quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13677: Inquérito online: Sim, fomos o exército do desenrascanço (António Pimentel, ex-alf mil rec info, CCS/BCAÇ 2851, Mansabá e Galomaro (1968/70)

1. Resposta do António Pimentel, grã-tabanqueiro da primeira hora, ao desafio lançado, em 29 de setembro,  pelos nossos editores: "Sem querer abusar da vossa paciência... 'Desenrasço' no TO da Guiné... é mesmo qualidade ? Ou é treta ?"


[António Pimentel, natural da Figueira da Foz, a viver no Porto; ex-alf mil rec info, CCS/BCAÇ 2851, Mansabá e Galomaro, 1968/70; foto de L.G., tirada no Palace Hotel Monte Real, em 8 de junho de 2013, por ocasião do VIII Encontro Nacional da Tabanca Grande]


Data: 30 de Setembro de 2014 às 16:28

Assunto: Sondagem: Fomos o exército do desenrascanço ?


Olá, Luís,

Eu acho que quase toda a nossa atividade militar durante a guerra colonial, não passava de uma série de desenrascanços (*).

A minha experiência é disso exemplo.

Como aspofmil [aspirante a oficial miliciano,], com a especialidade de reconhecimento e informações, e colocado no RI 6, no Porto, fui, em Dezembro de 1967, simultaneamente mobilizado para ir para a Guiné e convocado para seguir para Lamego para,  no CIOE, fazer o curso de Ranger.

Logo aqui se nota uma gritante falta de planeamento, já que atendendo à gritante falta de oficiais subalternos, me pareceu um desperdício fazer dois cursos em vez de um.

Além disso, sendo o teatro de operações em terras de África, não me pareceu ajustado fazer o dito curso em clima extremamente frio, como foi esse 1º trimestre de 1968.

Mas acabado o curso o que fui eu fazer?

Pois mandaram-me de volta para o RI 6 para dar instrução de reconhecimento a praças.

Mas eu não estava já mobilizado? Claro que estava, e o meu batalhão, que eu não sabia qual era, deveria estar em formação e instrução em qualquer sítio...

E eu a dar instrução a uma dúzia de rapazes que nunca mais vi, nem me lembro já quem eram. Isto a decorrer, até que recebo ordens para me juntar ao meu Batalhão, o BCAÇ 2851, no RI 1, na Amadora, pouquíssimos dias antes do embarque no T/T Uíge rumo à Guiné!

Chegados a Bissau, já bem de noite, fomos descarregados, é o termo, para um sítio ermo, e sem quaisquer condições, com o clima que bem conhecemos e a companhia de incontáveis mosquitos que nos deram as boas vindas. E assim passámos a primeira noite na Guiné, ao relento e em "boa" companhia. Creio que não é possível aceitar que esta ação de desembarque de tropas tivesse merecido qualquer planeamento. Seria mais lógico deixarem-nos passar a noite a bordo para sairmos de manhã cedo, por exemplo. O responsável por tal devia estar muito bem instalado em Bissau..

A meio da manhã, apareceu a escolta que nos iria levar ao nosso destino, Mansabá. Como eu era o alferes mais classificado, tinha a meu cargo o comando da companhia. Por isso procurei inteirar-me, minimamente, do que nos esperava. Fiquei impressionado, já Mansabá vinha a ser atacada todos os dias e os ataques às colunas eram frequentes, para além das minas, claro.

Então o alf Poças, da CCav 1749, disse-me ainda que não havia armas para nós. Depois as receberíamos em Mansabá... Eu pensei cá para comigo: "Então um gajo vem prá guerra e nem armas tem" ?...


A espingarda automática G3, a quem muitos militares no TO da Guiné chamavam "a minha namorada", por ser também uma arma muitop fiável.


Como já disse, fomos descarregados para um sítio ermo, mas para além de nós, géneros de todo o tipo, vinho, etc., e uns caixotes de dimensões consideráveis que me chamaram à atenção... Como já sabia que não havia armas para ninguém, a minha curiosidade adensou-se, e não demorei muito a abrir um deles, belos, de madeira muito branquinha, caixotes, que não traziam nada que desse para identificar o conteúdo, mas eu estava cá com um "feeling" ...

E não é que acertei?! Ali estavam elas, novas, reluzentes, ainda que desmontadas, as nossas queridas G3...

Mas quem passou pelos Rangers sabe que montar G3, até debaixo de água, se fosse preciso... Quem quis serviu-se... Por estranho que pareça, e a mim ainda hoje me parece muito estranho, as armas estavam sem qualquer vigilância

Munições não faltavam na coluna, claro...

Este foi o meu primeiro desenrascanço na Guiné.

Passados meses apareceu um pedido, muito tímido, a saber se alguém tinha dessas armas. Eu entreguei a minha, sem quaisquer  problema ou consequência, e não estou nada, nada arrependido!

 Felizmente a coluna deslocou-se sem incidentes de maior até Mansabá com passagem por Mansoa. Mas já depois de chegados a Mansabá,  tivemos as "boas-vindas" e a "festa" repetiu-se por quase todos esses dias de 1968!
Um abraço

António Pimentel

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 28 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13659: Sondagem: "Desenrascanço é uma qualidade nossa. Na Guiné demos boas provas disso"... Falso ou verdadeiro ? Totalmente falso ou totalmente verdadeiro ?


quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13676: Os nossos camaradas guineenses (38): Reportagem, com vídeo, da revista "Sabado", e tese de doutoramento sobre os comandos africanos, de Fátima da Cruz Rodrigues (Coimbra, UC, 2012) (Virgínio Briote)


Lisboa >  Museu Militar >  15 de Abril de 2010 > Lançamento do livro do Amadú Bailo Djaló,  membro da nossa Tabanca Grande, "Comando, Guineense, Português" (Lisboa: Associação dos Comandos, 2010, 229 pp., 150 fotos, preço de capa: 25 €). É pena que não tenha saído o 2º volume, com as aventuras e desvanturas do autor, a seguir à independência do seu pais. Vive hoje em Portugal, na Amadora. Acabou a sua carreira militar como alf comando graduado, na CCAÇ 21, comandada pelo cap cmd grad JDamanca, um dos primeiros camaradas guineenses a ser fuzilado pelo PAIGC.

Foto: © Luis Graça (2010). Todos os direitos reservados

1. Mensagem do nosso querido amigo e camarada, editor jubilado, Virgínio Briote [, entrou para o blogue como coeditor em 11/7/2007; ex-alf mil comando, Brá, 1965/67]:


Data: 26 de Setembro de 2014 às 12:38

Assunto: Estudo sobre os comandos Africanos

Caros Luís e Carlos,

Para v/ conhecimento, com um abraço do VBriote (*)


2. De Wouter De Broeck {, jornalista,] para Virgínio Briote:

Enviada: 15 de julho de 2014 12:07

Assunto: estudo sobre os comandos Africanos

Caro Sr, Virgínio Briote,

Quero agradecer novamente a entrevista de há duas semanas. Foi muito útil para poder perceber o contexto que se vivia naquela altura.

Entretanto estou a trabalhar na matéria e lembre-me do estudo da socióloga da Universidade do Minho de que falou. Pode dar-me o nome dela, de maneira a que possa ir à procura do trabalho dela?

Muito obrigado,

com os melhores cumprimentos,

Wouter De Broeck  


Lisboa > Museu Militar > Sessão de lançamento de Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 14º Volume – Comandos, Tomo 1 – Grupos Iniciais, 1ª ed., Lisboa, 2009 > 10 de Março de 2009 > Velhos Comandos de Brá : ex-furr mil João Parreira, ex-alf mil Virgínio Briote e coroneis Amadeu Neves da Silva e Vitor Caldeira. 

Cortesia do  fotógrafo Raimundo, ex-1º Cabo do Destacamento Foto-cine, do QG, e ex-combatente na Op Tridente (jan/mar 1964).

3. De Virgínio Briote para Wouter De Broeck

Enviada: 15 de julho de 2014 22:20

Assunto: Estudo sobre os comandos Africanos

Boa noite, Caro Wouter

A investigadora é a Doutora Fátima Rodrigues [...] (**)

Não falei com a Fátima sobre este assunto mas se ela lhe perguntar quem lhe deu o email pode dizer que fui eu. De qualquer dea formas, amanhã vou tentar contactá-la.

Obrigado pela visita.


4. Mensagem de Virgínio Briote para Wouter De Broeck

2014-07-16 12:31 GMT+02:00 

Bom dia

Acabo de falar com a Doutora Fátima Rodrigues que manifestou ter todo o gosto de falar consigo sobre a questão dos comandos africanos.

Cumprimentos do V Briote


5. De Wouter De Broeck  [, jornalista], para virgínio Briote:

Enviada: 26 de setembro de 2014 10:42

Assunto: Estudo sobre os comandos Africanos

Caro Virgínio,

Conseguimos publicar a nossa reportagem na revista Sábado. Está na edição que saiu ontem. Através deste link pode ver o vídeo que fizemos

 [Vídeo 4' 36''. "A vida do lado errado da história"; entrevistados: Amadi«u Bailo Djaló, Juldé Jakité, Sadjo Camará, Virgínio Briote].

De qualquer forma queria agradecer lhe outra vez a sua disponibilidade para e entrevista e as fotos - das quais usamos algumas no vídeo. Foi muito importante para poder perceber a história dos comandos africanos.

Um abraço,

Wouter


Leiria > Monte Real > Ortigosa > Quinta do Paul > IV Encontro Nacional da Tabanca Grande > 20 de Junho de 2009 > Em primeiro plano, o Virgínio Briote e o Amadu Djaló, um e outro muito acarinhados por todos. Não sei o que é o que Virgínio, um homem sábio, europeu, estava a pensar, mas possivelmente estava a organizar a sua resposta à questão, pertinente, levantada pelo Amadau, outro homem sábio, africano: "Os portugueses, a alguns povos, deram-lhes novos nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisávamos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos"...


Foto (e legenda): © Luis Graça (2010). Todos os direitos reservados


6. Recorte de imprensa > Sábado, 26 de setembro de 2014

Sociedade > O que aconteceu aos comandos portugueses de origem guineense?

26-09-2014

A 24 de Setembro de 1973 a Guiné autoproclamou a sua independência e meses depois deu-se o 25 de Abril e o império colonial desmoronou-se. O que aconteceu aos comandos portugueses de origem guineense?

Por Wouter De Broeck

Amadú Bailo Djaló, hoje com 75 anos [, autor do livro de memórias "Guineense, comando, português", Lisboa, Associação de Comandos, 210,] teria preferido abrir uma barraquinha no mercado de Bafatá, a sua cidade natal, a ter-se tornado comando. Como cidadão português, era obrigado a prestar serviço militar. O pai ainda falou com o chefe da administração local, mas não escapou. Contra vontade, Amadú tornou-se soldado-condutor com a função de fornecer água às tropas. Pensou que ia ser uma passagem tranquila pela tropa, pois no início de 1962 o PAIGC apenas lançava ataques esporádicos. 

“Certo dia, um prisioneiro deu-me uma carta para entregar ao tio. Mas primeiro mostrei-a ao meu superior, que me disse que não podia aceitar nada dos prisioneiros. Como castigo, conduzi o jipe carregado com sacos de areia e segui 100 metros à frente da coluna, a fazer de rebenta-minas.”

De túnica branca e gorro verde na cabeça, as mãos sobre os joelhos, Amadú fala em frases curtas, como se lhe faltasse a respiração. Talvez seja o medo que volta a sentir, a fibrose pulmonar que o tem afligido ou o pequeno quarto abafado que aluga numa cave na Amadora. 

“Passado pouco tempo já não aguentava. Ofereci-me para o primeiro grupo de comandos. Só quando estava metido naquilo, é que percebi. Todas as noites havia saídas em missão, assaltos aos acampamentos do inimigo. Lamentei a minha decisão, mas já não tinha saída.”

Amadú integrou o grupo de comandos, que recebeu formação em Brá a partir de Junho de 1964. Dois anos antes, em Angola, o exército português já tinha recorrido a pequenas unidades de tropas de elite, inspiradas nos comandos franceses e belgas. As unidades espalharam -se pelas colónias, com um papel fundamental na guerra da Guiné.

“Nunca matei ninguém”

Sadjo Camará diz ter 74 anos, mas também podem ser 76. 

“Obrigaram-me a mudar a idade quando fui para a tropa. Devia ter uns 17 anos, nunca tinha ido à escola, vivíamos da agricultura. O serviço militar era obrigatório. Quem não fosse, ficava com a PIDE à perna.”

Sadjo coloca a boina vermelha de comando, quatro condecorações balançam sobre o bolso do seu casaco, o olhar cansado mal se move quando nos conta num suave tom cantado: 

“No dia em que entrei para o quartel o meu pai deu-me uma ordem: ‘Não mates ninguém. No campo de batalha, numa emboscada não tens culpa, mas nunca mates ninguém cara a cara. Não entres em igrejas dos muçulmanos nem lhes deites fogo, deixa em paz as mulheres e as crianças. Se fizeres o que te digo, vais viver muitos anos.’ E cumpri as ordens. Nunca matei ninguém, nunca bati em ninguém.”

Pode ler a reportagem na íntegra, na revista Sábado que está na banca a partir de 25 de Setembro. Veja aqui o vídeo.

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 15 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12588: Os nossos camaradas guineenses (37): Os milícias e outras tropas auxiliares: as estatísticas dos tombados (José Martins / António J. Pereira da Costa / Jorge Picado)

(**) Tese de doutoramento: Fátima da Cruz Rodrigues - Antigos Combatentes Africanos das Forças Armadas Portuguesas: a Guerra Colonial como Território de (Re)conciliação. Tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra para obtenção do grau de Doutor. Coimbra: FEUC - Faculdade de Economia.UC - Universidade de Coimbra. 2012, 349 pp.








Guiné 63/74 - P13675: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (16): Um soldado de Artilharia na fronteira sul

1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires (ex-Alf Mil Art.ª, CMDT do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72), com data de 26 de Setembro de 2014:

Bom dia Carlos,
Cordiais saudações.
Do velho e já desgastado baú, sempre algo pode surgir...

Lembro o já distante ano de 70, quando em meados do ano rumei a Gadamael, para assumir o Comando do 23.° PelArt, e por lá fiquei na maior parte da minha comissão de serviço.

A situação operacional de Gadamael, já foi descrita pelo Camarada Manuel Vaz na sua magistral "Uma visão alargada do ataque a Gadamael". Também, o Exmo. Sr. Coronel de Artilharia Morais Silva, caracterizou a situação: "...A CCaç 2796 foi fustigada de forma brutal nos seus primeiros passos em Gadamael numa primeira tentativa do PAIGC de, indirectamente, eliminar a posição de Guileje (o que veio a conseguir em 1973 por via directa). Sofreu baixas, incluindo o comandante da companhia (24Jan71)..." .

Gadamael - Espaldão de obus 10,5

Gadamael - Obus em acção de tiro
Fotos: © Humberto Nunes

O Pelotão era maioritariamente composto por soldados da incorporação local, somente o Comando, um Oficial e dois Sargentos vinham de Portugal, no sistema de rendição individual.
Os soldados (profissionais) eram operacionalmente eficientes, e sob aspecto disciplinar, só lembro um evento de relativa gravidade, quando um soldado na formação e revista diária do Pelotão, teve uma atitude (passiva) de insurbordinação.
Já falei antes da sorte que tive com os Furriéis, dedicados, eficientes e leais.

Coincidiu a minha chegada com a entrega das casas do reordenamento, sendo atribuida ao Pelotão, a última fileira de casas junto ao rio e aos obuses, conforme assinalado na foto.
Acredito que foi do Furriel Oliveira, a sugestão de também nós nos instalarmos na tabanca, e foi o que fizemos, na primeira casa junto aos obuses, aliás excelente sugestão, sob o ponto de vista operacional, como parece óbvio, se se olhar a foto.

Gadamael - Casas atribuídas ao Pel Art.ª
Foto: © Coronel Morais Silva

O Comando da Artilharia em Bissau (GAC 7), não permitia a saída do Pelotão sem sua prévia autorização, sendo portanto a atividade da Artilharia dentro do quartel, no "bem-bom" do arame farpado, segundo alguns.

Os quartéis da zona Sul, ficavam expostos a ataques de Artilharia, efetuados também além fronteira. As ordens do Comandante do Aquartelamento eram bem claras: "...Ao ... Pelotão sempre exigi, quando andava no mato, tempo de resposta que não podia exceder 1 minuto e perante uma "saída" das armas IN a resposta imediata de um obus fosse qual fosse, no momento, a direcção de vigilância..." - Ex-Capitão Art. Morais Silva.

Além da resposta a ataques IN, havia o apoio a tropas em movimento, e eventualmente atingir alvos determinados por alguma autoridade militar. ​Como somos poucos, e quase esquecidos, é sempre bom lembrar o papel da Artilharia na Guiné!!!

forte abraço
VP
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13623: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (15): Autorretrato de um soldado

Guiné 63/74 - P13674: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (10): Viagens pelo Norte de Espanha: Bilbau e o indispensável Museu Guggenheim

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Setembro de 2014:

Queridos amigos,
Foi como meter o Rossio na Betesga. Surpreendentemente, teve um final feliz. Aterra-se em Bilbau, no dia seguinte parte-se para Logroño, a capital de La Rioja, e no dia seguinte Burgos, mais adiante Léon, depois Monforte de Lemos e Vigo até ao Porto-Campanhã.
Não podia ter enchido mais as medidas com aquele pedacinho do Norte de Espanha, que inteiramente desconhecia. E confirma-se que por melhor que se prepare o indivíduo para compreender o outro, para amortecer as novas sensações, etc. e tal, há sempre um denominador que acaba por ganhar – a surpresa. É a surpresa, mas suas múltiplas formas de contemplação, a mola de arranque para a viagem bem sucedida. E para o gozo do viajante.

Um abraço do
Mário


Biblioteca em férias (10) 

Viagens pelo Norte de Espanha: Bilbau e o indispensável museu Guggenheim

Beja Santos

Admitia na minha cabeça que só se justificava ir a Bilbau para conhecer o colosso de titânio e vidro desenhado por Frank O. Gehry, o arquiteto genial que Pedro Santana Lopes, então à frente da autarquia de Lisboa, convidou para apresentar um novo figurino do Parque Mayer. Beneficiei da minha ignorância para ser surpreendido por uma Bilbau, capital económica do País Basco, dinâmica, aprazível, moderna, e com um espantoso equilíbrio entre o passado e o presente. Pensava que Bilbau fora profundamente afetada pela Guerra Civil. Talvez tenha sido, mas os edifícios significativos do século XIX, caso do Teatro Arriaga, lá estão para testemunhar o triunfo da burguesia bilbaína com as suas empresas siderúrgicas navais, a recordar que já houve o esplendor mineiro e a exportação de lãs e curtumes. Estava impaciente por conhecer com os meus olhos o Guggenheim, aterrei, apanhei o autocarro para a cidade, pus os pertences na hospedaria, ala que se faz tarde, nada de conhecer o metro de Norman Foster nem a ponte que saiu do traço de Santiago Calatrava. A suar estopinhas (36 graus e uma humidade guineense), lá fui cirandando pela esplanada junto ao rio Nervión, e com a língua encortiçada cheguei ao deslumbrante Guggenheim.


Caminhei para a entrada da arquitetura mais vanguardista que conheço, fui ver o menu, as exposições que me esperam: Richard Serra e uma exposição admirável de Georges Braque. Toca a descer a escadaria, de boca à banda, não conheço nada de tão audaz e para lá do tempo. Pelo caminho, escolhendo recatadas sombras, vou disparando para as imagens dos séculos futuros, digam lá se eu não tenho razão


Os reformados têm sorte, naquele dia podia-se entrar por 6,50€ e até às 20h. Mas pouco antes de ingressar no interior do templo de arte retive esta imagem de uma face da modernidade, ao princípio chocou-me a seguir cativou-me:


Qual Richard Serra qual Georges Braque, quais exposições temporárias, primeiro quero andar na vida airada, a confirmar o que se escreve no prospeto de boas-vindas: “O edifício está composto de uma série de volumes interconectados, uns de forma octogonal e recobertos de pedra e outros curvados e retorcidos, cobertos por uma pele metálica de titânio. Estes volumes combinam-se com paredes de vidro que dotam de transparência todo o edifício. Devido à sua complexidade matemática, as sinuosas curvas de pedra, vidro e titânio foram desenhadas por computador. O calcário foi a pedra escolhida, devido à sua tonalidade, funde-se perfeitamente com a fachada da Universidade de Deusto”. E sigo embasbacado, já vi este miolo dezenas de vezes em livros e revistas, mas isto é como a Praça Vermelha ou a Pirâmide do Louvre ou ao Centro Georges Pompidou, é preciso ver claramente visto com os nossos olhos, naquele dia e àquela hora, é com satisfação que vos dou as imagens que iam empolando o meu estado de espírito, sentia-me muito feliz:


E mais adiante:


Já estou mais relaxado, petisquei o suficiente para poder conversar com as obras de arte, à nossa espera, antes de ir ver uma mostra da coleção Guggenheim Bilbau fixei esta instalação de Jenny Holzer, perturba a vista, avançamos e recuamos, não há dúvida que é vistoso, parece-me mais uma guloseima visual, nem sempre o que enche o olho provoca descarga estética, o deleite contemplativo vejam só:


Pronto, enveredei por salas enormes, parece que estou no CCB, não desfazendo. Dos vários autores expostos nesta mostra, dou-vos conta de José Manuel Ballester, alguém que escolheu para a sua arte a combinação da pintura e da fotografia, e acabei por concordar com o que li nos textos fixados acerca de Ballester. Ele interessa-se por espaços vazios, investiga a solidão do indivíduo e as contradições do mundo moderno através da arquitetura, transformando espaços em cenas artificiais. É um jogo entre o claro-escuro, entre o oculto e o visível, o público e o privado. A imagem que vos mostro vem da série Espaços Ocultos, reinterpretações da história de arte, no caso presente Ballester pegou num ícone do romantismo francês, a Jangada da Medusa, de Géricault, retirou-lhe as pessoas, a representação fotográfica de Ballester mostra os restos da jangada depois do resgaste dos sobreviventes e do desaparecimento dos cadáveres. Achei uma beleza.


Saí da mostra e fui até à instalação permanente onde estão oito esculturas em aço de Richard Serra, autor que conheci numa visita ao Museu Berardo. A instalação chama-se a matéria do tempo, tratar-se-á de uma reflexão à volta dos aspetos físicos do espaço e da natureza da estrutura. Richard Serra pretende estabelecer uma relação direta com o espetador, como se a experiência com o objeto passasse a formar parte essencial do seu significado. Andamos por aquelas elipses, à medida que as percorremos elas transfiguram-se, gera-se uma sensação de espaço em movimento. Vi gente aturdida com aquelas massas de aço, as espirais e as elipses, paredes que aprecem desabar, andamos à volta com se andássemos num labirinto até se chegar ao vazio. E quando se vê a exposição de um ponto alto acaba-se por concordar com o autor: temos ali matéria do tempo, e a cor terrosa daquelas toneladas de aço como se girassem desarticuladas, levam-nos a supor que a escultura contemporânea não se assemelha ao torvelinho fabril, é um maquinismo silencioso onde se passeia o indivíduo na era do vazio:


Não vos vou hoje estafar com o prato de substância, a esplendorosa exposição de Georges Braque, há muito que estava com apetite para ver algo de tão grandioso, multidimensional. Faz de conta que vou sair e depois volto, hoje ou amanhã, venho novamente ao exterior do Guggenheim. Um dos símbolos mais vistosos de Bilbau é o Puppy, concebido por um dos artistas mais conceituado da atualidade, Jeff Koons. É vistoso, não contesto. Mas dou comigo a pensar se este Puppy não faz parte do estado líquido da nossa modernidade, esta arte engraçadinha, tão engraçadinha como as telenovelas broncas e a imprensa porno soft, tão engraçadinha como os romances históricos escritos às três pancadas e com um mínimo de vocábulos. É assim também o nosso tempo em que se força a mistura entre Frank O. Gehry como Jeff Koons e fica tudo numa boa. Mas é engraçadinho, não há dúvida:


Mais tarde falaremos do Georges Braque, e do casco histórico de Bilbau e do seu Museu de Belas Artes onde referenciei santos do meu culto como El Greco e Francis Bacon. Bilbau enche-me as medidas. Ainda não parti e apetece-me voltar, juro.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13643: Biblioteca em férias (Mário Beja Santos) (9): Dentro do Peak District, a vasculhar belezas incomparáveis

Guiné 63/74 - P13673: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (4): 8 de Agosto de 1962




1. Publicação da quarta parte do trabalho de pesquisa e compilação do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), que diz respeito aos últimos 5517 dias de luta pela independência da então Guiné Portuguesa.





(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13670: Os Últimos Anos da Guerra da Guiné Portuguesa (1959/1974) (José Martins) (3): Recenseamento, Inspecção e Distribuição de Pessoal; Os Tombados em Campanha e Os Que Foram Agraciados

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13672: In Memoriam (197): Comandante Alpoim Calvão (1937-2014): o funeral realiza-se na quinta-feira, dia 2, para o cemitério dos Olivais, após a missa de corpo presente no Mosteiro dos Jerónimos


Tira da banda desenhada “Operação Mar Verde”, da autoria de A. Vassalo, uma edição da Caminhos Romanos, 2012. Na introdução, o autor, o ex-fur mil comando Vassalo Miranda, nosso camaraada da Guiné,  escreveu o seguinte, que é seguramente um grande elogio ao homem e ao operacional que foi Alpoim Calvão:

“Na Guiné, em 1964, conheci um homem incrível, que me catapultou para o imaginário. Ambos pertencíamos a unidades de elite das Forças Armadas. Eu, furriel dos Comandos,  e ele, 1º tenente, comandante do 8º Destacamento de Fuzileiros Especiais. Homem valente, altruísta, desvalorizando situações constrangedoras, animando os seus homens e, sobretudo, de uma grande humanidade tanto para os seus como para os adversários. Qualquer um de nós seguíamo-lo sem questionar. Nasceu entre nós uma grande empatia que dura até hoje. Obrigado, comandante Alpoim Calvão".




1. Mais uma  notícia, triste, que corre pelas redes sociais, e que nos chegou através do Ipad do nosso camarada Rui Vieira Coelho_

 

Data: 30 de Setembro de 2014 às 17:18

Assunto: Falecimento de Alpoim Calvão

Faleceu hoje de manhã no Hospital de Cascais o Oficial da Armada mais condecorado da Marinha Portuguesa,  Sr Comandante Alpoim Calvão.

Foi o grande estratega e o comandante operacional da célebre "Operação Mar Verde" que invadiu Conakri e libertou o piloto da Força Aérea António Lobato e mais 26 soldados das nossas Forças Armadas.

A operação foi gizada e treinada na Ilha de Soga, de onde partiu no dia 22 de Novembro de 1970. Todos os prisioneiros foram resgatados e enviados posteriormente para Lisboa.

Perante o infausto acontecimento só me resta curvar-me perante a memória deste Grande Português, deste Grande Militar e que Deus lhe de "O descanço do guerreiro" a que tem direito.

Bem haja por tudo o que fez por este país, ditoso filho desta Pátria.


Rui Vieira Coelho [, médico reformado, ex-alf mil médico,  BCAÇ 3872 e BCAÇ 4518, Galomaro, 1973/74]


2. Segundo o semanário Expresso, "o funeral de Alpoim Calvão realiza-se na quinta-feira para o cemitério dos Olivais, após a missa de corpo presente no Mosteiro dos Jerónimos. Segundo disse à Lusa uma fonte familiar, o velório terá início esta quarta-feira, a partir das 17h. A missa de corpo presente está prevista para as 11h de quinta-feira e o funeral sairá às 11h45."

O nosso blogue tem cera de duas dezenas e meia de referências ao comandante Alpoim Calvão, de seu nome completo Guilherme Almor de Alpoim Calvão, 
nascido em Chaves, em 1937).

O jornal Público recorda-o nestes termos, enquanto comnbatente no TO da Guiné:

(...) "Nascido em Chaves, viveu em Moçambique, cursou Marinha na Escola Naval entre 1954/57, especializando-se em mergulhador sapador e navegação submarina. Voluntaria-se como fuzileiro e desembarca na Guiné no final de 1963, como comandante do destacamento de fuzileiros onde participa em diversas operações. De regresso a Lisboa, em 1965, entra na Escola de Fuzileiros onde chega a director de instrução. Ali se mantém até 1969, quando entra em conflito com o ministro da Marinha e deixa o cargo para regressar em comissão à Guiné.

A operação Mar Verde, em Novembro de 1970, que teve em Alpoim o principal arquitecto, previa um ataque a Conacri para libertar cerca de três dezenas de prisioneiros de guerra portugueses nas mãos do PAIGC - como o sargento piloto António Lobato que esteve preso vários anos - destruir equipamento do movimento independentista e liquidar o Presidente Sékou Touré. Só os dois primeiros foram conseguidos - ainda que o segundo não totalmente. Mas também terá papel relevante noutras missões como as operações Trovão e Tridente." (...).

As nossas sentidas condolências à família, aos camaradas da Marinha que serviram sob as suas ordenas e aos demais amigos. (LG)
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Guiné 63/74 - P13671: Inquérito online: O desenrascanço está no ADN dos portugueses... e a tropa mandava desenrascar ?... Sem dúvida, largo consenso, em 80 respostas preliminares... Comentários: Valdemar Queiroz / Hélder Sousa / António J. Pereira da Costa / José Colaço / Carlos Pinheiro


Guiné > Zona Leste > Geba > CART 1690 > Destacamento de Cantacunda > 1968 > As precárias condições em que se vivia no destacamento ou melhor nos "bu...rakos" que a gente construía para "desenrascar" que os engenheiros de Bissau, o  BENG 447,  não chegavam a todo o lado... Digam-me lá se o A. Marques Lopes se parece mais com um oficial do e«ército português ou com um mineiro ?

Para além de soldado, na vedade, o tuga, o portuga, o Zé , o Zé Povo também foi engenhocas, carpinteiro, marceneiro, trolha, caboqueiro, picheleiro, funileiro, canalisador, construtor de pontes, caçador, pescador, ama-seca, parteiro, professor, missionário, enfermeiro, carteiro, cronista, descascador dor de batatas, auxiliar de cozinheiro, hortelão, arrebenta-minas, picador, cangalheiro, animador cultural, mediador cultural, psicólogo, conselheiro, juiz de paz, casamenteiro, e sei lá que mais...

O Zé Povo no TO da Guiné foi mais do que o três  em um... Foi o homem dos sete oficios... O "desenrascanço" fazia parte do seu ADN e a verdade é que conseguiu transmitir esse gene aos seus filhos e netos espalhados por esse mundo de Deus e do Diabo (que ninguém, se ofenda, que isto é apenas uma metáfora, uma figura de estilo literário!)...

Foto: © A. Marques Lopes (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: LG]





Guiné > Zona leste > CART 11 (Nova Lamego, Paunca, 1969/1970) > S/l [ Paunca ?] > O fur mil Abílio  Duarte fazendo o papel de ama seca, ou como ele escreve, na legenda, no verso da foto: "eu, dentro do possível, fazendo psico"...



Guiné > Zona leste > CART 11 (Nova Lamego, Paunca, 1969/1970) > O fur mil Abílio Duarte refrescando-me no "resort" de Paunca, perto da fronteira com o Senegal: Casa de banho à moda dos fulas... O depósito de água é um bidão de gasolina da SACOR, Bissau, a que foi adaptada uma torneira...  A água (doce) era já então um bem precioso no TO da Guiné... As próximas guerras terão seguramente como móbil este recurso cada vez mais escasso (e indispensável à sobrevivência do planeta)...

Fotos (e legendas): © Abílio Duarte (2013). Todos os direitos reservados.


A. Eis os primeiros resultados (n=80) da nossa sondagem (*)


1. Totalmente falso >1 (1%)

2. Falso  > 5 (6%)

3. Nem falso nem verdadeiro  > 2 (2%)

4. Verdadeiro  > 20 (25%)

5. Totalmente verdadeiro > 51 (63%)

6. Não sei / não tenho opinião  > 1 (1%)


Votos apurados (até a meio da tarde de hoje) >  80
Dias que restam para votar > 4

 B. Comentários que nos chegam de camaradas nossos (*)

(i) Valdemar Queiroz [ou Valdemar Silva]

[, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]

Nós, os PORTUGUESES, somos extraordinários.

Vejamos pequenos exemplos da rapaziada, na guerra, na Guiné.

E, então, aquela de fazer furos com a ponta duma bala (à mão, não exageremos),  no fundo duma lata de coca-cola para, depois, adaptada a uma torneira, que tinha sido adaptada a um bidão de gasolina, servir de chuveiro numa banhoca ?!

E, então, aquela de (re)encher uma garrafa de cerveja (bebida muitas vezes quente) com petróleo e, depois, furar a carica para passar uma torcida que acesa dava luz pra ler, comer e, até, quando colocada dentro duma lata de compota de fruta vazia, com a tampa levantada para fazer reflexo, agarrada ao arame farpado servia de holofote pra escuridão da mata ?!

E, então, aquela do Spínola cortar as meias-mangas e, depois, adaptar uma falsa dobra no camuflado ?!

E, muito mais. Valdemar Queiroz


(ii) Helder Sousa [, ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72]



"Desenrascanço", "Imaginação", "Criatividade"....etc., o que quiserem.

Realmente essa capacidade de 'inventar', de encontrar uma solução para um problema, qualquer que fosse, foi, tem sido, uma espécie de 'marca distintiva' do que se pode entender por 'ser português'.

É claro que isso, parecendo (e sendo, muitas vezes) uma 'coisa boa', tem por detrás a outra face, ou seja, não se gastou tempo anteriormente a preparar, a estudar, a prevenir. Então sai 'improviso' e por sorte, por sapiência e/ou por 'protecção divina' muitas vezes 'deu certo'.

No entanto é possível que essa capacidade esteja a correr o risco de desaparecimento, com a 'uniformização' de critérios que tendem a dissipar as diferenças (culturais, regionais, até civilizacionais, etc.) que nos têm distinguido e que, em boa verdade, são o 'motor' dessa criatividade.

Como achega para a 'utlização imaginativa' do que íamos tendo à mão e que poderia, numa sociedade como a de agora, ser simplesmente desperdício ou, quando muito, colocado no 'amarelão', temos o aproveitamento das latas de coca-cola que, por sinal, não era comercializada na Metrópole...

O Valdemar já falou do aproveitamento para 'espalhador de chuveiro'. Também, pontualmente, serviram como elemento para colocação no chão a fim de o tornar mais transitável, à entrada dos quartos. Serviram de cinzeiro: de parede, colocadas deitadas, abertas longitudinalmente, ou ao alto com a 'boca' aberta. Também a utilizei como pequeno fogão para aquecimento: posicionada ao alto, com buraco lateral para colocação do álcool no fundo e servir de arejamento.

Abraço
Hélder S.

(iii) Anónimo J. Pereira da Costa

[Coronel de Art.ª Ref, ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74]
Olá,  camaradas

Antes de mais nada: o desenrascanço, o improviso são óptimoas mas elogiar o improviso em desprimor do que devia ser feito é estupidez e pobreza.

Por outras palavras:quem não tem cão caça com gato, mas o cão é que serve para caçar e por isso temos de o ter.

Infelizmente na Guiné nunca passámos da primeira parte e por isso, os improvisos tornaram-se cronicamente provisórios.

O "desenrascanço" implica várias qualidades: vontade de resolver sem esperar que a solução seja fornecida; imaginação; inteligência; leitura rápida das dificuldades e a certeza de que estamos sós na resolução das dificuldades.

Parece-me que os portugueses têm todas estas qualidades e é isso que faz deles exemplos a seguir.

Um Ab.
António J. P. Costa

(iv) José Botelho Colaço  [ex-sold trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65]

Inventar: Na vida civil a minha profissão foi técnico de máquinas e afinar as mesmas, então para os que trabalhavam mais directamente comigo a mina alcunha era o engenhocas... E por causa disso ficavam muito satisfeitos quando eu atendia os seus pedidos. Eu dizia-lhes:  o problema não é meu isso.  é com o mecânico de turno... Rresposta: não, vem tu ver por favor.


(v) Carlos Pinheiro [, ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro
de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70]


O desenrascatez-vous está no sangue dos portugueses e nós, naquela altura, éramos mesmo obrigados a desenrascarmo-nos. 

Eu fui para a Guiné sozinho – em rendição individual – mas muito bem acompanhado. Era o BCAÇ 2856, era uma CPM, era um Pelotão não sei de quê e uma série de malta em rendição individual que tinha os seus destinos. Mas o meu era incerto. O Batalhão para onde eu ia, estava já a fazer as malas para regressar. Então mandaram-me aguardar, não sei o quê, nos Adidos. Nem uma cama tinha quanto mais um mosquiteiro. Passados três dias tinha uma cama, emprestada é certo, mas uma cama, na Companhia de Transportes aquartelada no QG. Desenrasquei-me, pronto. 

Depois, porque também queria fazer alguma coisa, porque andar sempre desenfiado não dava jeito, apresentei-me ao Comandante do Destacamento do STM a oferecer-me para desempenhar funções da minha especialidade no Centro de Mensagens visto que já tinha alguma experiência adquirida em cerca de seis meses no QG da II RM – Tomar. A minha oferta foi aceite e passados poucos dias já ali estava a fazer o que tinha aprendido no RTm do Porto. Desenrasquei-me, pronto.

Nas viagens de cruzeiro, aí é que não me consegui desenrascar. Tive que gramar aquelas camas de suma a pau nos porões, tanto no UIGE para lá como no Carvalho Araújo para cá. Mas na viagem de regresso, sabendo antecipadamente que o Carvalho Araújo  não tinha água nem para lavar o prato que nos deram quando subimos a bordo, quanto mais para tomarmos banho, desenrasquei-me no Depósito de Fardamento da Companhia onde consegui uma dúzia de camisas e de calções, visto que meias e roupa interior tinha suficiente, e todos os dias, às vezes mais do que uma vez, vestia roupa lavada num corpo suado, transpirado, seboso, mas vestia roupa lavada. Se isto não foi um desenrascanço, nem sei o que dizer.

Aliás, a malta dizia, vulgarmente, que a tropa mandava desenrascar e era isso que fazia sempre que era necessário. Nem mais nem menos. 

Contar pormenores de desenrascanço no serviço, nem pensar. Era preciso tempo e paciência para contar a forma como se resolveu sempre tudo a tempo e horas.