1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 9 de Setembro de 2012:
Meus amigos,
Após aturadas e quase sempre frustrantes buscas nas livrarias e na Internet à procura de obras, artigos ou simples referências sobre a guerra civil na Guiné-Bissau, deparei com esta dissertação de mestrado, intitulada
“O Conflito Político-militar na Guiné-Bissau (1998-1999)”, que Guilherme Jorge Rodrigues Zeverino publicou através do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD).
A obra tem alguns méritos, mas, como não há bela sem senão, também tem defeitos e registam-se algumas omissões importantes. No fundo, estamos sempre à espera de mais, em particular atendendo a que no caso em apreço se trata de um trabalho de investigação universitário.
Efectuei uma análise crítica dividida em duas partes de que remeto a primeira.
Com os meus cumprimentos cordiais e amigos
Francisco Henriques da Silva
(ex-alf. mil. de infantaria
CCAÇ 2402)
O conflito político-militar na Guiné-Bissau (1/2)
As dissertações académicas – teses de licenciatura, de mestrado ou de doutoramento - não sendo propriamente obras de divulgação e não estando, em regra, acessíveis ao grande público, possuem, via de regra, uma relevante mais-valia em relação às obras do chamado circuito comercial, porquanto se trata do resultado de uma investigação exaustiva, de uma abordagem científica e rigorosa de certos temas, da respectiva análise especializada e, bem entendido, das propostas apresentadas. Tudo depende, obviamente, do produto final. No fundo, as dissertações permitem que outros, alicerçados e confortados com a seriedade do trabalho feito, possam, em momento posterior, difundir de uma forma aberta os pontos de vista expressos ou então contrariar fundamentadamente os resultados aduzidos.
Sob o título algo ambíguo
“O Conflito Político-militar na Guiné-Bissau (1998-1999)”, Guilherme Jorge Rodrigues Zeverino publicou no Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), Lisboa, 2005, a sua dissertação de mestrado em Gestão do Desenvolvimento e Cooperação Internacional, apresentada anteriormente, ou seja em Outubro de 2003. Mencionámos que se tratava de um título algo ambíguo, não porque seja enganoso, antes pelo contrário, mas, a nosso ver, não reflecte totalmente a realidade crua e dura que foi uma guerra civil e que carece de adjectivação adicional, apesar de ter sido uma confrontação dita de baixa intensidade. Cremos que o autor, por uma questão de prudência e para evitar eventuais controvérsias, sobretudo a nível universitário – uma vez que a poeira ainda não assentou completamente -, terá preferido a expressão conflito político-militar, que, aliás, utiliza sempre, nesta formulação, ou, mais abreviadamente, o “conflito”. Eu também a emprego, muito embora a considere, como disse, de certo modo redutora. São opções. Respeito-as.
No seu trabalho, Guilherme Zeverino define “hipóteses no âmbito político, económico e social, nomeadamente:
• No âmbito político
- a instauração do regime multipartidário na Guiné-Bissau não contribuiu para a resolução dos conflitos internos no seio do partido no poder, antes pelo contrário, criou as condições para a sua exacerbação;
- No entanto, a instauração do regime multipartidário deu lugar a um reforço da sociedade civil;
- A interdependência entre a crise interna do PAIGC e a crise nas Forças Armadas constitui-se como uma das causas principais do conflito 1998-1999;
- A rivalidade cultural manifestada pelas políticas de cooperação seguidas por Portugal e pela França explicam em grande medida os diferentes posicionamentos que estes países adoptaram durante o conflito, simpatizando e apoiando naturalmente lados opostos.
• No âmbito económico
- A aproximação da Guiné-Bissau à França e à Francofonia mais especificamente com a adesão ao franco CFA (Comunidade Financeira Africana), em Maio de 1997, teve um impacto negativo a nível económico, porque não foi acompanhada de medidas macro-económicas capazes de sustentar o desenvolvimento, criando condições para o aumento da pressão externa, nomeadamente dos Estados francófonos.
• No âmbito social
- A intervenção de tropas estrangeiras (Senegal e Guiné-Conakry) com apoio francês ao lado do Presidente da Guiné-Bissau, e contra a auto-intitulada Junta Militar provocou a adesão em massa da população guineense aos militares revoltosos, associando desta forma a defesa da soberania da Guiné-Bissau ao descontentamento geral relativamente ao estado de sub-desenvolvimento do país.” (pp. 18 e 19).
Todas estas hipóteses de trabalho têm de ser sopesadas. Em nosso entender , algumas constituem pistas seguras ou chaves para a compreensão da guerra civil bissau-guineense, outras, muito embora não atinjam tal desiderato, em nosso entender, não devem ser totalmente descartadas, pois contém elementos de ponderação válidos. Por outro lado, detectam-se omissões no que às causas respeitam. Mas já lá iremos.
Para além de uma introdução, na qual se incluem as hipóteses a desenvolver acima transcritas, o autor inicia a obra traçando uma panorâmica histórica recente da Guiné-Bissau colocando o acento tónico na conflitualidade, desde a luta de libertação nacional à actualidade, o que acaba por ser uma constante da vida colectiva da Guiné-Bissau – e, por maioria de razão, nos dias que correm.
Concentra-se em seguida nas causas internas e externas do conflito político-militar para passar à questão de Casamansa (ou seja, a causa próxima da guerra), ao início da conflagração propriamente dita, à mediação internacional e ao fim do regime de “Nino” Vieira. Dedica um capítulo inteiro ao processo eleitoral e ao restabelecimento da legalidade democrática (serão as consequências mais imediatas e visíveis do conflito; resta saber se estamos perante um restabelecimento genuíno e duradouro da “legalidade democrática” e estamos em crer que não, como os factos supervenientes parecem ter amplamente demonstrado). Termina com um capítulo final (conclusão) em que dá por demonstradas as hipóteses de trabalho anunciadas no início da obra. Neste particular é de salientar, como sublinha, a justo título, Guilherme Zeverino, “que o Estado de Direito e as instituições democráticas na Guiné-Bissau, embora existam formalmente, funcionam com dificuldade e estão em ameaça constante, quer das Forças Armadas quer dos movimentos políticos” (p. 131). E um pouco mais adiante, remata : “podemos considerar a Guiné-Bissau como um país “frágil”, onde os conflitos militares e político-sociais são uma constante, dilacerando e destruindo a estrutura da sociedade guineense” (p. 133). A linguagem é quase eufemística e peca por timidez. Podíamos, sem dúvida, ir um pouco mais longe. Mas respeitamos a posição do autor.
(continua)
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 18 de Setembro de 2012 >
Guiné 63/74 - P10398: Notas de leitura (405): "Les Héros de la Guinée-Bissau: La Fin D'Une Légende", de Lourenço da Silva (2) (Francisco Henriques da Silva)