoio logístico ao “corredor de Guiledje". Dispunha de uma situação privilegiada, na estrada n.º 3 que ligava a fronteira a Boké e a Konacry.
(5) - Informações recolhidas na CCAÇ 798

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 4 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8993: Tabanca Grande (305): Manuel Gonçalves Martins Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798 (Gadamael Porto, 1965/67)

Guiné 63/74 - P9046: (Ex)citações (156): A recensão a Pami Na Dondo foi feita não ao livro mas à pessoa do autor (Mário Fitas)

1. Mensagem de Mário Fitas [,ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ 726, Cufar, 1965/66, ] com data de 12 do corrente:

Caro Luís,

Depois de tanto que se tem escrito, não ficaria em paz se não desse algumas explicações para toda a Tabanca.Tu verás se é de publicar ou não. Mário


Caros camaradas

Li e analisei tudo desde o que foi descrito como recensão a Pami na Dondo no P8915 (*).

Escrevi Pami na Dondo como Mário Vicente, que é meu nome também, em memória de António Vicente,  meu pai.

Pami na Dondo e Putos, Gandulos e Guerra são resultantes de tudo o que vi, vivi, senti e aprendi em vinte e dois meses de guerra no sul da Guiné.

Não sou escritor, mas também não quis partir, sem deixar o meu testemunho da guerra, que envolveu brancos e negros, combatentes de Portugal ou do PAIGC. Basta-me o testemunho, pois o restante é lateral.

Aceito todas as críticas com naturalidade, aceito o que é resultante da obra em si, mas não de revanchismo por apreciação de questões diferenciadas.

A recensão a Pami na Dondo foi feita não ao livro, mas à pessoa que o escreveu. Porquê? Respondo:

1º. – Tenho conhecimentos suficientes para considerar que a teoria da guerra militarmente perdida é uma falácia.

2º. – Quero que me expliquem a terrível herança de Spínola.

3º. – Como combatente, jamais pactuarei com a valorização do guerrilheiro PAIGC, em detrimento do combatente português.

Caros amigos, cada um fala do que sabe!

O meu grato reconhecimento a todos os camaradas que reconheceram o dislate e agrura da  recensão,  não a Pami na Dondo, mas à pessoa do seu autor.

Para toda a Tabanca sem distinção o meu fraternal abraço,

Mário Fitas

 2. Comentário do fundador, administrador e editor do blogue:

Como membro da Tabanca Grande, desde 26 de Junho de 2007,  o meu amigo e camarada Mário Fitas não precisa de invocar o direito de resposta em relação àquilo que entende ser,  não uma crítica à sua obra,   mas um ataque à sua pessoa. Refiro-me à recensão bibliográfica feita por um outro amigo e camarada, e igualmente membro da Tabanca Grande, o Mário Beja Santos (*).

Diversos membros do blogue e até não membros, simples leitores que acompanham com regularidade e interesse o nosso blogue, já comentaram, ad nauseam (ou seja, até à exaustão), esta pequena querela  que envolve duas pessoas,  membros estimados e valiosos da nossa Tabanca Grande,  e em que estão em causa dois valores que nos são caros e que fazem parte da constituição genética e ética deste blogue: por um lado, o respeito pela verdade (dos factos); a liberdade de opinião e de expressão...; mas também o direito ao bom nome, à boa imagem, à integridade de cada um de nós como pessoa;o  respeito uns pelos outros, pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros; a camaradagem e a amizade como valores que acarinhamos e alimentamos todos os dias.

Estes princípios que orientam e  regulam a existência desta comunidade virtual que é o nosso blogue materializam-se, por exemplo, na manifestação serena mas franca dos nossos pontos de vista, mesmo quando discordamos, saudavelmente, uns dos outros, o que implica que procuramos, dia a dia, a toda a hora, eliminar na origem, prevenir e combater  as picardias, as polémicas acaloradas, os insultos, a insinuação, a maledicência, a violência verbal, a difamação, os juízos de intenção, etc.

Não temos infelizmente instituída ainda a figura do provedor do leitor do blogue que zela, com independência crítica, pelo respeito - por parte de editores e autores - do nosso livro de estilo... Na ausência dessa figura, é esperado que o fundador, administrador e editor do blogue venha a público dirimir conflitos, o que me parece contraproducente e eticamente pouco aceitável, já que foi ele que criou as regras com que se faz a governança da Tabanca Grande...

Como ninguém é (nem deve ser) juiz em causa própria, e não estando em condições de avaliar juízos de intenção, eu só posso lamentar profundamente duas coisas: (i) que o poste P8915 (*), da autoria do camarada Mário Beja Santos, tenha sido publicado nos termos em que saiu e nomeadamente na última parte: "Mário Vicente (...) deverá rever cuidadosamente o texto, polvilhado de agruras e dislates gramaticais"; (ii) que o camarada Mário Fitas, a recuperar de um grave problema de saúde, se tenha sentido vexado e insultado, na sua honra e no seu bom nome, por um poste publicado no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, de que ele faz parte de corpo inteiro e de pleno direito.

Publicam-se em média 5 a 6 postes por dia, 150 por mês... É difícil aos editores, voluntários, a trabalhar aqui em part time, e em condições difíceis, filtrar todas as linhas e parágrafos de todos os textos, que são editados manualmente, um a um... E sobretudo prever que há  determinadas expressões e proposições que podem magoar alguém, que podem provocar suscetibilidades, desconforto, mal-estar ou até gerar conflitos e outras reações adversas. 

A melhor maneira de gerir um conflito é preveni-lo. Infelizmente, o poste, que foi o pomo de discórdia, saiu para a blogosfera e fez os estragos que fez e que não deveria ter feito...

Custa-me a acreditar que o Beja Santos, ao fazer a "leitura crítica" (leia-se: recensão) de um livro de um outro camarada, quisesse malévola e intencionalmente humilhar ou insultar quem quer que fosse, muito menos o Mário Vicente Fitas Ralhete, por terem opiniões diferentes na polémica, já antiga, da guerra ganha/guerra perdida... Mas a verdade, factual, é que o Mário Fitas sentiu-se humilhado e insultado, como pude de resto testemunhar quando oportunamente  falei com ele ao telefone e lhe apresentei, em privado,  as minhas desculpas, em meu nome e em nome do blogue.

Apresentadas agora as minhas desculpas,  públicas,  ao Mário Fitas, resta eventualmente ao autor da recensão clarificar ou esclarecer, também publicamente, se assim o entender, aqui, neste espaço, o sentido da(s) polémica(s) frase(s) que é acusado de ter escrito, violando - segundo alguns comentadores - o espírito e a letra das nossas regras do jogo, ou no mínimo - segundo outros - tendo sido menos feliz e menos elegante na formulação da(s) crítica(s) que fez ao autor de Pami Na Dono, um livro que de resto o nosso blogue se orgulhou de publicar, em versão eletrónica, em dez partes, e que, além disso, já tem honras de Wikipédia.

Muito sinceramente, fiquei muito incomodado e sobretudo triste com esta querela, ao ponto de pensar, contrariamente aos demais editores e colaboradores permanentes,  que não é boa política publicarmos neste blogue recensões de livros da autoria de camaradas que pertençam, formalmente, à nossa Tabanca Grande.  (É bom lembrar que estamos proibidos de fazer juízos de valor sobre o comportamento humano e operacional dos nossos camaradas, aplicando este termo - camarada - até ao nível de comandante operacional).


Ultrapassado mais este acidente de percurso na vida do nosso blogue (que é de todos e para todos), quero reafirmar o princípio de aqui, tal como nas situações de combate em que corremos riscos no TO da Guiné,  somos todos iguais e só podemos ser todos iguais... Daí o título de camaradas e o tratamento por tu... Noutros espaços, públicos, desempenharemos outros papeis, de maior ou menor projeção societal, mas que para aqui não são chamados... 

Aqui, temos que continuar a "lavrar a bolanha" das nossas memórias (e afetos), que é para isso que o blogue foi feito...... Às vezes esquecemo-nos do essencial: não somos um tribuna, muito menos um tribunal... Somos apenas um blogue de memórias e de afetos... Onde todos/as podem contribuir com pequenas/grandes coisas: histórias/estórias, fotos, cartas, aerogramas, diários, notas de agenda, relatórios, documentos de época, livros, notas de leitura, etc... E em que todos  somos escritores, batizados pelo "sangue, suor e lágrimas" vertidos naquela terra verde e vermelha que se chama(va) Guiné...

Um bom resto de dia a todos, na semana em que o nosso blogue atingiu a simpática cifra dos 3 milhões de visitas... E que os bons irãs protejam a nossa Tabanca Grande. (LG)

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Notas do editor:


(...) Queridos amigos, devíamos obrigar Mário Vicente (ou Mário Fitas ou Mário Ralheta) a remexer toda a sua novela, de indiscutível interesse e originalidade. Ele presta uma eloquente homenagem à CCAÇ 763 através de uma guerrilheira, a região de Cufar experimenta a agressividade operacional e também a resposta dos guerrilheiros. O autor intenta pôr nos olhos dos outros a interpretação da nossa realidade. A trama novelística tem pés para andar, carece de uma intensa revisão, quem tem aquela experiência, que é bem patente, bem pode desenvolver o que importa ser desenvolvido e despojar o texto da história da Guiné quando ela é postiça e deslocada. (...)

 (...) Mário Vicente interessou-se pelo outro e recorreu ao que sabia e que experimentou. Na primeira oportunidade que se ponha a reedição de “Pami Na Dondo” deverá rever cuidadosamente o texto, polvilhado de agruras e dislates gramaticais. O texto merece e “Pami Na Dondo” agradece. (...)


(**) Último poste da série > 13 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9036: (Ex)citações (155): Em louvor de Mário Fitas e da sua Pami Na Dondo: Deus é apenas um horizonte nos nossos esforços a caminho da perfeição (José Brás)

Guiné 63/74 – P9045: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (39): O 1º Cabo Cond Auto/ Rádio VELEZ

1. O nosso Camarada José Eduardo Oliveira - JERO -, (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), enviou-nos a seguinte mensagem:


1.º Cabo Cond auto/Rádio VELEZ - A modéstia em pessoa



A CCaç 675 continua a honrar os seus mortos.

Mais uma vez acompanhei o ex-Alferes Belmiro Tavares na honrosa e digna missão de recordar os nossos mortos, com a colocação de uma lápide na sua última morada.

Já são quarenta os nossos mortos!... Na Guiné tivemos 3 baixas. Regressámos em Maio de 1966 e desde então até aos nossos dias já nos deixaram mais 37 camaradas.

Na missa que mandamos celebrar nos dias dos nossos convívios, que têm lugar habitualmente no 2º domingo,  de Maio desde 1967 até aos dias de hoje, recordamos sempre os nossos mortos. Quando a já longa lista é lida em voz alta pelo Belmiro Tavares cada nome é saudado com o grito de “presente”.

Francisco Diogo Velez, que faleceu em 23 de Março de 2010, foi um dos nomes referido em passado recente.

Acompanhado de um seu familiar – José Godinho, seu sobrinho por afinidade - fomos visitar a sua campa no cemitério Municipal Vale Flores, em Feijó.

 “Presente”. Velez. 1º Cabo Cond/Auto/ 2458/63 da CCaç 675.

... Dr. Francisco Diogo Velez, da Central de Cervejas, completou seu sobrinho José Godinho.

O Belmiro olhou para mim e eu olhei para o Belmiro. No Outono deste 2011 estava-nos reservada uma surpresa. Das grandes. 

Dos nossos tempos da Guiné recordava o Velez como um militar disciplinado, cumpridor, bom no que fazia mas sem dar especialmente nas vistas. Era um bom militar como era apanágio da maioria dos militares da Companhia do Capitão Tomé Pinto. O Velez só se transfigurava e dava nas vistas quando jogava futebol. Era o nosso melhor jogador. Simplesmente o melhor.


Em termos pessoais recordava-o como parceiro de uma cena meia caricata, de que não me orgulhava particularmente mas que tinha efectivamente acontecido. Constava até do nosso “Diário”.

«…na noite de 13 de Setembro de 1964 tivemos a surpresa de um ataque ao quartel, em Binta. Estávamos – vários furriéis e sargentos - numa sala que tinha duas saídas. Uma para o lado donde vinham os tiros e outra pró outro lado. O lado bom… dava para a sala dos telegrafistas. Arrombámos a porta e passámos pelos telegrafistas como uma manada de búfalos a fugir de leões. Eu fui um dos “heróis” que atropelou o Velez na minha corrida desenfreada “pró lado bom”.Nunca mais esqueci a sua cara de espanto…».

Saímos do cemitério do Feijó e visitámos a casa do [sobrinho] do Velez. E soubemos tantos anos depois o que tinha sido a vida pessoal e profissional do nosso Velez, da Guiné.

Já na casa de José Godinho vimos uma sala preenchida com troféus e fotografias do “Chico” Velez, como os seus familiares mais próximos o tratavam.

Nasceu em 1942 em Benavila, concelho de Aviz, distrito de Portalegre. Alentejano de um meio rural, filho de uma família de camponeses, muito humilde, teve a companhia de mais 4 irmãos. Fez a 4ª Classe, jogava a bola e foi aprendiz de sapateiro, com um seu tio. Viveu na sua terra natal até aos 20 anos. Chegou o tempo da vida militar, e foi mobilizado para a Guiné, onde o viemos a conhecer.

Depois do regresso em Maio de 1966 – soubemos pelo seu sobrinho José Godinho – que ingressou pouco tempo depois na Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, em Vialonga, onde veio a trabalhar toda a vida.

Foi servente e depois ajudante de motorista. Tirou a carta de condução profissional e foi promovido a condutor. Por volta dos 40 anos resolveu estudar. Estudou à noite e em dois anos fez o liceu. Ingressou depois na Faculdade de Economia, em Lisboa, e em 5 anos conseguiu terminar o seu curso. Na sua empresa reconheceram-lhe os méritos e o seu esforço para se valorizar e quando já andava no 2º ou 3º  ano da Universidade ingressou nos escritórios da Empresa, como tesoureiro. Quando terminou a sua licenciatura passou ao Departamento de Finanças e nos últimos anos da sua vida foi Director Financeiro da Central de Cervejas.

Nos convívios da CCaç 675 o Dr. Velez nunca contou nada da sua vida e sempre se manteve discreto e sem alardes ou jactâncias da sua meteórica subida na vida profissional. Sabíamos que trabalhava da Central de Cervejas mas pouco mais.

Manteve-se solteiro e sempre próximo dos seus familiares. Comprou uma casa com 9 assoalhadas, onde viveu grande parte da sua vida. Essa casa de 9 assoalhadas é em Lisboa, na Avenida Miguel Bombarda, nº 139.

 Na fase da sua doença, que lhe veio a causar a morte, esteve nos últimos meses de vida em casa do José Godinho e da sua sobrinha favorita, a Cita, em Fernão Ferro, na margem Sul. Já muito doente fez questão em fazer testamento e deixou as poupanças da sua vida aos seus familiares mais próximos.

O seu funeral foi uma sentida manifestação de pesar. De gente do futebol – jogou nas reservas do Benfica e do Sporting Clube de Portugal nos tempos em que Juca foi treinador do clube – e de gente do ténis de mesa. Nesta modalidade o “Chico” Velez foi durante alguns anos campeão nacional de veteranos pelo Clube Desportivo do Millennium BCP. Sem nunca ter sido bancário.

Nunca contou aos seus camaradas da “675” os problemas de saúde que marcaram duramente um ano da sua vida. O último. E só mais tarde soubemos que já não estava entre nós.


A surpresa estava para acontecer quase um ano e meio depois da sua morte. O 1º Cabo Velez da “675” morreu “Dr”. Doutor em economia mas principalmente em simplicidade. Sem ostentação de títulos nem vaidades.

Francisco Diogo Velez foi a modéstia em pessoa. Cultivou em vida valores que vão para além da morte. Merece o nosso apreço. A nossa homenagem póstuma.

Em termos pessoais começo hoje a pagar-lhe uma dívida de gratidão.Com a expressão da minha saudade. Da nossa saudade.

Um Alfa-Bravo dos teus camaradas da Guiné.
JERO
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

9 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8653: Histórias do Jero (38): O Sétima Dia (José Eduardo Oliveira)


Guiné 63/74 - P9044: Parabéns a você (339): Orlando Pinela, ex-1.º Cabo da CART 1614 (Cabedú, 1966/68) e Pacífico dos Reis, Coronel de Cavalaria (R), ex-Capitão, CMDT da CCAÇ 5


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Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70) para o seu Comandante, o ex-Capitão Pacífico dos Reis:


Parabéns, meu Comandante!


Conheci o Capitão de Cavalaria José Manuel Marques Pacifico dos Reis, num Domingo de Junho de 1968, quando se apresentou em Nova Lamego, a sempre GABU SAARA, com destino ao comando da Companhia de Caçadores n.º 5, que se encontrava dispersa por vários destacamentos – Nova Lamego (sede), Canjadude, Cheche e Cabuca – vindo a reunir-se, posteriormente em Canjadude em 14 de Julho de 1969, mantendo pelotões em Cabuca e Nova Lamego. O Destacamento de Canjadude, foi reforçado com a Formação e três Grupos de Combate da Companhia de Artilharia n.º 2338, sendo o Capitão Pacifico dos Reis o Comandante Militar de Canjadude.


Com a reunificação da Companhia, adquire-se uma nova identidade da mesma. É possível criar um “Espírito de Corpo” que é reforçado pela “criação de alguns símbolos”, físicos ou sonoros: É o celebérrimo grito de GATO PRETO AGARRA À MÃO. É o ex-líbris da Unidade, o emblema, que realça o GATO PRETO sobre as armas da Província da Guiné; as Flâmulas dos diversos Pelotões e formação, e o lenço preto, usado com orgulho por todos os militares, fossem africanos ou europeus. Enfim, depois de muitos anos, contando os anos em que se denominou 3.ª Companhia de Caçadores Indígenas, em que a Unidade de militares africanos guarnecem inúmeras localidades no leste da Guiné, reunificou-se e fez história “desde o Gabu ao Boé”.


O que é que os retratados – Grupo de Comando Dragão – dariam para, neste dia, poderem dar um abraço no “seu Capitão Faca de Mato”? Este grupo é mais uma “imagem de marca” dos Gatos Pretos, que se manteve até à extinção da Unidade em 20 de Agosto de 1974.


Sem desprimor para todos os Capitães que estiveram no comando da Companhia de Caçadores n.º 5, tendo sido eu próprio comandado por quatro, dos sete que a Unidade teve entre Abril de 1967 até Agosto de 1974, que conheço pessoalmente, dos quais além de camaradas de armas e dos quais me considero amigo, tenho de reconhecer, também, que além do militar, tenho no meu “Capitão” Coronel Pacifico dos Reis, não só o amigo como o conselheiro.


Sabendo que o “nosso capitão” tem especial carinho por São Jorge, que foi Patrono da Cavalaria Portuguesa, é a este santo que recorremos para, hoje e sempre, e por muito anos, nos proteja neste combate que, nestes tempos que correm, bem precisamos.

Os nossos desejos são, na medida em que a “geografia” o permita, o dia seja passado com a família e os amigos íntimos, porque aqui na Tabanca Grande há sempre um enorme abraço para todos aqueles que se sentam à sombra do poilão.

José Marcelino Martins
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9040: Parabéns a você (338): César Dias, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) e Maria Arminda Santos, ex-Tenente Enfermeira Paraquedista (1961/1970)