Passando o rio Camuntudú sobre uma ponte de três palmeiras. Escolta diária
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1. Continuação da publicação de Tarrafo; crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed., Aveiro, 1965. Parte 2 (Ilha do Como, Jan / Mar 1964), pp. 68-74. (*)
Com a amável autorização do autor, começámos, a partir de 14 do corrente, a publicar as crónicas do Tarrafo, relativas à Op Tridente, na Ilha do Como (15 de Janeiro a 15 de Março de 1994), recorrendo para o efeito a um exemplar, fotocopiado, da primeira edição do livro (pp. 47 a 85), onde ainda são visíveis as marcas da censura. (Recorde-se que o livro foi retirado do mercado, logo a seguir à sua entrada nas livrarias, em Outubro de 1965, muito embora o autor já talvez publicado estas mesmas crónicas no Jornal da Bairrada).
Publicamos hoje mais duas crónicas, relativas aos dias 17 e a 23 de Fevereiro de 1964. Estas duas situações passam-se já um mês depois do Alf Mil Cav Mota ter desembarcado na Ilha do Como, juntamente com o resto da sua subunidade, a CCAV 488, integrado na Agrupamento B.
De acordo com o planeamento da Op Tridente (destinada a desalojar o PAIGC da região do Como, onde ocupava desde 1963 três ilhas, Caiar, Como e Catungo), a ação das NT dividiu-se em 3 fases: (i) desembarque, a 15 de janeiro de 1964, com apoio da força aérea e da marinha; (ii) operações de patrulhamento das ilhas, de 17 a 24 de janeiro; e (iii) concentração de esforços na ilha do Como, onde de 24 de janeiro a 24 de março, se travaramos combates mais intensos...
As NT mobilizaram c. de 1100/1200 homens, para além de importantes meios aéreos e navais. O efetivo do PAIGC era estimado em 300 combatentes. Um elevado numero de combatentes nossos (193, ou seja, mais de 15%) foram evacuados por doença, devido às duas condições do terreno e à duração da operação (71 dias). A superfície das 3 ilhas era da ordem dos 210 km2, dos quais 80% eram constituídos por tarrafo, sujeito à ação das marés (Na maré cheia, a região do Como ficava reduzida a 40 km2).
2. Paralelamente estamos a seguir a crónica de outro combatente do Como, o Mário Dias, hoje sargento comando reformado, membro da nossa Tabanca Grande, desde a I Série do blogue. Em relação a este período (2ª quinzena de Fevereiro de 1964), selecionámos o seguinte excerto (o resto pode ser lido na I Série do nosso blogue, aqui):
(...) A 17 de Fevereiro, o grupo de comandos recebeu a missão de bater a mata desde o Norte de Curcô até Cauane. Confirmando a nossa convicção de que os guerrilheiros do PAIGC estavam a ficar enfraquecidos, não houve oposição à nossa penetração na mata que, até há pouco tempo, tinha sido um santuário que não deixavam profanar.
Apenas a cerca de 1 km a Norte de S. Nicolau se ouviram dois disparos de espingarda - código por eles usado para avisar que andava por ali a tropa e se esconderem. Prosseguimos a nossa patrulha em direcção a Cauane onde, sensivelmente no local do nosso primeiro contacto com o IN nesta operação (quando morreram dois fuzileiros), fomos flagelados com alguns tiros de PPSH e Metralhadora, mais com o propósito de nos manter afastados do que nos enfrentar. Reagindo, abatemos um elemento IN. Alcançamos Cauane e daí a praia da Base Logística. (...)
Vd. também este excerto da III Parte das crónicas do Mário Dias:
(...) Dia 23 de Fevereiro novamente embarcados numa LDM com o Pelotão de de Paraquedistas e 8º Destacamento de Fuzileiros, rumo a Curcô onde pernoitámos.
No dia seguinte, com mais um grupo de combate da CCAV 488, iniciámos uma batida à mata. Por duas vezes tivemos contacto com um numeroso grupo de guerrilheiros que dispunham de um morteiro 82 e 1 metralhadora pesada 12,7mm. As NT causaram 7 mortos confirmados, sendo 3 caboverdeanos, armados com pistola-metralhadora, dois deles fardados de caqui. Nesta acção, o Pel Paraquedistas teve 1 morto, 1 ferido grave e 1 ferido ligeiro. Uma rajada de PPSH inutilizou a arma do comandante dos páras, que ficou ferido na cabeça.
Quando me recordo, à distância dos anos, do que aconteceu a seguir, dá-me vontade de rir da cena caricata que devemos ter feito.
Eu conto: tendo nós conseguido sempre levar a melhor nos contactos com o IN, eis que um enorme enxame de abelhas se abateu sobre nós. Toda a gente a sacudir-se, ferroadas de criar bicho, correria desenfreada. Quem diria… pequenos insectos conseguiram aquilo que o IN nunca foi capaz: pôr-nos em fuga. Com o pessoal todo picado, já havia muitos olhos tumefactos, nada poderíamos fazer a não ser o regresso a Curcô. Ganharam as abelhas.
Na orla da mata perto de Curcô, ainda descobrimos uma plataforma construída sobre palafitas, com cerca de 1,80m de altura, e que servia como posto de vigia sobre aquela localidade. Deixámo-la ficar armadilhada. Não sei se a armadilha chegou ou não a ser activada. Hoje, faço votos para que não.
(...) Que bem dormia eu quando, naquela madrugada do dia 27 de Fevereiro, “às 4 da matina” me acordaram:
- Porra… são lá horas de acordar um pacato cidadão embrenhado em sonhos tão deliciosos!...
- Vamos embora! - Mais uma vez a mata espera por nós. E fomos.
Sol já a brilhar, movimentos suspeitos no tarrafe. Avançámos cautelosamente para averiguar. Apenas algumas pegadas de 2 ou 3 pessoas que devem ter fugido com a nossa aproximação.
Nesse dia, juntamente com o Pel Paraq e 1 grupo de combate de elementos das CCAV 487 e 489 foi destruída a tabanca de Catabão Segundo onde fizemos um prisioneiro e apreendemos 2 binóculos, 1 cantil, 1 espingarda G3 com 4 carregadores, e 3 granadas de mão. Mais uma acção em que o IN não deu sinais de vida. (...).
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Nota do editor:
(*) Último poste da séruie > 20 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8931: Antologia (72): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (5): Ilha do Como, 8 e 12 de Fevereiro de 1964