sábado, 24 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6781: Controvérsias (98): Quem não se sente... não é filho de boa gente (Carlos Nery)

Mensagem de Carlos Nery (ex-Cap Mil, Comandante da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70), com data de 21 de Julho de 2010:

Caros Camaradas e Amigos,
A propósito da publicação do conto do Mário Cláudio "Para o Livro de Ouro do Capitão Garcez" desencadeou-se viva polémica no nosso blogue. Em si próprio o fenómeno terá que ser considerado bastante positivo. Contudo, acabaram por sobrar alguns comentários que considero infelizes, roçando a deselegância e, por vezes, ofensivos. Fico a pensar no que terá sido dito naqueles que, julgo, foram eliminados pelos editores.

Peço, portanto, a publicação, no blogue, de um Poste com o texto que segue em anexo, bem como as fotos e legendas para as mesmas que junto também.

Um grande abraço e bom convívio na Tabanca de Matosinhos.
Carlos Nery



CCaç 2382 em patrulha, foto do Comandante da Companhia, ex-Cap Gomes de Araújo

Quem não se sente... não é filho de boa gente

1. Literatura e opinião política, leio-a noutro lado...

Quando divulguei no Poste 6479 o meu “Noite Longa em Contabane” contei 11 comentários à minha descrição. Atendendo a que dois eram de minha autoria, afinal houvera 9 camaradas que se tinham dado ao trabalho de ler e dizer alguma coisa sobre o meu texto. Fiquei contente.

Imagine-se a reacção de Mário Cláudio aos 6 Postes e aos 51 comentários (se me não enganei a contar) a propósito do Poste 6672, onde foi publicado o seu conto “Para o Livro de Ouro do Capitão Garcez”. É obra!

Os camaradas e amigos “aquecem” rapidamente com um bom debate! (Conclusão de José Belo no Poste 6691 parecendo querer encerrar o assunto).

************
Olá, Belo! Afinal lembro-me de ti perfeitamente, embora, quando falei pela primeira vez com o Luís Graça, pelo telefone, eu tivesse feito uma pequena confusão... Tinha a ideia de que o tal Alferes Belo, que num lance de audácia havia libertado alguns civis levados pela guerrilha, merecendo referências elogiosas do então Major Carlos Azeredo, pertencia a uma companhia mais antiga no Forreá. Mas, quando vi a tua foto logo se desvaneceram as minhas dúvidas. Afinal pertenceras à 2381! Não me recordava de que a tua companhia estivesse em Aldeia quando nós estávamos em Mampatá, após o abandono de Contabane. Passados 40 anos a memória nem sempre é pronta... Recordei-me, então, de uma viagem que fizemos juntos, de Abrantes para Lisboa, não sei se no meu, se no teu carro, quando me descreveste a tua experiência em Israel. De como tinham feito renascer uma língua quase morta, dos dispositivos de aquecimento solar (na altura desconhecidos entre nós), dos sistemas de rega gota-a-gota... Tem graça como essa conversa, afinal, permaneceu na minha memória. Haveria de me recordar dela, cerca de trinta anos depois, quando visitei Israel, justamente em 2000, ano do Jubileu.

************

Mas voltemos ao que diz o Belo. Em seu entender, as palavras sensatas de Vasco da Gama no seu Poste 6675 recolocam o debate dentro de perspectivas... do "viável".

Cheio de esperança de que se fizesse luz lá fui, com mais atenção, reler essas palavras...

Fiquei a saber de que VG “gostou do texto são e escorreito” mas que “o texto é um panfleto contra a presença da tropa na Guiné e é apenas e só pura literatura”. (Sem descortinar o que o texto “são e escorreito” tem que ver com a presença da tropa na Guiné, fiquei sem saber se isto de ser “pura literatura” é qualidade ou defeito)...

E, por fim, que “no meu Blogue interessam-me os escritos dos camaradas da Guiné e as suas experiências dolorosas, contadas por gente com estatuto de escritor, ou por outros que mal sabem escrever”.

E, para acabar, que “literatura e opinião política, leio-a noutro lado”.

Ó Belo, desculpa lá mas não descortino onde está a sensatez deste discurso...

Ó Vasco da Gama, tento entender a lógica destas palavras... Mas... Não chego lá...
Para já um reparo: isso de procurar a política noutro lado é, também, uma outra forma de fazer política, ou não é?...

2. Nem eu nem ninguém, felizmente...

Camaradas, um debate faz-se na diversidade de opiniões. Eu, por mim, a escolher, dentro da intensa troca de ideias que o conto do Mário Cláudio suscitou, algo com que concordasse plenamente, optaria então pelo comentário do Luís Graça ao Poste 6677 do Belarmino Sardinha. Permito-me mesmo destacar esta passagem:

De qualquer modo, nem eu nem ninguém, felizmente, pode impedir que o Rui Barbot Costa, aliás Mário Cláudio, ou o Armor Pires Mota, ou o Álvaro Guerra, ou o Mário Beja Santos, ou o Barão da Cunha, ou o José Brás, ou o António Graça de Abreu, ou o Zé Teixeira, ou o Jorge Cabral, ou o J. Mexia Alves ou qualquer ex-camarada que tenha passado pelo TO da Guiné, escreva sobre a guerra, em prosa ou em verso, em registo heróico, dramático, humorístico ou burlesco... Aliás, essa é uma das funções essenciais do nosso blogue...
Não me interessa se o escritor (ou o escriba...) esteve na frente ou rectaguarda, no "front office" ou no "back office", na Amura ou em Buruntuma, se foi operacional ou contabilista, transmissões ou informações, capelão ou caixeiro, enfermeiro ou padeiro... Todos pertencemos ao mesmo exército, independentemente do "curriculo militar" ou até do "chumbo" que levámos no corpo”...

Felizmente! Amigo e camarada, Luís Graça, permito-me sublinhar a palavra!

3. Incluam-me no grupo dos iletrados!

Nos meus tempos de adolescente e de juventude, para nós, o objecto mais precioso existente em nossas casas, era o livro que se andava a ler... Líamos tudo. Desde o Mark Twain ao Eça, ao Júlio Dinis, ao Júlio Verne, ou aos romances históricos do Alexandre Herculano e do Walter Scott, passando por tudo o que era livro policial ou de aventuras. Durante uma estada passada no Funchal, em casa de família, li toda a biblioteca de livros policiais de um tio meu, para desespero de meu pai que me escrevia de Lisboa, incitando-me a visitar o interior da Ilha... Essas visitas fá-las-ia bastantes anos depois... Na altura, devorei umas centenas de livros que, depois, organizei por colecções e por autores...
Numa entrevista do Saramago, o escritor contou que, com essa idade, lia à noite, escondido por baixo dos cobertores, usando uma pequena lanterna de pilhas para o poder fazer.
Efectivamente, os adultos tentavam contrariar essa nossa actividade. Se me surpreendia a ler, meu pai repreendia-me chamando-me a atenção para a necessidade de estudar em vez de “perder o meu tempo com leituras”...

Mas o ser humano tem a misteriosa necessidade de ouvir uma história e, nesse tempo, era o livro quem lha contava. Também se ia ao cinema. Mas ir ao cinema era um ritual complicado e dispendioso que só acontecia de vez em quando.

Porém, actualmente, quando os meus netos entram em minha casa não é o livro que procuram.
Correm para a televisão ou para o meu computador. A casa, aliás, passou a estar organizada em função do televisor e o antigo leitor compulsivo acaba por não encontrar muitas vezes um local e um ambiente adequados à leitura. Lê-se menos, portanto. Mas os escritores referenciados como de mais qualidade não parecem querer fazer qualquer esforço para produzir uma literatura mais absorvente, mais acessível. Um dia, regressado da Guiné, portanto há cerca de quarenta anos, num debate realizado no Clube de Teatro 1.º Acto, em Algés, perguntei a Mário Sottomayor Cardia porque não utilizava ele uma forma de escrever mais fácil, mais atractiva para o leitor. Ouvi uma resposta breve e definitiva: “Escrevo como sei escrever”.

Entendi. A minha pergunta tinha sido descabida. É que ao leitor cabe também algum esforço.

Se leram com alguma atenção o Poste 6675 do Vasco da Gama, (desculpa lá, pá, estás na berlinda!) hão-de ter reparado que, logo no início, ele afirma possuir, com sua mulher, alguns livros do Mário Cláudio. Mas, poucas linhas adiante, confessa a sua iliteracia “Claudiana”. Poderei concluir que o nosso camarada tem livros em casa que nunca leu?

Se assim é, confesso de imediato que o mesmo se passa comigo. Vão longe os tempos em que “derrubava” bibliotecas... Hoje, são vários os livros que comprei e que ainda não li. Por exemplo do Lobo Antunes, da Augustina, do Saramago e até... do Mário Cláudio. (Confesso-te o meu pecado, amigo Barbot)...

Incluo-me, portanto, entre aqueles camaradas que, nem sempre estão dispostos, ou não encontram ambiente, ou tempo, para fazer o esforço de atenção que um bom livro nos exige.
Não pretendia dizer mais do que isto no email que enviei ao Rui Barbot e que transcrevi como comentário ao Poste 6672 e que mereceu tanta animosidade.

Meu caro Luís Graça, se porventura aquilo que disse é um atestado de iliteracia aos nossos amigos, incluam-me, então, no grupo dos iletrados...

4. Entra bem, pela tua mão...

Parece ter provocado entre alguns camaradas alguma estranheza o facto de ter sido eu a apresentar o texto do Mário Cláudio. Embora não entendendo qual a relevância desse pormenor, com a devida vénia, caro Luís Graça, passo a transcrever o teu e-mail de 08JUN10, que recebi após ter-te informado que o Barbot conhecia o blogue (que considera “muito saudável”, posso agora acrescentar) e que estava disposto a disponibilizar-lhe dois textos de sua autoria.

Carlos,
Obrigado pelas tuas diligências. Diz-lhe que é também uma honra para nós ter no nosso blogue um dos maiores escritores vivos da língua portuguesa!... De qualquer modo, o nosso blogue é também uma razoável montra... No espaço de um mês e pouco tivemos 100 mil visitas. Ontem por exemplo, andámos nas 3 mil... O Mário que nos mande 2 "chapas" (uma do tempo da tropa e outra actual) mais um pequeno texto de apresentação... Tu podes compor o resto... E entra bem, pela tua mão, na nossa Tabanca Grande... Um abraço, e até a um dia destes... em Alfragide. Luís


Contactei novamente o Rui Barbot que me enviou o material solicitado bem como os referidos dois contos:

“Para o Livro de Ouro do Capitão Garcez”, que sei agora não ser um inédito, tendo sido publicado em O Prazer da Leitura, Teorema/FNAC, 2008. Edição comemorativa do 10.º aniversário da FNAC. (O produto da venda reverteu, na totalidade, para a AMI).

“Espólio de Lama”, conto publicado no livro “Itinerários”, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1993.

O resto é consabido, não é verdade?

Falta publicar, no blogue, “Espólio de Lama”. Quem adivinha o número de Postes e de comentários que essa publicação pode vir a suscitar?

5. A minha outra face...
(Foi realmente muito bom este nosso reencontro mais de 40 anos depois (Poste 6670), não menos cantores mas um pouco mais calvos, claro. Disse o João Barge)


Páginas centrais do programa com fotografias tiradas durante os ensaios

Os Actores: João Barge, Ana Maria, Lisa Nunes, Maia Alexandre, Maria Guilhermina e Rui Barbot

Dou agora a palavra ao João Barge, alferes da C.Caç 2317 de Gandembel, onde foi colocado em 1968, por rendição individual:

Em Novembro de 1969, a CCaç 2382 do Cap. Gomes de Araújo deixa Buba e vai para Bissau onde a guerra acaba e a paz começa, onde o tempo agora se conta sempre a descer, com os olhos finalmente a acreditar que em breve se voltariam a ver terras de Espanha, areias de Portugal.
Ora um belo dia, o Cap. Araújo, cristianissimamente e sem que tivesse havido qualquer ofensa prévia, presumo eu, resolveu dar a outra face, a sua outra face, e surge o encenador Carlos Nery mais o projecto de criar de raiz um grupo de teatro. E assim do nada, na base de um amigo que traz outro amigo também, o grupo foi nascendo, e fez o seu caminho descobrindo e formando actores, inventando técnicos, confiando o guarda-roupa a senhoras sábias e generosas, improvisando palco e materiais de cena, propondo, discutindo, até se chegar à primeira peça (afastados o Auto da Índia e a Gota de Mel para evitar melindres maiores) - um texto de Eugène Ionesco - La Cantatrice chauve (A Cantora careca), publicado em 1950, um clássico do chamado Teatro do Absurdo.

Reparaste, caro Vasco da Gama? A Gota de Mel, referida por ti no Poste 6675... Coincidências, não é?

Pedi, na altura, a minha mulher, em casa dos pais, no Porto, que me conseguisse junto do poeta Egipto Gonçalves a sua tradução do belíssimo poema de Léon Chancerel. Passados alguns dias, ou semanas, lá a recebi. Como sabes contém uma clara censura à guerra e à violência. Quanto ao Auto da India, de Gil Vicente, também o sabes, evoca alguns aspectos negativos da nossa expansão marítima. Fidelidades e infidelidades de um casal separado pela ausência do marido na India, marido esse que, no seu regresso, se assume sem rebuços como um émulo, no sec. XVI, do mais recente Capitão Garcez...

Adivinhas o que se seguiu? O Barge já o deu a entender... Pediram-nos delicadamente que encontrássemos outro texto... Certos pruridos actuais já se manifestavam nesse tempo... Mas, naquele contexto, insistir iria certamente levar-nos a um beco sem saída. Procurámos outra peça, que remédio!

Pela minha parte, confesso, que sentia uma enorme necessidade de fazer algo de diferente daquilo que me ocupara intensamente durante cerca de ano e meio em Bula, Contabane, Mampatá, Aldeia Formosa, Nhala e Buba. Usar a minha imaginação de outra forma. Esquecer os incidentes das operações, dos patrulhamentos, das colunas de reabastecimentos ou da protecção a colunas. Das emboscadas a colunas inimigas, da reacção às emboscadas do inimigo. Das flagelações e dos ataques aos nossos aquartelamentos... Da picagem das estradas e do levantamento das minas detectadas. Da colocação de minas nossas... Do empenhamento posto na abertura da tal Estrada Nova que nunca serviu para nada... Esquecer a tensão constante em que tínhamos vivido durante esses quase dezoito meses. Como muito bem diz o João Barge no seu texto a incluir no Poste que estamos a preparar sobre a experiência da Cantora Careca:

Creio, a esta distância, que o entusiasmo posto por todos nós foi uma forma de derrotarmos aquela guerra que nos consumia. De nos dizermos: estamos vivos, somos capazes de pensar, de sentir e de transmitir emoções”.

Foi isto, Vasco da Gama, camarada de armas, colega de teatro. Foi isto. Não dá para torceres o nariz.

6. “AS CUNHAS QUE OS SISTEMAS POLÍTICOS SEMPRE PROPICIAM A QUEM GOSTA DE CHAFURDAR EM TAIS MANJEDOURAS” ou “ENTRE DUAS GARRAFAS DE WHISKY VELHO ENTREMEADOS COM UNS GIN TÓNICOS GORDON`S OU SIMILAR, ENCENAVAM-SE TAMBÉM, AO QUE PARECE, OBRAS DE IONESCU...
GENTE FINA É OUTRA COISA COMO DIRIA O OUTRO... (frases de um comentário ao Poste 6675)


Comentário do João Barge: Foto minha em Gandembel (Ponte Balana), de Dezembro de 1968, à entrada do abrigo onde dormia com a minha gente. Como diz o Manuel Maia, em maiúsculas, logo aos berros: Sem boas cunhas, como é que eu iria para Gandembel? E depois para Buba? E depois para o Gabu?

Quinze meses depois, de novo João Barge, finalmente em Bissau, aguardando a hora do ensaio.

João Barge e Rui Barbot. Comentário do João: E o nosso Rui Barbot, licenciado em direito, só com altíssimas cunhas iria para uma secção de Justiça em Bissau... Como se sabe hoje, ser mobilizado para a Guiné, só com padrinhos de ministro para cima!

Ao Manuel Maia só quero felicitar pela sua capacidade de brilhante ficcionista.
Só que ele tem uma visão redutora do ambiente vivido numa Bissau que não conheceu, nem no tempo nem no lugar. É que entre 1970 e 1974 muita água correu pelos rios da Guiné...
Camarada, a realidade da Messe de Oficiais era bem mais complexa daquela que te deitas a adivinhar. Se é verdade que havia alguns frequentadores habituais, a grande maioria de quem por ali passava não pertencia a esse grupo. Gente de unidades do mato, em Bissau por baixa médica ou para tratar de algum assunto da sua unidade, ou ainda de férias, aguardando o transporte para Lisboa ou, terminadas estas, esperando transporte para a sua unidade. Gente da Força Aérea ou da Marinha... Oficiais das unidades especiais (comandos, pára-quedistas ou fuzileiros)... Oficiais das recentemente criadas unidades africanas. Oficiais “periquitos” ou veteranos prestes a abalar... Médicos em serviço no hospital, oficiais do QG, que sei eu... E as famílias de alguns... Recordo-me, por exemplo de ali encontrar, poucos dias antes de ser assassinado, o Major Passos Ramos e sua família bem como uma criança africana que ele tinha a intenção de adoptar.

Não, caro camarada, nunca fui de puxar por galões nem quando mos puseram sobre os ombros obrigando-me a cumprir cerca de cinco anos de serviço militar obrigatório.

Como comandante de uma companhia em teatro de operações evoco o testemunho de quem me conheceu e observou o meu comportamento.
Aqui, na Tabanca Grande há gente que esteve comigo em Buba ou no Forreá:

Da minha companhia, C.Caç. 2382, os furriéis Manuel Traquina e Joaquim Vieira Lopes e o soldado José Manuel Cancela.
(Cancela, camarada combatente e soldado amigo, diz lá qual era a alcunha que revelaste ser a minha, no encontro de Monte Real, dada pelos homens sob o meu comando, em Buba... E o porquê, dessa alcunha?)

Da C.Caç 2381 podem falar de mim o Zé Teixeira (que, aliás já o fez num comentário ao Poste 6479), o Belo, que foi um dos seus alferes, e o Eduardo Moutinho, alferes graduado em capitão, que substituíu o então Capitão Aidos no comando da companhia. Os dois últimos, não sei o que pensam de mim, sujeito-me ao seu testemunho.

Da C.Caç. 2317, a companhia de Gandembel, evoco o testemunho do camarada Idálio Reis e, como não podia deixar de ser, do João Barge.

Conheceram-me, observaram como me comportava e podem, se concordarem, testemunhar se, de facto, eu fui oficial para ter de puxar dos meus galões para assumir o comando dos homens sob minha responsabilidade.

Quanto à tal outra face, a de homem de teatro, faço lembrar aquilo que a meu respeito eu disse no Poste 6183:

(…) sou um amador (no sentido em que amo) de Teatro. Aliás, em Bissau, no fim da comissão, ainda encontrei disposição para encenar "A Cantora Careca", de Ionesco... Teatro do absurdo em teatro de guerra... Um dos meus actores foi o Alferes Barbot, da Secção de Justiça do QG, hoje escritor Mário Cláudio. No programa do espectáculo escreveu um texto muito a propósito da situação dos muitos absurdos em que estávamos mergulhados...
Bem... Passaram-se quarenta anos, não é? Pois acontece que, neste momento, participo numa empolgante experiência no Centro Cultural de Belém. Dir-lhe-ei que foram convidadas pessoas com experiência teatral com idade superior a sessenta anos. Tiago Rodrigues (actor, dramaturgo e encenador) é o responsável pelo projecto que aponta para a formação da Companhia Maior do CCB. O texto ainda não existe. Ou melhor vai sendo construído por nós. Numa primeira apresentação pública eu "fui" um soldado que conta um episódio baseado em algo que aconteceu realmente (...)


Sobre teatro foi isto que disse a meu respeito. Nunca me afirmei um encenador. Fazer uma encenação (ou duas, ou três) não é bem a mesma coisa do que ser um encenador... Há que saber ler, caro Manuel Maia e não ser precipitado nem injusto. Aqui no blogue existe suficiente informação sobre o assunto que trataste tão leviana e incorrectamente. Não é próprio de um licenciado em História, como julgo que és! É que o teu arrazoado, além de ofensivo, não tem pés nem cabeça meu caro. Não foste só tu que estiveste em guerra, desculpa lá!

Mas, para acabar só uma pergunta: antes de embarcar, de regresso a Portugal, terminada a comissão da vossa unidade, quanto tempo estiveram vocês a aguardar embarque? E, durante esses dias, ou semanas, ou meses, em que ocupavam os vossos tempos livres? Por onde andavam? Que faziam?

No que nos toca, aos “filhos da Cantora Careca”, como nos baptizou o Barbot, (eu preferiria, os avós...), aproveitámos para levantar do nada uma peça de teatro. O que não adivinhávamos é que, quarenta anos depois, essa nossa actuação ia ser escrutinada desta forma, obrigando-me a adiantar esta justificação...

Julgo que algo vai mal no “Reino da Dinamarca”.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6759: Controvérsias (97): Ainda... muito a tempo (José Belo)

Guiné 63/74 - P6780: Os nossos seres, saberes e lazeres (23): O Grupo de Bombos 4 Estações, na Tabanca de Candoz (Luís Graça)

 

 Marco de Canaveses, Paredes de Viadores, Candoz, Quinta de Candoz > Festa de Nossa Senhora do Socorro, 24 de Julho de 2010. Actuação do Grupo de Bombos 4 Estações que acompanham o mordomo da festa, casa a casa, na recolha de donativos.

 Da Tabanca de Candoz, em festa, envio votos de boas férias (ou simples bom fim de semana) a todos os amigos e camaradas da Guiné, membros da Tabanca Grande e aos demais leitores do nosso blogue. Mesmo aqui é difícil esquecer a guerra (ou não falar da guerra), e muito menos o blogue...

 Cá na Tabanca de Candoz, além de mim, há mais dois antigos combatentes, dois cunhados meus, um que esteve em Angola (Camabatela, 1969/72), José Ferreira Carneiro, 1º Cabo Trms Inf; e outro em Moçambique, onde foi gravemente ferido, por acidente com arma de fogo (uma pistola metralhadora Uzi), que o levou às portas da morte.

O António Ferreira Carneiro, na altura conhecido como o "Brasileiro", é hoje deficiente das Forças Armadas: foi atingido em sete órgãos. Pertencia ao Destacamento 664, da Companhia de Intendência (Tete, 1964/66), sendo comandante o Alf Mil Patrício. O 1º Sargento era o Anmtónio Teles Touguinha, já falecido, que se veio a revelar grande amigo da família. Era natural de Vila do Conde. Havia ainda dois furriéis açorianos, de que o António já não se lembra o nome.  Ao todo, eram cerca de 25 militares, viviam numa vivenda em Tete, em plena cidade. Os graduados eram apenas 2 cabos, 2 furriéis e 1 alferes.

O "Brasileiro" (alcunha por que era conhecido) foi ferido em Julho de 1964 e transferido para o HMP, em Lisboa, em Dezembro desse ano. No HMP passou cerca de oito meses.  Regressou à vida civil em Agosto de 1965. Era refractário, tendo estado no Brasil entre os 18 e os 24 anos. Foi "caçado", quando regressou à Pátria... Nasceu em 25 de Fevereiro de 1939, na Ribeira, Paredes de Viadores.

Em Tete, foi 1º cabo magarefe... Ainda hoje procura malta da sua subunidade bem como o médico que o operou em Tete ("Era a maior alegria que me podiam dar, saber do paradeiro dos meus camaradas de Intendência bem como do médico que me salvou"). Ele vive em Custóias, Matosinhos.

Um primo deles, e da minha mulher, Maria Alice Ferreira Carneiro,  antigo presidente da Junta de Freguesia de Paredes de Viadores, o comerciante José Ferreira, esteve por sua vez na Guiné, na CCS do BART 2866 (Bissau, Pelundo, 1969/70). Era 1º cabo sapador. Passou 15 meses em Bissau e sete no Pelundo. Actuavam em todo o CTIG, colocando minas ("algumas de vinte quilos"). Não temos ninguém da sua unidade, aqui no nosso blogue

Vídeo (2' ''02):  Luís Graça (2010). Alojado em You Tube > Nhabijoes

__________

 Nota de L.G.: 24 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6641: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (22): José Corceiro, um bom filho, um melhor pai, um avô babado

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Guiné 63/74 – P6779: Divagações de reformado (Pacífico dos Reis) (5): Só à pedrada

1. Mensagem do nosso camarada José Martins com data de 19 de Julho de 2010:

Caros amigos e camaradas
Segue mais uma «Divagação de reformado», do nosso amigo e camarada Coronel Pacífico dos Reis.

Um abraço
José Martins


DIVAGAÇÕES DE REFORMADO

5 - Só à Pedrada

Um dos grandes meios para divagar, nos tempos que correm, é a internet. Não só pelas beldades que vão aparecendo no pequeno ecrã dos portáteis, mas também pela avalanche de informações que nos é debitada todos os dias. No meio dessa catadupa aparece um extenso anedotário figurativo do pulsar social dos diversos países. É o caso paradigmático da estória que ocorreu na “Internete”, em castelhano, que é o reflexo do que se passa na nossa sociedade. Passo a contar, Um ladrão, de cara tapada, abordou um cidadão de “uma certa idade” e exigiu-lhe o relógio. Verificando que era uma imitação barata de um “Rolex” invectivou o ancião e pediu-lhe a carteira. O pobre cidadão deu-lhe a carteira, uma imitação barata de “Pierre Cardin”, com uns míseros cinco euros no interior. O ladrão ia entrando em apoplexia e disse-lhe: - Como é que só tens isto na carteira? O pobre velho respondeu-lhe: “É verdade que tenho pouco, sou coronel reformado!” Ao ouvir isto, o ladrão tirou alegremente a máscara e disse – “Coronel! E de que curso é que tu és?”

Esta anedota corre em Espanha, onde os coronéis ganham três vezes mais do que em Portugal, têm melhores condições sociais e os artigos nos supermercados são muito mais acessíveis que os nossos Continentes, Pingos Doces, Jumbos e similares.

Realmente a nossa geração é bastante azarada. Tivemos uma infância pós-guerra, com todas as limitações daí resultantes. Uma juventude marcada pela pseudo-didatura. Uma idade adulta na guerra do Ultramar. E agora, no final da vida, temos o espectro de ficarmos completamente limitados devido ao estado a que chegou o nosso País, resultante da má gestão, corrupção, falta de profissionalismo de alguns dirigentes que governaram e governam este Portugal. Precisamos somente de profissionais honestos em todos os níveis sociais.

Foto de alguns elementos da força de recuperação. (DR)

Adiante. Passemos às recordações de outros tempos.

Na nossa Companhia, os “Gatos Pretos”, muitas vezes tínhamos uma falta de comunicação, tantos os dialectos que se falavam. Para complicar, tínhamos muitas das vezes que falar em francês pois, devido à fronteira com o Senegal, alguns senegaleses vinham cumprir o serviço militar à Guiné. Tinham farda de “borla”, ganhavam bem comparativamente com a restante população e a guerra era coisa que lhes estava no sangue.

O nosso apontador do morteiro 81 era um caso típico. Como comandante, tive que aprofundar o meu francês, que aprendi no Colégio Militar, para lhe dar direcções de tiro. Sucedeu que, durante uma missão de bombardeamento à zona do Boé, um T6, por falha do motor, despenhou-se a cerca de dez quilómetros do nosso aquartelamento de Canjadude. O piloto foi retirado por meio héli, mas subsistia o problema de recuperação do motor. Recebemos uma mensagem para efectuar, com urgência, a recuperação do motor. O problema que se me deparava no momento resultava da falta de dois pelotões, por terem ido fazer uma coluna de reabastecimento ao Gabu. Assim, logo que chegaram os mecânicos da Força Aérea, arrancamos com duas viaturas e muito poucos militares, alguns até dos serviços de apoio como a secretaria e cantina. Juntei-lhes o apontador senegalês com a sua arma. Ao chegarmos ao local estabeleci o perímetro e coloquei o morteiro no centro do mesmo. No meu melhor francês indiquei os objectivos a bater, nas direcções prováveis de um possível ataque In, que poderia vir explorar a queda do T6. Virei costas e dirigi-me ao avião acidentado para controlar os trabalhos em curso. Ao chegar ao local ouvi uma “saída de morteiro”, indicador certo de que vinha uma granada a caminho. Gritei ao pessoal para se abrigar e pouco depois ouvi uma explosão ao longe. Tal facto surpreendeu-me, porque os “turras” não costumavam falhar quando lançavam os seus presentes de 82. Corri para o nosso morteiro e constatei que o nosso bom senegalês percebera muito bem quanto aos objectivos, só não tinha percebido que tinha de ficar em “stand by”. Claro que tudo se resolveu e conseguimos recolher o motor do T6 em tempo recorde e sem acordar o In.

Foto do motor recuperado, em cima da viatura. (DR)

Esse mesmo senegalês, quando atacaram o nosso aquartelamento e os turras foram ao arame e tentaram entrar pela área da tabanca, conseguiu, sem aparelho de pontaria e fazendo quase tira na vertical, enfiar uma salva de cinco granadas entre as duas fiadas de arame farpado, que os fez desistir do intento. Deixaram alguns restos humanos mesmo junto à fieira de arame farpado, o que demonstrou que ele trabalhava melhor sem as minhas indicações em francês.

Quem nunca esteve na Guiné talvez não compreenda que se possa passar sede. Na zona do Gabu, na estação seca, todas as vias fluviais pequenas desapareciam e a bolanha ficava seca e gretada. A nossa companhia ia buscar água a uma ribeira que passava a cerca de cem metros do aquartelamento. No tempo das chuvas era um rio portentoso, onde até se podiam pescar lagostins, na época seca desaparecia.

Já no final da época seca começamos a fazer racionamento de água. Ninguém tomava banho, toda a água era para beber e fazer comida. No entanto, a estação seca prolongou-se e já nem havia água para fazer comida. Já nem ligávamos ao cheiro que todos emanávamos. O dilema do comandante, sobre se havia ou não de pedir reabastecimento de água por héli, começava a pesar-me. Decidi-me e sentei-me na minha secretária (feita de caixotes de sabão) para redigir uma mensagem relâmpago. Estava a escrever quando ouvi uma gritaria no exterior do armazém de mancarra que nos servia de abrigo.

Saí para o exterior e julguei que estava tudo doido. Só via pessoal em cuecas, com barras de sabão na mão a apontar para oeste. Olhei e vi, com espanto, uma parede negra de água a caminhar em direcção do quartel. Só então me apercebi que tinha começado a estação das chuvas e que ela vinha em nossa direcção. Ainda deu tempo para ir buscar o meu sabão e desistir da mensagem relâmpago.

Agora começo a pensar em tudo o que passámos, todos juntos, e julgo que para nós eramais fácil a nossa missão ser levada a bom termo, por estarmos a defender uma parte integrante do Território Nacional. Ganhávamos mal, tínhamos dificuldade na alimentação, tudo junto com as agruras do clima e depois ainda tínhamos os “turras” para “cuidar”. “Turras” que tinham melhor armamento do que aquele que nós usávamos. Mas defendíamos a Pátria. Todos nós.

Agora é muito mais difícil. Como vamos explicar aos nossos militares que vão para o Afeganistão, Iraque, Líbano, Kosovo, etc, que estão a defender a Pátria? Ainda por cima com um corte orçamental de 40%. Será que vão defender a dita civilização ocidental à pedrada? Haverá dinheiro para pedras?

Notas:
1 – O texto também foi publicado na revista ASMIR de Mar/Abr 10.
2 - Na revista as fotos estão atribuídas ao ex-Furriel de Trms José Martins. Não é possível, já que na altura em que foram tiradas as fotos, o mesmo era o “Comandante de Canjadude” por ser, na altura, o militar com maior graduação no aquartelamento, pelo que as fotos seguem com DR (Direitos Reservados)



RELATÓRIO DA OPERAÇÃO “RECUPERAÇÃO” EM 22FEV69

01. Situação Particular

A Unidade encontra-se destacada em Canjadude com 02 Grupos de Combate, conjuntamente com a CART 2338, com um efectivo de 03 Grupos de Combate. Tem esta Unidade um destacamento em Cabuca com 1 Grupo de Combate e em Nova Lamego 1 Grupo de Combate.
(1 Grupo de Combate da CART 2339 e 1 Grupo de Combate da CCAÇ 5, assim como as viaturas pesadas, encontravam-se empenhadas numa coluna de reabastecimento a Nova Lamego, com inicio em 22 e termo em 23FEV69, ao fim da manhã)

02. Missão da Unidade
Montar a segurança à equipa da Força Aérea que iria recuperar o motor do T6 em 14151200 A1.

03. Força Executante
a) Capitão de Cavalaria Pacífico dos Reis

b) 1 Grupo de Combate da CART 2338 – Furriel Grosso
    1 Grupo de Combate da CART 2338 – Furriel Raposo
    1 Grupo de Combate da CCAÇ 5 – Alferes A. Sousa

c) 3 Grupos de Combate

d) Flanco esquerdo 1 Grupo de Combate da CCAÇ 5; flanco direito 2 Grupos de Combate da CART 2338.

e) 1) 3 Carregadores nativos e 1 guia a cargo da CART 2338.
    2) 2 Granadas de mão defensivas e 1 granada de mão ofensiva por homem; 2 elementos com dilagrama por grupo de combate, 1 Morteiro 81 e 1 Metralhadora Pesada BREDA.

3) -----------------

4) Reforço de 3 cunhetes de munições 7,62 mm; 10 cunhetes de Morteiro 60; 10 cunhetes de LGF.

5) -------------------

6) Material de Transmissões:
34 Onkyos
1 PRC-10
Telas

04. Planos Estabelecidos
Fazer uma coluna com os 2 Unimogs existentes com guarda de flanco até à zona onde se encontrava o T6. Nesse local fazer protecção circular ao avião. 1 Grupo de Combate sobre a estrada. 2 Grupos de Combate em redor do avião.

05. Desenrolar da Acção
Partiu-se de Canjadude em 221630FEV69 tendo a coluna chegado junto do avião, que se encontrava a cerca de 10 Km de Canjadude em 230830FEV69, tendo durante o caminho sido feito o que estava planeado. Junto do avião fez-se a segurança conforme estava planeado. O pessoal técnico da F.A. chegou em 220945FEV69, tendo começado a trabalhar na recuperação. Foram recuperadas todas as peças de interesse, inclusive o motor. Às 13H00 fez-se a destruição do aparelho por meio de explosivos. Chegamos a Canjadude em 221430FEV69.

06. Resultados Obtidos
Recuperou-se as peças essenciais do T6 e o motor

07. Serviços
a) 1 Ração de combate;
b) Água da fonte de Canjadude
c) 1 Auxiliar de enfermeiro e 1 maqueiro.
08. Apoio Aéreo
T6 e Helicóptero canhão depois de chegarem os técnicos da FAP, portanto às 09H45. Antes não houve apoio.


09. Ensinamentos Colhidos
Nada.

10. Diversos
Nada.
__________

Notas de CV:

- José Manuel Marques Pacífico dos Reis, Coronel de Cavalaria Reformado, ex-Comandante da CCAÇ 5 (Gatos Pretos), Canjadude, 1968/69

- Vd. último poste da série de 15 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6395: Divagações de reformado (Pacífico dos Reis)(4): Politicamente incorrecto… (José Martins)

Guiné 63/74 - P6778: Contraponto (Alberto Branquinho) (12): Duas visões do Almirante Américo Thomaz

CONTRAPONTO (12)

DUAS VEZES


Duas vezes vi o Almirante Américo Thomaz.

A primeira vez foi durante o desfile do juramento de bandeira na Escola Prática de Infantaria, em Mafra.
A formatura de cadetes saiu pelo portão do lado direito para quem esteja a olhar o Convento de fronte para a escadaria central. Começara com o habitual “Em frente, marche!!” e continuou a toque de caixa, voltando os vários pelotões à direita, para passarem em frente ao Convento. Começou a ouvir-se a charanga de metais, sopro e percussão, que tocava de forma ensurdecedora o “Angola é nossa! Angola é nossa! Angola é nossa!”. A partir desse momento os pés esquerdos batiam o chão a cada duas vezes que entrava a nota correspondente às sílabas “gó” de “Angola” e “nó” de “nossa”. A altura da música era tal que não podia ouvir-se qualquer ordem do comandante, colocado à frente de cada pelotão.

E foi assim que, sem ter ouvido a ordem de “Olhar direit’UP!”, percebi pelo colega (perdão, camarada) à minha frente que devia olhar à direita. Assim olhei, mantendo a cabeça a olhar (rigidamente) nessa direcção.
Foi, então, que vi o Almirante Américo Thomaz em pé e ao centro da escadaria, em cima de um palanque, recebendo e retribuindo o cumprimento militar. Fiquei a olhá-lo e a olhar a comitiva. Só percebi que já tinha havido ordem de “Olhar frente!” algum tempo depois.
A formatura torneou o Convento e regressou à parada pelo portão do lado oposto.

A segunda vez que vi o Almirante Américo Thomaz foi (talvez) em 1975.

Passeava eu com um grupo de amigos, num fim de tarde, em Copacabana, não naquele passeio largo a que chamam “Calçadão”, mas no outro passeio do lado oposto junto aos edifícios, quando um chamou a nossa atenção:

- Olha… o Américo Thomaz.

O Almirante (que, claro, não estava fardado) caminhava lentamente à nossa esquerda e em sentido contrário, mais próximo da beira do passeio, em passos curtos e cuidados, seguido a pouca distância pela filha. Pressentindo estar a ser observado e, talvez pela nossa atitude ou pelo vestuário, terá adivinhado sermos portugueses. Inclinou levemente a cabeça, cumprimentando-nos. Todos correspondemos. Como não íamos em formatura, não houve ordens de olhar à direita (ou à esquerda, como teria sido o caso).

(A História tem destas coisas…)
__________

Notas de CV:

- Alberto Branquinho foi Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69

- Vd. último poste da série de 9 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6704: Contraponto (Alberto Branquinho) (11): Você é preto!?

Guiné 63/74 - P6777: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (3): Os sonhos do Farinha

1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 21 de Julho de 2010:

Camarada Vinhal
Inseridas nas "Memórias boas da minha guerra", junto duas pequenas histórias: - "Os sonhos do Farinha - Paludismo e Pescaria premiada".
Anexo também duas fotos, para quando as quiserem utilizar; uma é a Equipa
dos graduados de Catió e outra é uma paisagem, também de Catió, com um
futuro canoísta.

Um abraço e até breve
Silva da Cart 1689


MEMÓRIAS BOAS DA MINHA GUERRA (3)

Os sonhos do Farinha I – O Paludismo


O furriel Farinha sonhava em voz alta. E, durante o sono, contava pormenores da sua própria vida, mesmo os mais íntimos. E, quando acordava, não se lembrava de nada. Quando alguém lhe falava do que ouvira, como é lógico, não gostava nada. Penso que, até, se medicava para o evitar.

Tinha regressado de férias, passadas na sua própria terra, lá para os arredores de Guimarães. Quando voltou para Catió, ao fim de poucos dias, já era sabido como passara o tempo de férias.

Claro que ouvíamos só partes, mas ficávamos com a noção do resto. Assim, como a que segue:

- Ó pai, tira-me ali o maço de cigarros estrangeiros do bolso interior do casaco... Ali, em cima, ao pé das cebolas... Isso, do lado de dentro, em baixo... CUIDADO!!! Ias-te fodendo! Se tropeçasses no focinho do porco, caías na fogueira... Tem calma e bista escanada. Vamos fumar agora um cigarro à maneira... Olha para isto, é um Quingue Cise, Saize, como os merdosos dizem... Isso, põe-lhe fogo aí junto aos colhões, enquanto eu lhe levanto a perna... É sempre das partes mais difíceis de chamuscar... Então? dá-me lume... Olha que te queimas, velho... Ai não? Olha para esses dedos todos queimados. Pareces as pretas lá da Guiné, que agarram num tição vermelho, para acender o cachimbo... Sim, Sim, elas fumam de cachimbo e outras até metem na boca o cigarro ao contrário, com o lume para dentro. Estou a reinar, o caralho, é que estou! Eu vi-as, com estes olhos, a meter as mãos na panela ao lume, a mexer o arroz. Não fazes ideia daquilo. Também não admira, nunca saíste da parvalheira... Uma MERDA??? Pois, os teus Kentuques, é que são bons. Os teus cigarros mata-ratos, mais o teu vinho martelado, é tudo uma porcaria, mas como estás habituado, papas tudo e vais morrer consolado.

Volta-se na cama, solta um espirro e continua:

– Já estou fodido. Fodido não... refodido sim... Não, não é constipação, é paludismo. Uma doença que ataca lá, em África. O paludismo é mesmo perigoso... Qual parolismo, qual caralho?!... PALUDISMO, PA-LU-DIS-MO!... Parolismo?!... Parolismo?!... Tu é que me saíste um parolo... Não sei como é que a mãe te quis!


Os sonhos do Farinha II – pescaria premiada

Quase sempre que o furriel Farinha se punha a sonhar alto, a malta prestava uma atenção cuidada, visto que era certo o divertimento. Salvemos aqui algumas ocasiões em que o assunto era mais reservado e mais delicado. É que, além de ele descobrir a vida toda, ficava furioso por não saber o que tinha revelado.

Já estávamos em Bissau, no QG – Quartel General - para o regresso e numa tarde qualquer, em que era normal dormir, ele sonhava e falava assim:

- Olá cara linda... Já sei que te chamas Rosinha, que é também uma linda flor... Assustaste-te? Escusas de ter medo, sabes que até sou muito meigo e não é para me gabar. Já vou sair de trás de ti, para não dizeres que te estou a espreitar as pernas. Bem boas, por sinal. Estás a lavar os teus segredos?... Todas as mulheres têm segredos... Eu? Eu vou pescar, não vês aqui a cana?... Tem peixe, tem. Não acreditas?... Ai apostas?... Apostas a quanto?... Não tens dinheiro, não faz mal. Vamos então fazer um acordo e como estás convencida de que não há peixe, não vai haver problema. Só quero um beijinho por cada peixe... Ai estás a rir? Olha que eu vou ganhar... Pronto, está acordado... Eh, aí está ele, o primeiro! Estás a ver Rosinha? Não fujas, nem penses... Mas um foi por teres tentado fugir. Mas eu vou tirar mais... Outro!... Pequenitos? Tu também não és grande e tens tudo de bom... Outro!... E outro! Hum... Estende ali essa manta... Não, ninguém vê... Hum... Então, querias um peixinho maior?... Ai, larga, olha que me magoas... Que mãos frias! Hum... Hum...”

Nesse momento já estavam mais de dez curiosos no quarto, sentados nas camas à volta a assistir ao espectáculo. E quando o Farinhas já arfava e acelerava a respiração, o Machado deu-lhe um abanão que o acordou. Meio atordoado, esfregou os olhos, coçou os testículos, quando viu aquela malta toda já a disfarçar, fingindo ignorá-lo. E ele, vê-se “encrespado”, de repelão, salta, põe-se de pé na cama, aperta o pénis e grita: - Quem quer saltar ao galho?


Silva da Cart 1689
__________

Nota de CV:

Vd. poste de 14 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6736: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (2): Sexualmente falando, tudo continua normal

Guiné 63/74 - P6776: Notas de leitura (133): Desertor ou Patriota, de David Costa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Julho de 2010:

Queridos amigos,
Seria bem interessante se o Alexandre Correia e o José Landim estão de boa saúde e querem contactar o David Costa. Bom seria que os nossos confrades guineenses que tiveram conhecimento deste relato dessem notícia do pedido do David Costa a estes militantes do Morés.

O relato de David Costa não nos surpreende completamente. Falando por mim, recordo que me chegou a Missirá o primeiro cabo Fernandes, que também foi capturado perto de Mansoa, e ainda hoje estou para saber como é que entrou naquele quartel do Cuor. Foi o Aires Ferreira que esclareceu que o primeiro cabo Fernandes não era delírio da minha imaginação, continua a aparecer em todas as reuniões anuais.

Um abraço do
Mário Beja Santos


Com um simples gesto irreflectido, tornou-se prisioneiro do PAIGC

por Beja Santos

Se subsistem dúvidas de que a realidade tem muito mais força do que a ficção, então recomenda-se a leitura de “Desertor ou Patriota”, por David Costa, Editora Ausência, 2004 (227162483, ausencia@clix.pt; esta editora tem uma colecção dedicada a temas da guerra da Guiné).

David Ferreira de Jesus Costa, natural de Fânzeres, Gondomar, foi incorporado em Julho de 1966 e regressou da Guiné em finais de Agosto de 1971. Por aqui logo se pode ver que teve uma comissão com uma duração excepcional. Iremos saber porque é que foi mesmo uma comissão excepcional.

Casou jovem, depois foi recruta no CICA-1, no Porto, a seguir fez juramento de bandeira e foi para o Regimento de Infantaria 6, onde tirou a especialidade de condutor. Ofereceu-se para ser mobilizado, e do velho quartel da Parede foi até ao cais de Alcântara onde embarcou no Uíge. Estamos em Fevereiro de 1967. É agregado à CART 1660, fica em Mansoa, a que ele vai chamar “Mansoa da minha perdição”. A sua odisseia irá começar no dia 17 de Maio desse ano. Trabalhava na secretaria e teve um gesto indigno com o seu camarada Floriano: “Tudo não passara de simples brincadeira com uma carta mal fechada, de qual caíra a fotografia, tipo postal, de uma linda rapariga. Com essa fotografia, destinada ao Floriano, resolvi fazer umas graças, exibindo-a como troféu de grande conquistador. Brincadeira de mau gosto que me saiu tão cara!”. Sentindo-se censurado, num estado de grande perturbação, foi caminhando para fora da unidade, aos poucos, quase sem dar por isso, foi dar perto da estrada para Bissorã. Continuou a andar pela estrada, percebeu que os nativos o olhavam de modo atónito, continuou a progredir quase em estado de automatismo, a certa altura sentiu que estava perdido. De facto, perdera o sentido de orientação, foi avançando no silêncio da noite, viu à distância luz, chegou até junto de um arame farpado de um quartel, sentiu que era imprudente avançar, voltou para o mato.

Estava a dormitar quando sentiu o som de pessoas a aproximarem-se. Apercebeu-se logo que eram guerrilheiros. Interpelado sobre o que andava ali a fazer fora do quartel disse que tinha fugido. Os guerrilheiros falaram entre si e um deles, de nome Alexandre, disse-lhe para não ter medo, eles também não queriam esta guerra com os soldados de Portugal. Alexandre disse-lhe que era engenheiro e que tinha estudado em Praga. E internaram-se na mata do Morés. Aqui foi recebido pelo chefe militar, de nome João Landim. Antes de abandonar o Morés, João Landim e Alexandre disseram-lhe que ia ser enviado para um país amigo e que não seria difícil conseguir que a mulher fosse ter com ele. E assim marcharam para o Senegal, David Costa narra as peripécias da viagem, a alegria com que foi recebido em todas as bases do PAIGC por onde iam passando. David Costa diz que se emocionou muito quando se despediu de Alexandre Correia, gostava muito de o reencontrar.

Em Ziguinchor foi recebido pelo Luís Cabral, deram-lhe uma roupa civil, conheceu Mário Moutinho de Pádua, um médico português, natural de Coimbra, que era responsável pelo tratamento dos guerrilheiros levados para o Senegal. Foi convidado a escrever uma carta dirigida à mulher em que confessava ter fugido a uma guerra injusta. David sabia que aquela carta ia ter pesadas consequências. De peripécia em peripécia, já em Dacar, pede auxílio para regressar na embaixada da Suíça, um avião português veio buscá-lo e assim o David regressou à Guiné, onde o esperavam novas aventuras. Foi tratado como traidor, aliado dos turras, metido em masmorras, submetido a interrogatórios terríveis. A rádio Voz da Liberdade, que emitia a partir de Argel, transmitia uma mensagem do David a dizer que ele fugira da tropa por não estar de acordo com a guerra e convidando todos a desertar, tudo ao som da canção “Os Vampiros” de Zeca Afonso. Os interrogatórios tornaram-se mais duros, parecia que ninguém queria acreditar na sua história e muito menos no passaporte suíço. Passou a ser tratado por “Porco Traidor”. Foi inclusivamente obrigado a tentar refazer o percurso em que se perdera em 17 de Maio. Acabou por ser julgado em 1968 como desertor e a sentença foram 6 anos, 3 meses e 1 dia. Depois de reduzida a pena, foi fixada em 2 anos, 1 mês e 1 dia e levado para as prisões do Quartel-General. O David Costa escreve aqui algumas da páginas mais interessantes da sua narrativa, regista bem o perfil destes homens obrigados a conviver entre a delinquência e as regras sociais da mais dura crueldade. É nisto que o general Spínola visita as prisões, ouve a história do David Costa em privado, pede-lhe que conte tudo sem medo, transfere-o para Bolama, para o Centro de Instrução Militar. É pena que a vontade de abreviar o relato tenha levado o David Costa a omitir praticamente todo este tempo em Bolama.

Em meados de 1971 vai para os Adidos em Brá, estava a aguardar o regresso a Portugal. Aqui, nova imprudência. Embriagado, destrói uma viatura à entrada do quartel. De novo em pânico, pede para ser recebido por Spínola. Este dá-lhe uma bofetada, mas tudo acaba em bem, o soldado condutor 06140/66, David Ferreira de Jesus Costa voltou para a companhia da família, conheceu o segundo filho, emocionou-se. E refez a sua vida.

Assim finalizam estas memórias de um soldado que foi julgado em tribunal como desertor, quando tudo começara por um gesto irreflectido, tendo mentido em diferentes momentos. Considera que foi condenado por um crime que não cometeu, sente-se inocente, em paz com a sua consciência, mas sabendo que a palavra “desertor” consta na sua caderneta militar.

Li “Desertor ou Patriota” graças ao nosso confrade Carlos Gerales que acolheu esta minha súplica permanente de andar a pedir a todos que me emprestem livros que não circulam habitualmente nas livrarias.
__________

Nota de CV:

Vd. poste de21 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6772: Notas de leitura (132): Alguns Princípios do Partido, de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6775: Convívios (263): Encontro do pessoal da CCAÇ 4740 (Armando Faria)


1. O nosso Camarada e tertuliano Armando Faria (ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74), enviou-nos uma mensagem, com data de 20 de Julho de 2010, com notícias da festa da sua Companhia:


Encontro da CCAÇ 4740 em 19 Junho 2010

Camaradas,

Depois da minha última mensagem a solicitar a divulgação do encontro da CCAÇ 4740 e o excelente trabalho por vós desenvolvido, fiquei a dever o relato de tal evento, da grande festa, do grande RONCO que a todos foi dado poder assistir.

Conforme o anunciado a ‘rapaziada’ foi chegando ao recinto de Fátima, trocando abraços e deixando mesmo cair alguma lágrima, aquele sumo que brota do coração quando espremido pela saudade, quando o homem deixa de ter medo de si, esquece o Mundo e se entrega á emoção sadia que purifica a alma, que alivia o coração e retempera o corpo com a força necessária para a jornada seguinte.
Já se vai tornando hábito entre nós, afinal em quatro anos este é o quatro encontro Nacional ao que se juntam os vários locais, Holanda, Norte Portugal, Açores e Canada, mas o melhor mesmo é ver a nossa página http://www.ccac4740.com  onde todos são relatados e apresentados com registo fotográfico, eu mesmo acabo de chegar de mais um nos Açores entre 2 e 10 de Julho 2010, Faial e Pico ao qual se seguirá ainda esta semana outro em S. Miguel, Terceira e S. Jorge com outros companheiros.
Tínhamos anunciado para o encontro de 19 Junho 2010 em Fátima algumas presenças vindas da diáspora, do Canada o Eduardo Barros,  e da Holanda o António Salvador, nosso companheiro da Tertúlia, fomos para grande satisfação nossa presenteados com mais uma visita vinda dos USA, o José dos Santos Medeiros Marques.
Esta é a ponte que a todos nos vai (re)unindo, é este o local eleito pela CCAÇ 4740 para o seu encontro Nacional, local que fica no meio caminho e tudo e no centro de todas as coisas, assim gosto de lhe chamar.
Deixo aqui a foto do grupo ‘militar’ nós e do grupo ‘paramilitar, as ‘nossas’, e algumas das palavras que então lhes dirigi, palavras que queria, se me é dada permissão, estender a todas as mulheres que ao longo das nossas vidas tão sabiamente nos sabem apoiar e amar com o enlevo que só elas, mulheres e mães, sabem e que por essa razão se tornaram as nossas heroínas, para vós mulheres a minha gratidão.
Por último, e os últimos são sempre os primeiros, neste caso as primeiras, uma palavra às nossas mulheres, obrigado pelo carinho com que nos tratam e que tantas vezes parece não sabermos agradecer, vós sois a nossa âncora e o nosso porto de abrigo, sois o nosso amparo e a companheira de todos os momentos, só vós sabeis lidar como ninguém com as nossas casmurrices, fruto de um tempo que nos deixou mossas, que deixou as suas marcas no coração e na mente de todos nós.

Obrigado pela vossa compreensão e por todo o amor com que nos tratais, vós, só por isso já ganhastes o Céu, por favor, não desistais de nós que já não sabemos viver sem a vossa presença, sem o vosso amor e o vosso carinho.
Que Deus vos guarde e recompense por tão nobre missão que é a vossa, a de ser companheira destes ‘velhos teimosos’ e a mãe dos nossos filhos.”
Nesta fase já me encontro a realizar outros eventos aos quais vou passar a chamar “encontros em linha”, é uma experiencia nova que as novas tecnologias permitem fazer, é só instalar o programa certo e podemos estabelecer contacto com vários dos nossos companheiros em simultâneo.
Neste fim-de-semana que findou falei em simultâneo com o Canada, os USA e os Açores.
Noutra ligação com a Holanda, o Norte e os Açores e ainda numa outra com dois companheiros no Faial e um em Lisboa.
Entretanto já se vai preparando o próximo encontro Nacional que será a 18 Junho 2011 em Fátima, mas a seu tempo falaremos melhor sobre o assunto, hoje apenas fica a data para registo na agenda de todos vós/nós.
Assim se vão passando os dias na ‘peluda’ deste ‘furriel’ que um dia teve a ventura de partilhar da vida e da sã alegria da vossa juventude.
A todos um abraço do tamanho do Cumbijã.
Armando Silva Faria
Fur Mil At Inf da CCAÇ 4740
__________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
21 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6771: Convívios (177): 2º Encontro do pessoal da CART 6254 (Manuel Castro)

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6774: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (1): Pedido de colaboração da doutoranda alemã Tina Kramer

1.  Mensagem de Tina Kramer, jovem alemã, aluna de um programa de doutoramento por uma universidade alemã (Frankfurt, se não erro), com  data de 21 do corrente, e com quem já tive uma primeira entrevista exploratória:





Caro Luís, como está?


Escrevi um texto com o intento de explicar o meu tema. Peço a ajuda dos camaradas e amigos da Guiné. Você pode corrigir e, se necessário,  abreviar e modificar, e depois publicar o texto?


Mais além, eu falei com Eduardo Costa Dias [ do CEA / ISCTE]  e ele disse-me que talvez você possa dar-me os dados de contacto das pessoas seguintes:


Pedro Lauret
Carlos Matos Gomes
Mário Beja Santos


Muito obrigada de antemão!


Um abraço
Tina

2. Texto, dirigido ao pessoal do nosso blogue, e assinado por Tina Kramer:

Olá à todos!

Chamo-me Tina Kramer, sou uma dotouranda alemã e vou ficar em Lisboa por 3 meses.

Estou a elaborar a minha tese de doutoramento [, III Ciclo do Ensino Superior,] sobre a Guerra na Guiné-Bissau e como esta está na memória do povo em Portugal e na Guiné-Bissau. Tal significa que eu quero saber quais são os conteúdos da memória, de que maneira e através de que meios as pessoas se recordam dessa guerra. Este seu blogue  já é uma fonte rica de memórias e de história.

Além disso,  quero fazer entrevistas com pessoas que tenha participado na Guerra ou, mesmo que não tenham participado, desde que tenham ligações com este tema ou com a Guiné-Bissau em geral.

Ficaraia  muito contente se vocês conseguirem ter tempo para um encontro comigo.
O meu número de telefone é 917 091 484 e o meu e-mail é Tina-Kramer@gmx.de

Um abraço
Tina

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.]


2. Comentário de L.G.:


Foi agradável o nosso primeiro encontro. Esta altura do ano não é a melhor, em Portugal, para encontrar pessoas, marcar encontros, fazer entrevistas. Meio mundo está de férias. O nosso próprio blogue ressente-se disso, reduzindo-se em um terço as visitas diárias... De qualquer modo, dar-lhe-emos toda a colaboração possível. Estou-lhe grato pelas elogiosas referências ao nosso blogue e ao interesse académico e científico que você lhe dedica. Convido os 430 membros do nosso blogue a colaborar consigo, no caso de virem a ser contactados. Poderão igualmente tomar a iniciativa de a contactar. Desejo-lhe boa sorte. Este fim de semana mando-lhe os contactos pedidos. Saudações académicas e bloguísticas. Luís Graça.

Guiné 63/74 - P6773: Tabanca Grande (232): António Marques Barbosa, gondomarense, benfiquista, bom gigante, membro da Tabanca de Matosinhos, ex-Fur Mil Cav, Pel Rec Panhard 1106 (Bula, 1966/68)















Guiné > Região de Cacheu >  Bula > Pel Rec Panhard 1106, Os Cavaleiros Blindados  (1966/68) > O Fur Mil Cav António Barbosa, natural de Gondomar, hoje reformado da Polícia Judiciária,  benfiquista assumido e destemido num mar de dragões, membro da Tabanca Pequena de Matosinhos, e a partir de agora membro da Tabanca Grande. É uma presença permanente, notada e notória, das famosas 4ªs feiras no Restaurante Milho Rei, por muitas razões e mais uma: com ele ninguém vai aos figos, nem lhe faz o ninho atrás da  orelha... 

Mobilizado pelo Regimento de Cavalaria nº 7, fez parte do primeiro pelotão de Panhards que foi para a Guiné... Bateu toda a região do Cacheu... Só não me explicou como é que um calmeirão, como ele, cabia naquelas latas de sardinha... Estive ontem, com ele, mais uma vez, na Tabanca dita Pequena de Matosinhos... Já era altura de o integrar, de pleno direito, na Tabanca Grande. Sê bem vindo, camarada! De outros camaradas como, por exemplo, o Manuel Carmelita, estou à espera que me mandem as fotos da praxe...


(i) Partiu de Lisboa em 31 de Maio de 1966;

(ii) Desembarcou  em Bissau em 6 de Junho de 1966;

(iii)  Em Bissau, esteve instalado provisoriamente no Forte de S. José da Amura durante o 1º mês;

(iv) Seguiu, em Julho, seguiram,  para o sector de Bula, tendo ali ficado primeiramente integrado no dispositivo e manobra do BCAV 790 e depois no BCAV 1915, com Secções estacionadas em Teixeira Pinto e noutros destacamentos do Sector;

(v) A sua actividade operacional foi esencialmente desenvolvida no apoio às colunas auto de reabastecimentos e operações militares;

(vi) Sofreu 16 emboscadas;

(vii) Locais onde esteve:  Bula, Có, Pelundo, Teixeira, Pinto, Bachile, Cacheum, Binar, Biissorâ, Biambe, Mata Jomete, Mansoa, Naga;

(viii) Regresso: Embarque em Bissau em 26 de Janeiro de 1968 e desembarque em Lisboa a 3 de Fevereiro de 1968;

(ix) Comandante: Alf Cav Bayan.






Guiné- Bissau > Região de Cacheu > Bula > Abril de 2010 > O regresso a Bula, 42 anos depois... O António Barbosa é o primeiro da esquerda... e na ponta direita está o nosso conhecido Xico Alen. A foto foi tirada pelo Manuel Carmelita, se não erro. Em Bula, António Barbosa e os seus amigos da visitaram a Clínica Pediátrica de S. José de Bor, instituição que está receber apoio da Tabanca de Matosinhos.

Fotos: © António Barbosa (2010). Direitos reservados

_____________

Nota de L.G.:

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6772: Notas de leitura (132): Alguns Princípios do Partido, de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Julho de 2010:

Queridos amigos,
É uma mera referência histórica, permite tomar contacto com os dotes excepcionais desse comunicador que foi Amílcar Cabral.

Se há dado da sua personalidade que eu gostaria de aprofundar ou discutir com intelectuais portugueses e guineenses é o da divisa unidade em torno da Guiné e Cabo Verde que ele considerava um dado inquestionável.
Como se sabe, são hoje raríssimas as vozes que apoiam o sonho de Cabral. Mas o que se questiona, para além da legitimidade do sonho, é se o líder, bem como os demais líderes históricos, não tinham consciência da inviabilidade do percurso e do profundo nível de antagonismo existente entre os dois povos.

Um abraço do
Mário Beja Santos


Um exemplo da comunicação prodigiosa do dirigente Amílcar Cabral

por Beja Santos

Amílcar Cabral era extremamente meticuloso com as comunicações que proferia nos areópagos internacionais, caso das Nações Unidas ou Organização da Comunidade Africana. Igualmente cuidadoso com as suas intervenções como entrevistas ou documentos para distribuição pelos quadros do seu partido. Deixou centenas de páginas com documentos de tese e muitas outras com alocuções improvisadas. O PAIGC efectuou um seminário de quadros, em Conacri, de 19 a 24 de Novembro, durante o qual Amílcar Cabral pronunciou dois improvisos subordinados ao tema “Alguns princípios do partido”. Em Setembro de 1974, a editora Seara Nova publicou estas duas lições magistrais de um comunicador político impar, no 50.º aniversário do seu nascimento.

São alocuções que se lêem de um só fôlego, e quase se sente a vibração, a entoação, a sensibilidade do orador (não esquecer que tudo quanto se está a ler nem revisto foi pelo seu autor, foi pura e simplesmente transcrito de um gravador). É o prodígio de quem se quer fazer persuadir pela razão e pela força das convicções, pelo ardor dos combatentes que tem diante dele. Pelo uso da linguagem, clara e acessível; pelo recurso das imagens, pela consistência da língua, um português de primeira água. Sabendo que há causas que ele defende cuja argumentação era (e continua a ser) discutível, da base ao topo, é inquestionável que Amílcar Cabral sabia medir e captar as audiências. Logo na primeira alocução, o líder do PAIGC debruça-se sobre a “Unidade” e “Luta”, as divisas do partido. Explica como as pessoas são diferentes, fala numa equipa de futebol e na unidade que é necessário ter para obter resultados. E explica como a união faz a força, daqui saltando para uma divisa para ele obsessiva: a unidade da Guiné e Cabo Verde, condicionando a libertação de uma a outra. Passando para a luta, define o colonialismo, as contradições de quem apoia o colonialista, as vicissitudes de quem alinha com a libertação. Refere as bases de apoio de um lado e do outro, defende, justificando, a inexistência de um proletariado do tipo ocidental, apela a uma unidade de forças de diferentes classes, de diferentes elementos da sociedade. Empolgado e sempre a contrariar a história, considera que, por natureza, por história, por geografia, por tendência económica, até por sangue, a Guiné e Cabo Verde são um só. Resta perguntar, à distância destas décadas, o que levou um homem sagaz, de cultura superior, a dizer tais enormidades sobre uma união que nunca existiu. E que todos os líderes africanos, de qualquer proveniência, sabiam não existir. E acena a um espantalho: o imperialismo quer separar a Guiné de Cabo Verde exactamente para manter a submissão. E termina a alocução animando os quadros a perseguir a luta para a conquista da liberdade e a construção do seu progresso e felicidade na Guiné e Cabo Verde.

Na outra alocução, Amílcar Cabral apela ao conhecimento da realidade para que a luta da libertação triunfe rapidamente, na base da unidade. Essa realidade era a Guiné e Cabo Verde e argumenta: “Uma coisa muito importante numa luta de libertação nacional é que aqueles que dirigem a luta, nunca devem confundir aquilo que têm na cabeça com a realidade… Eu posso ter a minha opinião sobre vários assuntos, posso ter a minha opinião sobre a forma de organizar a luta, de organizar um partido. Mas eu não posso pretender organizar um partido, organizar uma luta de acordo com aquilo que tenho na cabeça. Tem de ser de acordo com a realidade concreta da terra. Não podemos pretender, por exemplo organizar o nosso partido de acordo com os partidos de qualquer país da Europa. No começo da nossa luta, nós estávamos convencidos de que se mobilizássemos os trabalhadores de Bissau, de Bolama, de Bafatá, para fazerem greves, para protestarem nas ruas, para reclamarem na administração, os tugas mudariam, nos dariam a independência. Mas isso não é verdade. Em primeiro lugar, na nossa terra, os trabalhadores não têm tanta força como noutras terras. No campo era quase impossível fazer guerras, dadas as condições da situação política do nosso povo e até de interesses imediatos do nosso povo. Assim, tínhamos que adaptar a nossa luta a condições diferentes à nossa terra, e não fazer como se fez noutras terras. Mesmo na questão da mobilização tivemos que considerar o problema na Guiné de uma maneira e em Cabo Verde de outra maneira”. Impetuoso, imaginativo, o líder regressa a 1962, quando o PAIGC ainda não tinha armas e cerca de 200 quadros estavam a ser preparados no exterior. Lembra a complexidade do mosaico étnico, a necessidade dos quadros se movimentarem de uma região para a outra para conhecer a realidade e recorda que não há sucessos militares sem um trabalho político adequado. Recorda ao auditório que o homem chegou à Lua e regozija-se porque a realidade dos outros têm grande importância para o evoluir da luta do partido. E passa para a descrição da realidade geográfica, económica, social, cultural da Guiné e Cabo Verde. É impossível não se ficar surpreendido, à distância destas décadas, pela sua capacidade em distinguir o que é dissemelhante e o que é controversamente complementar.

Lendo as intervenções de um homem que será assassinado quatro anos depois, sabe-se lá se por alguns dos quadros que os estão a ouvir em 1969, em Conacri, é impossível contornar o magneto de um líder que estava absolutamente convicto que criara a coesão entre guineenses e cabo-verdianos. Termina lembrando aos seus camaradas as condições em que formara o PAIGC e o cepticismo na maior parte dos seus amigos que lhe disseram que tudo aquilo era uma doidice. Doidice ou não, Amílcar Cabral recorda aos presentes que a formação do PAIGC em tais condições adversas fora o ponto de partida para uma realidade nova.

Trata-se de um testemunho histórico de belas peças de oratória num português irrepreensível, o que não surpreende para quem conheça a sua obra política e científica, a partir dos anos 50.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6747: Notas de leitura (131): Cambança Guiné Morte e vida em maré baixa, de Alberto Braquinho (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6771: Convívios (262): 2º Encontro do pessoal da CART 6254 (Manuel Castro)


1. O nosso Camarada Manuel Castro, que foi Fur Mil At Art da CART 6254/72, enviou-nos em 16 de Julho de 2010, o programa do almoço/Convívio da sua Companhia, cujo ressort assentou alicerces em Olossato e no Dugal, 1972/74:

Camaradas,
Os ex-Combatentes que fizeram parte da Companhia de Artilharia 6254/72 e esteve sediada no Olossato, e no Dugal, vão levar a cabo, no próximo dia 11 Setembro de 2010, o seu 2º Almoço/Convívio.
O programa da festa é o seguinte:

Um abraço
Manuel Castro
Fur Mil At Art da CART 6254)
__________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:
16 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6752: Convívios (176): Encontro do pessoal da CART 6250 "UNIDOS" DE MAMPATÁ (Luís Marcelino)