domingo, 9 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 – P7576: FAP (59): A propósito da “Ultima Missão” de José de Moura Calheiro (António Martins de Matos)




1. O nosso Camarada António Martins de Matos (ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74, hoje Ten Gen Pilav Res), enviou-nos a seguinte mensagem:
Caros amigos,
Fim de semana de chuva, lá vai mais um texto, este a propósito do livro do José de Moura Calheiros.
A foto do cockpit do G-91 é tirada da internet, seu autor "SCDBob", a outra é minha.
A propósito da “Ultima Missão” de José de Moura Calheiros
A época do Natal e Ano Novo é sempre um período de grande estafa e agitação, planos a cumprir, compras, planos a alterar, compras, tentativas de juntar os familiares, uns que podem, outros que podem mas não querem, outros que não podem, viagens para cima e para baixo, compras...


Felizmente que tudo tem um fim, depois da grande azáfama, finalmente a calma a regressar.


E com o regresso à normalidade e o colesterol em alerta entre o vermelho e o roxo, acabamos por ter um tempo para esticar as pernas e finalmente... “descansar”.


Aproveitando a acalmia da ocasião acabei de ler o livro do “meu Major” José de Moura Calheiros, “A Ultima Missão”.


Já lhe tinha dado umas bicadas, algumas partes que me interessavam mais que outras, mas agora foi como deve ser, do princípio ao fim.


Gostei.


Não obstante ter lido muitos dos livros que falam sobre a Guiné, foi a sua escrita que me fez obrigar a recordar os locais por onde andei, o calor, os cheiros, a terra vermelha, a descrição de Bissau e seus encantos e desencantos, o mercado, a rua das lojas, o largo do liceu, o Solar do Dez e o Pelicano, a humidade e as pragas, de grilos, morcegos ou sapos.


Como ele recordei a minha sensação de insegurança ao andar pelas ruas e estradas na área de Bissau, logo desmentida pelos mais experientes “estás aqui mais seguro que no Rossio”, alguém terá dito.


E era verdade.


O livro fez-me voltar à guerra, ao Cantanhês, a Guidage e Gadamael, aos PCVs em DO‑27, aos apoios de fogo às tropas pára-quedistas, aos contactos com a tropa no rádio dos 49.0 ou 51.0, à largada de armamento, umas vezes sem problemas de proximidade, outras vezes mesmo ali nas barbas dos nossos homens.


Tenho de o dizer, a maior angústia que os pilotos sofriam não eram os problemas dos mísseis Strela ou as antiaéreas com que nos iam tentando acertar, a maior angústia era não saber no meio daquele tapete verde onde se situariam “os nossos”, ou sabendo-o, tentar satisfazer o seu pedido de apoio, de bombardear o inimigo logo ali a uns metros de distância.


Que o inimigo sabia defender-se, ao sentir a aproximação dos aviões, tentavam encostar‑se o mais possível às nossas tropas.


Se houve missões em que a segurança dos “nossos” esteve mais em risco elas foram seguramente as do Cufeu e meses mais tarde em Canquelifá e Copá, o alívio só nos chegava quando se ouvia a tropa depois do bombardeamento dizendo que estavam todos bem.


E, caros amigos, deixem-me confessar algo, uma ou outra vez foram largadas bombas demasiado perto da nossa tropa, bem dentro do perímetro de segurança.


Só o pedido feito no rádio em momentos de desespero, entrecortado pelo som de disparos, nossos e deles, nos faziam quebrar as regras de segurança a que estávamos obrigados.


Trinta e sete anos passados ainda oiço nos meus ouvidos o pedido de alguém que, na bolanha do Cufeu dizia, “estamos no pontão, bombardeia o pontão”.


Pontão bombardeado, devo ter envelhecido alguns anos, sem conseguir restabelecer as comunicações com quem me pedira o apoio.


Cinco minutos passados, contacto finalmente restabelecido, voltei a ser um jovem.


Eu sei que nem sempre é fácil dizer “onde estamos” ou “para onde vamos”, ou “o que queremos”, é preciso algum treino, todos nós já tivemos aquela experiência de ter que indicar um caminho a alguém, voltas ali, e mais acolá, estás a ver o sinal, não é esse, é logo a seguir...


Estamos perfeitamente a ver o caminho e assumimos que o interlocutor também o está a “ver”, quando grande parte das vezes isso nem é verdade.


Ainda há uns dias disso tivemos a prova, quando o José Brás nos quis facilitar a vida, indicando-nos o melhor caminho para irmos ter à Biblioteca de Loures, parece que ainda hoje anda gente perdida entre Odivelas e a Póvoa do Varzim.


Só que no caso das aviações, a coisa era bem mais complicada, levávamos nas asas o poder de salvar ou destruir um grupo de combate.

Quando o Maj Calheiros fala que o entendimento entre os pilotos dos G-91 e os Páras era de 5 estrelas, ou melhor dizendo “chapa 5” tenho que concordar.

Essa compreensão era o fruto das inúmeras missões que fazíamos em conjunto, talvez por sermos ambos parte da Força Aérea, ou talvez pelo facto de convivermos em quartéis lado a lado.

Enquanto vivi na Base o meu quarto ficava encostado à área do quartel dos Páras onde estes limpavam as suas armas, às vezes entretinha-me à conversa com eles.

Muitas vezes e por causa do rancho na Base ser entre o mau e o péssimo, resolvia convidar-me para ir almoçar à messe dos boinas verdes, apesar da evidente sobrecarga na panela e nas suas verbas, era sempre recebido com um sorriso.

Nessas alturas e para além das conversas próprias de homens, aproveitávamos para trocar ideias sobre missões passadas, o que correu bem e mal, num debriefing informal.

Era esta rapidez em dizer onde estavam, o que pretendiam e quais as condicionantes envolventes, que diferenciava os paras da restante tropa, ali não havia ”palha” era só a informação necessária e suficiente para se levar a cabo a missão.

Já os “verdes” tinham “oradores” de todo o tipo, uns bons, outros bem trapalhões (espero que não me ataquem desta vez, não falei naqueles que vocês estão a pensar).

Que até havia alguns “verdes” de primeira água, Fulacunda e Canquelifá no top.

Os mais difíceis de entender eram os fusos, nunca se sabia bem onde estavam e muito menos o que queriam.

Mas deixemo-nos de lamúrias e vejamos algo de mais concreto.

Diz o autor a páginas 480 que os pilotos tinham sempre uma voz calma e pausada, do tipo “funcionário público a atender o cliente”.

Fogo!!!

Com os meus 65 anos até já me têm chamado muitas coisas, agora funcionário público é que não, é a primeira vez.

Não tenho nada contra os funcionários públicos, só não estava à espera de tal piropo, a nossa voz ao rádio talvez andasse por esse estilo, só não sei se os funcionários públicos são calmos e pausados.

Pensando melhor, várias razões podiam concorrer para tal maneira de estar.

Em primeiro lugar o grande número de missões que fazíamos, o que acabava por nos dar algum traquejo.

Em segundo lugar porque se não falássemos em voz calma e pausada já sabíamos que tínhamos que repetir tudo outra vez.

Que a frase típica do tipo do rádio e que nos dava vontade de lhe dar uma fogachada era “totalmente recebido, nada compreendido, terminado”.

Em terceiro lugar porque sendo o G-91 um avião monolugar tínhamos de fazer o papel de piloto, navegador, telegrafista, atirador, a nossa atenção andava dispersa no meio daquele cockpit, com botões, luzes indicadoras, alavancas e outras coisas mais.

Para os mais leigos em termos de aviação, também não fiquem com a ideia que os pilotos são da linhagem do Super-Homem ou que têm 74 olhos, não passávamos cartão a muitos daqueles mostradores.

Havia no entanto um deles que nos preocupava mais que todos os outros, que não tendo a ver directamente com o motor, (esse era um Rolls Royce, nunca falhava), nos indicava quanto tempo podíamos estar ali pela zona das operações.

Era tão só o indicador da quantidade de combustível. (mostrador1)

Calibrado em Libras (lbs), cada libra vale cerca de meio quilo, a sua escala ia do 0 aos 3600, consumindo-se todo o combustível em cerca de 50 minutos.

Cabe aqui um parêntesis para esclarecer que nos aviões com maior performance, a quantidade de combustível é normalmente referida em peso (Libras, Quilos) em vez de volume (Litros, Galões).

Na prática podíamos resumir o indicador do seguinte modo:

Entre as 3600 e as 3000 lbs era o combustível necessário para descolar e subir, entre as 3000 e 2000 lbs para chegar ao objectivo, permanência sobre o local entre as 2000 e 1000 lbs, a partir das 1000 lbs iniciava-se o regresso de modo a chegar a Bissau com um mínimo de 380 lbs.

Quando chegava às 380 libras entrava-se na chamada reserva, cinco minutos de voo, aparecendo um outro ponteiro mais pequenino, preciso e assustador, a leitura passava a ser feita na escala interior.

Chegando ao zero, deixávamos de pilotar um avião, passávamos a estar sentados numa pedra.

A monitorização deste mostrador tinha que ser permanente, até porque podia acontecer um tampão do depósito mal fechado ou um disparo do IN furar um depósito, lá ficávamos mal vistos e a falar sozinhos.

Esta era a razão pela qual os pilotos por vezes poderiam dar a impressão de “apressados”, querendo abandonar a zona, nada mais falso, a quantidade de combustível a bordo é que sempre ditava o tempo de permanência sobre o objectivo.

Lembro-me de ter ido largar umas bombitas ao estrangeiro lá para os lados de Burumtuma, neste caso o tempo autorizado sobre o objectivo era... negativo.

Foi chegar, largar e andar, lá regressámos a Bissau à maior altitude possível, cerca de 10.000 metros, à vertical do Enxalé reduzimos o motor e iniciámos uma descida em rota como costumávamos dizer, “na cagadinha”.

Só tornámos a mexer na manete do motor quando, já sobre Bissau, a aterragem nos pareceu assegurada.

Só que estas missões de tanto se repetirem, iam-nos dando uma falsa sensação de segurança, voo após voo íamos forçando mais um pouco, mais um pouco... tal como por vezes fazemos com as nossas viaturas, quando damos um passeio entre Cascais e a Malveira.

Que me lembre nenhum piloto acabou por ficar sem combustível em pleno voo.

Pela minha parte e no regresso de uma missão, acabei por ter um aviso divino:
Após estacionar o avião e quando o mecânico me fez sinal para cortar o motor, apenas pensei em fazê-lo... ele apagou-se sozinho.

Serviu-me de emenda!

Um abraço,
António Martins de Matos
Ten Pilav da BA12
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

16 de Dezembro de 2010 >
Guiné 63/74 – P7452: FAP (58): Será que a cúpula do PAIGC queria ganhar a guerra? (António Martins de Matos)

Guiné 63/74 - P7575: Notas de leitura (186): Uma História de Regressos, de Margarida Calafate Ribeiro (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,
O livro da Margarida Calafate Ribeiro é de leitura obrigatória para quem alinhe a questão de identidade nacional com a evolução do conceito de Império e as suas implicações políticas sociais, económicas e socioculturais, daí transferindo a reflexão para tudo quanto aconteceu com as atitudes das gerações dos combatentes em África.

Um abraço do
Mário


Uma história de regressos:
Império, guerra colonial e pós colonialismo


Beja Santos

A construção simbólica da identidade nacional é uma permanente equação, nas discussões que se iniciaram com as viagens dos descobrimentos: basta pensar no Velho do Restelo, no Quinto Império, no Ultimato, pela Geração de 70. A equação é posta em problema nas fases de expansão e contracção, em todas as circunstâncias em que há litígios na “casa portuguesa”. O Império é esse poderoso imaginário do país semiperiférico que é questionado pelas grandes potências até aos movimentos de libertação que conduziram ao seu desaparecimento. Foi sempre à sombra do Império que se procurou alavancar o orgulho português. Todo este imaginário necessariamente desaguou em literatura, em filosofia, em sistema político. É uma construção de que logo Luís de Camões se apoderou, de que os intelectuais fizeram uso com a independência do Brasil e quando o Império Africano foi cobiçado, no século XIX. Um Império que nos deixa centrífugos à Europa, sempre associado à decadência, sempre presente na obra do Padre António Vieira e de Fernando Pessoa.

“Uma História de Regressos” é um importante ensaio baseado na tese de doutoramento de Margarida Calafate Ribeiro (Edições Afrontamento, 2004). Temos aqui uma leitura da relação simbólica de Portugal com o Império Africano, a partir de uma análise detalhada de textos literários e políticos dos séculos XIX e XX, explorando os conceitos de identidade, a nostalgia pelo Império e o longo epitáfio por uma nação imperial na literatura escrita no período do Estado Novo e a ruptura e transformação da ideia de Império nas narrativas portuguesas da guerra colonial.

A identidade imperial africana emerge do Portugal esvaziado pela perda do Brasil. É um país que vai mergulhar na guerra civil e numa monarquia constitucional que desperta para um projecto centrado na abertura de condições de um novo Brasil em África. A investigadora documenta todo este projecto de alteração de rota citando alguns dos mais importantes escritores do século XIX. Depois do brasileiro enriquecido, temos em A Ilustre Casa de Ramires o exemplo acabado do novo projecto colonial, a aventura africana reacende as tentações da prosperidade, vai resolver a decadência portuguesa, como escreve Eça de Queirós: “A África é como essas quintarolas, meio a monte, que a gente herda de uma tia velha, numa terra muito bruta, muito distante, onde não se conhece ninguém, onde não se encontra sequer um estanco (…) Boa para vender.”. O Portugal Pós-Ultimato também se movimenta nesse projecto de recuperação da decadência, surge uma literatura de conquista, exploração e colonização com títulos sugestivos, por exemplo: Sertões de África, de Alfredo Sarmento, A Campanha de África Contada por um Sargento, de Caetano Alberto, Epopeia Maldita: O Drama da Guerra de África, de António de Cértima, Tropa d’África: Jornal de Campanha de um voluntário no Niassa, de Carlos Selvagem, Nova Largada: Romance de África, de Augusto Casimiro. Estamos a falar de títulos publicados entre 1880 e 1930. Fernando Pessoa não iludiu a decadência do Império e reinventa-o no domínio poético, dizendo coisas como estas: “As colónias portuguesas são uma tradição inútil. Nós não temos o direito de ter colónias. Na nossa mão, elas não nos servem, não servem aos outros, e pesam sobre nós, alimentando uma tradição funesta que foi bela enquanto foi glória inútil, porque foi glória; mas tendo deixado de ser glória, ficou sendo inutilidade apenas”. Competiu ao Estado Novo relevar a noção imperial no projecto da identidade nacionalista. “A quarta potência colonial do mundo” assentava que nem uma luva ao modelo de Salazar. Mas visto de fora, homens como o embaixador alemão Oswald von Honyningen-Huene, que chegou até aos tempos de Hitler, falava desta metrópole “pequena, pobre, atrasada e quase incapaz de se defender” mas com um Império “espalhado por três partes do mundo”. O diplomata observava que este anacronismo colonial só era possível graças à aliança com a Grã-Bretanha. Bem interessante (mas este não é o espaço adequado” seria a referência ao que foi a Exposição do Mundo Português e a literatura contemporânea. E de repente, surge uma geração a questionar a aventura desaguada do Tejo para África: a “Poesia 61” (Fiama Hasse Pais Brandão, Luísa Neto Jorge, Maria Teresa Horta, Casimiro de Brito e Gastão Cruz). Em linguagem codificada, outros vultos como Mário Cesariny ou Alexandre O’Neill ironizavam a mítica glória das caravelas. A década de 60 gera dois fenómenos literários: os que da Europa questionam a aventura imperial e os que de África põem em causa a irredutibilidade do Império, afrontando-o ou anotomizando. Os do lado de lá do mar chamam-se Fernando Assis Pacheco, Manuel Alegre, Álvaro Guerra, João Bação Leal ou Modesto Navarro. É desta literatura que nasce o poema mais importante na língua portuguesa referente à guerra colonial, Nambuangongo, meu Amor, que assim começa:

Em Nambuangongo tu não viste nada
não viste nada nesse dia longo longo
a cabela cortada
e a flor bombardeada
não tu não viste nada em Nambuangongo.

Margarida Calafate Ribeiro passa em revista esta literatura escrita por combatentes e, com o 25 de Abril, questiona o que restou do mar e da aventura imperial, quais os termos da crise de identidade e aprecia, com grande comentação algumas dessas obras mais importantes, a saber: Os Cus de Judas, de António Lobo Antunes, Autópsia de um Mar de Ruínas, de João de Melo, Jornada de África, de Manuel Alegre e A Costa dos Murmúrios, de Lídia Jorge. Deixa um registo expressivo da literatura da guerra colonial, chamando a atenção para as obras de Álvaro Guerra, José Martins Garcia, Álamo Oliveira e José Brás, na fila mais representativa. Não deixa de chamar a atenção para a especificidade dos teatros de operações que acarretam vibrações próprias na visão simbólica de Portugal. E não deixa de ser igualmente curioso observar que nem a adesão de Portugal às Comunidades Europeias reduziu os testemunhos. Pelo contrário, parece que o envelhecimento desses combatentes lhes trouxe uma maior disponibilidade para referirem as suas experiências no violento crepúsculo imperial português. Recorde-se que Margarida Calafate Ribeiro é também co-organizadora do livro Fantasmas e Fantasias Imperiais no Imaginário Português Contemporâneo (Campo das Letras, 2003).
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7567: Notas de leitura (185): Guiné-Bissau, Aspectos da Vida de um Povo, de Eva Kipp (Mário Beja Santos)

sábado, 8 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7574: Portugalidade(s) (3): Salut le copain Vasco!...

1. Do nosso  Vasco, o capitão de Buarcos e do Cumbijã (só houve um, o Vasco da Gama), uma mensagem com data de  6 do corrente:  




Queridos Camarigos, em comentário ao P7512 (*) da autoria do Camarigo António Graça de Abreu, o nosso Comandante solicitou-me a tradução de uma citação nele expressa de Henri Cordier, que se notabilizou em estudos relativos ao Extremo Oriente, citação essa  intitulada de Lusitana, incluída no seu livro Histoire de la Chine.


O pedido chegou-me também via mail.


Apesar de estar doente com uma forte gripe, havia-me levantado por acaso, farto de cama , e de imediato, de imediato repito, procedi à sua tradução e ao respectivo envio no próprio dia.


Como não tivesse eco algum, voltei uma vez mais a enviar desta feita julgo que também para o C.V.


Eventualmente pelo rebuliço do Natal as coisas terão desaparecido, mas como o pedido havia sido público e reiterado em privado, alguém poderá pensar que o copain Vasco não aceitou ou não se lembrou ou não cumpriu com a sua obrigação de Tabanqueiro.


Apenas esta pequena explicação que vou estender ao poeta e camarigo Graça de Abreu, pedindo-lhe até que me envie o seu livro à cobrança ou que me indique onde adquri-lo. Cravar-lhe-ei, se ele estiver para isso, uma dedicatória.


Um abraço amigo para todos,


Vasco da Gama


2. A prova (provada) de que o nosso Vasco (o da Gama, pois claro, o nosso copain de Buarcos e do Cumbijã) ainda está em grande forma (leia-se: em estado de prontidão permanente, quer faça sol, quer faça chuva) aqui está, a seguir... Infelizmente o almirante do Grupo do Cavadal não pôde vir ao lançamento do livro do Zé Brás, presumivelmente por que continua a ter a  caravela na doca seca... Em qualquer dos casos, aqui fica o meu público reconhecimento pela sua generosidade, disponibilidade e camarigagem   (LG):




Grande Comandante e Camarigo, deitei-me às sete da tarde [ de hoje, 29 de Dezembro de 2010] com dois comprimidos no bucho para ver se a gripe se vai. Doi-me o corpo e levantei-me e claro está, Blogue com ele. Em boa hora o fiz.
 
   (i) Buarcos, vamos combinar para quando quiseres. A minha casa está à tua disposição e da Alice. Há também lugar para os filhos mas esses, não estão para nos aturar... Se tudo correr pelo melhor e se conseguir companhia irei à apresentação do livro do Zé Brás, onde falaremos.
 
  (ii) Tradução ( é mais difícil do que parece)
 
                                   LUSITANA

No extremo sudoeste da Europa, à beira do
imenso oceano que viria a tornar-se o campo das suas lutas
e o teatro das suas vitórias, um pequeno povo aguardava,
e, repentinamente iluminado por um raio de glória, alimentava o fogo
sagrado que parecia extinto no resto do mundo, (...)
Refiro-me a Portugal e Camões
 
Henri Cordier, História Geral da China, 1920 (*)
 
Et voilá... Sempre ao dispor, volto para o choco.
 
Um abraço camarigo

Vasco

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Nota de L.G.: 

Guiné 63/74 - P7573: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (38): Teixeira Pinto - movimentações militares e dores de cabeça

1. Mensagem de Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 20 de Novembro de 2010:

Amigo Carlos
Espero que estejas já completamente restabelecido.

Envio-te mais um pouco de “Viagem…” que complementa a narrativa de uma situação vivida e não esquecida, mas com data certa perdida. Talvez o Jorge Picado ou algum outro possa ter memórias destas movimentações.

Como sempre, fica ao teu critério a análise e decisão do interesse que possa ter, para publicação.

Um grande abraço para ti e outro para todos os “Atabancados”, com votos verdadeiros de saúde e independência, neste sombrio e imprevisível 2011

Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (38)

Teixeira Pinto – movimentações militares e dores de cabeça

Passados os momentos críticos e comunicado por rádio ao Comando o que se passara (Poste 7429), há que pôr rapidamente o mini GCOMB em marcha dentro do possível acelerada, numa tentativa que se veio a revelar vã, de intercepção do grupo armado. Ao mesmo tempo, o estar fora de zona martelava-me a cabeça fazendo-me pensar não tanto na eventual ”porrada” mas, isso sim, na situação perigosa em que ficaríamos se o Comando resolvesse bater zona ou o mais provável, enviar tropa para intercepção.

Assim resolvi que caminhássemos controlando o tempo, mas o mais rápido possível na noite, para NW em direcção à estrada que de certeza não seria batida, ao mesmo tempo que, quando solicitado, íamos informando o Comando da nossa posição (pelo mapa) como se estivéssemos a fazer o percurso para Sul, em direcção a Teixeira Pinto. Deste modo iria haver um ponto em que as trajectórias fictícia e real coincidiriam e aí… estaria safo e podíamos “passar a ser visíveis”!!

O Pessoal sente que o cutelo está no ar sobre o meu pescoço e segue a mínima instrução dada, confiando cegamente ! Maravilha de Rapazes! De pistola na mão continuo guiando a Rapaziada na noite , entretanto um pouco amainada de chuva, rumo ao ponto escolhido.

Estávamos nestas andanças e já muito próximos da estrada, quando se avistam “luzes andantes” encimadas por o que me pareceram focos intensos que rasgavam a noite, vindas na nossa direcção e se começa a ouvir barulho de motores. Continuávamos fora de zona pelo que, se detectados poderíamos ser considerados IN. As luzes continuam a sua aproximação acompanhadas, já em simultâneo, pelo ronco motorizado.

Encontramo-nos a umas poucas dezenas de metros da estrada, em terrenos com vegetação rasteira, com um pequeno grupo de cajueiros(?) a uns metros de nós. Corremos para eles e colamo-nos ao chão mascarando-nos o melhor possível, ficando estáticos. A chuva ajudava. Só por muito pouca sorte seríamos detectados. Minutos depois desfilam “Daimllers” e Unimogs pela fita da estrada, com os focos varrendo a escuridão e passando por nós sem se aperceberem da nossa presença, como fora previsível .

Perdidas de vista as luzes e antes que a coluna regressasse, continuou-se o avanço prudente até que achei que era hora de informar da nossa posição real e de informar do regresso à base.

Graças a Deus tudo tinha corrido bem até ali. Para a frente… logo se veria!

A pequena “bicha de pirilau” espaçada e mal armada, começa a entrar na povoação. De súbito e chamando-me, surge- me o Castro que me traz a G3 e cartucheiras e que começa a infiltrar Rapazes e armas na fila, sem que houvesse paragem e sem explicações desnecessárias. Era óbvio que algo se passava! Ao meter a Walther no coldre… não o encontro! Mais outra porra a resolver! A arma vai para o bolso interior do camuflado onde tantas vezes andara já!

Fiquei satisfeito com a atitude, com a camaradagem e apreço demonstrados pelo Pessoal. O andamento prossegue, agora já não de uma dúzia de “veraneantes” mas de um grupo fortemente armado, o que me iria “salvar” das eventuais consequências de ter saído naquelas (sem) condições, de que só eu era responsável. Tinha sido essa a intenção do Castro e do Pessoal, ao que sei. Como ele sabia por onde íamos passar… já não sei, nem ele recorda.

Passada a porta de armas e na parada, o Grupo forma e apresenta-se, à nossa maneira, ao Cap. Branco, que a reporta ao Comandante do CAOP, Cor Durão. Manga de pessoal era observador!

Com olhar penetrante e expressão cerrada perscruta o Grupo e encarando-me de frente, o que me fez ficar apreensivo e tenso, diz-me irritado,alto e bom som mais ou menos “com um grupo destes e assim armado, deixas escapar uma dúzia de gajos? Mereces é que te dê umas estaladas …”

Aguentei firme o olhar, a mão ferrou-se com força na G3 e enquanto um turbilhão de sentimentos se me passou num “flash”, ouço o Cap. Branco retorquir calmamente em minha defesa algo muito próximo de “…meu Comandante, se houver lugar a castigo, quem castiga os meus Homens sou eu…”!!

Ah, Homem de tomates este meu Capitão Branco!

Destroçada a formatura, dirijo-me ao Capitão e sem lhe contar o que se passara, digo-lhe…” na mesma situação, se fosse o Capitão a comandar teria de certeza feito o mesmo!” ao que anuiu e retorquiu que ficasse descansado. Achei uma prova de confiança. Era um Homem Militar batido, inteligente e esperto. Nunca me perguntou ou indagou rigorosamente nada! Ter-lhe-ia contado, sem qualquer problema, como tudo se passara.

Peço aos Rapazes para não se pronunciarem sobre o que se passou e recolho-me aos aposentos para descansar umas horas. Logo ao alvorecer teria que ir tentar encontrar o coldre da pistola, antes que qualquer elemento da população desse com ele e o fosse entregar ao Comando. Seria a estória do “gato escondido com o rabo de fora”! Julgava saber onde o encontrar e ao alvorecer dirijo-me numa viatura à zona dos cajueiros e… lá estava !

Toda esta estória que pôs o Quartel em polvorosa - despoletada por um grupo IN armado que afinal roubou gado e creio que raptou alguém em Teixeira Pinto ou nas proximidades (já não recordo) - teria acabado por ali, não fossem as bocas enviesadas do género “há gajos valentes…” , os olhares de soslaio… o sair de ao lado, no bar… enfim uma série de manifestações, umas reais outras talvez na minha interpretação, que a meu ver não abonavam alguns Especiais, mas que eu justificava por me terem visto regressar com um GRUPO fortemente armado que tinha evitado o confronto com uma mão cheia de “gajos” e claro, estávamos no seio de Tropa Especial! É verdade que estas atitudes criaram alguns atritos pessoais durante um ou dois dias, mas o mais difícil foi sentir a consciência tranquila e não poder esclarecer a verdade.

Os dias recomeçaram a passar com normalidade e sem mais conflitos, levando-nos a breve prazo para outras batalhas, travadas no meio do nada!

Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7429: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (37): Teixeira Pinto - Erro que podia ter sido fatal

[...] A decisão está tomada, só disparo se for detectado ou se eles se dirigirem na direcção dos meus Rapazes. Resta aguardar. Preparado e estático, rezo para que não se ouça a Rapaziada desprevenida.

Continuam a aproximar-se ligeiros e em silencio… dez metros, cinco metros, um metro… estou em tensão, mas calmo e frio… começo a contá-los… vão-me passando pela frente quase me roçando, dezassete elementos com espaçamentos curtos - quinze metralhadoras visíveis, confirmados dois RPG e não um - que começam a virar à esquerda, só Deus sabe porque e vão desaparecendo na noite.

Estávamos safos, graças a Deus. Três ou quatro minutos se tanto que me pareceram uma eternidade, se tinham escoado. De imediato movimento-me e instruo o Pessoal, que de nada se tinha apercebido. Pelo “banana” AVP1 contacto o Comando, alertando para eventual flagelação e informando do observado.

O mote estava lançado… movimentações bélicas iriam acontecer… outra dor de cabeça ia começar !

Guiné 63/74 - P7572: Convívios (288): 8º Encontro da Tabanca do Centro - Encontro de Ano Novo (Joaquim Mexia Alves)




1. O nosso Camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp / RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, enviou-nos a seguinte mensagem:
8º Encontro da Tabanca do Centro - Encontro de Ano Novo
O 8º Encontro da Tabanca do Centro, que por decreto do Comando da Tabanca, será conhecido por Encontro de Ano Novo, irá ter lugar no dia

26 de Janeiro, pelas 13.30 horas, na Pensão Montanha, claro, em Monte Real.

A ementa, que constituírá sem dúvida uma grande surpresa para todos, será ... Cozido á Portuguesa.

O local de reunião continuará a ser, como sempre, no Café Central de Monte Real, pelas 13.00 horas.

As inscrições terão de ser feitas, aqui na caixa de comentários, ou em tabanca.centro@gmail.com impreterivelmente até às 12.00 horas do dia 24 de Janeiro.

Cá vos esperamos de braços abertos.

http://tabancadocentro.blogspot.com/2011/01/8-encontro-da-tabanca-do-centro.html
Um abraço amigo do,
Joaquim Mexia Alves
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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 - P7571: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (11): Regresso de Madina e Belel, com paragem em Canturé

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Janeiro de 2011:

Malta,
Este dia 26 vai desdobrado, tal o estendal de encontros e desencontros. Até num lastro de camião se viajou com a motocicleta de Lânsana Sori bem empanada.
Demasiado tarde, descobriu-se que a solução para chegar aos lugares mais ermos é mesmo uma motocicleta.
O Tangomau está tocado por ter sido apanhado pelas circunstâncias imprevisíveis, ele que se julgue metódico e disciplinado como um alemão. Por engano, está a horas de regressar e os horários não sopram de feição, haverá objectivos que não se cumprirão.
É por isso que a viagem nunca termina, é sempre possível recomeçá-la, haja determinação por parte do viandante.

Um abraço do
Mário


Operação Tangomau (11)

Beja Santos

Regresso de Madina e Belel, com paragem em Canturé

1. É indiscutível que a passagem pelo Enxalé foi empolgante, há ali vestígios que mereciam uma atenção maior, estudo aturado e, sabe-se lá, um projecto de recuperação. A vida dos camaradas não deve ter sido fácil mas o ambiente é muito belo, o Tangomau recordou as duas viagens que lá fez e até pôde, com dificuldade das imagens difusas com 40 anos, recordar como o quartel ocupava um espaço central circundado pela compactação das moranças. Agora é tudo diferente, desafogado, são panorâmicas amplas, ali ninguém se pode queixar de claustrofobia ou ter sentimentos dominados pela aridez ou falta de água. Aqui se junta a última imagem de um plinto que tanto entusiasmou o Tangomau. Há já uma outra versão que seguiu no episódio anterior. Mas fica-se a guardar muito respeito por esta pedra escalavrada onde o homem cinzelou a sua presença, nada disto tem a ver com as garrafas lançadas ao mar, são monumentos aos vindouros, qualquer coisa como: “Recorda-te, camarada subsequente, aqui lavrámos a paz e a guerra, derramámos sangue, penámos as penas do inferno, não nos esqueças, chegará a hora em que sentirás vontade de gravar as tuas alegrias e as tuas dores, neste ou num novo plinto, até à consumação deste sofrimento.



2. É um momento extraordinário, o que se passou em Belel. A tabanca é pequena, os homens ainda estão na horta. Pediu-se para falar com alguém de uma idade próxima do Tangomau. E responderam: “Vamos já chamar o chefe da tabanca e um antigo combatente aqui de Belel”. Foi assim que chegaram à fala Farazinho Pereira e Sampere Mendes, ouviram atentamente as razões da viagem, o Tangomau identificou-se, mostrou os livros, pediu informações, quis saber quem ali vivia e como vivia. O que o Tangomau reteve desta conversa que decorreu numa atmosfera amena é que aqueles senhores, elementos do antigo “inimigo” guardavam a serenidade das contas feitas e sem fantasmas, tinham curiosidade em perceber qual a trajectória desta deambulação dentro do Cuor. E fizeram perguntas sobre a Missirá daquele tempo, até se pôs um mapa em cima dos joelhos e comentavam-se nomes de localidades por onde, uns e outros, patrulhavam, minavam e emboscavam. É por isso que se vê com muito enlevo a serenidade e a postura de quem nada deve com que se enfrenta a câmara. À despedida, tanto Farazinho Pereira como Sampere Mendes insistiram: “Volta sempre que queiras. É mais fácil tu vires de Bambadinca que nós irmos lá, de bicicleta é muito longe. Gostamos de visitas, pena é tudo ser tão pobre, para repartir”.



3. O regresso é um pequeno calvário para Lânsana Sori, paragens de quilómetro em quilómetro para bombear um pneu furado. Ele insiste e pede desculpa ao cliente. Mal sabe ele como o Tangomau se deslumbra com a cantilena dos pássaros, a passagem das formigas, os mares de capim agreste. Nestas paragens, até há tempo para conversar com quem viaja ou quem está à sombra, na tentativa vã de se refrescar. Há quem pergunte sempre ao Tangomau que missão o traz ali, se é médico, comerciante ou missionário. Passe o devaneio, a pesporrência, um quase estado de delírio, o Tangomau exulta, à semelhança de Ponta Varela veio hoje bater à porta do antigo “inimigo”, só recebeu consideração, provas de afabilidade, gente curiosa que quer saber mais sobre os porquês desta quase peregrinação. Uma coisa é chegar às tabancas como Amedalai ou Samba Juli e reencontrar rostos amigos, conhecidos, confrontar diferenças, pressentir queixumes, múltiplos sofrimentos. Outra coisa é a remoçada Missirá, que se expandiu, que não tem marcas da guerra. Outra coisa mesmo é bisbilhotar por territórios novos que eram terra de ninguém, as tropas do Tangomau podiam confrontar-se com as do PAIGC, mas era terra de ninguém mesmo, ali não havia direito de posse. Assim se conversou com Aliu Fati em Mato de Cão ou com o povo de Chicri, por exemplo. Mas outra coisa diametralmente distinta é subir aos territórios onde o PAIGC tinha as suas barbacãs, torres de atalaia, pontes levadiças, ali, quanto muito, era entrar a disparar e sair-se sem quaisquer tipos de diálogo. É esta a sensação que frutifica no ânimo do Tangomau. Enquanto Lânsana Sori se desmultiplica no esforço de bombear aquele pneu inútil, o Tangomau tagarela, capta imagens, com a devida licença, destes grupos humanos perguntadores, eles vêm do trabalho, o sustento liminar estampa-se-lhes no rosto. Nisso esta imagem é um espelho fiel.



4. Deu que fazer chegar à estrada do Enxalé, houve que negociar com um camião transportara a motocicleta semiadormecida, condutor e passageiro, tudo até à Batanjã Mandinga, onde se localiza uma oficina. Na caixa desse camião, o Tangomau deslumbrou-se com o desfrute da paisagem, mais dois metros acima do solo, dá para ver o Geba ao longe, os campos de nenúfares, as fainas de gente laboriosa. O que se fotografou perdeu-se e daí o recurso a uma imagem que sobrou do passeio ao Xime, aqui estão os vestígios do porto que o Tangomau viu medrar e transformar-se na mais importante infra-estrutura portuária da região Leste, a partir dos finais de 1969. Caprichos do destino, foi quando o transferiram de Missirá para Bambadinca, por coincidência Mato de Cão perdeu a relevância que tivera todo este tempo da sua estadia no Cuor. O pneu foi substituído, a motocicleta deu meia volta, voltou-se a passar o Geba, visitou-se Canturé. Quem arquitecta romances, novelas ou contos possui alguns segredos íntimos. O Tangomau está convencido que já descobriu o ambiente em que se finaliza aquele livro que anda por aí à solta a germinar, uma viagem que começou em 1967 e que terminará em Dezembro de 2010. Mas há que confirmar diferentes lugares. Por isso se volta a Canturé, uma das encruzilhadas maiores da vida do Tangomau.



5. Não faltasse uma hora para o sol se pôr a pique e o Tangomau iria vasculhar de Finete até Malandim. Urgindo o tempo, ali vai a motocicleta na gáspea, o estradão é de uma beleza impressionante, orlado pelos possantes poilões que vêm de um passado muito mais antigo que o Tangomau. Há que simular junto do povo de Canturé que é uma curta viagem, há ali um ou dois pormenores a ter em conta e depois se regressa a Bambadinca. Até se inventa o pretexto de que é precisa uma fotografia às toranjas de Canturé. A hora a que chega é de remanço e por isso o povo e as suas autoridades vão em conversas, querem sessão de boas vindas com Malã Mané, o chefe de tabanca à cabeça e incluindo Aruma Dahaba (ineditamente um familiar de Fodé). Malã esteve na guerrilha, nas fileiras do PAIGC. Trata sempre o Tangomau por Baké, prova de consideração mais elevada não há. Entre outras coisas, Baké é o guerreiro destemido, não há bala que lhe perfure o corpo. As saudações arrancam desse passado e chegam quase meteoricamente ao presente. O Tangomau está de olhos semicerrados, mais em escrita mental que em relação social. Está sonhador, esta Canturé que ele calcorreou praticamente todos os dias é de uma rara beleza, é luxuriante, tem hortas, está quase tudo cultivado, tudo é pobre mas nada é miserável. O Tangomau põe-se de pé e ata todos os vínculos com Canturé, abraçando Malã Mané, veio a propósito, a seguir a Belel e a Madina. Convém esclarecer, em abono da verdade, que a imagem que aqui se mostra foi tirada à porta da casa do Fodé, dois dias depois, em dia de festa. O que é inesquecível foi Malã ter afirmado perante o seu povo que recebia o visitante com orgulho em Canturé, aquele Baké mais do que destemido dera provas provadas de uma estima arreigada pelo Cuor e pelas gentes. E aquela guerra eram águas passadas.



6. Foi um dia extenuante, amanhã será mais. Porque amanhã ir-se-á de Missirá a Sansão, antes de Missirá, Maná; depois Madina de Gambiel; regressar-se-á a Bambadinca, Lânsana Sori precisa de descansar uma hora para a provação que se segue, de Bambadinca ao Xime, daqui até à Ponta do Inglês. O Tangomau anda com a consciência revolvida, vai regressar a Bissau dentro de dois dias deixando na escuridão pontos fundamentais: Fá, Demba Taco, Samba Silate, por exemplo. E se ficasse mais um dia, deitando para as ortigas o que se propõe fazer em Bissau? É neste dilema que se despede do Bambadincazinho e vai ver o pôr-do-sol no Bairro Joli. É tempo de mostrar gente da casa. Como se disse, vive aqui o engenheiro Fernando Ramiro Semedo, irmão do embaixador Inácio Semedo, ambos filhos do fundador deste projecto, Inácio Semedo, um dos dirigentes históricos do PAIGC. Fernando Semedo procura pôr de pé um projecto de recuperação de diferentes culturas entre o Bairro Joli e a Ponta Nova. É casado com Dada, o casal tem dois meninos. Estamos a ver Alberto Djata, trabalhador e quase da casa. É Felupe e já estivemos a ver fotografias de danças Felupes. O Alberto cozinha magnificamente. Trata-se de um instantâneo, o Alberto está concentrado e parece feliz. Depois o Tangomau foi para o balcão, levou “Gog”, de Giovanni Papini, aproveita o esplendor dos últimos raios solares.



7. Muitos críticos consideram “Gog” como a obra-prima absoluta de Papini. Trata-se de uma sátira de alguém que saiu do manicómio, fez fortuna e agora tem meios para satisfazer imensos caprichos. Um deles passa por conhecer os grandes monumentos literários mundiais. E Papini escreve: “Tive coragem para ler aqueles livros todos, menos três ou quatro que, logo às primeiras páginas, não pude suportar. Hostes de homens, chamados heróis, que se estripavam durante dez anos a fio, sob as muralhas de uma pequena cidade, por culpa de uma velha seduzida; a viagem de um vivo à fossa dos mortos, com o fim de falar mal dos mortos e dos vivos; um doido héctico e um doido gordo que vão, mundo fora, em busca de sovas; um guerreiro que perde um juízo por uma mulher e se diverte a arrancar azinheiros pelas selvas; um pulha cujo pai foi assassinado e que, para o vingar, faz morrer uma rapariga que o ama e outras personagens diversas; um diabo coxo que levanta os telhados de todas as casas para exibir as suas misérias; as aventuras de um homem de estatura média que faz de gigante entre os pigmeus e de anão entre os gigantes, sempre de modo inoportuno e ridículo; a odisseia de um idiota que, através de ridículas desventuras sustenta que este mundo é o melhor dos mundos possíveis; as peripécias de um professor demoníaco servido por um demónio profissional; a aborrecida história de uma adúltera provinciana que se enfastia e, por fim, se envenena; as surtidas loquazes e incompreensíveis de um profeta acompanhado de uma águia e de uma serpente; um rapaz pobre e febril que assassina uma velha e que depois – imbecil – nem sequer sabe aproveitar um álibi e acaba por cair nas mãos da polícia”. O Tangomau está divertido com leitura tão saborosa e tão desviante das epopeias do seu quotidiano. É nisto que a bola de fogo anuncia o rigor da noite tropical, com os vagidos, os mistérios e os odores das florestas à volta. Vamos ter noite estrelada pela certa. O Tangomau empolga-se, aquilo não é uma bola de fogo, é um primo dos cometas que se lança num estranho oceano vegetal. E diz para si, fundamentalista: quem não aprecia este fim de dia não sabe viver. Saboreia o jantar e vai cedo para a cama, preparar a longa jornada que o espera. E que será imprevisível, aquele sábado, 27 de Novembro, reserva-lhe alguma das mais bonitas emoções de todo o sempre. Para ler depois.

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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 7 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7567: Notas de leitura (185): Guiné-Bissau, Aspectos da Vida de um Povo, de Eva Kipp (Mário Beja Santos)

Vd. postes da série de:

2 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7370: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (1): Primeiras notícias da Guiné-Bissau

4 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7379: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (2): O primeiro dia em Bissau

7 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7397: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (3): O segundo dia em Bissau

10 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7417: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (4): 20 de Novembro, de Bambadinca para o Bairro Joli

15 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7440: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (5): Do Bambadincazinho para Ponta Varela

18 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7462: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (6): Bambadinca, recordações da casa dos mortos

26 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7504: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (7): O primeiro dia no Cuor

27 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7511: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (8): O primeiro dia no Cuor (continuação)

30 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7528: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (9): O dia no Xitole e o regresso a Finete

5 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7557: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (10): O dia no Enxalé, em Madina e Belel

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7570: Parabéns a você (199): Agradecimento de Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53

1. Mensagem de Paulo Santiago* (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72), com data de 7 de Janeiro de 2011:

Camaradas, Amigos
Começo por agradecer aos editores por se terem lembrado do meu aniversário, fiquei mais rico... também uma palavra para o Miguel Pessoa que compôs aquele belo postal, que já está emoldurado.

Agradeço também a todos que me deram os parabéns com mensagens na caixa de comentários, e a todos os que me enviaram mail's, ou me enviaram mensagens através do Facebook.

Agradeço também a quem me fez mais jovem... ontem fiz 63 anos. Foi há 63 anos que saí do ventre de minha mãe, que ainda está comigo, que anteontem, dia 5, fez 89 anos, e vai lendo jornais e fazendo malha.

Vou também lembrar a maior prenda de aniversário que recebi até hoje... o nascimento da minha filha, Maria Luís, no dia em que fiz 39 anos.

Já que falei na Maria Luís, que a maior parte dos camaradas não conhece, mas já teve umas fotos, que tirou, publicadas no blogue, julgo que em Abril de 2009, permito-me enviar uma foto onde está num almoço da Tabanca de Matosinhos. Nesta foto, a Cátia Felix é a primeira da direita, segue-se a minha filha, de costas está o Nelson e o Zé Teixeira, meio encoberto está o Suleimane Baldé, ex-1.º Cabo do 53, actual Régulo de Contabane, vendo-se também o Álvaro Basto.


Grande abraço para todos
Sejam felizes
Paulo Santiago
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7558: Parabéns a você (197): Paulo Santiago, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Tertúlia / Editores)

Vd. último poste da série de 7 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7563: Parabéns a você (198): Agradecimento de Valentim Oliveira, ex-Soldado Condutor da CCAV 489/BCAV 490

Guiné 63/74 - P7569: Agenda Cultural (100): Fim do Império: Olhares Jornalísticos - 4.º Encontro: 18 de Janeiro de 2011, na Livraria Verney, Oeiras. Oradores: Cor Carlos Matos Gomes e o fotógrafo Fernando Farinha

1. Mensagem de Carlos Matos Gomes, Coronel Cav COMANDO na situação reserva, com data de 6 de Janeiro de 2011:


Meus caros amigos,


Venho convidar-vos para uma sessão da Tertúlia “O Fim do Império”, em que eu e o grande repórter e fotógrafo Fernando Farinha falaremos de África, da guerra e da comunicação social, tendo como tema de partida um livro com fotos e reportagens de Fernando Farinha e um texto de enquadramento meu. “Guerra Colonial – um repórter em Angola”.


A Tertúlia realiza-se na livraria Verney, da Câmara Municipal de Oeiras, no dia 18,  às 15 horas.


A livraria situa-se mesmo no centro da vila, no largo da igreja e existe um parque de estacionamento por detrás. Eu e o Fernando Farinha teríamos muito prazer em tê-los connosco, caso possam.


Esta iniciativa é dinamizada pelo Manuel Barão da Cunha, tem o apoio da CMO e da Liga dos Combatentes.


Um abraço amigo
Carlos Matos Gomes 
e Fernando Farinha


Junto, além do convite, algumas fotos do livro, para aguçar o apetite.



CONVITE



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Nota de CV:


Vd. último poste da série >  7 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7564: Agenda cultural (99): Lugares de Passagem, de José Brás: Apresentação hoje, 6ª feira, 7, às 18h30, no Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, Av Gago Coutinho, 90, Lisboa

Guiné 63/74 - P7568: Blogpoesia (102): Sociedade lusa (Manuel Maia)

1. De Manuel Maia (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74), Sociedade lusa, enviado em mensagem com data de  5 de Janeiro de 2011:


Sociedade lusa

Sociedade lusa é inquietante,
passiva, obediente, inoperante
estática, parada, sem acção...
São brandos os costumes, "isto passa"...
"o povo é mui sereno, é só fumaça",
chavões da canga, jugo/submissão...

Tal qual vai o cabrito, o porco, o touro,
p`ra morte no açougue/matadouro,
assim, num "ledo engano", vai meu povo...
Aceitação de inevitável fim,
sem "espernear", gritar, tenho p`ra mim,
que anestesia alguém lhe deu de novo...

Bem forte foi, por certo, essa narcose,
com injecções de bola, em dupla dose,
de Fátima e de fado, quanto baste...
Alheamento à vida e ao futuro
evidencia o novo e o mais maduro,
no aceitar da imposição do traste...

Que um dia surja um gongue salvador
para acordar país desse torpor,
às consciências dando um abanão...
Com mais de oito centúrias, Portugal,
vive hoje o maior drama nacional
parados estão os braços, falta o pão...

MM
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7561: Blogpoesia (101): Considerações (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P7567: Notas de leitura (185): Guiné-Bissau, Aspectos da Vida de um Povo, de Eva Kipp (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,
Este álbum fotográfico é uma pequena preciosidade.
Provavelmente serviu como edição de prestígio não se sabe para qual entidade e o valor das imagens ficou circunscrito. É lastimável este tipo de edições de prestígio, sempre condenadas a não chegar ao grande público.
Ficam aqui alguns exemplos de beleza praticamente ignota. O que é curioso é que há negociantes de arte a procurar toda esta policromia bijagó que não se vê nos mercados tradicionais. É assim o mercado da arte.

Um abraço do
Mário


Tesouros da arte dos bijagós e outras instituições culturais

Beja Santos

Eva Kipp colaborou com o Governo da Guiné-Bissau em vários projectos de divulgação da cultura tradicional da Guiné. “Guiné-Bissau, Aspectos da Vida de um Povo” (por Eva Kipp, Editorial Inquérito, 1994 é o livro em que esta perita holandesa procura divulgar alguns aspectos da diversidade e riqueza cultural da Guiné-Bissau com especial destaque para a arte bijagós, cerimónias fúnebres, rituais de passagem e imagens de trabalho.

Relativamente à arte dos bijagós, a autora destaca a sua estreita ligação à religião: a representação dos irãs está a cargo dos escultores, alguns deles notáveis em Orango e Canhanbaque. A autora mostra-nos em actividade o escultor Ompane, especialista em estatuetas dos Irã Grande. Vemos as sucessivas fases do seu trabalho: as cerimónias de apresentação ao Irã com a convocação dos espíritos; a escolha da árvore na qual se pode incarnar os Irãs que também têm um vasto cerimonial. Por exemplo: “Para iniciar a cerimónia ele dá pancadas na árvore e faz o chamamento do Irã. Ele nunca inicia o corte sem realizar esta cerimónia, caso contrário podem acontecer coisas terríveis, teme-se sempre o desagrado do Irã… uma vez derrubada a árvore, separa o pedaço do tronco necessário à execução da estatueta”. O escultor utiliza como instrumentos o machado e a catana.

A autora refere seguidamente os Irãs Grandes e os seus santuários. Possuem forma humana, mas nem sempre. Em princípio, estes irãs estão depositados no santuário das mulheres ou em casa dos régulos. Ao lado do Irã Grande encontram-se outros objectos sagrados (caso de chifres de gazela ou de cabra). Os Irãs são utilizados para cerimónias colectivas da tabanca e que se praticam no início da lavoura, no fanado ou quando uma doença grave atinge alguém da tabanca. Para tais cerimónias, o Irã é retirado do santuário e colocado num outro ao ar livre que é chamado de Nan. A arte dos bijagós também se destaca pelas suas famosas pinturas murais em santuários e em casas. Além destas pinturas murais, os bijagós distinguem-se pelas esculturas de enorme colorido que usam nos enfeites das suas danças, que podem incluir figuras de animais, caso do tubarão martelo e vacas. São peças de grande valor ornamental, têm grande procura no mundo do artesanato.

Barco bijagó: estatueta de Bubaque

Os bijagós são maioritariamente animistas e daí a importância que têm os djambacós, os mediadores procurados por pessoas que precisam de conselho, possuem artes de vidência e poderes de curandeiro. Realizam cerimónias com conchas, orientam sacrifícios de animais; casos há em que os djambacós praticam a cartomancia ou prescrevem tratamentos para pessoas doentes. Eva Kipp refere outras etnias animistas que possuem outros tipos de Irãs que em vez de terem formas humanas podem ser estatuetas de forma de forquilhas. Por exemplo, na etnia papel realizam-se cerimónias em que o Cansaré é de grande importância no pedido de chuva. O mediador, aquele que detém o segredo de falar com o Cansaré são os balobeiros (sacerdotes) mas também os homens grandes.

O trabalho de Eva Kipp destaca o funeral do homem grande na etnia papel e ilustra como vestem os familiares, como utilizam unguentos, como se faz a festa de “choro” e se sacrificam animais para a cerimónia: “Ao ritmo dos tambores, toda a gente dança e bebe num terreno cheio de animais sacrificados, nem dando conta do risco quando dançam sob o telhado, prestes a ruir, de uma das casas. O consumo de álcool vai aumentando a exuberância da festa. Neste mesmo dia da cerimónia, enrolado em panos tradicionais, o falecido é sepultado. O número de panos que o envolve mostra o prestígio que ele tinha na sociedade. Os animais sacrificados são repartidos pelos participantes e segundos critérios fixos pela tradição.

Rapaz tocando flauta

O fanado é comum a todas as etnias da Guiné-Bissau, mas os rituais variam de umas para as outras. O fanado balanta implica um grande consumo de arroz, milho, animais e bebidas em todas as festas. A autora descreve as danças e cantares, entre os balantas há concursos de canto e improvisações teatrais.

É um livro de grande valor fotográfico e que bem merecia ser reeditado.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7560: Notas de leitura (184): O Fim do Império Português, de António Costa Pinto (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7566: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (23): Com humor também se fazia a guerra

1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 26 de Setembro de 2010:

Meu caro amigo Carlos Vinhal,
Para quem conheceu a Ilha das Flores e as suas gentes ao tempo da história, sabe que os calões usados faziam parte do dia-a-dia florense. O mesmo acontecia por outras ilhas, numas mais que outras. Nem por isso havia menos respeito entre as pessoas. Tudo dependia do sentido dado à conversa e às circunstâncias.

Um abraço enorme para ti e para os nossos camaradas,
José Câmara



Memórias e histórias minhas (23)

CCAÇ 3327 - 2.ª Secção do 4.º GCOMB
Em pé, da esquerda para a direita: 
Sold. José R. Serpa, (Costa do Lajedo – Flores) – London, ONT, Canadá; Sold. João Avelar Ventura (Fajãnzinha – Flores) – Terra Chã, Terceira; Fur. Mil. José A. Câmara (Fazenda – Flores) – Stoughton, MASS, EUA; Sold. António Silvestre Jr. (Urzelina – S. Jorge) – Toronto, ONT, Canadá; Sold. José C. Arruda Massa (Arrifes – S. Miguel)

Na frente, da esquerda para a direita:
Cabo José Silveira Leonardes (Topo – S. Jorge) – Praia da Vitória, Terceira; 1.º Cabo António Fernando Silva (Praia do Alomoxarife – Faial); Sold. Magno Manuel Silva (Guadalupe – Graciosa) – Lowell, MASS, EUA; Sold. José Francisco Serpa (Ponte da Fajã – Flores) – Stoughton, MASS, EUA; Sold. Emanuel A Cardoso Silva (Castelo Branco – Faial) – Newark, CAL, EUA


Com humor também se fazia a guerra

A CCaç 3327, aquando da sua passagem por Bissau, tinha a seu cargo a segurança de várias instituições militares. O Laboratório era uma delas.

Por vezes, era decretado o estado de alerta na cidade. Como era natural nessas ocasiões, o movimento de tropas ficava circunscrito aos serviços de emergência e abastecimentos e às patrulhas dos diferentes bairros de Bissau.

Também era prática generalizada reconduzir os militares nos seus postos de serviço, durante o tempo da prevenção. Portanto, ninguém se admirou de ver o pessoal de serviço ao Laboratório ser reconduzido nos seus postos por mais vinte e quatro horas.

O que não estava previsto é que os referidos militares, sem serem vistos nem achados para as circunstâncias, tivessem sido obrigados a uma dieta forçada. Alguém no AGRBIS esqueceu de dar ordens para que o rancho fosse mandado para os militares de serviço ao Laboratório.

Isso de fazer a tropa e a guerra é uma coisa. De barriguinha vazia é que não…

O José Francisco Serpa, conhecido na Companhia como o Serpa Pequenino, natural da Ponte da Fajã, Ilha das Flores, foi um dos militares apanhados de serviço ao Laboratório. Pertencia à minha Secção. Era um soldado muito disciplinado, de uma educação cívica bastante apurada e um excelente colaborador nos serviços da Secção. Uma das suas melhores qualidades era a capacidade de falar olhos nos olhos com as pessoas e com o coração bem junto da boca, fazendo jus a qualquer açoriano que se preze.

O nosso Serpa de regresso ao AGRBIS de imediato procurou pelo nosso Cap. Rogério Alves. Queria, veementemente, protestar pela falta do rancho a que tinha sido submetido nas últimas vinte e quatro horas. Encontrou-o na secretaria, e botou protesto:

- Meu capitão, quem foi o f. da p. do Oficial de Dia que esteve de serviço?! Eu quero matar o sacana que nos deixou à fome durante as últimas vinte e quatro horas!

O Cap. Alves que já se habituara à maneira de ser dos açorianos, humanamente compreendia que nesses desabafos e calões não existia qualquer maldade e muito menos falta de respeito, respondeu, serenamente, fazendo uma pergunta:

- Oh Serpa, você teria mesmo coragem de matar o seu Comandante de Companhia?

O nosso soldado não se desconcertou. Com nervos de aço e alguma graça respondeu:

- A esse não meu Capitão, mas não se esqueça de o avisar que da próxima vez deve mandar o rancho para o pessoal!

Hoje o José Serpa vive em Stoughton e é cliente na Agência de Seguros onde trabalho.

A história, contada pela sua boca, teve um final feliz. No dizer do Serpa e dos homens da Companhia, o nosso capitão era um bom homem.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7460: O Mural do Pai Natal da Tabanca Grande (2010) (6): Uma história de Natal (José da Câmara)

Vd. último poste da série de 20 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7149: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (22): Aventuras em terras manjacas

Guiné 63/74 - P7565: Estórias do Juvenal Amado (33): O Léo e a macaca Chita

1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 5 de Janeiro de 2011:

Caros Luís, Carlos, Magalhães, Briote e restantes atabancados.
A minha ligação ao pessoal do Pel Rec, acaba por aparecer nas minhas estórias por causa de minha relação especial com eles, desde de a viagem do Porto para Abrantes.
Ainda não sabíamos que eu ia com eles para a Guiné. Aliás de todos os Condutores que vieram do RI6 comigo só eu fui para a Guiné.

Um abraço para todos
Juvenal Amado




Estórias do Juvenal (33)

O LÉO E A MACACA CHITA

Soldado Pel Rec e carteiro dos CTT na vida civil, não sei como foi parar a padeiro da CCS do 3872.
Não sei mas foi um bom padeiro.

Após a chegada a Galomaro, não tenho ideia que de lá tenha saído alguma vez, nem para ir a Bafatá. Era afável e amigo de praticamente toda a gente, digo praticamente, pois só o ouro agrada a todos e ele era como nós de carne e osso.

No trabalho diário de pôr na mesa dos camaradas o pão nosso de cada dia, estava dispensado de formaturas, reforços, ou qualquer outro serviço para além do seu.
Fardado sempre a rigor em calções e tronco nu, ficou barato ao Exército no que diz respeito ao fardamento.

Nunca negava um pãozinho a quem lho pedisse.

Por ordem do Comando, fazia uns pães pequenos individuais na vez do famoso casqueiro onde era normal retirar o miolo, que depois de amassado servia de arma de arremesso a um camarada para chatear.

O pão era pois saboroso, praticamente todo consumível e era também o ideal para levar nas rações de combate. Também na nossa cantina havia umas sandes de queijo ou fiambre, para nosso prazer e lucro da instituição. Isto era para quem tinha dinheiro vivo, pois ao contrário de outros quartéis do nosso batalhão, ali não havia fiado.

Penso que foi uma forma de poupar uns bons quilos de farinha e em vez de desagradar, como acontece quando os nossos superiores decidem economizar nalguma coisa, esta ordem foi de agrado geral.

Está claro que o Léo beneficiava de um estatuto que o fazia presente em tudo o que fosse petisco, que muita vez era cozinhado na própria padaria.
Com os seus ajudantes de padeiro, recrutados nos garotos da população assim ele de forma bem económica poupava o esforço físico para além do estritamente necessário.

Enfim ele estava feliz com a ajuda e os garotos, que comiam no quartel, recolhiam os restos que levavam para as suas casas também eram felizes.

Talvez o único aborrecimento sério tenha sido provocado pela sua macaco-cão Chita de seu nome. Tinha-lhe sido deixada pelo padeiro velhinho do 2912, ainda pequena, mas na altura desta estória já ela era adulta e grande, pois já foi para o final da comissão.

A Chita gostava de cerveja tanto como nós. Assim nós deixávamos no fundo da garrafa sempre um restinho, que ela bebia depositando depois a garrafa no fundo do bidão.

Está claro que ela apanhava monumentais bebedeiras e andava depois aos guinchos, agarrava a cabeça, ia de um lado ao outro da cantina para nosso regozijo.

Certo dia a Chita com os copos, decidiu pendurar-se nas árvores ainda jovens, que tinham sido plantadas na parada do quartel e que eram o desvelo do nosso Comandante Tenente Coronel J.M. Castro e Lemos.

Escusado será dizer que as pequenas árvores ficaram como se tivesse passado por elas um tufão. Braças partidas, desfolhadas e meio arrancadas eram a visão de um autêntico desastre.

Quem foi? De quem é a macaca?

Logo chegaram os nomes ao nosso Comandante. O castigo foi sem apelo. O Léo tinha que se livrar da sua Chita.

Abatê-la estava fora de caso. Ninguém era capaz de o fazer.
A única solução à vista foi enviá-la para Cassamba, onde estava um pelotão na altura que se não estou em erro do Dulombi, que tomaram conta dela e a traziam sempre que vinham a Galomaro.

Era ver o Léo com a macaca abraçada a ele e vice versa. Mais tarde trouxeram-na às escondidas para Galomaro, onde passou a ser vigiada e estando presa a maior parte do tempo.

Quando havia revista, lá um dos ajudantes de padeiro se escapava com ela para a tabanca.

Penso que o Léo a deixou ao seu substituto na padaria.

Infelizmente o nosso camarada veio a falecer pouco tempo depois do nosso regresso. Foi atropelado em Lisboa quando exercia a sua profissão de carteiro.
Recordo-o com saudade hoje.

Há 37 anos por esta altura, só pensávamos no regresso não sabendo, que ele nos deixaria pouco tempo depois.

Paz à sua Alma
Juvenal Amado
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7534: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (29): Não falarei de mal-entendidos (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 11 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7265: Estórias do Juvenal Amado (32): Carne para o quartel