TABANCA DE MATOSINHOS E CAMARADAS DA GUINÉ.
A TERTÚLIA DOS ANTIGOS COMBATENTES AMIGOS DA GUINÉ-BISSAU*
Em Maio de 2005, três combatentes da Guerra Colonial na Guiné, reuniram-se no restaurante Casa Teresa em Matosinhos para avaliar e festejar a sua recente viagem à Guiné-Bissau.
Ali mesmo, tomaram a decisão de manterem um encontro semanal, para no meio de umas sardinhas assadas continuarem a viver esta amizade nascida algumas semanas na sequência de uma viagem através da África subsaariana que os levou à Guiné.
Estavam longe de pensar que esta iniciativa iria tomar as dimensões que tomou e se prolonga no tempo em crescimento constante.
Pouco tempo depois, apareceu um combatente amigo, logo outro e outro. A tabanca foi tomando forma e conteúdo. Cada novo visitante trazia um amigo na semana seguinte. Sentíamo-nos bem ali. Éramos apenas ex-combatentes que procuravam um meio de comunicarem entre si, desabafar aquilo que nos ia na alma, o sofrimento que a guerra provocou em cada um de nós e nos marcou para toda a vida. Que andava cá dentro como que embrulhado e armazenado no “gavetão” mais profundo da mente. Precisava de sair, de ser compreendido. Fenómeno que eu desconhecia até então, mas que hoje face à vitalidade da tabanca verifico que era e ainda é uma realidade.
Ao fim de alguns anos, tivemos de mudar de casa, por falta de espaço na Casa Teresa, para nos acolher. Optou-se pelo Restaurante Milho Rei, pela forma como somos acolhidos, pela qualidade na alimentação e pelo espaço que à 4ª Feira é privativo para a Tabanca de Matosinhos.
Actualmente, cerca de trinta e cinco combatentes, em média, marca encontro semanalmente no Restaurante. Mas não são sempre os mesmos. A crise chegou a todos os bolsos. Porém, todas as semanas há uma ou outra cara nova que chega e conta a sua história e volta, quantas vezes trazendo mais um amigo.
Cada um que chega tem sempre algo para contar da “sua” guerra, a acrescentar à história que ficara da semana anterior. Quantos de nós se identificam com o lugar ou com as cenas contadas e recontadas com sentida emoção.
Do contar das “nossas” histórias de guerra ao firmar de uma amizade ia um pequeno passo. Amizades que se têm solidificado ao longo do tempo. O companheirismo e a fraternidade são, hoje, na tabanca de Matosinhos um fenómeno que alguém ligado à sociologia já classificou como um “caso a estudar”.
Vinham e continuam a vir do grande Porto, do Norte, do Centro e do Sul. Da Madeira, dos Açores, da França ou da Suiça.
Por vezes acontece uma enchente, como na semana passada em que mais de trinta combatentes da C. Caç 2404, mobilizados pelo tertuliano madeirense João Diogo Cardoso apareceram e encheram como nunca aquela casa, a nossa casa. Setenta e cinco combatentes conviveram ruidosa e alegremente. Reviveram momentos felizes e menos felizes da sua guerra, contaram as suas histórias, comeram e beberam. Depois partiram para suas casas. Uma tarde memorável.
Um excelente trabalho do Diogo ao mobilizar os seus camaradas de guerra para se juntarem na Tabanca de Matosinhos tendo ele e alguns camaradas vindo desde a Madeira de propósito para conviver com esta SUA família.
Até o Régulo de Mampatá e Medas se mostrou satisfeito. Ele, que tem andado afastado destas lides da Tabanca.
ESTES ENCONTROS SEMANAIS QUE DESDE 2005 SE REALIZAM TÊM DADO OS SEUS FRUTOS
Para além das amizades surgidas, as quais são um bálsamo inebriante para muitos de nós que se aproximam da velhice, num tempo em que a velhice deixou de ser um posto e pode ser, já, um possível pesadelo. Para além da partilha das aventuras e desventuras do tempo da guerra e da consequente “quebra do luto” que muitos ainda não tinham feito, surgiu naturalmente uma forma nova de olhar para a Guiné-Bissau, como um país independente. Um Povo que não nos deixa ficar indiferentes, pela forma que nos acolheu dentro do teatro de guerra. Quantos de nós deixaram acender em si a chama da saudade. Quantos de nós já lá voltamos.
Daqui nasceu a Associação Tabanca Pequena – Grupo de Amigos da Guiné-Bissau - ONGD, com objectivos bem concretos de apoio ao desenvolvimento dos povos da Guiné-Bissau.
Convido os leitores a visitarem o Site: http://www.tabancapequena.com/:
Um sonho que anima todos os participantes na Tertúlia da Tabanca de Matosinhos.
Raro é o visitante que não fica ligado à Associação como Associado.
Todos os convivas deixam voluntariamente e solidariamente uma pequena ajuda que está englobada no preço que se cobra pela refeição.
Creio que desta forma solidária para com o povo da Guiné-Bissau estamos a transmitir-lhe o afecto que nos une a eles. Estamos a dizer-lhe que afinal valeu de algum modo a pena termos sido empurrados para uma guerra que na grande maioria, senão totalmente, não queríamos fazer, pelas marcas positivas que nos deixaram e que estão a vir ao de cima na nossa mente.
O que afirmo atrás baseia-se no conhecimento de causa apreendido nestes seis anos de vida da Tabanca de Matosinhos.
Bem hajam todos quantos têm passado por cá. A porta continua aberta e estará sempre aberta até que o último combatente a feche, o que esperamos seja daqui a muitos anos.
Notas de CV:
(*) Reprodução do P610 da página da Tabanca de Matosinhos publicado em 4 de Fevereiro de 2012 de autoria do nosso camarada José Teixeira
Vd. último poste da série de 7 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9325: Ser solidário (119): Anabela Pires: A caminho de Iemberém como voluntária da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento (JERO)