sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14224: Notas de leitura (679): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (6): A Terceira Geração d'Os Coelhos (2)

 


1. Do livro, Família Coelho,(*) da autoria do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), aqui fica a segunda parte do capítulo dedicado à Terceira Geração.




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Notas do editor

(*) Poste anterior de 4 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14219: Notas de leitura (677): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (5): A Terceira Geração d'Os Coelhos (1)

Último poste da série de 6 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14223: Notas de leitura (678): “Morreremos Amanhã”, por Carlos Tomé, Artes e Letras, Ponta Delgada, 2007 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14223: Notas de leitura (678): “Morreremos Amanhã”, por Carlos Tomé, Artes e Letras, Ponta Delgada, 2007 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Abril de 2014:

Queridos amigos,
Para bem da literatura e das memórias dos combatentes, não há padrão narrativo para os nossos relatos que podem integrar emboscadas e flagelações, medo e solidão, heroísmo e bravura, abnegação ou medo, são ingredientes mas há outros mais.
Carlos Tomé explora o cumprimento de uma dívida, vem assaltado pelo remorso, evoca aquele desconforto de que muitos de nós sofremos de não termos cumprido uma obrigação a pedido de um camarada. Carlos Tomé consegue uma obra equilibrada entre a simulação de uma reportagem, coisas da sua profissão, e o reencontro com o amor do seu mais íntimo camarada de guerra, tudo numa tessitura de plausibilidade, dois cinquentões solitários sentem-se capazes de recomeçar a vida.
E há as memórias escritas que o Rui deixou. Ele promete dar-lhes forma. Como se diz algures, só se morre quando ninguém se lembrar de nós, até lá mesmo os que combateram em África estarão presente nos testemunhos que lhes dedicarmos.

Um abraço do
Mário


Não consigo livrar-me daquilo, é o meu inferno privado

Beja Santos

“Morreremos Amanhã”, por Carlos Tomé, Artes e Letras, Ponta Delgada, 2007 é um romance que procura ir mais além das contingências de um teatro de operações, versa duas questões raramente abordadas frontalmente na literatura da guerra em África: Qual a dimensão do remorso e como o gerimos no ramerrão do quotidiano? Como subsiste, na nossa mente, a história da guerra depois da guerra, a que continua na memória dos sobreviventes, onde temos dívidas morais para pagar e torneamos permanentemente a incomodidade, a dilaceração do espírito?

O autor é jornalista e tem a sua vida profissional ligada à RTP Açores, desde 1976. “Morreremos Amanhã” não é a sua estreia literária mas será porventura a sua primeira incursão na guerra. Combateu em Angola, como oficial miliciano de Operações Especiais, entre 1972 e 1974.

O remorso não é obsidiante mas a memória dos acontecimentos não o larga:
 “Aquele tiro, todos os dias o ouço.
Ecoa na minha cabeça, num pontinho bem definido, atrás do ouvido esquerdo.
Às vezes surge sem aviso, no meio de uma conversa, na rua, no cinema, a meio da noite. Outras, adivinho-lhe o estampido à passagem de uma motorizada barulhenta ou quando algo cai, um vidro se estilhaça. No instante imediato, a minha cabeça parece explodir, sacudida por esse som que nunca consegui esquecer e me parece, até, cada dia mais nítido”.

Ele é jornalista, recebeu a incumbência de ir fazer uma reportagem a S. Miguel, as térmitas estão a destruir edifícios fundamentais do centro da cidade de Ponta Delgada. Tomou a decisão, passadas estas décadas, de procurar a Alice Tavares, a viúva do Rui, tem uma promessa para cumprir.

A guerra perpassará ténue e diáfana no contexto deste romance, mas é o condimento poderoso da amizade entre Tozé e Rui, fizeram uma jura de honra. Vacinados em Luanda, Rui Tavares tem a premonição que nunca mais irá voltar a ver a Alice, a família, os Açores. Tozé volta-se para Rui e propõe-lhe a seguinte combinação: se só um sobreviver dará um mês de ordenado à mulher amada. O Rui aceita. Rui já está em Ponta Delgada, bate à porta da Alice, na rua de Santa Catarina. Alice está maravilhada com o encontro, sempre previra aquele encontro, sempre ansiara ouvir da boca do maior amigo do Rui as razões da sua morte. A saudade não passou, transformou-se: “Já não choro quando me lembro do Rui, não me tranco no quarto, ao escuro, por dois ou três dias, e não rejeito o lado bom da vida. Tenho saudades, Tozé. Mas não é tanto saudades dele. São saudades da vida que não chegámos a viver os dois”. Conversam, Alice quer saber notícias da Luísa, Luísa e Tozé separara-se dois anos após o regresso de Angola. Marcam encontro para o dia seguinte, Tozé não teve coragem de cumprir o acordo que fizera com o Rui.

A reportagem sobre as térmitas é convincente, a desinfestação é cara, há monumentos como o Convento da Esperança que estão profundamente afetados. Interpolam-se cenas da guerra, ganha realce o acidente que vitima Rui Tavares, este estava a jogar às cartas numa divisão, ao lado, um furriel a limpar a G3 descarregou inadvertidamente a arma sobre uma parede de fraca espessura, atingiu Rui Tavares no pescoço, esvai-se em sangue. Isto em Mucondo, não muito longe de Nambuangongo. Tozé está ao lado do Rui naqueles momentos de estertor. A reportagem continua, Tozé está no Convento da Esperança, onde se guarda a imagem do Santo Cristo dos Milagres, e ele lembra-se que o Rui nunca se separava de uma pequena medalha do Santo Cristo, trazia-a, sempre, pregada com um alfinete, no interior do bolso esquerdo dólmen. “Se me acontecer alguma coisa, pá, deixa-a ir comigo”.

Tozé percorre Ponta Delgada e descreve-a na perfeição, visita os estabelecimentos afetados pelas térmitas, toma notas. Continua as entrevistas, um biólogo assegura-lhe que é impossível erradicar a praga. O seu pensamento viaja para a guerra de Angola, e lembra-se da salalé, a formiga aí constrói em altura: “Muitas dessas construções, enormes, por vezes com mais de dois metros de altura, surgiam, quase da noite para o dia, na improvisada pista de aterragem do Mucondo. Em dia de avioneta tínhamos de arrasá-las. À picareta”. Alguém, na Direção Regional da Habitação, dá-lhe conta das comparticipações do Governo e dos empréstimos a juro bonificado para todas estas obras.

Tozé vai jantar a casa da Alice, as suas recordações viajam até Mucondo, Tobias, um guerrilheiro capturado, pedira-lhe insistentemente para ir buscar a família, o capitão e os outros alferes opuseram-se, parecia a armadilha descarada. A operação correu bem, reganhou-se a confiança da população. Alice pede a verdade, Tozé conta-lhe o acidente com a armada de fogo. A única mentira foi de que o Rui não sofrera muito, ele bem vira aquele ferimento e os borbotões de sangue saindo da jugular seccionada. Alice entrega-lhe uns apontamentos do Rui que vinham dentro das cartas, eram notas para um livro que pretendia escrever quando regressasse, o que dá aso a vastas rememorações, por exemplo: “Cheguei a Angola com uma ideia errada do que acontece em combate. Soubesse que ia entrar numa guerra, pensava ter treinado o suficiente para enfrentar situações difíceis e, com um pouco de sorte, sair delas com vida. Mas não há um simulador para o medo. Nem treino para a estupefação ao som de uma rajada. De um momento para o outro somos invadidos, brutalmente, pela certeza de que alguém nos quer matar. O choque com a realidade é duro”. Todos aqueles apontamentos do Rui deram para recordar várias operações no Norte de Angola, havia ali notas de profunda indignação do Rui pela quase escravatura montada pelos fazendeiros:  
“O que não revelava era a existência de uma cantina onde, a preços exorbitantes, vendia tudo o que aos desgraçados poderia interessar. Fornecia açúcar, arroz, farinha, feijão, mas também roupas, sapatos, rádios a pilhas, óculos de sol.
De tanto de endividarem, quase todos ficavam de um ano para o outro, cada vez mais presos. Trabalhavam, já, por menos de um terço do terço que lhes cabia. Uns míseros tostões. O grosso ficava nos bolsos do fazendeiro, para abater na dívida.
O motim que os bailundos desencadearam só não acabou mal porque fomos chamados a intervir. Foi lá o Rui com os seus homens. Como ele próprio disse, o 7.º de Cavalaria desta vez salvou o bandido”.
E veio a propósito o pedido do sargento Figueiredo de trazer duas ou três raparigas de Quibaxe para consolar a companhia, deu-se luz verde, a operação seria supervisionada pelo furriel enfermeiro. Tudo correu lindamente, as meninas regressaram um mês depois desfeitas em lágrimas, nunca tinham encontrado gente tão civilizada.

Caminhamos para o desfecho, o jantar termina e fala-se na manhã seguinte em irem ao cemitério. Desta vez, Tozé arranja coragem e entrega-lhe o envelope que Alice prontamente devolve, não se podia insistir, o fundamental fora a nobreza do gesto. Tozé acaba de ler as últimas notas deixadas pelo Rui: “O 25 de abril veio trazer-nos mais esperança. Não queremos morrer aqui. Estamos demasiado longe das nossas casas, das nossas mães e das nossas mulheres. Havemos de morrer, sim, mas não aqui. E morreremos amanhã, se Deus quiser, de velhice, de cancro, de colapso cardíaco ou de outra maneira qualquer”. Rui pensa “Morreremos Amanhã é um bom título".

Ainda há algumas lembranças esparsas daquela guerra. Mas algo aconteceu entre Alice e Tozé. Alice corresponde a um beijo mas responde prontamente: “Pensei estar livre. Mas não estou. A tua vinda fez-me recuar muitos anos. Reabriu feridas que já estavam curadas. Preciso de tempo para me situar, de novo, e para voltar à mulher que sou”. Reconhecem que ainda é muito cedo para eles, precisam de tempo. E despedem-se, já estão a preparar o reencontro. Tozé é um solitário, reencontrou o amor, está embevecido com S. Miguel.

Nós só morremos no dia em que mais ninguém se lembrar de nós nem de quantos combateram em África.
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14219: Notas de leitura (677): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (5): A Terceira Geração d'Os Coelhos (1)

Guiné 63/74 - P14222: Parabéns a você (857): Ana Duarte, Amiga Grã-Tabanqueira; Fernando Franco, ex-1.º Cabo Caixeiro do PINT 9288 (Guiné, 1973/74); Hugo Moura Ferreira, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 1621 e CCAÇ 6 (Guiné, 1966/68) e José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70)




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Nota do editor

Último poste da série de 4 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14217: Parabéns a você (856): José Belo, Cap Inf Ref, ex-Alf Mil da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70) e Mário Silva Bravo, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 6 (Guiné, 1971/72)

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14221: Historiografia da presença portuguesa em África (58): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte IX (Mário Vasconcelos): o madeireiro Manuel Ribeiro de Carvalho (Binta, Farim) e a carpintaria mecânica de Humberto Félix da Silva (Bissau)








Digitalizações:  Mário Vasconcelos (2015). [Edição: LG]



1. Continuação da publicação de anúncios de casas comerciais, da Guiné. Reproduzidos, com a devida vénia, de Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*).

Trata-se de uma gentileza do nosso camarada Mário Vasconcelos [,ex-alf mil trms, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, COT 9 e CCS/BCAÇ 4612/72,Mansoa, e Cumeré, 1973/74; foto atual à direita] que descobriu um exemplar, já raro, desta edição, no espólio do seu falecido pai.

Hoje publicamos mais dois anúncios: 

(i) O Manuel Ribeiro de Carvalho, que seria em 1956, antes da guerra, "o maior exportador de madeiras da Guiné"; tendo serração mecânica em Binta, Farim;

(ii) O Humberto Félix da Silva, de Bissau, telefone nº 6 (!), tinha carpintaria e marcenaria mecânica",  efetuava "todos os trabalhos de construção civil" e, muito importante, tinha "camionagem própria"...

A guerra deu cabo destes negócios, nomeadamente o da exploração e da exportação de madeira. 

Sabemos que o aproveitamento da "fileira florestal" vai se intensificar durante  a II Guerra Mundial, na sequência do aumento das cotações da madeira. As florestas do Cacheu, ricas em bissilião, vão ser duramente castigadas. A exportação de madeira, da província, passa dumas míseras 131 toneladas (32 contos), em 1931-35, para 24 vezes mais, em 1946-50: 3133 toneladas (2514 contos).

Coma o início da guerra, em 1963, as exportações rapidamente entraram em declínio: 13551 t (6734 contos), em 1960; 3406 toneladas (1848 contos), em 1965. A quebra mais acenuada, nessa década,   é a partir de 1963, onde o volume das exportações ainda ultrapassou as 17250 toneladas (e os 7900 contos). (Fonte: Dragomir Knapic - Geografia económica de Portugal: Guiné. Lisboa: Instituto Comercial de Lisboa, 1966, pp. 33/34).

Alguém se lembra destas duas empresas e dos seus donos ? Ainda conheci, em Contuboel, um madeireiro!....A serração do Albano ainda existia no meu tempo (junho/julho de 1969), quando Contuboel foi Centro de Instrução Militar, donde saíram, de entre outras, as futuras CCAÇ 11 e 12. A malta da CART 2479 / CART 11 deve-se lembrar bem do Albano. (**) (LG)

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Nota do editor:.

(P*) Vd. os dois postes anteriores:

3 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14213: Historiografia da presença portuguesa em África (53): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: monumentos - Parte I (Mário Vasconcelos): destaque para o edifício da administração civil (Bissau) e o monumento aos pilotos italianos mortos em 1931 (Bolama)

30 de janeiro de  2015 > Guiné 63/74 - P14205: Historiografia da presença portuguesa em África (52): Revista de Turismo, jan-fev 1956, número especial dedicado à então província portuguesa da Guiné: anúncios de casas comerciais - Parte VIII (Mário Vasconcelos): Mais 4 lojas de Bissau, três delas já com telefone

(**) Sobre outros madeireiros na Guiné:

7 de junho de 2010 >  Guiné 63/74 - P6549: O Nosso Livro de Visitas (92): O Xitole que eu e os meus pais conhecemos até 1962 (Maria Augusta Antunes, filha de Henrique Martinho, antigo madeireiro)

27 de julho de  2010 > Guiné 63/74 - P6794: O Nosso Livro de Visitas (96): Quem se lembra do Dr. Noronha (de Bafatá), Toscano de Almeida, madeireiro, do Dias Saboeiro, figuras que povoam a minha infância ? (Maria Augusta Antunes, que cresceu no Xitole, na década de 1950)

Guiné 63/74 - P14220: Pequenas recordações, a minha máquina fotográfica e o meu rádio (Leão Varela)

1. Mensagem do nosso camarada Leão Varela, ex-Alf Mil da CCAÇ 1566 (Jabadá, Pelundo, Fulacunda e S. João, 1966/68), com data de 27 de Janeiro de 2015:

Boa Noite Amigos Luís, Carlos e restantes Camaradas
Vinha com a ideia de escrever uma pequenina e simples história de cariz humano e que nunca mais esqueci pelo que significou para mim. Contudo, hoje vou ficar-me por vos deixar duas fotos: a da minha máquina fotográfica e a do meu primeiro rádio que só troquei na segunda vez que vim de férias e que comprei em Bissau mas que já não o tenho.
Elas aqui ficam.

Abraço-vos com amizade
Leão Varela



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Nota do editor

(*) Vd. poste de 11 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14007: Tabanca Grande (452): José Inácio Leão Varela, ex-Alf Mil da CCAÇ 1566 (Jabadá, Pelundo, Fulacunda e São João, 1966/68)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14219: Notas de leitura (677): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (5): A Terceira Geração d'Os Coelhos (1)

 


1. Do livro, Família Coelho,(*) da autoria do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), aqui fica mais um apontamento, este dedicado à Terceira Geração.



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Nota do editor

(*) Vd. poste de 20 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14166: Notas de leitura (672): Do livro "Família Coelho", edição de autor, 2014, de José Eduardo Reis Oliveira (JERO) (4): Como era Alcobaça nos tempos dos primeiros Coelhos

Último poste da série de 2 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14212: Notas de leitura (676): “Carlos Veiga, Biografia Política”, por Nuno Manalvo, Alêtheia Editores, 2009 (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P14218: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (32): Falei ao telefone com o comandante Pombo, amigo de Luís Cabral e de 'Nino' Vieira... e sobretudo um orgulhoso sobrevivente dos Strela (em 1973/74) e da "Operação Atlas", em agosto de 1961 (travessia, com uma esquadra de F-86F “Sabre”, Monte Real-Bissalanca, num total de 3888 km e o tempo de 7h50 sobre o Atlântico) (Luís Graça, com José Cabeleira, cap TMMA ref, Leiria)

1º Srgt Pombo, piloto de F-86-F Sabre,
BA 5, Monte Real, 1961.
Cortesia de José Cabeleira (2011)
1. Tive anteontem o privilégio de falar com o comandante Pombo. A filha, Maria João, ligou-me e passou-me o telemóvel. Ela tinha ido com o pai a uma consulta médica.

O nosso camarada, José Luis Pombo Rodrigues, popular e carinhosamente conhecido como o comandante Pombo, começou por falar-me dos problemas de saúde que o preocupam de momento, mas que vai superar, seguramente. Foi a convicção que lhe transmiti, em meu nome e em nome dos amigos e camaradas da Guiné. Depois disso, recuperada a saúde, ele arranjará, por certo, disposição para passar à escrita muitas das suas histórias e memórias e partilhá-las connosco.

Nunca nos encontrámos pessoalmente na Guiné, embora no tempo em que eu lá estive (CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, maio de 1969/março de 1971), o comandante Pombo já fosse uma figura conhecida e respeitada. Aliás, eu transmiti-lhe (e reforcei) essa ideia, que pode ser colhida pela leitura do nosso blogue. A filha tem-lhe falado do blogue.

O Pombo é hoje capitão pil, reformado Fez, segundo bem percebi, 4 comissões na Guiné. Voltou há pouco para Portugal, vive hoje em Bucelas, e é amigo pessoal do major gen paraquedista Avelar de Sousa, que passou pelo TO da Guiné, integrando o BCP 12, como comandante da CCP 123 (1970/71), e foi ajudante de campo, entre 1976 e 1981, do gen Ramalho Eanes, 1º presidente da república eleito democraticamente no pós 25 de abril. E esse fato é relevante para se perceber a influência, discretíssima, que o comandante Pombo terá tido na libertação do ex-1º primeiro ministro da Guiné-Bissau, Luís Cabral, depois do golpe do ‘Nino’ Vieira em 1980.

O comandante Pombo privou com os dois, e dos dois era amigo. Ao ‘Nino’ Vieira tratava-o inclusive por tu. E o Pombo continuou a ser o comandante Pombo, depois da independência da Guiné-Bissau. Terá havido um acordo entre as novas autoridades de Bissau e o governo português para que ele ficasse na Guiné... O PAIGC não tinha pilotos. O comandante Pombo pilotava o pequeno Falcon que fora oferecido ao Luís Cabral. Este gostava muito dele, e sempre que viajava com ele trazia-lhe uma garrafa de.. champagne.

Depois veio o golpe do ‘Nino’ e o Luis Cabral ficou preso na Amura… Sem cinto!... O comandante Pombo foi visitá-lo e encontrou-o sem cinto, com as calças na mão… Diziam-lhe, os seus carcereiros,  que era para ele não poder fugir. Achando essa uma situação indigna, o Pombo foi falar ao seu amigo ‘Nino’, que lhe deu razão…

Mais tarde o Pombo moveu as suas influências, junto do Avelar de Sousa… O presidente Ramalho Eanes, como é sabido publicamente, exerceu forte influência junto de ‘Nino’,  no sentido de obter a libertação de Luís Cabral que, primeiro, foi para Cuba e mais tarde para Portugal, onde veio a morrer. Ramalho Eanes e Luís Cabral tinham muita estima mútua.

Mas, e contrariamente ao boato que corria na Guiné, no tempo da guerra colonial, o comandante Pombo não estava feito com os “turras”… E a prova disso é que umas das aeronaves (não era um Cessna, era uma outra avioneta tipo DO 27…) foi perseguida por dois mísseis Strela, já depois do último avião da FAP ter sido abatido…

Ele contou-me os pormenores ao telemóvel: deve ter sido, deduzo eu, por volta de março ou mesmo abril de 1974, um ano depois do aparecimento dos Strela. O comandante Pombo vinha de Bissau para Farim, na “carreira normal” dos TAGP… O PAIGC conhecia o horário e os apontadores do Strela estavam à espera dela nas imediações de Farim… Havia a indicação de que a guerrilha queira mesmo cortar todas as ligaçãoes aéreas com nordeste da Guiné. Deve ter havido falhas na segurança militar, nas imediações da pista de aviação… Para iludir os guerrilheiros, o comandante Pombo vinha coma sua avioneta a baixa altitude e a baixa velocidade. Mas antes de chegar ao destino ele fez uma mistura de combustível que não deixava rasto, isto é,  fumaça…  E, antes de aterrar, terá feito uma manobra de subida, na vertical,  seguida de um voo a pique… Foi o que eu percebi, desculpem-me se o relato é tecnicamente grosseiro… Mesmo assim não se livrou de ver passar-lhe, por perto,  dois Strelas que lhe vinham dirigidos…

Mas, finalmente, conseguiu aterrar em segurança… "Não ganhei para o susto: os auscultadores saltaram-me da cabeça!" ...

Enfim, é uma história incrível que merece ser, deste já, registada e partilhada aqui, com os nossos leitores.

Espero que o comandante recupere rapidamente a saúde e aceite o meu convite para se sentar à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande e nos poder contar, na primeira pessoa,  estas e outras histórias da sua longa vida na Guiné…


2. O que muita gente não sabia (e eu também não …) é que o comandante Pombo é um orgulhoso sobrevivente da “Operação Atlas”, a primeira (e única) travessia Monte Real – Bissalanca, feita pela Esquadra 51/201 (BA 5), constituída por aviões F-86F “Sabre”, realizada em agosto de 1961… Era então um jovem 1º sargento piloto...

Fiquei com o bichinho da curiosidade e fui tentar saber mais, depois da nossa conversa ao telefone, que demorou ainda uns bons 20 minutos.

José Cabeleira, cap TMMA ref, Leiria
E a propósito encontrei um referência a este marco da história da FAP num blogue do cap TMMA ref José Cabeleira (que vive em Leiria, terra onde tenho bons amigos). O blogue chama-se Trajecto de uma vida entre o mar e o ar – Memórias. E tem apenas um poste com data de 17 de novembro de 2011 > Operação “Atlas” fez 50 anos (1961-2011).

José Cabeleira, que veio da aviação naval, é um histórico da Esquadra 51 da BA5 (Monte Real). É  autor do livro “Trajecto de uma vida entre o mar e o ar – Memórias 1948-83” (edição de autor, J. Cabeleira, Leiria, J. Cabeleira, 2005).

O poste acima referido é uma transcrição do seu livro (que não consta da PorBase - Biblioteca Nacional)… Nele descreve os preparativos desta arrojada missão e as etapas emocionantes vividas pelos seus protagonistas (pilotos e mecânicos) desde o dia da partida (8 de agosto de 1961) ao dia de chegada a Bissalanca (15 de agosto de 1961), com várias escalas técnicas (Base do Montijo, aeroporto de Gando, nas Canárias, aeroporto do Sal, em Cabo Verde).

À guisa de conclusão escreve o José Cabeleira:

“Quero ainda sublinhar que foi a primeira e única “travessia” em aviões de “reacção” (F-86F “Sabre”) de Monte Real para a Guiné-Bissau (no total de 3.888 km e o tempo de 07H50 sobre o Atlântico) e pelo menos não é do meu conhecimento que estas aeronaves estando ao serviço de Forças Aéreas de outros países, nomeadamente os da NATO, tivessem percorrido distância semelhante sobre os Oceanos.”

Participaram na “travessia” Monte Real – Guiné-Bissau os seguintes pilotos:

 (i) cap pilav Ramiro de Almeida Santos, chefe de missão;

(ii) cap pilav José Fernando de Almeida Brito;

(iii) ten pilav Aníbal José Coentro Pinho Freire;

(iv) ten pilav Alcides Telmo Teixeira Lopo;

(v) 1sgrt pil António Rodrigues Pereira;

(vi) 1Srgt pil José Luís Pombo Rodrigues

(vii) 1sgrt pil Humberto João Cartaxo da Silva; e

(viii) 2sgrt pil Rui Salvado da Cunha.



Oito gloriosos "malucos" das máquinas voadoras, alguns infelizmente já desaparecidos (como o Almeida Brito, abatiodo por um Strela em 1973)... 


Para além da perícia e coragem dos seus pilotos,  esta façanha da FAP foi possível graças a uma vasta equipa que o José Cabeleira evoca e enumera individualmente, e com toda a justiça: (i) equipa técnica de apoio durante o movimento (escalão prrecursor); (ii) equipa técnica do escalão de apoio no destino; e (iii) equipa técnica de apoio às aeronaves do “ferry” na BA6 – Montijo.

Estes homens, nossos camaradas da FAP, reunem-se anualmente em Monte Real para relembrar e celebrar este feito. Imaginei um brilhozinho nos olhos do comandante Pombo quando ele me falou deste feito e do encontro anual dos que ainda estão vivos.

E conclui o nosso camarada José Cabeleira (que deve ser um "jovem" camarada com 80 e picos anos e para quem envio um abraço com votos de grande apreço, homenagem e muita saúde):

“Finalmente, alguns militares que tiveram a alegria de participar neste evento, que na época foi um risco, mas como ficou provado muito bem calculado e superiormente executado (com o factor sorte do nosso lado), já não estão connosco em corpo, aqui lhes presto a minha singela e comovida homenagem e quem sabe, talvez ainda haja tempo de lhes prestar uma justa e merecida homenagem a título póstumo.”

Paraq quem quiser saber mais, a pormenorizada descrição da Operação Atlas está disponivel aqui. [E, a propósito, é triste que não haja um único comentário, de aplauso e de apreço pela partilha destas memórias, no blogue do José Cabeleira].




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Guiné 63/74 - P14217: Parabéns a você (856): José Belo, Cap Inf Ref, ex-Alf Mil da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70) e Mário Silva Bravo, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 6 (Guiné, 1971/72)


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Nota do editor

Último poste da série de 2 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14210: Parabéns a você (855): Germano Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 3305 (Guiné, 1970/73)

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14216: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (31): Os CESSNA dos TAGP e os seus pilotos - Um aparelho com piloto automático? (Luís Paulino, ex-Fur Mil da CCAÇ 2726, Cacine e Cameconde, 1970/72)

1. Mensagem do nosso camarada Luís Paulino, (ex-Fur Mil da CCAÇ 2726, Cacine e Cameconde, 1970/72), com data de 28 de Janeiro de 2015:

Olá Companheiro e Amigo Vinhal,

Sequenciando o tema do companheiro Jorge Araújo, sobre a Aeronáutica na Guiné, veio-me à lembrança um voo que efectuei em Dezembro de 1970, de regresso a Cacine, após gozo de férias na Metrópole.

Parti do aeroporto de Bissalanca numa dessas Cessnas civis de apenas 2 lugares, em que o passageiro viajava ao lado do piloto.

Recordo-me que, após termos levantado voo conversámos algum tempo, mas fui-me apercebendo que lentamente, se ia perdendo a fluidez do diálogo.

Estranhando o sucedido, olhei para a minha esquerda, e para meu espanto, verifico que o piloto pendia a cabeça para a frente, com alguma frequência, dando a entender que estaria a dormitar.
Fiquei assustado e alertei-o de imediato com um valente berro.

Não sei se o aparelho tinha piloto automático, mas sei que a Cessna, durante esse espaço de tempo não alterou a rota, pois passados alguns minutos aterrámos em Cacine, tendo tudo acabado em bem.


Já em terra cumprimentámo-nos, tendo ele pedido desculpa pelo sucedido, tendo-se justificado com o cansaço provocado pelo excesso de horas de voo que estava a efectuar diariamente.

Saudações Fraternas,
Luís Paulino
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14215: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (30): "Blue on Blue" - Querem ver que acertei nos nossos? (António Marins de Matos, TGen Pilav Ref)

Guiné 63/74 - P14215: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (30): "Blue on Blue" - Querem ver que acertei nos nossos? (António Marins de Matos, TGen Pilav Ref)

1. Mensagem do nosso camarada António Martins de Matos, TGen Pilav Ref (ex-Tenente Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74), com data de hoje, 3 de Janeiro de 2015:

Caros amigos
Cá vai mais uma estória passada na Guiné

Abraços
Antonio Martins Matos


Blue on Blue

Quando se faz um planeamento de exercícios militares, é procedimento habitual identificar as forças intervenientes por duas cores, os “nossos” são sempre marcados como sendo os Azuis (BLUE), até há pouco tempo os opositores (quaisquer que fossem) eram sempre denominados como sendo os Vermelhos (RED).

Depois da queda do Muro de Berlim e do desmoronamento do Pacto de Varsóvia, tendo em conta uma aproximação mais “politizada”, os opositores deixaram de ser Red e passaram a ser Laranja (ORANGE). Enfim, modas, quando eram RED sabíamos para onde nos voltar, agora com o ORANGE, temos de olhar para tudo à volta, só espero que qualquer dia não mudem para BLACK ou YELLOW.

“BLUE ON BLUE” é o termo utilizado quando forças “amigas”, por razões estranhas e indeterminadas, disparam contra outras forças, posições ou entidades igualmente “amigas”.
Por vezes também aparece a designação de FRIENDLY FIRE (fogo amigo) ou COLLATERAL DAMAGE (danos colaterais).

Sendo algo triste, preocupante e de lamentar não é um acontecimento tão raro como se possa supor, sempre aconteceu e acontecerá em todos os conflitos, sejam eles pequenos, médios ou grandes.
E não se julgue que os estragos possam ser sempre pequenos, apenas dois exemplos:

- Na Batalha Naval de Algeciras (1801) dois navios espanhóis (Real Carlos e San Hermenegildo), por engano lutaram furiosamente um contra o outro, no final ambos foram ao fundo, cerca de 1700 mortos.

- No final da Segunda Guerra (1945) 3 navios mercantes foram afundados pela RAF à saída do porto de Lubeck, transportavam sobreviventes judeus de campos de concentração e prisioneiros de guerra Aliados, mais de 5000 mortos.

Parece que os campeões destas modalidades de tiro ao alvo são os americanos, sempre foram rápidos no gatilho, só no Vietnam houve mais de 7000 incidentes deste tipo.

Em sua defesa o que posso dizer é que os americanos tem a mania de reportar tudo o que se lhes ocorre, enquanto muitos outros tem a mania oposta, a de varrer para debaixo do tapete, só quando já cheira mal é que os acontecimentos aparecem, estou-me a lembrar do Airbus da Malaysian Airlines abatido na Ukrania, agora e segundo as últimas notícias publicadas na imprensa, parece que não foi ninguém…

Nos dias de hoje não há que fugir, as aviações (e agora os drones) estão quase sempre envolvidos nestas tramas, seja por terem bombardeado a “nossa tropa”, por engano do piloto ou do drone-driver, seja por terem sido abatidos pela “nossa tropa”, por engano de alguns artilheiros mais escrupulosos ou descuidados.

Não sei se na nossa Guerra do Ultramar aconteceram alguns destes casos, não devemos ser excepção à regra, não tenho conhecimento de nenhum mas … tampouco ponho as mãos no fogo.

Nesta coisa de tentar apoiar as forças terrestres uma coisa era certa, quartéis em que o pessoal quase nunca saia para o mato tornavam-se mais simples, podíamos bombardear “tudo à volta”, sem medo de acertar em alguém amigo.

Para os outros era mais complicado, até porque a tropa não estava habituada a falar ao rádio, perdiam-se em MIKE, OSCAR, ROMEU, TANGO, ECHO, INDIA, ROMEU, OSCAR, só para dizer uma palavra tão simples como “morteiro” e, vá-se lá saber o porquê, nunca tinham potes de fumo à mão (as duas únicas maneiras de sabermos onde andava a tropa, uma tela laranja ou um pote de fumo).

A partir de 1973 e como os apoios de fogo se tornassem cada vez mais frequentes, violentos e confusos, passámos a gravar as comunicações entre o chão e o avião, o Fiat G-91 permitia isso já que dispunha de um gravador interno.

A fita gravada era guardada um certo período de tempo, se nada de relevante tivesse entretanto acontecido, era reutilizada.

Mas nem tudo era mau, com os pára-quedistas não eram precisas grandes conversas, pote de fumo, a partir do pote o inimigo está na direcção x, distancia y, tudo dito.

Quanto aos fuzileiros, tropa difícil de entender…




A estória que hoje conto, não sendo um “blue on blue”… podia ter sido.

Ainda não eram 6 da manhã e já o “Alerta aos Fiat” soava no altifalante.

Devido à falta de pilotos que se fazia sentir, até às 8 horas apenas havia um piloto a pé, o outro descansava num quarto perto das Operações da Base, quando o alerta soava iam-no chamar, o piloto mais acordado ia avançando para o objectivo, de lá acabava por dizer ao “dorminhoco”, entretanto arrancado da cama, se a sua presença ainda era necessária.

Lá fui eu, sozinho, rumo sul na direcção do Cantanhez.

No caminho e pelo rádio lá me foram dando mais alguma informação, era um grupo de fuzileiros que, ao atravessar uma bolanha, tinha tido um encontro com o PAIGC.

Fuzileiros, tropa difícil de entender…

Não foi preciso contactá-los, ao ouvirem o avião logo se chegaram ao rádio e contaram o que se estava a passar, tinham sido surpreendidos por fogo IN, precisavam de atravessar uma bolanha mas tinham medo de, a meio da travessia, serem emboscados.

Aquela bolanha… Para eles só havia aquela bolanha, visto cá de cima bolanhas era mato!

- “Qual bolanha?”

- “Um momento….. BRAVO OSCAR LIMA ……” o fuzileiro esmerava-se em me dar as coordenadas do local, devia pensar que eu podia esticar um mapa em cima de uma mesa e ir à procura do que me dizia…

- “Ó homem, deixe-se de conversa e abra um pote de fumo !”

Quando o fumo branco apareceu junto da copa das árvores logo fiquei a saber três coisas, onde estavam, qual a bolanha da discórdia e o sentido que a tropa queria seguir.

O passo seguinte foi fazer uma picada em direcção à mata que tinham pela frente e disparar os 8 foguetes que trazia, tentando neutralizar alguma possível emboscada,.

O pessoal agradeceu, fiquei a sobrevoar o local enquanto eles se meteram a caminho, a travessia fez-se sem qualquer incidente, só que….

Pelo tempo entretanto decorrido calculava que já deviam ter completado o percurso e avançado mata adentro, mas sem uma ideia precisa onde,... quando o fuzileiro do rádio me chamou:

- “Estão a disparar contra si!”.

Num momento tudo se modificou, ao olhar para a zona já não havia qualquer fumo branco, no meio do verde iam aparecendo aqui e ali uns pequenos cogumelos de fumo ou pó, sinal que alguma coisa ia rebentando, e riscos vermelhos que vinham lá da orla da mata e passavam perto de mim.

A minha reacção foi rápida e um pouco instintiva, voltei o avião para o onde vinham as balas tracejantes, iniciei uma picada apontado ao local, encolhi-me dentro do cockpit e … gastei as munições das minhas 4 metralhadoras.

Ainda estava a recuperar da picada e já o fuzileiro no rádio gritava a plenos pulmões que tinham 4 ou 5 feridos…

A dúvida instalou-se-me… “Querem ver que acertei nos nossos?”

Não podia ser, só tinha disparado para o local de onde saiam as malditas tracejantes a mim apontadas mas, por outro lado, uma coisa também era certa, já não fazia a mínima ideia por onde andariam aqueles fuzos tresmalhados.

Quando a situação serenou regressei a Bissau com as dúvidas a avolumarem-se, o ter ido à missão sozinho tornava-me mais vulnerável, não ter com quem desabafar ou partilhar ideias.

Uma vez aterrado resolvi ir falar com o Cmdt Grupo, lá lhe expliquei o que se tinha passado e os meus temores.

Ouviu-me atentamente, fez um comentário sobre os fuzileiros (censurado), no final deu-me folga para o resto do dia e um conselho, ir averiguar.

Assim fiz, soube que tinha saído o Dakota para Cufar para recolher os feridos, ao fim da tarde estava à espera da chegada do avião, lá vinham eles, 4 feridos, em macas, todos ligados e a soro, não podiam responder às minhas dúvidas.

Estava neste impasse quando, saídos do meio dos feridos, apareceram umas calças de camuflado e uma tshirt branca, a enfermeira pára-quedista que tinha feito o acompanhamento e agora ajudava a transportar os feridos do avião para a ambulância, ninguém melhor que ela para me poder dar a informação pretendida.

Muito de mansinho lá me fui abeirando e, num tom de voz aparentando alguma indiferença (o meu coração a bater), cumprimentei-a, que tal o tempo em Cufar, se a missão tinha corrido bem, … já agora… se os ferimentos eram graves e de que tipo.

Olhou-me espantada com aquele meu súbito interesse, algo não encaixava na sua cabeça, um piloto dos Fiats a tentar “meter conversa” nas horas de serviço?????

Depois abriu um sorriso, deve ter percebido os meus problemas.

- “Náa, têm uma série de buracos mas não correm perigo, levaram com estilhaços de um RPG”

A VIDA É BELA!!!

António Martins Matos
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14197: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (29): Aeronáutica na Guiné - Os CESSNA dos TAGP e os seus pilotos (Jorge Araújo)