1. Porque o Natal é quando o Homem quer e porque o nosso camarada Manuel Luís R. Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ
4512, Jumbembem,
1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma),
quis fazer a sua prova de vida, aqui temos uma ternurenta Fantasia de Natal enviada ao nosso Blogue ontem, dia 9 de Janeiro de 2015.
Amigo Carlos Vinhal:
Recebi recentemente um e-mail do nosso camarada Luís Graça, que tu também deves ter recebido, manifestando a sua preocupação em chegar ao ponto de recear telefonar para qualquer um de nós, temendo que o seu contacto seja já inoportuno, pedindo para dizermos "Ok, ainda estamos cá", como prova de vida.
Estando a rapaziada toda já "entradota", compreendo a sua preocupação.
Pela parte que me toca, aqui estou a dizer "OK, ainda estou por cá", enviando-te em anexo um texto para, se o entenderes, o publicares.
É um excerto do meu novo livro autobiográfico, prestes a ser editado, que contém uma mensagem de Natal, embora já um pouco extemporânea, para todos os companheiros.
Agora, amigo Carlos, com a publicação deste texto, ou a rapaziada gosta e vai adquirir o livro, espicaçada que foi, assim, a sua curiosidade, ajudando-me a escoar os livros que as editoras me "obrigam" a adquirir, mesmo sendo o autor, ou não gostam mesmo nada deste naco de prosa e o destino dos livros, além de um ou outro que vou por na estante, é uma pilha a um canto da garagem.
Como vês amigo, ainda cá estou e com algum sentido de humor.
Envio-te também uma fotografia para ilustração.
Um abraço para ti e para todos os companheiros, e respectivos familiares.
Bom Ano de 2016
Manuel Sousa
Fantasias de Natal…
Sempre me disseram, em criança, alimentando a minha fantasia, que o Menino Jesus, que eu via
habitualmente num dos altares da Capela de S. Luís, - Folgares, Vila Flor - muito pequenino, de feições
angelicais, de cabelo loiro, vestido com umas vestes brancas e resguardado numa redoma de vidro, nos
visitava na altura do Natal, entrando pela chaminé, para deixar uns presentes nos sapatos que ali
encontrasse.
Como é que aquele ser tão frágil e indefeso, – pensava comigo próprio, embora criança – tinha o
vigor físico para, pela calada da noite, ao frio, à chuva ou à neve, subir ao telhado da nossa casa e
descer depois ao interior, com a dificuldade acrescida de ali não existir qualquer chaminé? As chamas
da fogueira crepitavam livremente até ao tecto, saindo o fumo por entre as telhas.
Mesmo assim, pelo sim e pelo não, na noite de Consoada, à falta de sapatos, lá ia colocando os
socos junto à lareira, condição essencial para Ele deixar os presentes, segundo me diziam, na
expectativa de que aquele Menino seria mesmo capaz de vencer tais obstáculos e descer através das
"lares" para me deixar qualquer coisa – um carrinho, uma gaita. Oh...! Que alegria seria a minha.
No dia seguinte, ansiosamente, bem cedo, ia ver os socos que, para minha decepção e tristeza,
continuavam intactos e sem qualquer presente. A explicação dos meus pais era a de que ele não teria
brinquedos suficientes para todas as crianças, mas que, provavelmente, no ano seguinte seria a minha
vez, ou então, diziam-me, que ele não teria entrado pelo facto de a nossa casa não ter chaminé e de não
querer "enfurretar" as suas vestes alvas de neve na fuligem das "lares".
Serviam-me de algum consolo estas explicações e consolidava-se em mim aquela ideia de que o
Menino Jesus, tão frágil, correndo o risco de se partir o barro de que era feito, não seria capaz de subir
ao telhado da nossa casa. Isto por um lado. Por outro, chegava a pensar que Ele discriminava os meus
socos, visto que o habitual, segundo me diziam, era porem-se na lareira na noite de Natal os
sapatinhos. Coisa que eu não tinha.
Num desses anos da minha meninice, também por altura do Natal, encontrava-me na aldeia da
Carrapatosa, onde passava alguns períodos com a minha avó materna. Mais uma vez, na noite de
Consoada, levado pela mesma fantasia, a minha tia Aninhas aconselhou-me a colocar os socos no
canto da lareira antes de ir para a cama. Com alguma relutância o fiz, pela experiência anterior e visto
que a casa da minha avó também não tinha chaminé.
No dia seguinte, bem cedo, "inspeccionados" os socos, para minha surpresa e alegria, estavam
atacados de rebuçados. Como criança que era, rejubilei de felicidade! Perante esta realidade, e não
perdendo tempo em trincar e chupar alguns deles, percorrendo com o olhar toda a altura entre o tecto e
a lareira, não pude deixar de pensar que o Menino Jesus da Carrapatosa era muito mais audaz do que o
da minha terra, e imaginava como as suas vestes teriam ficado negras pela fuligem do cadeado das
"lares", por onde ele teria descido feito alpinista.
Logo nesse dia, na ida à missa de Natal com a minha avó, a tia Aninhas e os meus primos, à Capela de Santa Luzia, tive a curiosidade de reparar na sua imagem, supondo eu, pelo que fez durante a
noite, que estaria toda enfarruscada de fuligem.
Para minha admiração, estava imaculadamente limpa, como era habitual, o que me deixou
pensativo, concluindo que aquele menino em nada se comparava a outro qualquer. A mim, por
exemplo. Porque se eu fizesse o que ele fez, a minha roupa estaria que nem a de um carvoeiro,
impregnada de pó negro da lareira.
Só mais tarde tive a noção de que o Menino Jesus, para não se sujar e não apanhar o frio da
noite, fez o cambalacho com a tia Aninhas, que era mordoma da capela, incumbindo-a de ali colocar
os rebuçados, que Ele tinha requisitado na taberna, do Eugénio ou do Cassiano de Campelos, para
serem debitados na Sua "conta". Aqueles a que eu tinha direito – os socos estavam repletos – em
compensação dos anos anteriores que não me tinha trazido nada.
Que Menino Jesus nos abençoe a todos em geral e, especialmente, os ex-combatentes.
Manuel Sousa
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Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 9 de janeiro de 2016
Guiné 63/74 - P15595: Parabéns a você (1016): Manuel Vaz, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 798 (Guiné, 1965/67)
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Nota do editor
Último poste da série de 8 de Janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15591: Parabéns a você (1015): António Murta, ex-Alf Mil Inf do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)
Nota do editor
Último poste da série de 8 de Janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15591: Parabéns a você (1015): António Murta, ex-Alf Mil Inf do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)
sexta-feira, 8 de janeiro de 2016
Guiné 63/74 - P15594: Inquérito 'on line' (26): "Em 2016 prometo enviar mais fotos e/ou textos para o blogue"... Amigo/a, camarada, até domingo, às 18h44, promete que sim... Precisamos DESESPERADAMENTE de mais fotos e textos em 2016...
Foto nº1
Foto nº 1 A
Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Bajocunda > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 > Vista aérea de Bajocunda, que ficava a 11 km de Pirada, sede do batalhão. Vê-se, ao fundo, a pista de aviação. Foto (editada), proveniente do álbum do nosso camarada, de Silves, Amílcar Ventura.
Foto: © Amílcar Ventura (2009). Todos os direitos reservados. com a devida vénia
A. INQUÉRITO DE OPINIÃO: "EM 2016 PROMETO ENVIAR MAIS FOTOS E/OU TEXTOS PARA O BLOGUE"
1. Sim, vou enviar mais fotos > 14 (36%)
2. Sim, vou enviar mais textos > 9 (23%)
3. Talvez mande alguma coisa > 13 (34%)
4. Não, não tenciono mandar mais fotos > 3 (7%)
5. Não, não tenciono mandar mais textos > 1 (2%)
6. Não sei > 5 (13%)
Votos apurados: 38
Fim da consulta: domingo, dia 10, 18h44
B. Comentário do editor:
Há ou não mais textos e/ou fotos para mandar, este ano, para o blogue ?
Para já temos 38 respostas... Mas precisamos de mais... Acreditamos que o "filão da Guiné" está longe de se esgotar... É preciso "rapar o fundo ao tacho", camaradas... Precisamos DESESPERADAMENTE de mais textos e fotos para alimentar o "bicho insaciável" do nosso blogue... Por enquanto, isso ainda não paga IVA...
Apelamos sobretudo aos "periquitos" que ainda têm muito para dar ao nosso blogue... E aos "velhinhos", para que que tragam pela mão um filho, um neto, um bisneto...
Um dia ainda haveremos de orgulharmo-nos do nosso blogue e da Tabanca Grande que construímos juntos, tijolo a tijolo, morança a morança, poilão a poilão, irã a irã...
Alguns camaradas, poucos, já tiveram a gentileza de responder ao nosso convite, desafio, apelo, provocação, grito, SOS... Aqui ficam os seus nomes e respostas (que são também uma forma de "prova de vida"):
José Rodrigues Firmino:
"Bom ano, tenciono enviar algumas fotos, aquele abraço".
Rui Santos:
"É claro que serão fotos do tempo de tropa,
pois outras não fariam sentido,
vou tentar descobrir algumas que ainda não foram publicadas.
Prometo !!!"
Alcides Silva:
"De momento não tenho nada presente ou em memória para enviar,
com o tempo a passar poderá surgir alguma coisa,
Bom Ano para todos."
Armando Costa:
"É para já, vou enviar mais fotos,
é só algum tempo para digitalizar o álbum.
Um abraço e 2016 em grande".
Silvério Dias:
"Prometo enviar mais textos, palavra do 651!
Abraço de tabanqueiro!"
Nota do editor:
Último poste da série > 6 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15586: Inquérito 'on line' (25): Num total de 73 respondentes, há 31 (42,5%) que garante que o "fiel amigo", o bacalhau nunca faltou no Natal, no tempo da guerra"... Mas 1 em casa 4 não sabe ou não se lembra, o que é natural, depois de tantos Natais passados e de tantos fardos de bacalhau comidos...
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Silvério Dias (1º Srgt)
Guiné 63/74 - P15593: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (13): Um Herói à Minha Porta
1. Em mensagem do dia 8 de Dezembro de 2015, o nosso camarada Abílio
Magro (ex-Fur Mil Amanuense da CSJD/QG/CTIG, 1973/74), traz-nos o relato da reacção de um "herói" da Guiné incomodado com a passividade das autoridades metropolitanas.
Um Amanuense em terras de Kako Baldé
(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné)
13 - Um Herói à Minha Porta
Como referi anteriormente, eu prestava serviço na CSJD/QG/CTIG - Chefia de Serviço de Justiça e Disciplina do Quartel General do Comando Territorial Independente da Guiné, onde, como Furriel Miliciano Amanuense, coadjuvava um Alferes Miliciano na Secção de “Doenças”.
Esta Secção tratava dos processos de doenças, acidentes, ferimentos e mortes (em campanha, em serviço ou em combate) e a minha principal tarefa, para além dos registos, controle e arquivo, era a de verificar se os mesmos estavam devidamente instruídos, isto é; se continham todos os documentos obrigatórios (ficha do militar, testemunhos, relatórios médicos, etc.) e devolvê-los às Unidades instrutoras, se fosse caso disso.
Como devem calcular, durante a minha comissão militar na Guiné, passaram-me pelas mãos inúmeros processos daqueles, proporcionando-me um bom conhecimento do que, oficialmente, sucedeu em muitas das acções em que as NT (nossas tropas) sofreram baixas (ferimentos ou mortes) por acção directa ou indirecta do IN (inimigo – PAIGC).
Sendo o território da Guiné-Bissau muito pequeno (área equivalente ao nosso Alentejo), qualquer “embrulhanço” (ataque IN) sofrido pelas NT, era rapidamente conhecido em Bissau e os respectivos pormenores eram transmitidos facilmente de boca em boca. Contudo, à boa maneira portuguesa onde; “quem conta um conto acrescenta um ponto”, as notícias chegavam quase sempre exageradas, com algumas bravatas e inúmeras baixas à mistura, factos que não eram minimamente confirmados nos processos que, havendo feridos ou mortos, mais tarde me vinham “parar às mãos”.
Num determinado dia em Bissau, constou ter havido um “embrulhanço” às portas da cidade, sofrido por uma qualquer coluna de reabastecimento que dali saíra.
Falava-se então à boca cheia, entre militares, ter sido esse “embrulhanço” fruto de uma acção muito violenta do IN e onde morreram alguns militares e muitos outros ficaram feridos.
Nestes casos mais “mediáticos” eu tinha por hábito registar a notícia no meu “disco duro” e ficar a aguardar os eventuais processos referentes aos feridos e mortos, se os houvesse.
E houve! Não mortos, mas apenas dois ou três feridos ligeiros e os respectivos processos lá me vieram parar às mãos mais tarde e, se bem me lembro, o que afinal acontecera terá sido o seguinte:
Era uma pequena coluna de reabastecimento cujo destino já não me recordo. Lembro-me que na frente seguia um Unimog com milícias, no meio da coluna duas ou três viaturas com a carga e, a fechar, outro Unimog, mas com militares. A data altura rebenta um pneu da viatura da frente, o pessoal atira-se de imediato para o chão e desata a disparar a torto e a direito.
Resumindo: na queda um milícia partiu um pé, outro deslocou um braço e acho que foi só isso que aconteceu…
Passaram-me pelas mãos muitos processos do género, mas também muitos em que os nossos militares foram gravemente feridos ou mortos em circunstâncias horríveis. Muitos deles por falta de assistência, principalmente após a introdução na guerra, por parte do PAIGC, dos misseis Strella, que impediam a Força Aérea de prestar o apoio célere que até aí prestavam às forças terrestres.
Mas havia também muita bazófia e esta julgo que se estendia aos três TO’s (Teatros de Operações); Angola, Moçambique e Guiné e era usada mais frequentemente e provavelmente por quem, naquelas guerras, levou uma vida sossegada.
Um dos militares mais condecorados do Exército Português, o famoso Alferes Graduado Comando e guineense Marcelino da Mata (hoje Tenente-Coronel), embora reconhecidamente um grande guerreiro, exagerava imenso nos relatos das suas façanhas, referindo algumas vezes ter enfrentado e derrotado, com reduzido número de efectivos, um número elevado de elementos IN, verificando-se posteriormente em relatórios oficiais que nem o seu grupo era tão reduzido, nem o grupo IN tão elevado. Por vezes referia também árvores com mais de cem metros de altura [??].
Se mesmo aqueles cujos actos heróicos eram reconhecidos gostavam de acrescentar uns “pontos”, imaginem os outros que nunca se viram na necessidade de dar um tiro.
Recordo-me que, já depois do 25 de Abril e numa das minhas vindas de férias à Metrópole, ter-se passado comigo um pequeno episódio ao qual me lembrei de dar o título de : “Um herói à minha porta”.
Morava eu então na cidade do Porto, na Rua Aníbal Cunha onde, perto da minha residência, estava instalada a DORN do PCP.
Estávamos no mês de Agosto ou princípios de Setembro de 1974 e houve uma tentativa de assalto àquela sede do PCP, com tiros à mistura, pelo que havia dois cordões militares; um junto à Rua da Torrinha e outro junto à Faculdade de Farmácia (portanto, um no início e outro quase no final da rua) para impedir a passagem de pessoas. A mim deixaram-me passar por ser morador, mas fiquei por ali, junto à porta de entrada da minha residência, a ver o evoluir dos acontecimentos.
Acalmados os ânimos e abrandada a segurança, chega-se junto a mim um camarada da Guiné, dali daquelas Unidades Militares perto do QG/CTIG e que por cá se encontrava de férias, ou tinha terminado a comissão (não me recordo) e, acompanhado da respectiva namorada / mulher (?), começa com esta conversa:
- Ó Magro, estes gajos aqui a brincar às guerrinhas! Queria vê-los lá na Guiné, como nós, a aguentar aqueles ‘embrulhanços’!
Claro que não tive coragem para desmascarar o “herói do ar condicionado” junto da namorada, ou mulher, mas aquela narrativa era bem demonstrativa da bazófia que alguns dos nossos camaradas usavam junto de familiares e amigos para se arvorarem em bravos combatentes, ainda que muitos deles não tivessem dado qualquer tirito.
Provavelmente “arrumavam com eles à chapada”!
Nunca se sabe…, ele há “heróis” para tudo…!
____________
Nota do editor
Último poste da série de 3 de abril de 2014 Guiné 63/74 - P12928: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (12): Guerra copofónica
Um Amanuense em terras de Kako Baldé
(Para quem não sabe, Kako Baldé era o nome por que era conhecido, entre a tropa, o General Spínola. Kako – (caco) lente que o General metia no olho. Baldé – Nome muito comum na Guiné)
13 - Um Herói à Minha Porta
(bazófia militar)
Esta Secção tratava dos processos de doenças, acidentes, ferimentos e mortes (em campanha, em serviço ou em combate) e a minha principal tarefa, para além dos registos, controle e arquivo, era a de verificar se os mesmos estavam devidamente instruídos, isto é; se continham todos os documentos obrigatórios (ficha do militar, testemunhos, relatórios médicos, etc.) e devolvê-los às Unidades instrutoras, se fosse caso disso.
Como devem calcular, durante a minha comissão militar na Guiné, passaram-me pelas mãos inúmeros processos daqueles, proporcionando-me um bom conhecimento do que, oficialmente, sucedeu em muitas das acções em que as NT (nossas tropas) sofreram baixas (ferimentos ou mortes) por acção directa ou indirecta do IN (inimigo – PAIGC).
Sendo o território da Guiné-Bissau muito pequeno (área equivalente ao nosso Alentejo), qualquer “embrulhanço” (ataque IN) sofrido pelas NT, era rapidamente conhecido em Bissau e os respectivos pormenores eram transmitidos facilmente de boca em boca. Contudo, à boa maneira portuguesa onde; “quem conta um conto acrescenta um ponto”, as notícias chegavam quase sempre exageradas, com algumas bravatas e inúmeras baixas à mistura, factos que não eram minimamente confirmados nos processos que, havendo feridos ou mortos, mais tarde me vinham “parar às mãos”.
Num determinado dia em Bissau, constou ter havido um “embrulhanço” às portas da cidade, sofrido por uma qualquer coluna de reabastecimento que dali saíra.
Falava-se então à boca cheia, entre militares, ter sido esse “embrulhanço” fruto de uma acção muito violenta do IN e onde morreram alguns militares e muitos outros ficaram feridos.
Nestes casos mais “mediáticos” eu tinha por hábito registar a notícia no meu “disco duro” e ficar a aguardar os eventuais processos referentes aos feridos e mortos, se os houvesse.
E houve! Não mortos, mas apenas dois ou três feridos ligeiros e os respectivos processos lá me vieram parar às mãos mais tarde e, se bem me lembro, o que afinal acontecera terá sido o seguinte:
Era uma pequena coluna de reabastecimento cujo destino já não me recordo. Lembro-me que na frente seguia um Unimog com milícias, no meio da coluna duas ou três viaturas com a carga e, a fechar, outro Unimog, mas com militares. A data altura rebenta um pneu da viatura da frente, o pessoal atira-se de imediato para o chão e desata a disparar a torto e a direito.
Resumindo: na queda um milícia partiu um pé, outro deslocou um braço e acho que foi só isso que aconteceu…
Passaram-me pelas mãos muitos processos do género, mas também muitos em que os nossos militares foram gravemente feridos ou mortos em circunstâncias horríveis. Muitos deles por falta de assistência, principalmente após a introdução na guerra, por parte do PAIGC, dos misseis Strella, que impediam a Força Aérea de prestar o apoio célere que até aí prestavam às forças terrestres.
Mas havia também muita bazófia e esta julgo que se estendia aos três TO’s (Teatros de Operações); Angola, Moçambique e Guiné e era usada mais frequentemente e provavelmente por quem, naquelas guerras, levou uma vida sossegada.
Um dos militares mais condecorados do Exército Português, o famoso Alferes Graduado Comando e guineense Marcelino da Mata (hoje Tenente-Coronel), embora reconhecidamente um grande guerreiro, exagerava imenso nos relatos das suas façanhas, referindo algumas vezes ter enfrentado e derrotado, com reduzido número de efectivos, um número elevado de elementos IN, verificando-se posteriormente em relatórios oficiais que nem o seu grupo era tão reduzido, nem o grupo IN tão elevado. Por vezes referia também árvores com mais de cem metros de altura [??].
Se mesmo aqueles cujos actos heróicos eram reconhecidos gostavam de acrescentar uns “pontos”, imaginem os outros que nunca se viram na necessidade de dar um tiro.
Recordo-me que, já depois do 25 de Abril e numa das minhas vindas de férias à Metrópole, ter-se passado comigo um pequeno episódio ao qual me lembrei de dar o título de : “Um herói à minha porta”.
Morava eu então na cidade do Porto, na Rua Aníbal Cunha onde, perto da minha residência, estava instalada a DORN do PCP.
Estávamos no mês de Agosto ou princípios de Setembro de 1974 e houve uma tentativa de assalto àquela sede do PCP, com tiros à mistura, pelo que havia dois cordões militares; um junto à Rua da Torrinha e outro junto à Faculdade de Farmácia (portanto, um no início e outro quase no final da rua) para impedir a passagem de pessoas. A mim deixaram-me passar por ser morador, mas fiquei por ali, junto à porta de entrada da minha residência, a ver o evoluir dos acontecimentos.
Acalmados os ânimos e abrandada a segurança, chega-se junto a mim um camarada da Guiné, dali daquelas Unidades Militares perto do QG/CTIG e que por cá se encontrava de férias, ou tinha terminado a comissão (não me recordo) e, acompanhado da respectiva namorada / mulher (?), começa com esta conversa:
- Ó Magro, estes gajos aqui a brincar às guerrinhas! Queria vê-los lá na Guiné, como nós, a aguentar aqueles ‘embrulhanços’!
Claro que não tive coragem para desmascarar o “herói do ar condicionado” junto da namorada, ou mulher, mas aquela narrativa era bem demonstrativa da bazófia que alguns dos nossos camaradas usavam junto de familiares e amigos para se arvorarem em bravos combatentes, ainda que muitos deles não tivessem dado qualquer tirito.
Provavelmente “arrumavam com eles à chapada”!
Nunca se sabe…, ele há “heróis” para tudo…!
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Nota do editor
Último poste da série de 3 de abril de 2014 Guiné 63/74 - P12928: Um Amanuense em terras de Kako Baldé (Abílio Magro) (12): Guerra copofónica
Guiné 63/74 - P15592: Notas de leitura (794): "Autópsia dum livro proibído", por Armor Pires Mota, edição de autor, 2015 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Janeiro de 2016:
Queridos amigos,
Armor Pires Mota é alguém com papel determinante na literatura da guerra colonial. O seu romance "Estranha noiva de guerra" é obra incomparável, está no topo dos grandes legadas literários. "Tarrafo" é um documento assombroso, não conheço outro diário escrito e publicado semanas depois num órgão da imprensa regional.
Como também não podemos desmerecer de "Cabo Donato Pastor de Raparigas" e de "A cubana que dançava flamengo".
Toda a sua obra em torno da guerra é de perda e redenção, o herói atasca-se nas circunstâncias e em dado momento roça o sublime, cruza civilizações, culturas, supera preconceitos, apresenta-se no quotidiano sempre com o passaporte da coragem.
Lamento que a sua obra ande dispersa em edições de autor e que a crítica o desconheça, não conheço tão grave injustiça.
A todos incito a que leiam Armor Pires Mota.
Um abraço do
Mário
Autópsia dum livro proibido, por Armor Pires Mota
Beja Santos
Com data de Novembro de 2015, temos novo regresso de Armor Pires Mota à Guiné. O livro intitula-se “Autópsia dum livro proibido”, edição de autor. O ponto de partida é “Tarrafo", livro publicado primeiro sob a forma de crónicas no Jornal da Bairrada, e depois sob a forma de livro. A censura esteve indiferente ao que saía no jornal, depois surgiu o livro, bem recebido pela crítica, intelectuais afetos ao regime saudaram vivamente esta prosa nova. Em Dezembro de 1965, a PIDE recolheu Tarrafo das livrarias e foi a casa do autor. O livro terá gerado polémica nas Forças Armadas, alvoroço no Ministério da Defesa. Para o autor, “Trata-se de um livro que fala da extensão de guerrilha no Norte, Centro e Sul, das diversas ações das nossas tropas, do tipo de armamento do inimigo, da violência dos guerrilheiros sobre os chefes gentílicos, nomeadamente a matança de muitos régulos que, de início, não alinhavam muito com o PAIGC". A edição censurada de Tarrafo viria a ser publicada em 2013. O parecer das Forças Armadas foi transmitido à Comissão de Censura, encaminhada para o ministro da Defesa, a PIDE fez o resto. De que era acusado Armor Pires Mota? De vários delitos, com se transcreve:
“Quase todas as crónicas relatam operações com acentuada crueza, descrição amiudada e pormenorizada de mortes e de feridos, valorizando o inimigo”; “O retrato que faz da província da Guiné é de miséria”; “No seu conjunto, a obra é desmoralizante para a retaguarda e para todos aqueles que tiverem que servir na província”.
Mas houve, na época, reação viva a esta apreensão. O chefe de gabinete do ministro do Exército enviava ao ministro da Defesa o parecer do Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército:
“Não alcanço, realmente, as razões da apreensão de um livro escrito por um alferes na disponibilidade que viveu a guerra na Guiné durante dois anos, e através de cujas páginas o esforço das nossas tropas, as suas dificuldades e os seus problemas são devidamente realçados.
A meu ver, julgo que fazem falta livros destes, escritos por autores desconhecidos e independentes mas sinceros, a contar ao povo o que fazem os nossos soldados no Ultramar”. Resta ainda esclarecer que houve uma segunda edição, incluía novas crónicas, e com pequenos cortes relativamente à edição anterior. O autor confessa-se:
“O livro perdia alguma genuinidade, mas ganhava alguma performance literária nas novas crónicas que, não compensava a genuinidade da primeira edição, reconheço, passados todos estes anos”.
Armor Pires Mota apensa dados novos: a recruta e a mobilização, a formação do Batalhão 490, em Janeiro de 1963, meses depois partem para a Guiné. Ao batalhão foi atribuída a pior das missões, unidade de intervenção às ordens de Louro de Sousa, lá vão a caminho de Mansoa, Mansabá e Bissorã, são várias as operações ao Morés. Estamos em Novembro de 1963:
“Morés acabou por ser ocupado pelas nossas tropas, depois de muita luta, alguns mortos e feridos. Ali foi hasteada até a bandeira nacional. Visitou o local o comandante-chefe”. No início de 1964, Armor parte para a “Operação Tridente”. O PAIGC reagiu fortemente à ocupação do Como, mas acabou por se retirar. Foram destruídos dois acampamentos, houve 76 mortos confirmados, as nossas tropas sofreram oito. No fim da operação, já um pelotão atravessava sem problemas a ilha. E transcreve a carta em que Nino pedia ajuda às forças do PAIGC na vizinhança, hoje um documento muito citado:
“Camaradas achei obrigado a dirigir-vos estas linhas porque sei que já não tenho nenhuma safa a não que dirigindo-me a vós. Hoje já se faz 48 dias que os nossos camaradas estão enfrentando corajosamente as forças inimigas. Queria que os camaradas retirassem juntamente com a população conforme na solução tomada pelo nosso secretário-geral. Mas o que é certo é que é impossível, porque não temos caminho de fazê-los sair. Por isso agradecia-vos que me mandassem reforços, vindos de todas as partes. Camaradas tenham paciência porque não tenho outra safa a não ser o vosso auxílio”.
É um documento muito pessoal o que Armor Pires Mota nos oferece neste livro, enchendo-o de peripécias, casamentos, alegrias e tristezas. E chegamos a um parágrafo fulcral, como não conheço outro, a propósito da nossa tão desejada correspondência, não resisto à sua transcrição integral:
“A carta era a oração de mão, trespassada de dor e de viva esperança em Deus e nos santos da sua devoção. A carta era a fotografia, o sorriso, o coração grande da noiva, derretendo-se em palavras melodiosas, abrindo-se em sonhos e projetos, em beijos. A carta era o conselho e a força de amigo. A carta era a seara verde em promessas de ouro e o vinho acetinado de uvas amadurecidas. A carta era o melhor sedativo para uma cicatriz ou um rasgão, uma couraça para um estilhaço. Uma couraça forte que podia salvar uma vida das garras terrivelmente aguçadas e sangrentas da metralha atroz. A carta era a terra, o arraial, a Romaria do padroeiro de cada um. As cartas eram a coragem e a fé, a força renascida, a esperança mais viva e mais larga, do tamanho da distância”.
Desembarque em Lisboa em 14 de Agosto de 1965:
“Fui recebido como um herói, que nunca fui. Não tive um único louvor, e muito menos uma medalha, mas sei que cumpri todas as missões que me confiaram”. Com os anos, fortaleceram-se certas amizades de guerra. Transcreve lindos parágrafos de aerogramas que enviou a Lili, sua madrinha de guerra, namorada e mulher, datadas de Bissorã, Ilha do Como, Jumbembem, Bissau e Bula. Transcreve crónicas, ficamos a saber que houve interrogatórios desalmados, que havia forças do PAIGC que cortavam as orelhas a quem não se queria juntar à guerrilha. Há parágrafos lindos nas suas memórias, por exemplo naquela manhã em que subiu para a vedeta Nuno Tristão, no fim da sua participação na Operação Tridente:
“Pousei a arma em sítio seguro e esfreguei as mãos. Depois, passei, por acaso, os olhos por o jornal antigo e achei-me completamente a leste do mundo, nalgum lugar ou buraco onde não chegam notícias nenhumas, longe dele, sem saber dos males que então grassavam por esse mundo de Cristo, sem saber dos últimos escândalos. Subi à torre de comando e disse ao mar palavras de libertação que ninguém ouviu”.
Trata-se de um grande documento, só há a lamentar o risco de ficar confinado a uma pequena edição de autor.
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Nota do editor
Último poste da série de 4 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15576: Notas de leitura (793): "Testemunhos de Guerra, Angola, Guiné e Moçambique, 1961-1974", publicação que acompanhou uma exposição que se realizou no Museu Militar do Porto entre Abril de 2000 e Março de 2001 (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Armor Pires Mota é alguém com papel determinante na literatura da guerra colonial. O seu romance "Estranha noiva de guerra" é obra incomparável, está no topo dos grandes legadas literários. "Tarrafo" é um documento assombroso, não conheço outro diário escrito e publicado semanas depois num órgão da imprensa regional.
Como também não podemos desmerecer de "Cabo Donato Pastor de Raparigas" e de "A cubana que dançava flamengo".
Toda a sua obra em torno da guerra é de perda e redenção, o herói atasca-se nas circunstâncias e em dado momento roça o sublime, cruza civilizações, culturas, supera preconceitos, apresenta-se no quotidiano sempre com o passaporte da coragem.
Lamento que a sua obra ande dispersa em edições de autor e que a crítica o desconheça, não conheço tão grave injustiça.
A todos incito a que leiam Armor Pires Mota.
Um abraço do
Mário
Autópsia dum livro proibido, por Armor Pires Mota
Beja Santos
Com data de Novembro de 2015, temos novo regresso de Armor Pires Mota à Guiné. O livro intitula-se “Autópsia dum livro proibido”, edição de autor. O ponto de partida é “Tarrafo", livro publicado primeiro sob a forma de crónicas no Jornal da Bairrada, e depois sob a forma de livro. A censura esteve indiferente ao que saía no jornal, depois surgiu o livro, bem recebido pela crítica, intelectuais afetos ao regime saudaram vivamente esta prosa nova. Em Dezembro de 1965, a PIDE recolheu Tarrafo das livrarias e foi a casa do autor. O livro terá gerado polémica nas Forças Armadas, alvoroço no Ministério da Defesa. Para o autor, “Trata-se de um livro que fala da extensão de guerrilha no Norte, Centro e Sul, das diversas ações das nossas tropas, do tipo de armamento do inimigo, da violência dos guerrilheiros sobre os chefes gentílicos, nomeadamente a matança de muitos régulos que, de início, não alinhavam muito com o PAIGC". A edição censurada de Tarrafo viria a ser publicada em 2013. O parecer das Forças Armadas foi transmitido à Comissão de Censura, encaminhada para o ministro da Defesa, a PIDE fez o resto. De que era acusado Armor Pires Mota? De vários delitos, com se transcreve:
“Quase todas as crónicas relatam operações com acentuada crueza, descrição amiudada e pormenorizada de mortes e de feridos, valorizando o inimigo”; “O retrato que faz da província da Guiné é de miséria”; “No seu conjunto, a obra é desmoralizante para a retaguarda e para todos aqueles que tiverem que servir na província”.
Mas houve, na época, reação viva a esta apreensão. O chefe de gabinete do ministro do Exército enviava ao ministro da Defesa o parecer do Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército:
“Não alcanço, realmente, as razões da apreensão de um livro escrito por um alferes na disponibilidade que viveu a guerra na Guiné durante dois anos, e através de cujas páginas o esforço das nossas tropas, as suas dificuldades e os seus problemas são devidamente realçados.
A meu ver, julgo que fazem falta livros destes, escritos por autores desconhecidos e independentes mas sinceros, a contar ao povo o que fazem os nossos soldados no Ultramar”. Resta ainda esclarecer que houve uma segunda edição, incluía novas crónicas, e com pequenos cortes relativamente à edição anterior. O autor confessa-se:
“O livro perdia alguma genuinidade, mas ganhava alguma performance literária nas novas crónicas que, não compensava a genuinidade da primeira edição, reconheço, passados todos estes anos”.
Armor Pires Mota apensa dados novos: a recruta e a mobilização, a formação do Batalhão 490, em Janeiro de 1963, meses depois partem para a Guiné. Ao batalhão foi atribuída a pior das missões, unidade de intervenção às ordens de Louro de Sousa, lá vão a caminho de Mansoa, Mansabá e Bissorã, são várias as operações ao Morés. Estamos em Novembro de 1963:
“Morés acabou por ser ocupado pelas nossas tropas, depois de muita luta, alguns mortos e feridos. Ali foi hasteada até a bandeira nacional. Visitou o local o comandante-chefe”. No início de 1964, Armor parte para a “Operação Tridente”. O PAIGC reagiu fortemente à ocupação do Como, mas acabou por se retirar. Foram destruídos dois acampamentos, houve 76 mortos confirmados, as nossas tropas sofreram oito. No fim da operação, já um pelotão atravessava sem problemas a ilha. E transcreve a carta em que Nino pedia ajuda às forças do PAIGC na vizinhança, hoje um documento muito citado:
“Camaradas achei obrigado a dirigir-vos estas linhas porque sei que já não tenho nenhuma safa a não que dirigindo-me a vós. Hoje já se faz 48 dias que os nossos camaradas estão enfrentando corajosamente as forças inimigas. Queria que os camaradas retirassem juntamente com a população conforme na solução tomada pelo nosso secretário-geral. Mas o que é certo é que é impossível, porque não temos caminho de fazê-los sair. Por isso agradecia-vos que me mandassem reforços, vindos de todas as partes. Camaradas tenham paciência porque não tenho outra safa a não ser o vosso auxílio”.
É um documento muito pessoal o que Armor Pires Mota nos oferece neste livro, enchendo-o de peripécias, casamentos, alegrias e tristezas. E chegamos a um parágrafo fulcral, como não conheço outro, a propósito da nossa tão desejada correspondência, não resisto à sua transcrição integral:
“A carta era a oração de mão, trespassada de dor e de viva esperança em Deus e nos santos da sua devoção. A carta era a fotografia, o sorriso, o coração grande da noiva, derretendo-se em palavras melodiosas, abrindo-se em sonhos e projetos, em beijos. A carta era o conselho e a força de amigo. A carta era a seara verde em promessas de ouro e o vinho acetinado de uvas amadurecidas. A carta era o melhor sedativo para uma cicatriz ou um rasgão, uma couraça para um estilhaço. Uma couraça forte que podia salvar uma vida das garras terrivelmente aguçadas e sangrentas da metralha atroz. A carta era a terra, o arraial, a Romaria do padroeiro de cada um. As cartas eram a coragem e a fé, a força renascida, a esperança mais viva e mais larga, do tamanho da distância”.
Desembarque em Lisboa em 14 de Agosto de 1965:
“Fui recebido como um herói, que nunca fui. Não tive um único louvor, e muito menos uma medalha, mas sei que cumpri todas as missões que me confiaram”. Com os anos, fortaleceram-se certas amizades de guerra. Transcreve lindos parágrafos de aerogramas que enviou a Lili, sua madrinha de guerra, namorada e mulher, datadas de Bissorã, Ilha do Como, Jumbembem, Bissau e Bula. Transcreve crónicas, ficamos a saber que houve interrogatórios desalmados, que havia forças do PAIGC que cortavam as orelhas a quem não se queria juntar à guerrilha. Há parágrafos lindos nas suas memórias, por exemplo naquela manhã em que subiu para a vedeta Nuno Tristão, no fim da sua participação na Operação Tridente:
“Pousei a arma em sítio seguro e esfreguei as mãos. Depois, passei, por acaso, os olhos por o jornal antigo e achei-me completamente a leste do mundo, nalgum lugar ou buraco onde não chegam notícias nenhumas, longe dele, sem saber dos males que então grassavam por esse mundo de Cristo, sem saber dos últimos escândalos. Subi à torre de comando e disse ao mar palavras de libertação que ninguém ouviu”.
Trata-se de um grande documento, só há a lamentar o risco de ficar confinado a uma pequena edição de autor.
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Nota do editor
Último poste da série de 4 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15576: Notas de leitura (793): "Testemunhos de Guerra, Angola, Guiné e Moçambique, 1961-1974", publicação que acompanhou uma exposição que se realizou no Museu Militar do Porto entre Abril de 2000 e Março de 2001 (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P15591: Parabéns a você (1015): António Murta, ex-Alf Mil Inf do BCAÇ 4513 (Guiné, 1973/74)
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Nota do editor
Último poste da série de 7 de Janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15587: Parabéns a você (1014): Mário Lourenço, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAV 2639 (Guiné, 1969/71)
Nota do editor
Último poste da série de 7 de Janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15587: Parabéns a você (1014): Mário Lourenço, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAV 2639 (Guiné, 1969/71)
quinta-feira, 7 de janeiro de 2016
Guiné 63/74 - P15590: O nosso blogue em números (38): O nº médio de comentários, por poste, foi de 4, em 2015, menos 2 do que em 2011 e 2012... Estamos a comentar menos, talvez o nosso filão se esteja a esgotar... mas por outro lado o sistema de filtragem do Blogger (para impedir o SPAM) é agora mais desmotivador para os nossos leitores: para se comentar tem que se dizer (e mostrar) que não se é nenhum robô!
Gráfico - Nº (médio) de comentários por poste e por ano: em 2015 foi de 4.
1. O número de comentários atingiu, no final do ano de 2015, um total de 61400, mais 5730 do que no ano anterior... Em média por ano e por poste estamos agora nos 4 comentários (Gráfico supra).
Estamos a comentar menos do que nos anos anteriores, o que é normal: em 2011 e 2012, o nº médio de comentários por poste era de 6... Também é sintoma de algum cansaço e de menos interesse pelo blogue, apesar de termos vindo a aumentar o nº de membros da Tabanca Grande. Muito provavelmente a "velhice" vem agora cá menos vezes do que a "periquitagem"...
Será que o "filão da Guiné" está-se a esgotar ?
Mas é bom não esquecer que agora é muito mais difícil comentar do que há um ano, apesar de continuarmos a funcionar sem moderação: o nosso servidor tem um sistema de filtragem que nos obriga a dizer (e a mostrar) que não somos nenhum robô... O objetivo (louvável) é impedir o SPAM nos comentários aos nossos postes... Mas o controlo pode ser maçador (e desmotivador) para alguns dos nossos leitores... O ideal é cada um de nós estar registado no Blogger, isto é, ter uma conta no Google...
Camaradas e amigos, aproveitem para dizer da vossa justiça, comentando este poste e estes números. LG
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Nota do editor:
Guiné 63/74 - P15589: Facebook...ando (38): As reuniões das quartas-feiras da Tabanca de Matosinhos (Maria Isilda)
No último Convívio das quartas-feiras da Tabanca de Matosinhos, Maria Isilda [na foto à direita], esposa do nosso camarada Mário Guerra que pertenceu ao BCAÇ 2845 (Guiné, 1968/70), fez e leu estas quadras aos comensais presentes:
A reunião da Tabanca
Que se faz semanalmente
É um vício que pegou
Na vida de muita gente
Vê-se antigos camaradas
Com histórias que são iguais
Mas de cada vez que as contam
Parece que dizem mais
Eu fiz isto, tu aquilo
Estive na zona pior
É pá, não me digas isso
Que a minha era bem pior
Sofreram todos por igual
Atirados para uma guerra
Que em nome de Portugal
Matou as gentes da terra
A maioria voltou
Com histórias para contar
Mas esses que lá ficaram
Não voltarão a falar
Que todos os que aqui estão
continuem a gozar
Da companhia uns dos outros
Até o século acabar
Maria Isilda
____________
Notas do editor:
Vd. Facebook da Tabanca de Matosinhos Tertúlia
Último poste da série de 23 de dezembro de 2014 Guiné 63/74 - P14073: Facebook...ando (37): Cartão de Boas Festas (Maria Alice Carneiro)
A reunião da Tabanca
Que se faz semanalmente
É um vício que pegou
Na vida de muita gente
Vê-se antigos camaradas
Com histórias que são iguais
Mas de cada vez que as contam
Parece que dizem mais
Eu fiz isto, tu aquilo
Estive na zona pior
É pá, não me digas isso
Que a minha era bem pior
Sofreram todos por igual
Atirados para uma guerra
Que em nome de Portugal
Matou as gentes da terra
A maioria voltou
Com histórias para contar
Mas esses que lá ficaram
Não voltarão a falar
Que todos os que aqui estão
continuem a gozar
Da companhia uns dos outros
Até o século acabar
Maria Isilda
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Notas do editor:
Vd. Facebook da Tabanca de Matosinhos Tertúlia
Último poste da série de 23 de dezembro de 2014 Guiné 63/74 - P14073: Facebook...ando (37): Cartão de Boas Festas (Maria Alice Carneiro)
Guiné 63/74 - P15588: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXVII Parte): Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 3 e Anexos (Fim)
1.
Parte XXVII de "Guiné, Ir e Voltar", série do nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil da CCAV 489, Cuntima e Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67.
GUINÉ, IR E VOLTAR - XXVII
Uns continuaram nessas guerras, outros noutras (III) e Anexos
O Passos, alferes da 4.ª Rep/QG e um dos últimos companheiros de Bissau, antes de ter sido mobilizado trabalhara no Parque Mayer, fora electricista e contra-regra, convivera com actores e coristas. Quando regressou foi visitá-los, andou por lá uns tempos, enquanto acabava o curso. Depois, foi para a CP, mais um engenheiro, pois claro. A última vez que se viram, já lá vão quase duas décadas, onde havia de ser, foi num alfa pendular do Porto para Lisboa.
O Amândio César, um poço de energia, continuou a escrever e a publicar, até à maré baixar para ele e para quem pensasse como ele.
No dia 28 de Setembro de 1974, com o interior vestido de luto pela morte da sua Pátria, escapou por um triz de ser linchado em Coimbra. Conseguiu safar-se, refugiou-se no seu Minho natal, passou a fronteira para Espanha e foi para o Brasil até os tempos de fúria acalmarem. Morreu desgostoso com o rumo que o país tinha tomado num dia de Agosto de 1987.
Mário Dias enveredou pela carreira militar. Ainda fez mais três comissões, uma em Moçambique e duas em Angola. O 25/4 apanhou-o em Cabinda.
Na reserva já há alguns anos, ainda recorda os tempos dos Comandos da Guiné como os que mais o marcaram.
Ainda muito jovem fora com os pais viver para a Guiné. Estudou no liceu de Bissau onde foi colega de vários guineenses que mais tarde se tornaram conhecidos na luta de libertação.
Como se previa, o Piçarra1, o alferes companheiro de quarto do Hospital Militar de Bissau, esteve largos meses na Estrela, no Hospital Militar Principal. Depois de várias cirurgias, foi para Alcoitão fazer fisioterapia e aprender a utilizar as próteses. Por influência do Movimento Nacional Feminino, segundo disseram, arranjaram-lhe um emprego numa grande empresa, na outra margem do Tejo.
O Capitão Viegas, um dos companheiros da viagem de regresso, entre as comissões foi estudando Direito até se licenciar. Estagiou num gabinete de advogados, muito conhecido em Lisboa, enquanto foi andando por ali acima até General. Foi nomeado Chefe do Estado-Maior do Exército, com a aprovação do Presidente da República, seu ex-colega do escritório de advocacia. O outro militar, apontado por outras esferas como tendo uma folha de serviços mais brilhante para o cargo de chefe máximo do Exército, foi o General Leandro, veja-se a coincidência.
O Ministro da Defesa Paulo Portas, mão na porta à saída de um Conselho de Ministros, considerou publicamente que o General Viegas tinha um perfil mais adequado que o General Garcia Leandro. Tão adequado que tempos depois recebeu uma carta a dizer que o nomeado se demitia das funções por ter perdido a confiança no Ministro. É isso, foi mesmo assim.
O Brigadeiro Reymão Nogueira, acabada a comissão foi colocado como Governador Militar de Lisboa e permaneceu no cargo ainda uns anos, até passar à reserva.
Poucos anos depois de regresso, nos princípios da década de 70, numa tarde de inverno em Guimarães, o Albino, o soldado da MG-42, passinho miúdo, lesto como um carteirista, esgueirava-se por aquelas ruas estreitas, cheias de gente. Teve que apressar o passo para o apanhar. Albino, que é que tens feito? Sentaram-se num café, falaram da vida, o Albino ainda à procura de um rumo. Saí ontem de Paços de Ferreira, do estabelecimento prisional. Vidas, meu alferes! Morreu cedo, poucos anos depois deste reencontro.
O Furriel Ázera ainda ficou na Guiné até Agosto de 67, administrativamente ligado à nova Companhia de Comandos. Foi colocado num gabinete pacato, a tratar de papelada. O local é que não era o melhor, ficava junto ao cemitério.
Quase todos os dias ouvia as descargas da praxe, que se usam nos enterros militares. Não aguentou mais. Um dia foi ter com o Capitão Alves Cardoso, o Comandante da 3.ª Companhia de Comandoss, pediu-lhe que o incorporasse num dos grupos.
Voltou assim à guerra até acabar o tempo. Depois regressou aos Açores e à sua bela cidade, Praia da Vitória. Mas nunca mais recuperou a alegria de viver. Sem paz há tantos anos, conhece os antidepressivos e os tranquilizantes melhor que muitos médicos.
O Vítor Caldeira, o alferes que substituiu o Vilaça nos "Vampiros", também passou ao Quadro Permanente. Fez uma comissão nos Comandos em Moçambique e, já depois do 25 de Abril, encontrou no Casão Militar o então Coronel Garcia Leandro, que tinha sido nomeado Governador de Macau. Por onde anda Caldeira? Quer vir para meu Ajudante de Campo, para Macau? E foi.
Na tarde de um domingo de Agosto, a TV da Sala de Sargentos da Escola Prática de Infantaria de Mafra estava a passar um filme para um único espectador, o Sargento Tudela, o antigo Cabo Tudela dos “Vampiros”.
Entrou um tipo, sentou-se quase em frente ao sargento. Boa tarde, respondeu o Tudela sem despegar os olhos do filme. Passaram a ser dois espectadores. Num momento olharam-se nos olhos e, num lampejo o velho Tudela deve ter dito lá para ele, donde é que eu conheço este gajo? Os dois pares de olhos concentraram-se de novo no filme.
Então, que tal o filme, perguntou o recém-chegado? Que dava para entreter, não havia mais nada para fazer naquela tarde de domingo. Passaram-se mais uns minutos e a coisa não atava nem desatava. Até que o intruso se voltou para o Tudela, eu conheço-o, não sei é donde.
A sua cara não me é estranha também, respondeu meio desinteressado.
De onde será, de onde não será, o visitante a insistir, mas sem grande entusiasmo da parte do velho sargento.
Não me está a conhecer, Tudela? Não pode ser, o meu comandante da Guiné!
Depois esqueceram-se do tempo a ouvirem-se um ao outro. Que tinha 77 feitos. Que depois da Guiné, tinha ido para Angola, depois para Moçambique, depois para Mafra e por lá tem estado estes anos todos. Que é diabético, já não tem um dedo do pé. E que nunca viveu uma vida tão apaixonante como aquela que passou nos Comandos da Guiné. Que ia passar uns dias a casa dele a Cantanhede, uma casa pintada de amarelo, junto ao restaurante Marquês de Marialva e que depois regressava a Mafra, a sua verdadeira casa.
Não se queriam deixar nem por nada. Depois ainda se encontraram mais duas vezes, até um dia receber uma chamada de um camarada. O Tudela morreu, escorregou nas escadas do convento.
Generais, sargentos, cabos, capitães, coronéis, civis, Comandos velhos da campanha da Guiné, assistiram à saída do velho Tudela do convento, rumo à última viagem até Cantanhede.
A Lurdes, a paixão do Luís, continuou em Bissau e segundo alguns conhecidos, já nos finais da década de 60 continuava a namorar Comandos, desta vez um furriel. Chegado o 25 de Abril e com todo o movimento que se seguiu foi viver para uma das ilhas de Cabo Verde. Casou com um conhecido comandante do PAIGC.
O Marques de Matos, Chefe de Equipa dos “Diabólicos”, tantos anos sem saberem uns dos outros, um dia deu sinal de vida. O que é feito de mim?
Ora, andei para a frente, comecei por vender máquinas Rank Xerox, daquelas grandes. Um dia, o meu padrinho de casamento encontrou-me acidentalmente na rua. Fernando, queres vir para os seguros?
Fui, comecei quase como paquete, subi e desci na carreira profissional, quando desci, tome-se nota, foi porque sempre me recusei a vergar a espinha. Igual a mim próprio, sempre recto nos procedimentos e nas relações, lembro-me assim desde pequeno. E quando caí, preferi que fosse eu a dar o sinal de queda. Sem ninguém se aperceber, deixar-me cair em sentido, sabe do que estou a falar?
Um dia fiz a queda facial tão a preceito que ia quebrando o nariz.
Devem ter visto que tinha algo que se devia preservar, promoveram-me a director da companhia. Esgalhei, dei tudo o que tinha, até o meu coração me avisar que lhe estava a pedir demasiado. Tive que meter travões, antecipei a retirada.
Mas mantenho-me activo, visito famílias onde há carências, estou a falar da fome. Levo-lhes comida e também companhia. Ah! E confesso, sempre tive um norte na minha vida, Deus! Deu-me sinal que existe, mais que uma vez. Tenho dois filhos adultos, netos, uma casa à beira do mar onde faço uns grelhados de peixe de fazer inveja ao “Índio” de Vila Nova da Cacela e até aprendi a ler a vida nas mãos das pessoas.
E um imenso orgulho de ter feito parte dos Comandos. Não, não cobro nada por dizer isto. Muitas coisas que aconteceram já não existem na minha memória. Outras persistem, não me deixam, como algumas que ocorreram numa estadia do nosso grupo em Barro. A imagem da bajuda mortalmente atingida, ainda quente, um qualquer a aproximar-se dela, a baixar as calças e eu a ver e a mostrar-me igual a mim próprio. Parece que foi ontem!
O Azevedo, outro furriel do grupo, deu sinais de vida. Continua a viver em Ovar. Do outro lado da linha ouvia-se algazarra de miúdos. Netos, Azevedo? Seis, comandante! Uma ou duas semanas depois, passava na A1 perto do desvio para Aveiro. Lembrou-se do Azevedo, aquele magnífico furriel dos “Diabólicos”. Azevedo, está a trabalhar? Eu estou sempre a trabalhar, comandante! Estou próximo do desvio para Aveiro, de regresso a Lisboa, mas para o ver vou para a frente ou para trás, o que for preciso, Azevedo, quero é dar-lhe um abraço! Sai no desvio para a Vila da Feira, passa a portagem, uma rotunda a seguir, corta na segunda à direita, nova rotunda, outra vez na 2.ª à direita, estou lá à sua espera para lhe dar um abraço, comandante. Assim fez, parou o carro, e agora onde pára o Azevedo? Sai-lhe de um Mercedes azul, ainda novo, um tipo gordo, careca, de bigode à Pancho Villa. Era o Azevedo, mas a melena farta desapareceu e o peso quase tinha duplicado. Pois o Azevedo, depois de regressar, empregou-se numa conhecida empresa de Ovar.
Quem fala? “Angola”, é você? A resposta do outro lado demorou. Era ele, o magnífico soldado "Angola", no nome e no registo militar Soldado Fernando de Bessa Afonso.
E 42 anos depois retomavam o contacto. Um ou dois meses depois teve que deslocar-se ao Porto. É hoje que vou rever o "Angola". Combinaram encontrar-se naquela linda cidade, junto ao "Gil Eanes", pousado no Lima, cansado das largas viagens que fez como navio-hospital da frota bacalhoeira.
O "Angola" apareceu-lhe, bem apresentado, como se fosse para uma formatura. Cabelo farto, barba cuidada, da cor que os anos fazem, tudo branco. Da emoção do reencontro, ficou um abraço que nunca mais acabava.
Na esplanada de um café da Av. dos Combatentes, aquela linda avenida de Viana, deixou-o discorrer.
O meu alferes nunca soube, se calhar, mas eu tenho uma história comprida. Nasci em Angola. Quando chegou o tempo da tropa ofereci-me para os Páras. Fiz o curso e, no fim, tive direito a umas férias. Não me apresentei na data que estava indicada. Fui expulso e mobilizado para a Guiné. Fui para o BCav 490, em rendição individual, para Cuntima. Sim, para Cuntima, junto à fronteira com o Senegal. E o meu alferes chegou lá um ou dois meses depois. Depois fui para os Comandos, para o seu Grupo.
E depois da comissão na Guiné, fui convidado pelo Capitão Saraiva e, olhe, fui com ele para Moçambique, integrado na 9.ª CCmds. Infelizmente, o Cap. Saraiva pisou uma anti-pessoal e ficou gravemente ferido. Se eu estava lá com ele? Claro, foi na serra do Mapé, eu próprio fui um dos que o assistiu. Quem o substituiu foi o Cap. Júlio Oliveira, hoje general, se não estou em erro.
Coisas do arco-da-velha, meu alferes! Um dia, emboscados, apanhámos uma pequena coluna da FRELIMO. Limpámos aquilo e, não quer saber, que o único sobrevivente foi um miúdo de meses. Pegámos nele e levámo-lo para Montepuez. O que é feito dele? Está cá, tirou um curso superior, olhe, vive em Lisboa. Depois...
Duas horas, que o tempo não dava para mais. “Angola”, quantos anos tem? 66, faço pára-pente, sou instrutor, ainda ontem em Cerveira...
O João Parreira ingressou, muito jovem ainda, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Dezembro 1961. Depois veio a tropa e a Guiné. Partiu com a CArt 730 do BArt 733 em Outubro de 1964. Em 9 Janeiro de 1965 foi ferido, numa operação à base de Bafantandem, na zona de Cancongo. Depois entrou para os Comandos, para o Grupo dos “Fantasmas” do então Tenente Saraiva. Foi outra vez ferido em Abril 1965 na operação “Açor”, nas tabancas de Portugal, na zona do Incassol. E como não há duas sem três, voltou a ser novamente atingido por estilhaços do rebentamento de uma granada de um RPG em 6 Maio 1965 na operação “Ciao” em Catungo, Cacine, mesmo ao lado do Morais, que morreu logo ali, com o Parreira a olhar para ele, sem nada poder fazer.
Em Setembro de 1966 regressou a Lisboa e ao MNE. Com saudades de África, daqueles calores, deve ter sido por isso, foi para o Consulado Geral de Portugal em Salisbúria, para a Rodésia, em Dezembro, onde geriu o Consulado, de 1 Janeiro 1978 a Fevereiro 1980. Ainda passou pelo Malawi entre Abril e Maio de 79 e regressou de novo a Salisbúria. Ia todos os meses a Blantyre, Malawi, fazer a gestão dos consulados. Por lá andou até Março de 80.
Depois colocaram-no na Embaixada em Lusaka, Zâmbia, onde ajudou a preparar a visita presidencial e a dar apoio consular à nossa comunidade.
Voltou a Lisboa e ao MNE em Dezembro 1981. Em Setembro de 1982 partiu para Londres, depois Harare, Zimbabwe em Janeiro de 1989. Em Agosto de 1994, regressou outra vez à base, Lisboa, MNE.
‘Medalhas? Sim, ganhei três na Guiné, tenho-as aqui, no corpo.’
Os primeiros tempos não foram nada fáceis, problemas de saúde arrastaram-se durante anos. Só dez anos depois do regresso é que se veio a descobrir que tinha trazido da Guiné um parasita intestinal que lhe provocava, para além de outros problemas, úlceras nas córneas.
Naqueles anos, finais de 60 até meados de 70, quando se lembrava daqueles tempos ficava com insónias e, quando dormia, voltava a sonhar com aquelas Guinés. Demorou anos a encontrar-se, a ajuda da mulher, sempre presente, e os nascimentos dos filhos ajudaram-no a estabilizar.
Década e meia mais tarde, em Lisboa, já na direcção comercial de uma multinacional suiça, voltou a ter notícias do seu antigo comandante de batalhão. A secretária do administrador tinha o apelido Cavaleiro. A senhora é alguma coisa ao Coronel Cavaleiro? Sou sobrinha, conhece o meu tio? ´
Ao longo de mais de 40 anos a Guiné foi-se enterrando cada vez mais na memória até se esquecer que por lá alguma vez tivesse passado. Em conversas a que por vezes assistia sobre o que se passava ou se tinha passado naquela guerra, a Guiné era um assunto que se tornou alheio. Os cheiros da terra, os linguarejares das pessoas, o sibilar das balas e dos rebentamentos, o Cacheu, o Geba e o Corubal, os pássaros, os macacos cães, o HM 241, a base aérea, os cantares ritmados, os batuques, as cores das roupas, eram imagens que há muito o tinham deixado. Nem tinha a consciência que tudo isso estava à mão, logo ali, tão perto que bastava destapar a caixa e que uma imagem traria outra e outra e a Guiné viria outra vez à tona.
Foi o que aconteceu quando começou a escrever esta história. À medida que ia lendo os apontamentos amarelecidos dos fins dos anos 60, as imagens e os sons iam surgindo, voltou a sentir os cheiros do capim, o calor das lalas de Faquina Mandinga, os tarrafos de Buba, as humidades frescas das madrugadas das matas do Oio. Sem nunca se ter apercebido, aquela terra tinha vivido sempre com ele. “Nunca mais foste o mesmo, raras são as fotos em que apareces com um sorriso”, disse-lhe alguém meia dúzia de anos depois do regresso. A inquietação absurda, sem razão aparente para a sentir, acompanhou-o a vida toda, as horas do sono nunca mais foram as que eram antes, nem com a ajuda dos lorenins.
A luta armada teve início, oficialmente, em 23 de Janeiro de 1963 com o flagelamento ao aquartelamento de Tite. Tanto quanto sabemos foi Arafan Mané quem tomou a iniciativa do ataque, sem o conhecimento prévio de Amílcar Cabral, que terá sabido do facto através de uma estação de rádio.
Tite, o Como, a zona do Oio, a mata do Cantanhez, Madina e Guileje, foram pasto de um fogo que se expandiu durante esses anos por quase todo o território. Os ventos ajudavam, eram fortes e de feição. Emboscadas, ataques aos aquartelamentos e povoações, minas e armadilhas foram deixando marcas na população e nos combatentes dos dois lados.
Bissau era o descanso dos guerreiros. Nos intervalos da guerra, combatentes do Exército, da Marinha e da Força Aérea paravam em Bissau, a maioria para virem a Lisboa de férias. Outros estacionavam nas enfermarias do HM 241, tentando prolongar as vidas.
Alguns guerrilheiros aproveitavam as idas a Bissau para visitar as famílias e conhecidos e espiar os movimentos das tropas portuguesas, informações que depressa transmitiam por um tam-tam qualquer aos Comissários do Partido.
A luta foi decorrendo assim, de início de fraca intensidade e endurecendo à medida dos anos. No princípio eram Seskas, Simonovs e Mausers, meses depois, poucos, a PPSH e a Kalash cuspiam metralha. E a guerrilha foi avisando que, em breve, novas armas mais mortíferas estavam a chegar.
Do lado das Forças Portuguesas a G-3, a bazooka e os morteiros de 60, os Dorniers 27, os T-6 preparados para bombardeamentos (em breve período os F-86 da Nato, estacionados na Ilha do Sal), os Alouettes-2, no início, e depois os ALL-3, os jactos Fiats G-91 a partir dos finais da década de 60, as LDMs, LDGs e os Navios Patrulhas aguentaram-se até ao fim.
Estava-se perto do fim. A manobra do PAIGC, de sair de Bissau e das povoações maiores para se infiltrar e disseminar pelas tabancas, tinha-se revelado de enorme importância. Os Fiats G-91 entraram, as operações com recurso aos Alouettes-3 tornaram-se correntes, mas o ânimo das nossas tropas já não era o mesmo.
Na metrópole, quem queria e podia punha-se na alheta. Em qualquer canto, em França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Holanda, Suécia ouvia-se falar a língua de Camões.
A Guerra começou oficialmente em Janeiro de 1963 e terminou em 9 de Setembro de 1974. Os últimos soldados portugueses regressaram a Lisboa em 15 de Outubro.
Anexos : Breve apontamento sobre a História dos Comandos do CTIG2
I. Cronologia
˗ Partida, em 29 de Outubro de 1963, para Angola dos Oficiais, Sargento e Praças, do CTIG, a fim de frequentarem um curso de Comandos, no CI 16 na Quibala - Norte:
Maj. Inf.ª Correia Diniz
Alf. Mil. Maurício Saraiva
Alf. Mil. Justino Godinho
2.º Sarg. Inf.ª Gil Roseira Dias
Fur. Inf.ª Mário Roseira Dias
Fur. Mil. Cav. Artur Pereira Pires
Fur. Mil. Cav. António Vassalo Miranda
1.º Cabo At. Inf.ª Abdulai Queta Jamanca
Sold. At. Inf.ª Adulai Jaló
˗ Regressaram a Bissau em 6 de Dezembro de 1963, e, formaram um Grupo que participou na Operação "Tridente" (Ilha do Como), de 15 de Janeiro a 22 de Março de 1964.
˗ Em 3 de Agosto de 1964, início das actividades do CIC/Brá, com a Escola de Quadros para dar instrução ao 1.° Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964. Deste curso saíram os três primeiros Grupos de Comandos, que desenvolveram a sua actividade na Guiné até Julho de 1965:
"Camaleões": Alf. Mil. Cmd Justino Godinho (Cmdt)
"Fantasmas": Alf. Mil. Cmd Maurício Saraiva (Cmdt)
"Panteras": Alf. Mil. Cmd Pombo dos Santos (Cmdt)
˗ O CIC/Brá, sob o comando do Maj. Inf.ª Cmd Correia Diniz, recebeu do CIC de Angola, para a formação de quadros, os seguintes militares:
Ten. Mil. Cmd Abreu Cardoso
Alf. Mil. Cmd Luís Câmara Pina
2.º Sarg. Infª. Cmd Ferreira Gaspar
Fur. Mil. Cmd Pompílio Gato
1.º Cabo Cmd Pires Júnior (Pegacho)
1.º Gr. Cmds "GATOS" / BART 400, comandado pelo Alf. Mil. Cmd Martins Valente.
Estes elementos participaram nas primeiras acções conjuntas com os Grupos acima referidos.
˗ O CIC/Brá foi extinto em 01 Julho de 1965
˗ Para dar continuidade à formação de Grupos de Comandos, foi criada a Companhia de Comandos do CTIG (CCmds/CTIG), tendo sido nomeado seu comandante o Cap. Artª. Nuno Rubim, substituído em 20 de Fevereiro de 1966 pelo Cap. Art. Garcia Leandro.
˗ O 2.º Curso de Comandos teve início em 07 de Julho de 1965, terminando em 04 de Setembro do mesmo ano, com a formação de 4 Grupos de Comandos, que tomaram os nomes:
"Apaches": Alf. Mil. Cmd Neves da Silva (Cmdt)
"Centuriões": Alf. Mil. Cmd Almeida Rainha (Cmdt)
"Diabólicos": Alf. Mil. Cmd Silva Briote (Cmdt)
"Vampiros": Alf. Mil. Cmd Pereira Vilaça (Cmdt)
˗ O 3.º Curso de Comandos, realizado pela CCmds/CTIG, aquartelada em Brá, decorreu de 9 de Março de 1966 a 28 de Abril de 1966, e foi constituído por militares voluntários pertencentes a Unidades sediadas na Guiné e que se destinaram a recompletamento dos Grupos de Comandos, tendo sido, cerca de um mês depois, englobados no Gr Cmds "Diabólicos".
˗ Com a chegada à Guiné da 3.ª Companhia de Comandos, vinda do CIOE - Lamego, a CCmds/CTIG foi extinta em 30 de Junho de 1966, mantendo-se em actividade o Grupo de Comandos "Diabólicos", até finais de Setembro de 1966, data em que a maioria dos militares que o integravam terminaram a sua comissão de serviço.
II. Resultados da Companhia de Comandos da Guiné (23/08/64 a 31/08/66)
˗ Efectivos envolvidos: 211
˗ Mortos em combate: 12
˗ Feridos em combate: 19
˗ Acções realizadas: 1133
- Gr. “Fantasmas”: 21 operações
- Gr. “Camaleões”: 9
- Gr. “Panteras”: 11
- Gr. “Apaches”: 14
- Gr. "Centuriões":12
- Gr. “Diabólicos”: 24
- Gr. “Vampiros”: 14
˗ Armas apreendidas: 71
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Notas:
1 - Nome fictício
2 - In Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961/1974); 14.º Volume - "Comandos"
3 - Total de operações, incluindo acções executadas apenas por oficiais e sargentos
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Nota do editor
Todos os postes da série de:
28 de Junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14803: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (I Parte): Introdução, Dedicatória e A Caminho
30 de Junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14814: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IIa Parte) Em Cuntima, na fronteira Norte com o Senegal (1)
30 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14817: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IIb Parte) Em Cuntima, na fronteira Norte com o Senegal (2)
2 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14827: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (III Parte): Morreu-me um gajo ontem
7 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14845: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IV Parte): Comandos do CTIG
9 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14857: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (V Parte): Brá, SPM 0418
14 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14876: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VI Parte): A nossa causa é uma causa justa
23 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14922: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VII Parte): Clara; Apanhado à mão e Entre eles
30 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14951: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VIII Parte): "Hotel Portugal"; "Um guia" e "Artigo 4.º do RDM"
6 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14975: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IX Parte): Mais dois lugares è mesa; Bomba em Farim e Rumo a Barro
13 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14998: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (X Parte): Barro, Bigene; Bigene, Barro
20 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15024: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XI Parte): Mornas e Segundo Encontro com o RDM num mês
27 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15044: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XII Parte): Guia em fuga; Um descapotável em Bissau e Entram os Alouettes
10 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15098: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIII Parte): Conversa em Brá e Nunca digas adeus a Cuntima
24 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15149: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIV Parte): Fuzileiros, Páras e Felupes; O que se terá passado em Catió; Casamento com data marcada e Ponto da situação em Brá
1 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15186: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XV Parte): ME-14-04; Partir mantenhas; Buba, outra vez e Vamos ser independentes
8 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15221: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVI Parte): Cabral no Oio; Uma carta e Galinha à cafriela
15 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15254: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVII Parte): Fima, enfermeira do Partido; Cassaprica e Correspondência
22 de outubro de 2015> Guiné 63/74 - P15280: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVIII Parte): Extinção da Companhia de Comandos do CTIG; Mansoa e Valium
29 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15303: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIX Parte): Chegou a 3.ª Companhia de Comandos e Pesadelo
5 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15330: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XX Parte): Hospital Militar 241; Mamadú; Fuga? e Só água fria por baixo
12 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15357: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXI Parte): Grande Hotel; Água IN; E agora para onde? e CCS, QG
19 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15385: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXII Parte): Outros horários; Contas com os fornecedores; Um mês e meio para o fim; Um Folgado no QG e VAT 69
27 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15417: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXIII Parte): Lifna Cumba, o "Joaquim"; Um longo Dezembro e Os Últimos Dias
3 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15439: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXIV Parte): "Regresso, dois anos depois" e "Tantos anos depois: por quê recordar?"
10 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15473: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXV Parte): Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 1
e
17 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15498: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXVI Parte): Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 2
GUINÉ, IR E VOLTAR - XXVII
Uns continuaram nessas guerras, outros noutras (III) e Anexos
O Passos, alferes da 4.ª Rep/QG e um dos últimos companheiros de Bissau, antes de ter sido mobilizado trabalhara no Parque Mayer, fora electricista e contra-regra, convivera com actores e coristas. Quando regressou foi visitá-los, andou por lá uns tempos, enquanto acabava o curso. Depois, foi para a CP, mais um engenheiro, pois claro. A última vez que se viram, já lá vão quase duas décadas, onde havia de ser, foi num alfa pendular do Porto para Lisboa.
O Amândio César, um poço de energia, continuou a escrever e a publicar, até à maré baixar para ele e para quem pensasse como ele.
No dia 28 de Setembro de 1974, com o interior vestido de luto pela morte da sua Pátria, escapou por um triz de ser linchado em Coimbra. Conseguiu safar-se, refugiou-se no seu Minho natal, passou a fronteira para Espanha e foi para o Brasil até os tempos de fúria acalmarem. Morreu desgostoso com o rumo que o país tinha tomado num dia de Agosto de 1987.
Mário Dias enveredou pela carreira militar. Ainda fez mais três comissões, uma em Moçambique e duas em Angola. O 25/4 apanhou-o em Cabinda.
Regressado a Lisboa foi colocado no Regimento de Comandos na Amadora. Foi testemunha e interveniente do processo que envolveu os Comandos no verão de 1975. Macau foi o destino seguinte como instrutor das forças de segurança.
Na reserva já há alguns anos, ainda recorda os tempos dos Comandos da Guiné como os que mais o marcaram.
Ainda muito jovem fora com os pais viver para a Guiné. Estudou no liceu de Bissau onde foi colega de vários guineenses que mais tarde se tornaram conhecidos na luta de libertação.
Como se previa, o Piçarra1, o alferes companheiro de quarto do Hospital Militar de Bissau, esteve largos meses na Estrela, no Hospital Militar Principal. Depois de várias cirurgias, foi para Alcoitão fazer fisioterapia e aprender a utilizar as próteses. Por influência do Movimento Nacional Feminino, segundo disseram, arranjaram-lhe um emprego numa grande empresa, na outra margem do Tejo.
O Capitão Viegas, um dos companheiros da viagem de regresso, entre as comissões foi estudando Direito até se licenciar. Estagiou num gabinete de advogados, muito conhecido em Lisboa, enquanto foi andando por ali acima até General. Foi nomeado Chefe do Estado-Maior do Exército, com a aprovação do Presidente da República, seu ex-colega do escritório de advocacia. O outro militar, apontado por outras esferas como tendo uma folha de serviços mais brilhante para o cargo de chefe máximo do Exército, foi o General Leandro, veja-se a coincidência.
O Ministro da Defesa Paulo Portas, mão na porta à saída de um Conselho de Ministros, considerou publicamente que o General Viegas tinha um perfil mais adequado que o General Garcia Leandro. Tão adequado que tempos depois recebeu uma carta a dizer que o nomeado se demitia das funções por ter perdido a confiança no Ministro. É isso, foi mesmo assim.
O Brigadeiro Reymão Nogueira, acabada a comissão foi colocado como Governador Militar de Lisboa e permaneceu no cargo ainda uns anos, até passar à reserva.
Poucos anos depois de regresso, nos princípios da década de 70, numa tarde de inverno em Guimarães, o Albino, o soldado da MG-42, passinho miúdo, lesto como um carteirista, esgueirava-se por aquelas ruas estreitas, cheias de gente. Teve que apressar o passo para o apanhar. Albino, que é que tens feito? Sentaram-se num café, falaram da vida, o Albino ainda à procura de um rumo. Saí ontem de Paços de Ferreira, do estabelecimento prisional. Vidas, meu alferes! Morreu cedo, poucos anos depois deste reencontro.
O Furriel Ázera ainda ficou na Guiné até Agosto de 67, administrativamente ligado à nova Companhia de Comandos. Foi colocado num gabinete pacato, a tratar de papelada. O local é que não era o melhor, ficava junto ao cemitério.
Quase todos os dias ouvia as descargas da praxe, que se usam nos enterros militares. Não aguentou mais. Um dia foi ter com o Capitão Alves Cardoso, o Comandante da 3.ª Companhia de Comandoss, pediu-lhe que o incorporasse num dos grupos.
Voltou assim à guerra até acabar o tempo. Depois regressou aos Açores e à sua bela cidade, Praia da Vitória. Mas nunca mais recuperou a alegria de viver. Sem paz há tantos anos, conhece os antidepressivos e os tranquilizantes melhor que muitos médicos.
O Vítor Caldeira, o alferes que substituiu o Vilaça nos "Vampiros", também passou ao Quadro Permanente. Fez uma comissão nos Comandos em Moçambique e, já depois do 25 de Abril, encontrou no Casão Militar o então Coronel Garcia Leandro, que tinha sido nomeado Governador de Macau. Por onde anda Caldeira? Quer vir para meu Ajudante de Campo, para Macau? E foi.
Na tarde de um domingo de Agosto, a TV da Sala de Sargentos da Escola Prática de Infantaria de Mafra estava a passar um filme para um único espectador, o Sargento Tudela, o antigo Cabo Tudela dos “Vampiros”.
Entrou um tipo, sentou-se quase em frente ao sargento. Boa tarde, respondeu o Tudela sem despegar os olhos do filme. Passaram a ser dois espectadores. Num momento olharam-se nos olhos e, num lampejo o velho Tudela deve ter dito lá para ele, donde é que eu conheço este gajo? Os dois pares de olhos concentraram-se de novo no filme.
Então, que tal o filme, perguntou o recém-chegado? Que dava para entreter, não havia mais nada para fazer naquela tarde de domingo. Passaram-se mais uns minutos e a coisa não atava nem desatava. Até que o intruso se voltou para o Tudela, eu conheço-o, não sei é donde.
A sua cara não me é estranha também, respondeu meio desinteressado.
De onde será, de onde não será, o visitante a insistir, mas sem grande entusiasmo da parte do velho sargento.
Não me está a conhecer, Tudela? Não pode ser, o meu comandante da Guiné!
Depois esqueceram-se do tempo a ouvirem-se um ao outro. Que tinha 77 feitos. Que depois da Guiné, tinha ido para Angola, depois para Moçambique, depois para Mafra e por lá tem estado estes anos todos. Que é diabético, já não tem um dedo do pé. E que nunca viveu uma vida tão apaixonante como aquela que passou nos Comandos da Guiné. Que ia passar uns dias a casa dele a Cantanhede, uma casa pintada de amarelo, junto ao restaurante Marquês de Marialva e que depois regressava a Mafra, a sua verdadeira casa.
Não se queriam deixar nem por nada. Depois ainda se encontraram mais duas vezes, até um dia receber uma chamada de um camarada. O Tudela morreu, escorregou nas escadas do convento.
Generais, sargentos, cabos, capitães, coronéis, civis, Comandos velhos da campanha da Guiné, assistiram à saída do velho Tudela do convento, rumo à última viagem até Cantanhede.
A Lurdes, a paixão do Luís, continuou em Bissau e segundo alguns conhecidos, já nos finais da década de 60 continuava a namorar Comandos, desta vez um furriel. Chegado o 25 de Abril e com todo o movimento que se seguiu foi viver para uma das ilhas de Cabo Verde. Casou com um conhecido comandante do PAIGC.
O Marques de Matos, Chefe de Equipa dos “Diabólicos”, tantos anos sem saberem uns dos outros, um dia deu sinal de vida. O que é feito de mim?
Ora, andei para a frente, comecei por vender máquinas Rank Xerox, daquelas grandes. Um dia, o meu padrinho de casamento encontrou-me acidentalmente na rua. Fernando, queres vir para os seguros?
Fui, comecei quase como paquete, subi e desci na carreira profissional, quando desci, tome-se nota, foi porque sempre me recusei a vergar a espinha. Igual a mim próprio, sempre recto nos procedimentos e nas relações, lembro-me assim desde pequeno. E quando caí, preferi que fosse eu a dar o sinal de queda. Sem ninguém se aperceber, deixar-me cair em sentido, sabe do que estou a falar?
Um dia fiz a queda facial tão a preceito que ia quebrando o nariz.
Devem ter visto que tinha algo que se devia preservar, promoveram-me a director da companhia. Esgalhei, dei tudo o que tinha, até o meu coração me avisar que lhe estava a pedir demasiado. Tive que meter travões, antecipei a retirada.
Mas mantenho-me activo, visito famílias onde há carências, estou a falar da fome. Levo-lhes comida e também companhia. Ah! E confesso, sempre tive um norte na minha vida, Deus! Deu-me sinal que existe, mais que uma vez. Tenho dois filhos adultos, netos, uma casa à beira do mar onde faço uns grelhados de peixe de fazer inveja ao “Índio” de Vila Nova da Cacela e até aprendi a ler a vida nas mãos das pessoas.
E um imenso orgulho de ter feito parte dos Comandos. Não, não cobro nada por dizer isto. Muitas coisas que aconteceram já não existem na minha memória. Outras persistem, não me deixam, como algumas que ocorreram numa estadia do nosso grupo em Barro. A imagem da bajuda mortalmente atingida, ainda quente, um qualquer a aproximar-se dela, a baixar as calças e eu a ver e a mostrar-me igual a mim próprio. Parece que foi ontem!
O Azevedo, outro furriel do grupo, deu sinais de vida. Continua a viver em Ovar. Do outro lado da linha ouvia-se algazarra de miúdos. Netos, Azevedo? Seis, comandante! Uma ou duas semanas depois, passava na A1 perto do desvio para Aveiro. Lembrou-se do Azevedo, aquele magnífico furriel dos “Diabólicos”. Azevedo, está a trabalhar? Eu estou sempre a trabalhar, comandante! Estou próximo do desvio para Aveiro, de regresso a Lisboa, mas para o ver vou para a frente ou para trás, o que for preciso, Azevedo, quero é dar-lhe um abraço! Sai no desvio para a Vila da Feira, passa a portagem, uma rotunda a seguir, corta na segunda à direita, nova rotunda, outra vez na 2.ª à direita, estou lá à sua espera para lhe dar um abraço, comandante. Assim fez, parou o carro, e agora onde pára o Azevedo? Sai-lhe de um Mercedes azul, ainda novo, um tipo gordo, careca, de bigode à Pancho Villa. Era o Azevedo, mas a melena farta desapareceu e o peso quase tinha duplicado. Pois o Azevedo, depois de regressar, empregou-se numa conhecida empresa de Ovar.
Em 1979 foi convidado para ir para Luanda, pôr a filial a funcionar, ainda no tempo do Agostinho Neto, as coisas não estavam nada fáceis. Cumpriu a missão e regressou à sede.
Viu os filhos a crescerem, os netos a seguir. Sempre optimista, entusiasta, o futuro começa agora, que porreiro! Ainda deu tempo para engatar uma conversa, pegar nela para outra. Do tipo da história do relógio suíço, quando deram por ela já estavam a falar da aldeia onde se fabrica o relógio.
Marcaram a continuação da conversa para outro dia que já estava a fazer-se tarde.
Mais de quarenta anos decorridos, na procura dos camaradas do grupo, calhou cair-lhe nas mãos a direcção do "Angola". O "Angola" chamava-se Fernando de Bessa Afonso. Nunca soube porquê, chamavam-lhe Angola e ele chamou-o sempre por "Angola". E ele respondia presente. Mais preocupado com outras coisas, nunca procurou saber o porquê do cognome. Imaginou sempre que o Angola era assim chamado porque devia ter alguma relação com Angola. Logo que soube que o "Angola" morava em Viana do Castelo, telefonou-lhe.
Mais de quarenta anos decorridos, na procura dos camaradas do grupo, calhou cair-lhe nas mãos a direcção do "Angola". O "Angola" chamava-se Fernando de Bessa Afonso. Nunca soube porquê, chamavam-lhe Angola e ele chamou-o sempre por "Angola". E ele respondia presente. Mais preocupado com outras coisas, nunca procurou saber o porquê do cognome. Imaginou sempre que o Angola era assim chamado porque devia ter alguma relação com Angola. Logo que soube que o "Angola" morava em Viana do Castelo, telefonou-lhe.
Quem fala? “Angola”, é você? A resposta do outro lado demorou. Era ele, o magnífico soldado "Angola", no nome e no registo militar Soldado Fernando de Bessa Afonso.
E 42 anos depois retomavam o contacto. Um ou dois meses depois teve que deslocar-se ao Porto. É hoje que vou rever o "Angola". Combinaram encontrar-se naquela linda cidade, junto ao "Gil Eanes", pousado no Lima, cansado das largas viagens que fez como navio-hospital da frota bacalhoeira.
O "Angola" apareceu-lhe, bem apresentado, como se fosse para uma formatura. Cabelo farto, barba cuidada, da cor que os anos fazem, tudo branco. Da emoção do reencontro, ficou um abraço que nunca mais acabava.
Na esplanada de um café da Av. dos Combatentes, aquela linda avenida de Viana, deixou-o discorrer.
O meu alferes nunca soube, se calhar, mas eu tenho uma história comprida. Nasci em Angola. Quando chegou o tempo da tropa ofereci-me para os Páras. Fiz o curso e, no fim, tive direito a umas férias. Não me apresentei na data que estava indicada. Fui expulso e mobilizado para a Guiné. Fui para o BCav 490, em rendição individual, para Cuntima. Sim, para Cuntima, junto à fronteira com o Senegal. E o meu alferes chegou lá um ou dois meses depois. Depois fui para os Comandos, para o seu Grupo.
E depois da comissão na Guiné, fui convidado pelo Capitão Saraiva e, olhe, fui com ele para Moçambique, integrado na 9.ª CCmds. Infelizmente, o Cap. Saraiva pisou uma anti-pessoal e ficou gravemente ferido. Se eu estava lá com ele? Claro, foi na serra do Mapé, eu próprio fui um dos que o assistiu. Quem o substituiu foi o Cap. Júlio Oliveira, hoje general, se não estou em erro.
Coisas do arco-da-velha, meu alferes! Um dia, emboscados, apanhámos uma pequena coluna da FRELIMO. Limpámos aquilo e, não quer saber, que o único sobrevivente foi um miúdo de meses. Pegámos nele e levámo-lo para Montepuez. O que é feito dele? Está cá, tirou um curso superior, olhe, vive em Lisboa. Depois...
Duas horas, que o tempo não dava para mais. “Angola”, quantos anos tem? 66, faço pára-pente, sou instrutor, ainda ontem em Cerveira...
O João Parreira ingressou, muito jovem ainda, no Ministério dos Negócios Estrangeiros, em Dezembro 1961. Depois veio a tropa e a Guiné. Partiu com a CArt 730 do BArt 733 em Outubro de 1964. Em 9 Janeiro de 1965 foi ferido, numa operação à base de Bafantandem, na zona de Cancongo. Depois entrou para os Comandos, para o Grupo dos “Fantasmas” do então Tenente Saraiva. Foi outra vez ferido em Abril 1965 na operação “Açor”, nas tabancas de Portugal, na zona do Incassol. E como não há duas sem três, voltou a ser novamente atingido por estilhaços do rebentamento de uma granada de um RPG em 6 Maio 1965 na operação “Ciao” em Catungo, Cacine, mesmo ao lado do Morais, que morreu logo ali, com o Parreira a olhar para ele, sem nada poder fazer.
Em Setembro de 1966 regressou a Lisboa e ao MNE. Com saudades de África, daqueles calores, deve ter sido por isso, foi para o Consulado Geral de Portugal em Salisbúria, para a Rodésia, em Dezembro, onde geriu o Consulado, de 1 Janeiro 1978 a Fevereiro 1980. Ainda passou pelo Malawi entre Abril e Maio de 79 e regressou de novo a Salisbúria. Ia todos os meses a Blantyre, Malawi, fazer a gestão dos consulados. Por lá andou até Março de 80.
Depois colocaram-no na Embaixada em Lusaka, Zâmbia, onde ajudou a preparar a visita presidencial e a dar apoio consular à nossa comunidade.
Voltou a Lisboa e ao MNE em Dezembro 1981. Em Setembro de 1982 partiu para Londres, depois Harare, Zimbabwe em Janeiro de 1989. Em Agosto de 1994, regressou outra vez à base, Lisboa, MNE.
‘Medalhas? Sim, ganhei três na Guiné, tenho-as aqui, no corpo.’
O Presidente da República gostou do trabalho do João Parreira, condecorou-o com a Ordem do Infante D. Henrique.
A vida profissional começou-a, por uma coincidência, com o Tenente-Coronel Cavaleiro, o Comandante do Batalhão de Cavalaria 490, estacionado em Farim. Foi através das suas referências que começou logo a trabalhar e soube mais tarde que o Coronel, de vez em quando, perguntava ao cunhado, administrador da empresa, então como é que anda o tipo?
A vida profissional começou-a, por uma coincidência, com o Tenente-Coronel Cavaleiro, o Comandante do Batalhão de Cavalaria 490, estacionado em Farim. Foi através das suas referências que começou logo a trabalhar e soube mais tarde que o Coronel, de vez em quando, perguntava ao cunhado, administrador da empresa, então como é que anda o tipo?
Os primeiros tempos não foram nada fáceis, problemas de saúde arrastaram-se durante anos. Só dez anos depois do regresso é que se veio a descobrir que tinha trazido da Guiné um parasita intestinal que lhe provocava, para além de outros problemas, úlceras nas córneas.
Naqueles anos, finais de 60 até meados de 70, quando se lembrava daqueles tempos ficava com insónias e, quando dormia, voltava a sonhar com aquelas Guinés. Demorou anos a encontrar-se, a ajuda da mulher, sempre presente, e os nascimentos dos filhos ajudaram-no a estabilizar.
Década e meia mais tarde, em Lisboa, já na direcção comercial de uma multinacional suiça, voltou a ter notícias do seu antigo comandante de batalhão. A secretária do administrador tinha o apelido Cavaleiro. A senhora é alguma coisa ao Coronel Cavaleiro? Sou sobrinha, conhece o meu tio? ´
Ao longo de mais de 40 anos a Guiné foi-se enterrando cada vez mais na memória até se esquecer que por lá alguma vez tivesse passado. Em conversas a que por vezes assistia sobre o que se passava ou se tinha passado naquela guerra, a Guiné era um assunto que se tornou alheio. Os cheiros da terra, os linguarejares das pessoas, o sibilar das balas e dos rebentamentos, o Cacheu, o Geba e o Corubal, os pássaros, os macacos cães, o HM 241, a base aérea, os cantares ritmados, os batuques, as cores das roupas, eram imagens que há muito o tinham deixado. Nem tinha a consciência que tudo isso estava à mão, logo ali, tão perto que bastava destapar a caixa e que uma imagem traria outra e outra e a Guiné viria outra vez à tona.
Foi o que aconteceu quando começou a escrever esta história. À medida que ia lendo os apontamentos amarelecidos dos fins dos anos 60, as imagens e os sons iam surgindo, voltou a sentir os cheiros do capim, o calor das lalas de Faquina Mandinga, os tarrafos de Buba, as humidades frescas das madrugadas das matas do Oio. Sem nunca se ter apercebido, aquela terra tinha vivido sempre com ele. “Nunca mais foste o mesmo, raras são as fotos em que apareces com um sorriso”, disse-lhe alguém meia dúzia de anos depois do regresso. A inquietação absurda, sem razão aparente para a sentir, acompanhou-o a vida toda, as horas do sono nunca mais foram as que eram antes, nem com a ajuda dos lorenins.
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A luta armada teve início, oficialmente, em 23 de Janeiro de 1963 com o flagelamento ao aquartelamento de Tite. Tanto quanto sabemos foi Arafan Mané quem tomou a iniciativa do ataque, sem o conhecimento prévio de Amílcar Cabral, que terá sabido do facto através de uma estação de rádio.
Tite, o Como, a zona do Oio, a mata do Cantanhez, Madina e Guileje, foram pasto de um fogo que se expandiu durante esses anos por quase todo o território. Os ventos ajudavam, eram fortes e de feição. Emboscadas, ataques aos aquartelamentos e povoações, minas e armadilhas foram deixando marcas na população e nos combatentes dos dois lados.
Bissau era o descanso dos guerreiros. Nos intervalos da guerra, combatentes do Exército, da Marinha e da Força Aérea paravam em Bissau, a maioria para virem a Lisboa de férias. Outros estacionavam nas enfermarias do HM 241, tentando prolongar as vidas.
Alguns guerrilheiros aproveitavam as idas a Bissau para visitar as famílias e conhecidos e espiar os movimentos das tropas portuguesas, informações que depressa transmitiam por um tam-tam qualquer aos Comissários do Partido.
A luta foi decorrendo assim, de início de fraca intensidade e endurecendo à medida dos anos. No princípio eram Seskas, Simonovs e Mausers, meses depois, poucos, a PPSH e a Kalash cuspiam metralha. E a guerrilha foi avisando que, em breve, novas armas mais mortíferas estavam a chegar.
Do lado das Forças Portuguesas a G-3, a bazooka e os morteiros de 60, os Dorniers 27, os T-6 preparados para bombardeamentos (em breve período os F-86 da Nato, estacionados na Ilha do Sal), os Alouettes-2, no início, e depois os ALL-3, os jactos Fiats G-91 a partir dos finais da década de 60, as LDMs, LDGs e os Navios Patrulhas aguentaram-se até ao fim.
Em poucos anos, a guerrilha estreou os morteiros pesados, os RPGs, o canhão sem recuo, os foguetões e os mísseis Strella, estes em 1973.
Estava-se perto do fim. A manobra do PAIGC, de sair de Bissau e das povoações maiores para se infiltrar e disseminar pelas tabancas, tinha-se revelado de enorme importância. Os Fiats G-91 entraram, as operações com recurso aos Alouettes-3 tornaram-se correntes, mas o ânimo das nossas tropas já não era o mesmo.
Na metrópole, quem queria e podia punha-se na alheta. Em qualquer canto, em França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Holanda, Suécia ouvia-se falar a língua de Camões.
Uma Guerra que nunca devia ter sido feita. Uma Guerra que não devia ter terminado. Uma Guerra perdida nas bolanhas e nas matas. Uma Guerra perdida em Lisboa.
A Guerra começou oficialmente em Janeiro de 1963 e terminou em 9 de Setembro de 1974. Os últimos soldados portugueses regressaram a Lisboa em 15 de Outubro.
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Anexos : Breve apontamento sobre a História dos Comandos do CTIG2
I. Cronologia
˗ Partida, em 29 de Outubro de 1963, para Angola dos Oficiais, Sargento e Praças, do CTIG, a fim de frequentarem um curso de Comandos, no CI 16 na Quibala - Norte:
Maj. Inf.ª Correia Diniz
Alf. Mil. Maurício Saraiva
Alf. Mil. Justino Godinho
2.º Sarg. Inf.ª Gil Roseira Dias
Fur. Inf.ª Mário Roseira Dias
Fur. Mil. Cav. Artur Pereira Pires
Fur. Mil. Cav. António Vassalo Miranda
1.º Cabo At. Inf.ª Abdulai Queta Jamanca
Sold. At. Inf.ª Adulai Jaló
˗ Regressaram a Bissau em 6 de Dezembro de 1963, e, formaram um Grupo que participou na Operação "Tridente" (Ilha do Como), de 15 de Janeiro a 22 de Março de 1964.
˗ Em 3 de Agosto de 1964, início das actividades do CIC/Brá, com a Escola de Quadros para dar instrução ao 1.° Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964. Deste curso saíram os três primeiros Grupos de Comandos, que desenvolveram a sua actividade na Guiné até Julho de 1965:
"Camaleões": Alf. Mil. Cmd Justino Godinho (Cmdt)
"Fantasmas": Alf. Mil. Cmd Maurício Saraiva (Cmdt)
"Panteras": Alf. Mil. Cmd Pombo dos Santos (Cmdt)
˗ O CIC/Brá, sob o comando do Maj. Inf.ª Cmd Correia Diniz, recebeu do CIC de Angola, para a formação de quadros, os seguintes militares:
Ten. Mil. Cmd Abreu Cardoso
Alf. Mil. Cmd Luís Câmara Pina
2.º Sarg. Infª. Cmd Ferreira Gaspar
Fur. Mil. Cmd Pompílio Gato
1.º Cabo Cmd Pires Júnior (Pegacho)
1.º Gr. Cmds "GATOS" / BART 400, comandado pelo Alf. Mil. Cmd Martins Valente.
Estes elementos participaram nas primeiras acções conjuntas com os Grupos acima referidos.
˗ O CIC/Brá foi extinto em 01 Julho de 1965
˗ Para dar continuidade à formação de Grupos de Comandos, foi criada a Companhia de Comandos do CTIG (CCmds/CTIG), tendo sido nomeado seu comandante o Cap. Artª. Nuno Rubim, substituído em 20 de Fevereiro de 1966 pelo Cap. Art. Garcia Leandro.
˗ O 2.º Curso de Comandos teve início em 07 de Julho de 1965, terminando em 04 de Setembro do mesmo ano, com a formação de 4 Grupos de Comandos, que tomaram os nomes:
"Apaches": Alf. Mil. Cmd Neves da Silva (Cmdt)
"Centuriões": Alf. Mil. Cmd Almeida Rainha (Cmdt)
"Diabólicos": Alf. Mil. Cmd Silva Briote (Cmdt)
"Vampiros": Alf. Mil. Cmd Pereira Vilaça (Cmdt)
˗ O 3.º Curso de Comandos, realizado pela CCmds/CTIG, aquartelada em Brá, decorreu de 9 de Março de 1966 a 28 de Abril de 1966, e foi constituído por militares voluntários pertencentes a Unidades sediadas na Guiné e que se destinaram a recompletamento dos Grupos de Comandos, tendo sido, cerca de um mês depois, englobados no Gr Cmds "Diabólicos".
˗ Com a chegada à Guiné da 3.ª Companhia de Comandos, vinda do CIOE - Lamego, a CCmds/CTIG foi extinta em 30 de Junho de 1966, mantendo-se em actividade o Grupo de Comandos "Diabólicos", até finais de Setembro de 1966, data em que a maioria dos militares que o integravam terminaram a sua comissão de serviço.
II. Resultados da Companhia de Comandos da Guiné (23/08/64 a 31/08/66)
˗ Efectivos envolvidos: 211
˗ Mortos em combate: 12
˗ Feridos em combate: 19
˗ Acções realizadas: 1133
- Gr. “Fantasmas”: 21 operações
- Gr. “Camaleões”: 9
- Gr. “Panteras”: 11
- Gr. “Apaches”: 14
- Gr. "Centuriões":12
- Gr. “Diabólicos”: 24
- Gr. “Vampiros”: 14
˗ Armas apreendidas: 71
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Notas:
1 - Nome fictício
2 - In Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961/1974); 14.º Volume - "Comandos"
3 - Total de operações, incluindo acções executadas apenas por oficiais e sargentos
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(FIM)____________
Nota do editor
Todos os postes da série de:
28 de Junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14803: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (I Parte): Introdução, Dedicatória e A Caminho
30 de Junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14814: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IIa Parte) Em Cuntima, na fronteira Norte com o Senegal (1)
30 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14817: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IIb Parte) Em Cuntima, na fronteira Norte com o Senegal (2)
2 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14827: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (III Parte): Morreu-me um gajo ontem
7 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14845: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IV Parte): Comandos do CTIG
9 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14857: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (V Parte): Brá, SPM 0418
14 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14876: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VI Parte): A nossa causa é uma causa justa
23 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14922: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VII Parte): Clara; Apanhado à mão e Entre eles
30 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14951: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (VIII Parte): "Hotel Portugal"; "Um guia" e "Artigo 4.º do RDM"
6 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14975: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (IX Parte): Mais dois lugares è mesa; Bomba em Farim e Rumo a Barro
13 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14998: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (X Parte): Barro, Bigene; Bigene, Barro
20 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15024: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XI Parte): Mornas e Segundo Encontro com o RDM num mês
27 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15044: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XII Parte): Guia em fuga; Um descapotável em Bissau e Entram os Alouettes
10 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15098: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIII Parte): Conversa em Brá e Nunca digas adeus a Cuntima
24 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15149: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIV Parte): Fuzileiros, Páras e Felupes; O que se terá passado em Catió; Casamento com data marcada e Ponto da situação em Brá
1 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15186: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XV Parte): ME-14-04; Partir mantenhas; Buba, outra vez e Vamos ser independentes
8 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15221: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVI Parte): Cabral no Oio; Uma carta e Galinha à cafriela
15 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15254: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVII Parte): Fima, enfermeira do Partido; Cassaprica e Correspondência
22 de outubro de 2015> Guiné 63/74 - P15280: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XVIII Parte): Extinção da Companhia de Comandos do CTIG; Mansoa e Valium
29 de outubro de 2015 Guiné 63/74 - P15303: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XIX Parte): Chegou a 3.ª Companhia de Comandos e Pesadelo
5 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15330: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XX Parte): Hospital Militar 241; Mamadú; Fuga? e Só água fria por baixo
12 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15357: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXI Parte): Grande Hotel; Água IN; E agora para onde? e CCS, QG
19 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15385: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXII Parte): Outros horários; Contas com os fornecedores; Um mês e meio para o fim; Um Folgado no QG e VAT 69
27 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15417: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXIII Parte): Lifna Cumba, o "Joaquim"; Um longo Dezembro e Os Últimos Dias
3 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15439: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXIV Parte): "Regresso, dois anos depois" e "Tantos anos depois: por quê recordar?"
10 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15473: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXV Parte): Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 1
e
17 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15498: Guiné, Ir e Voltar (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando) (XXVI Parte): Uns continuaram nessas guerras, outros noutras - 2
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Guiné 63/74 - P15587: Parabéns a você (1014): Mário Lourenço, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da CCAV 2639 (Guiné, 1969/71)
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Nota do editor
Último poste da série de 6 de Janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15584: Parabéns a você (1013): Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Guiné, 1970/72)
Nota do editor
Último poste da série de 6 de Janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15584: Parabéns a você (1013): Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Guiné, 1970/72)
quarta-feira, 6 de janeiro de 2016
Guiné 63/74 - P15586: Inquérito 'on line' (25): Num total de 73 respondentes, há 31 (42,5%) que garante que o "fiel amigo", o bacalhau nunca faltou no Natal, no tempo da guerra"... Mas 1 em casa 4 não sabe ou não se lembra, o que é natural, depois de tantos Natais passados e de tantos fardos de bacalhau comidos...
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[Postal de Natal' 73. Foto de Agostinho Gaspar, o primeiro da esquerda, ex-1.º cabo mec auto rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74]
INQUÉRITO DE OPINIÃO: "NA GUINÉ, NO NATAL, NUNCA FALTOU O 'FIEL AMIGO', O BACALHAU"
1. Sim, nunca faltou, no Natal > 31 (42,5%)
2. Não sei / não me lembro > 19 (26,0%)
4. Faltou sempre > 18 (24,7%)
Sondagem fechada 30/12/2015 | 14h10
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Nota do editor:
Último poste da série > 28 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15549: Inquérito 'on line' (24): Num total de 35 respostas, 15 dos nossos camaradas (c. 43%) diz que o bacalhau nunca faltou na mesa de Natal, no CTIG... A inquirição acaba no dia 30, 4ª feira, às 14h10
[Postal de Natal' 73. Foto de Agostinho Gaspar, o primeiro da esquerda, ex-1.º cabo mec auto rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74]
INQUÉRITO DE OPINIÃO: "NA GUINÉ, NO NATAL, NUNCA FALTOU O 'FIEL AMIGO', O BACALHAU"
1. Sim, nunca faltou, no Natal > 31 (42,5%)
2. Não sei / não me lembro > 19 (26,0%)
3. Faltou pelo menos uma vez > 3 (4,1%)
4. Faltou sempre > 18 (24,7%)
5. Não aplicável, nunca liguei ao bacalhau > 2 (2,7%)
Votos apurados: 73 (100,0%)
Sondagem fechada 30/12/2015 | 14h10
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Nota do editor:
Último poste da série > 28 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15549: Inquérito 'on line' (24): Num total de 35 respostas, 15 dos nossos camaradas (c. 43%) diz que o bacalhau nunca faltou na mesa de Natal, no CTIG... A inquirição acaba no dia 30, 4ª feira, às 14h10
Guiné 63/74 - P15585: Os nossos seres, saberes e lazeres (133): Bruxelas sempre muito amada, e a pensar na Anatólia (1) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Novembro de 2015:
Queridos amigos,
Não perco uma oportunidade para farejar esta terra que me é familiar. Tudo por obra de ter aqui bons amigos a que vejo uma vincada sinceridade no acolhimento.
Tive sorte em apanhar o Outono ainda com intensa folhagem, alguém me observou que mais uns dias e apanharia só a ramagem nua, o anúncio dos tempos rigorosos do frio, neve e invernia inclemente.
Terei depois um dia só por minha conta, na Feira da Ladra encontrarei um álbum primorosamente conservado onde se escreve Lisbonne - Fatima - St. Sébastien, Octobre 1956, deu para reviver o Rossio daquele tempo, a Baixa e até as ruínas expectantes de Santa Engrácia, 10 anos depois teríamos o edifício renovado, no âmbito dos 40 anos da Revolução Nacional. E mergulhei numa extraordinária exposição dedicada à Anatólia, qualquer coisa como a Turquia no território da Ásia Menor, frente à Europa, 200 peças deslumbrantes de milénios de encruzilhadas de culturas.
Eu depois conto.
Um abraço do
Mário
Bruxelas sempre muito amada, e a pensar na Anatólia (1)
Beja Santos
O pretexto era uma conferência sobre envelhecimento e multimorbilidade, ajeitou-se a ida e vinda de modo a dispor de um tempo apreciável de lazer. Parte-se e chega-se cedo à capital da Bélgica, e o meu amigo André Cornerotte apanha-me em Zavatem, por acaso no Brabante Flamengo, é o princípio da tarde e ele sugere um passeio a uma vila próxima, Diegem, refere que há uma linda igreja do tardo-gótico. Nada contra, o que eu quero é foliar, mais a mais está um dia de sol.
Diegem, imagine-se, pertence à municipalidade de Malines, uma linda cidade recheada de história de onde saíram deslumbrantes tapeçarias flamengas, não muito longe de Antuérpia. Esta igreja distingue-se pela sua elegante agulha que se sobrepõe a uma massa calcária bem lavrada. A igreja está fechada, haverá próxima visita. Antes, porém, deu-se com um belo castelo encastrado numa correnteza de edifícios, e que belo castelo, pequeno mas muito elegante. Cirandei à volta da igreja, chamou-me à atenção o pórtico e a sua sóbria escultura.
O Outono, nos países do Norte, é muito mais extenso do que no Sul e reserva-nos estes cromatismos prodigiosos, ruas inteiras com as árvores engalanadas, contrastando muitas vezes com os céus plúmbeos, assisti ao final da festa naqueles últimos dias de Outubro, máquinas e varredores iam limpando as ruas de tanta folha caída. Nunca ninguém me explicou este fenómeno para que o arvoredo viceje com tal intensidade e subitamente chega um Outono de árvores despidas, a chamar o Inverno, o longo Inverno do Norte. O que mais gosto são as cerejeiras japonesas, e encontramos glicínias e buganvílias a tomar conta das paredes das casas, disputando espaço com a vinha virgem. Não conheço mais espampanante encenação do arvoredo.
A noite do primeiro dia acabou em Anderlecht, um dos bairros mais populosos da capital, após uma visita familiar, a Ika, o André e eu fomos jantar num restaurante grego, valeu a pena e como me tinha levantado as seis da manhã atirei-me para a cama, no dia seguinte é dia de trabalho. É evidente que não vos vou falar do envelhecimento e muito menos da multimorbilidade. À saída de casa, nos alvores de uma manhã pardacenta, apanhei pela frente um chalé dos antigos, recentemente restaurado para receber uma família daquelas que têm posses. E segui caminho até ao centro nervoso de Bruxelas, aquela constelação de ruas por onde se espalham os serviços da Comissão Europeia, do Parlamento Europeu, de milhares de escritórios dos lóbis, embaixadas e, claro está, os hotéis que acolhem os múltiplos visitantes que vêm para reuniões, seminários e conferências. O que para o caso interessa é que devorei umas sandes e após o consolo de umas frutas e uma taça de café aproveitei o intervalo para arejar. No arejo encontrei um belo jardim, não muito longe da antiga gare ferroviária que ligava Bruxelas ao Luxemburgo. Apanhei estas estátuas, seguramente de gente ilustre, mas folhagem que parece pintada e antes de me encerrar no que falta discutir e validar sobre envelhecimento e multimorbilidade deixo-vos esta imagem da Rue de la Loi, uma das artérias principais que liga a zona de Schuman ao Parque Real, esperei um momentâneo desafogo do trânsito para vos mostrar como se destruíram belíssimos edifícios para construir estes albergues onde se postulam diferentes políticas europeias. Assim findou o dia de trabalho. Amanhã é dia de turista, com repetições, improvisações e assombrações, como irão ver.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 16 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15496: Os nossos seres, saberes e lazeres (132): o casal João e Vilma Crisóstomo recebem em sua casa, em Nova Iorque, o ex-comandante do Navio Escola Sagres, Malhão Pereira, o embaixador Mendonça e Moura, e mais três dezenas de membros de comunidades portuguesas da área metropolitana nova-iorquina
Queridos amigos,
Não perco uma oportunidade para farejar esta terra que me é familiar. Tudo por obra de ter aqui bons amigos a que vejo uma vincada sinceridade no acolhimento.
Tive sorte em apanhar o Outono ainda com intensa folhagem, alguém me observou que mais uns dias e apanharia só a ramagem nua, o anúncio dos tempos rigorosos do frio, neve e invernia inclemente.
Terei depois um dia só por minha conta, na Feira da Ladra encontrarei um álbum primorosamente conservado onde se escreve Lisbonne - Fatima - St. Sébastien, Octobre 1956, deu para reviver o Rossio daquele tempo, a Baixa e até as ruínas expectantes de Santa Engrácia, 10 anos depois teríamos o edifício renovado, no âmbito dos 40 anos da Revolução Nacional. E mergulhei numa extraordinária exposição dedicada à Anatólia, qualquer coisa como a Turquia no território da Ásia Menor, frente à Europa, 200 peças deslumbrantes de milénios de encruzilhadas de culturas.
Eu depois conto.
Um abraço do
Mário
Bruxelas sempre muito amada, e a pensar na Anatólia (1)
Beja Santos
O pretexto era uma conferência sobre envelhecimento e multimorbilidade, ajeitou-se a ida e vinda de modo a dispor de um tempo apreciável de lazer. Parte-se e chega-se cedo à capital da Bélgica, e o meu amigo André Cornerotte apanha-me em Zavatem, por acaso no Brabante Flamengo, é o princípio da tarde e ele sugere um passeio a uma vila próxima, Diegem, refere que há uma linda igreja do tardo-gótico. Nada contra, o que eu quero é foliar, mais a mais está um dia de sol.
Diegem, imagine-se, pertence à municipalidade de Malines, uma linda cidade recheada de história de onde saíram deslumbrantes tapeçarias flamengas, não muito longe de Antuérpia. Esta igreja distingue-se pela sua elegante agulha que se sobrepõe a uma massa calcária bem lavrada. A igreja está fechada, haverá próxima visita. Antes, porém, deu-se com um belo castelo encastrado numa correnteza de edifícios, e que belo castelo, pequeno mas muito elegante. Cirandei à volta da igreja, chamou-me à atenção o pórtico e a sua sóbria escultura.
O Outono, nos países do Norte, é muito mais extenso do que no Sul e reserva-nos estes cromatismos prodigiosos, ruas inteiras com as árvores engalanadas, contrastando muitas vezes com os céus plúmbeos, assisti ao final da festa naqueles últimos dias de Outubro, máquinas e varredores iam limpando as ruas de tanta folha caída. Nunca ninguém me explicou este fenómeno para que o arvoredo viceje com tal intensidade e subitamente chega um Outono de árvores despidas, a chamar o Inverno, o longo Inverno do Norte. O que mais gosto são as cerejeiras japonesas, e encontramos glicínias e buganvílias a tomar conta das paredes das casas, disputando espaço com a vinha virgem. Não conheço mais espampanante encenação do arvoredo.
A noite do primeiro dia acabou em Anderlecht, um dos bairros mais populosos da capital, após uma visita familiar, a Ika, o André e eu fomos jantar num restaurante grego, valeu a pena e como me tinha levantado as seis da manhã atirei-me para a cama, no dia seguinte é dia de trabalho. É evidente que não vos vou falar do envelhecimento e muito menos da multimorbilidade. À saída de casa, nos alvores de uma manhã pardacenta, apanhei pela frente um chalé dos antigos, recentemente restaurado para receber uma família daquelas que têm posses. E segui caminho até ao centro nervoso de Bruxelas, aquela constelação de ruas por onde se espalham os serviços da Comissão Europeia, do Parlamento Europeu, de milhares de escritórios dos lóbis, embaixadas e, claro está, os hotéis que acolhem os múltiplos visitantes que vêm para reuniões, seminários e conferências. O que para o caso interessa é que devorei umas sandes e após o consolo de umas frutas e uma taça de café aproveitei o intervalo para arejar. No arejo encontrei um belo jardim, não muito longe da antiga gare ferroviária que ligava Bruxelas ao Luxemburgo. Apanhei estas estátuas, seguramente de gente ilustre, mas folhagem que parece pintada e antes de me encerrar no que falta discutir e validar sobre envelhecimento e multimorbilidade deixo-vos esta imagem da Rue de la Loi, uma das artérias principais que liga a zona de Schuman ao Parque Real, esperei um momentâneo desafogo do trânsito para vos mostrar como se destruíram belíssimos edifícios para construir estes albergues onde se postulam diferentes políticas europeias. Assim findou o dia de trabalho. Amanhã é dia de turista, com repetições, improvisações e assombrações, como irão ver.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 16 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15496: Os nossos seres, saberes e lazeres (132): o casal João e Vilma Crisóstomo recebem em sua casa, em Nova Iorque, o ex-comandante do Navio Escola Sagres, Malhão Pereira, o embaixador Mendonça e Moura, e mais três dezenas de membros de comunidades portuguesas da área metropolitana nova-iorquina
Guiné 63/74 - P15584: Parabéns a você (1013): Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Guiné, 1970/72)
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Nota do editor
Último poste da série de 5 de Janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15579: Parabéns a você (1012): João Meneses, ex-2.º Tenente FZE do DFE 21 (Guiné, 1972); Ricardo Figueiredo, ex- Fur Mil Art do BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 489 (Guiné, 1963/65)
Nota do editor
Último poste da série de 5 de Janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15579: Parabéns a você (1012): João Meneses, ex-2.º Tenente FZE do DFE 21 (Guiné, 1972); Ricardo Figueiredo, ex- Fur Mil Art do BART 6523 (Guiné, 1973/74) e Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor Auto da CCAV 489 (Guiné, 1963/65)
terça-feira, 5 de janeiro de 2016
Guiné 63/74 - P15583: Excertos de "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (1): O meu irmão Álvaro
1. Excertos de "Memórias da Guiné" da autoria do nosso camarada Fernando
Valente (Magro) (ex-Cap Mil Art.ª do BENG 447, Bissau, 1970/72), que
foram publicadas em livro com o mesmo título, Edições
Polvo, 2005:
EXCERTOS DE MEMÓRIAS DA GUINÉ
Fernando de Pinho Valente (Magro)
Ex-Cap Mil de Artilharia*
1 - O Meu Irmão Álvaro
O esforço humano (e material) dos portugueses para responder às guerras de África, nas três frentes (Angola, Guiné e Moçambique) era enorme no final da década de sessenta e nos primeiros anos da década de setenta.
No caso da minha família nós éramos (e somos) oito irmãos, seis dos quais homens.
Todos os seis foram chamados a prestar serviço militar obrigatório e todos foram mobilizados: um para Moçambique, como alferes miliciano, dois para Angola sendo um deles no posto de furriel e o outro como cabo especialista da Força Aérea e três para a Guiné, sendo eu o mais velho, como capitão, o mais novo como furriel e o imediatamente a seguir ao mais novo como primeiro-cabo auxiliar de enfermeiro.
A vida militar deste último cruzou-se mesmo com a minha, pois fazendo parte da Companhia de Artilharia 3493, foi mobilizado para a Guiné e colocado em Mansambo, na região de Bafatá, quando eu me encontrava ao serviço do Batalhão de Engenharia 447.
Fui esperá-lo, subindo ao barco que o trouxe e fundeou ao largo de Bissau, nos primeiros dias de Dezembro de 1971.
Pedi ao seu Comandante que, logo que possível, o deixasse passar comigo alguns dias em Bissau, o que aconteceu em princípios de Janeiro de 1972.
Ele, nessa altura, queixou-se muito da vida difícil e perigosa que levava no mato e eu, depois de ele regressar à sua Companhia, comecei a congeminar um processo de o trazer para o Hospital Militar de Bissau.
O que determinou a minha diligência nesse sentido foram as notícias que dele recebi em Fevereiro de 1972. Nelas me dizia que tinha entrado numa operação militar de um dia e duas noites e que, a certa altura, no meio do mato, foi dada ordem pelo Alferes, Comandante do seu pelotão, para que o pessoal descansasse por algum tempo.
Como havia perdido a noite anterior, acabou por adormecer, protegido pela vegetação.
Quando acordou foi grande o seu espanto ao se encontrar completamente só no meio do mato, numa região que sabia ser frequentada por “terroristas”.
No aerograma que me enviou relatava, desta maneira, o sucedido:
"Não imaginas o meu estado de espírito ao ver-me só e perdido dentro daquela mata densa. Andei cerca de uma hora perdido, cheio de medo. Cheguei a pensar que seria apanhado pelos terroristas e que nunca mais voltaria a ver a família.
Procurei encobrir-me com a vegetação, mas se porventura tinha de atravessar uma clareira, fazia-o rastejando.
Por fim encontrei um trilho por onde segui algum tempo, encharcado em suor.
Finalmente vi, ao longe, um pequeno grupo de militares.
Aproximei-me deles correndo o mais que pude e quando me pareceu que a minha voz poderia por eles ser ouvida, gritei com quanta força tinha.
Era tropa da minha Companhia, embora não fosse do meu pelotão.
Contei o que havia acontecido, quase sem poder falar, por estar muito cansado.
Não tive nenhuma culpa do sucedido."
Eu conhecia o Director do Hospital, embora não tivesse com ele grandes relações.
Conhecia-o dum jantar festivo a que ele compareceu, como convidado, no Batalhão de Engenharia.
Lembrei-me de o procurar.
Relatei-lhe que tinha um irmão como cabo enfermeiro no mato, irmão que tinha tido, quando adolescente, problemas de saúde e mesmo uma paralisia facial.
Contei-lhe o que havia sucedido por dele se terem esquecido, quando adormeceu de cansaço no meio da vegetação.
Perguntei-lhe, depois, quantos cabos enfermeiros faziam serviço no seu Hospital e se todos mereciam estar lá colocados.
Referiu-me que tinha algumas dezenas de cabos enfermeiros e que, pelo menos um deles, teria de o castigar severamente e de o mandar para o mato porque tinha roubado alguns militares feridos ou doentes.
Estes militares, como de resto acontecia com todos, quando chegaram ao Hospital Militar receberam um pijama próprio e as suas fardas e haveres foram guardados em armários metálicos individuais.
Esse cabo enfermeiro conseguiu ter acesso a alguns desses armários e havia roubado dinheiro e outros pertences dos doentes.
"- E, ainda por cima, ontem embriagou-se e fez por aí uma série de disparates.
Vai com certeza apanhar alguns dias de prisão e, por via disso, terá de ser colocado numa companhia destacada no mato", referiu o meu interlocutor.
Perante este relato do Director do hospital perguntei-lhe se não seria possível que o cabo enfermeiro, cujo comportamento merecia uma punição exemplar, fosse colocado por troca na companhia do meu irmão. Evitar-se-ia, continuei eu, que na caderneta militar do rapaz fosse averbado um castigo que, naturalmente, lhe poderia trazer prejuízo na sua vida futura. Com a sua ida para uma unidade de combate, sofreria de qualquer forma uma pesada punição e essa situação talvez o obrigasse a reflectir no sentido de melhorar o seu comportamento.
Assegurei ao Director, por outro lado, que a conduta do meu irmão Álvaro seria irrepreensível no caso de vir a ser colocado naquele Hospital Militar. Por isso responsabilizar-me-ia eu próprio. O Coronel-médico reflectiu e depois ditou-me os termos de uma declaração, em que o meu irmão teria de assinar em como concordava ser transferido para o Hospital Militar de Bissau em troca com o tal 1.º cabo auxiliar de enfermagem mal comportado.
Disse-me o Director que iria chamar o rapaz à sua presença e que o aconselharia a requerer a sua transferência para a Companhia de Artilharia 3493 de Mansambo por troca com o meu irmão Álvaro.
No caso de ele concordar, a minha pretensão seria bem sucedida e eu estava convicto que ele iria dar o seu acordo porque não poderia continuar mais tempo ali, tendo inevitavelmente de ser castigado e enviado para o mato.
Despedi-me do Coronel-médico com a continência regulamentar e aguardei os acontecimentos. A 20 de Fevereiro de 1972 foi publicada uma nota da 1.ª Repartição do Quartel-general do Comando Territorial Independente da Guiné que continha a oficialização da referida transferência.
Dois dias depois, quando entrei em casa vindo do quartel, tinha à minha espera o meu irmão Álvaro.
____________
Nota do editor
(*) Vd. poste de 12 de fevereiro de 2014 Guiné 63/74 - P12710: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (15): Fim da comissão - O regresso
EXCERTOS DE MEMÓRIAS DA GUINÉ
Fernando de Pinho Valente (Magro)
Ex-Cap Mil de Artilharia*
1 - O Meu Irmão Álvaro
O esforço humano (e material) dos portugueses para responder às guerras de África, nas três frentes (Angola, Guiné e Moçambique) era enorme no final da década de sessenta e nos primeiros anos da década de setenta.
No caso da minha família nós éramos (e somos) oito irmãos, seis dos quais homens.
Todos os seis foram chamados a prestar serviço militar obrigatório e todos foram mobilizados: um para Moçambique, como alferes miliciano, dois para Angola sendo um deles no posto de furriel e o outro como cabo especialista da Força Aérea e três para a Guiné, sendo eu o mais velho, como capitão, o mais novo como furriel e o imediatamente a seguir ao mais novo como primeiro-cabo auxiliar de enfermeiro.
A vida militar deste último cruzou-se mesmo com a minha, pois fazendo parte da Companhia de Artilharia 3493, foi mobilizado para a Guiné e colocado em Mansambo, na região de Bafatá, quando eu me encontrava ao serviço do Batalhão de Engenharia 447.
Fui esperá-lo, subindo ao barco que o trouxe e fundeou ao largo de Bissau, nos primeiros dias de Dezembro de 1971.
Pedi ao seu Comandante que, logo que possível, o deixasse passar comigo alguns dias em Bissau, o que aconteceu em princípios de Janeiro de 1972.
Ele, nessa altura, queixou-se muito da vida difícil e perigosa que levava no mato e eu, depois de ele regressar à sua Companhia, comecei a congeminar um processo de o trazer para o Hospital Militar de Bissau.
O que determinou a minha diligência nesse sentido foram as notícias que dele recebi em Fevereiro de 1972. Nelas me dizia que tinha entrado numa operação militar de um dia e duas noites e que, a certa altura, no meio do mato, foi dada ordem pelo Alferes, Comandante do seu pelotão, para que o pessoal descansasse por algum tempo.
Como havia perdido a noite anterior, acabou por adormecer, protegido pela vegetação.
Quando acordou foi grande o seu espanto ao se encontrar completamente só no meio do mato, numa região que sabia ser frequentada por “terroristas”.
No aerograma que me enviou relatava, desta maneira, o sucedido:
"Não imaginas o meu estado de espírito ao ver-me só e perdido dentro daquela mata densa. Andei cerca de uma hora perdido, cheio de medo. Cheguei a pensar que seria apanhado pelos terroristas e que nunca mais voltaria a ver a família.
Procurei encobrir-me com a vegetação, mas se porventura tinha de atravessar uma clareira, fazia-o rastejando.
Por fim encontrei um trilho por onde segui algum tempo, encharcado em suor.
Finalmente vi, ao longe, um pequeno grupo de militares.
Aproximei-me deles correndo o mais que pude e quando me pareceu que a minha voz poderia por eles ser ouvida, gritei com quanta força tinha.
Era tropa da minha Companhia, embora não fosse do meu pelotão.
Contei o que havia acontecido, quase sem poder falar, por estar muito cansado.
Não tive nenhuma culpa do sucedido."
Eu conhecia o Director do Hospital, embora não tivesse com ele grandes relações.
Conhecia-o dum jantar festivo a que ele compareceu, como convidado, no Batalhão de Engenharia.
Lembrei-me de o procurar.
Relatei-lhe que tinha um irmão como cabo enfermeiro no mato, irmão que tinha tido, quando adolescente, problemas de saúde e mesmo uma paralisia facial.
Contei-lhe o que havia sucedido por dele se terem esquecido, quando adormeceu de cansaço no meio da vegetação.
Perguntei-lhe, depois, quantos cabos enfermeiros faziam serviço no seu Hospital e se todos mereciam estar lá colocados.
Referiu-me que tinha algumas dezenas de cabos enfermeiros e que, pelo menos um deles, teria de o castigar severamente e de o mandar para o mato porque tinha roubado alguns militares feridos ou doentes.
Estes militares, como de resto acontecia com todos, quando chegaram ao Hospital Militar receberam um pijama próprio e as suas fardas e haveres foram guardados em armários metálicos individuais.
Esse cabo enfermeiro conseguiu ter acesso a alguns desses armários e havia roubado dinheiro e outros pertences dos doentes.
"- E, ainda por cima, ontem embriagou-se e fez por aí uma série de disparates.
Vai com certeza apanhar alguns dias de prisão e, por via disso, terá de ser colocado numa companhia destacada no mato", referiu o meu interlocutor.
Perante este relato do Director do hospital perguntei-lhe se não seria possível que o cabo enfermeiro, cujo comportamento merecia uma punição exemplar, fosse colocado por troca na companhia do meu irmão. Evitar-se-ia, continuei eu, que na caderneta militar do rapaz fosse averbado um castigo que, naturalmente, lhe poderia trazer prejuízo na sua vida futura. Com a sua ida para uma unidade de combate, sofreria de qualquer forma uma pesada punição e essa situação talvez o obrigasse a reflectir no sentido de melhorar o seu comportamento.
Assegurei ao Director, por outro lado, que a conduta do meu irmão Álvaro seria irrepreensível no caso de vir a ser colocado naquele Hospital Militar. Por isso responsabilizar-me-ia eu próprio. O Coronel-médico reflectiu e depois ditou-me os termos de uma declaração, em que o meu irmão teria de assinar em como concordava ser transferido para o Hospital Militar de Bissau em troca com o tal 1.º cabo auxiliar de enfermagem mal comportado.
Disse-me o Director que iria chamar o rapaz à sua presença e que o aconselharia a requerer a sua transferência para a Companhia de Artilharia 3493 de Mansambo por troca com o meu irmão Álvaro.
No caso de ele concordar, a minha pretensão seria bem sucedida e eu estava convicto que ele iria dar o seu acordo porque não poderia continuar mais tempo ali, tendo inevitavelmente de ser castigado e enviado para o mato.
Despedi-me do Coronel-médico com a continência regulamentar e aguardei os acontecimentos. A 20 de Fevereiro de 1972 foi publicada uma nota da 1.ª Repartição do Quartel-general do Comando Territorial Independente da Guiné que continha a oficialização da referida transferência.
Dois dias depois, quando entrei em casa vindo do quartel, tinha à minha espera o meu irmão Álvaro.
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Nota do editor
(*) Vd. poste de 12 de fevereiro de 2014 Guiné 63/74 - P12710: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (15): Fim da comissão - O regresso
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