1. Continuação da publicação das Memórias do nosso camarada Joaquim Cruz* (ex-Soldado Condutor Auto-Rodas da CCS/BCAÇ 4512, Farim, 1972/74), desta feita lembrando os acontecimentos de 1973 em Guidaje que ele também viveu de perto:
MEMÓRIAS QUE O TEMPO NÃO CONSEGUE APAGAR (2)
Foi durante a viagem no Uíge que o nosso Alferes do Pelotão Auto começou a distribuir por cada um de nós as viaturas que já sabia existirem em Farim, local para onde seguimos, depois da passagem pelo Cumeré e ai nos terem ministrado um pequeno estágio no que à condução e versatilidade das Berliet dizia respeito. Tínhamos portanto à nossa espera em Farim cinco Berliet e eu fui um dos cinco elementos escolhidos para a condução das mesmas.
Os restantes camaradas e bons amigos foram o Ribeiro, o Bombeiro, o Pontes (que veio a ser evacuado para o continente na sequência dos ferimentos que sofreu em Guidaje) e o malogrado Ludgero que aí viria a perder a vida como adiante explicarei; além destas viaturas tínhamos ainda destinadas ao serviço exterior ao quartel três Unimog que nos acompanhavam nas constantes colunas e que eram conduzidos pelos camaradas Milheiro, Vieira e Carrasqueira. Esta era a composição da equipa que no primeiro ano circulou pelas picadas do setor de Farim, no interior do quartel com outras atribuições tínhamos os restantes elementos que faziam parte do Pelotão Auto.
Aqui nesta foto com os camaradas Milheiro ao centro, e o Ribeiro.
Nesta foto dando a minha ajuda aos camaradas mecânicos. Reconhecem-se ao meu lado o estofador, no chão à direita: o Milheiro, Piedade e o Carrasqueira, à esquerda o Oliveira e o nosso camarada guineense de quem não recordo o nome.
O trabalho a que estávamos sujeitos nunca tinha fim, todos os dias estávamos em movimento, eram o transporte do Pelotão de Sapadores, ou dos grupos de combate para patrulhamentos, colunas de reabastecimento de víveres e munições, ao K3 (onde havia que atravessar na antiga jangada onde era preciso ter alguma perícia para não cair ao rio, que mais tarde, durante a nossa comissão veio a ser substituída por outra mais moderna e essa sim não havia que manobrar entrava-se por um lado e saía-se pelo outro)
Esta foi a velha jangada que encontramos em Farim
Imagem daquela que foi a segunda jangada
Colunas a Binta, Jumbembém ou Cuntima, estas quase sempre premiadas no regresso com o transporte de vacas para Farim com o inconveniente da sempre obrigatória lavagem da viatura no final da viagens, quase sempre compensadas com cinquenta pesos dados pelo proprietário das vacas e que sempre ajudavam a refrescar a garganta.
Fazíamos ainda o transporte de cibes da mata para o cais junto ao rio, para depois seguirem nos batelões para outros destinos, (a
psícola como lhes chamávamos), onde com a segurança de um pequeno grupo de milícias nos embrenhávamos pelas matas onde creio que o PAIGC só não nos apanhava porque simplesmente não estavam interessados em tal.
Depois de mais um transporte de cibes uma pequena pausa
Antes da partida para mais uma coluna. Um camarada Alf Mil que não estava previsto ficar na foto, cujo nome não consigo lembrar.
Isto para além da prevenção para transporte de reforços aos postos avançados na periferia do quartel de Farim, serviço esse que fazíamos sempre que o mesmo era flagelado com foguetões e não havia que hesitar, quem estava de serviço avançava com a sua viatura em plena chuva dos ditos, conduzindo e olhando para o céu pensando que talvez não nos acertassem, era tudo uma questão de sorte e lá procedíamos à distribuição dos camaradas pelos sucessivos postos.
A propósito desses postos avançados, acrescento aqui que apenas me tocou em todo o tempo de tropa fazer dois reforços de arma na mão, uma vez que aos condutores estavam confiadas outras missões e foi logo na primeira ou segunda semana de sobreposição com a camaradagem que fomos render, foram os dois no posto conhecido pelo da bolanha do lado da saída para Binta, tinha junto a ele uma árvore de grande porte, que estava infestada de morcegos e durante a noite era um chilrear que incomodava bastante quem não estava habituado a tal festim.
O posto era considerado o mais perigoso, onde de vez em quando lá suavam umas rajadas, mas normalmente o que lá surgia não era o IN já que este flagelava-nos sempre à distancia com os célebres foguetões que sentíamos o som logo que eram disparados para de seguida voltar a infiltrar-se no Senegal, eram antes as vacas que a população levava a pastorear durante o dia para fora do arame farpado e depois ao recolher ficava uma ou outra para trás e em plena noite quando tocavam nos arames não havia que perguntar quem vinha lá, e nos dias seguintes sempre havia uns estilhaços para misturar ao arroz que nos era servido diariamente meses a fio, com exceção das messes de oficiais e sargentos onde o tratamento era normalmente diferente para melhor.
Fui despejado no dito posto e tocou-me fazer a vigilância com dois camaradas em fim de comissão, os chamados velhinhos que trataram de me colocar nas piores horas avisando-me dos perigos que poderíamos correr, eu como podem imaginar passei ali um mau bocado, mas quando foi a vez de eles estarem de vigília eu continuei sem pregar olho e apercebi-me que pela sua descontração e até pelo seu ressonar não deveria haver ali tanto perigo como me quiseram fazer crer, enfim eram as partidas que de boa-fé pregávamos uns aos outros.
Desde o início que sempre ouve um excelente relacionamento entre nós condutores, estabelecemos com a anuência dos nossos superiores desde o início, que faríamos uma rotação em todas as circunstâncias, nas colunas da nossa Companhia, cada vez tocava a um de nós ir e regressar na frente, em Farim não utilizávamos rebenta minas ou seja o estrado da cabine da viatura repleta de sacos de areia, se a coluna era de uma das outras Companhias do Batalhão e se na mesma era incorporada uma nossa viatura para reforço desta, como o regresso só se fazia quando houvesse nova coluna, o processo era idêntico de cada vez tocava a um a permanência nesses destacamentos.
Passei alguns desses períodos em Jumbembém sede da 2.ª Companhia onde fiz algumas colunas a Canjambari integrado nas colunas dessa Unidade, guardo até na memória um pequeno episódio que se passou na pequena caserna dos condutores onde eu estava hospedado, a camaradagem e a boa amizade arranjavam sempre espaço para mais um amigo.
Com a porta aberta aparece-nos por ali um solitário cabrito, depois de darmos as boas vindas ao intruso, nas quais eu também colaborei, os preparativos para o banquete correram bem, o petisco ainda melhor, o problema surgiu quando pelo facto de a terra estar muito dura, alguém teve a ideia de pedir ao padeiro que de madrugada ao acender o forno queimasse o que sobrava do bicharoco e entre os despojos estavam uns chifres já bem grandotes, devem imaginar o cheiro que ficou a pairar por todo o destacamento e o receio com que ficamos que se viesse a descobrir a origem deste, mas felizmente tudo acabou em bem.
Um momento de descontração com os camaradas Condutores. Ao meu lado o Vieira, Simão e o Espite.
A viatura pesada Berliet
Do mesmo modo passei algumas semanas intercaladas em Cuntima sede da 3.ª Companhia, é numa dessas estadias que me encontro quando rebenta o conflito de Guidaje.
Não posso precisar a data certa mas terá sido nos últimos dias de Abril de 73 que ao chegar a Farim com mais uma carga de cibes, estava nesse dia uma coluna da 3.ª Companhia quase pronta para partir e nela uma Berliet da CCS que era nada menos que a do nosso amigo Bombeiro, só que acontece que por rotação era eu que devia seguir nessa coluna e assim foi, trocamos de viatura e eu segui para Cuntima com a viatura dele e o amigo Bombeiro, ficou com a minha.
Em Farim no transporte de um GComb da CCaç 14
Farim com um exemplar que se deixou apanhar
Tenho que aqui reconhecer que ele estava sempre pronto para seguir no lugar de um de nós, facto que eu nunca aceitei, é a minha vez sou eu que vou, da mesma forma que também nunca pretendi ir no lugar de ninguém.
No dia 8 de Maio é formada a 1ª coluna com destino a Guidaje e nesta vão duas Berliet da CCS conduzidas uma pelo Ribeiro e a outra pelo Bombeiro esta a que me estava distribuída, a terceira Berliet assim como o Unimog que compunham a coluna pertenciam à 1.ª CCAÇ Nema/Binta (estas foram as viaturas que acabaram destruídas pela nossa força aérea) os acontecimentos vividos nessa coluna tem sido aqui variadíssimas vezes descritos e eu não estive lá portanto apenas acrescento que os meus camaradas Ribeiro e o Bombeiro ficaram bastante afetados, o Bombeiro chegou mesmo a ser evacuado para Bissau, mas felizmente não tinha nada de grave, ambos na sequência dessa emboscada, do que ai sofreram estiveram vários dias sem voltar à atividade.
No dia 9 estava eu em Cuntima como já tinha referido e mesmo à distância que estávamos em relação ao local onde se deu a emboscada conseguimos ouvir o imenso estrondo que foi o bombardeamento das viaturas feito pela nossa aviação, não sabíamos o que se passava mas umas horas depois somos informados que íamos seguir de imediato para Nema.
Partimos de Cuntima, já escurecia, até Jumbembem não ouve picagem o então capitão da 3.ª CCAÇ deve ter pensado que o melhor seria preservar a sua viatura e então fui colocado na frente da pequena coluna que era composta apenas por duas Berliet, a que eu conduzia e uma pertencente à 3.ª CCAÇ cujo nome do condutor que a conduziu já não consigo recordar. Como não houve picagens avisei o pessoal para se segurarem e prego a fundo, haja sorte, eu já tinha alguma experiência de circular nas picadas não me fiz rogado sempre que possível os rodados não iam dentro das rodeiras, iam por fora o que se conseguia fazer na época seca com alguma facilidade, passamos por Jumbembém sem paragem dai já tinham seguido também reforços com o mesmo destino, Ponte Lamel, uns minutos em Farim que deu para receber o correio que o meu amigo Simão me guardava nas minhas ausências e fomos pernoitar a Nema. No dia 10 quinta-feira ainda era madrugada dirigimo-nos para Binta e ai demos inicio aquela que viria a ser a 2.ª coluna de apoio a Guidaje e a primeira a romper o cerco.
Na cabeça da coluna ia a Berliet conduzida pelo malogrado Ludgero um pouco mais atrás seguia o Pontes e salvo erro em 5-º ou 6-º ia eu conduzindo a Berliet na qual ia instalada a Secção do Pelotão de Morteiros 4274, já tenho lido alguns excertos de camaradas que pertenceram a esta Unidade, pois para que se recordem fui eu que conduzi a viatura que os transportou naquela difícil viagem ao inferno de Guidaje e que felizmente para mim e para eles teve regresso, o que desafortunadamente não sucedeu com outros nossos camaradas.
A descrição do que vivemos durante a viagem também já tem sido vastas vezes relatada daí que apenas foco algumas passagens tais como a nossa passagem muito próxima do que restava das viaturas semidestruídas da 1.ª coluna, os corpos dos camaradas que ali perderam a vida, os abatizes atravessados na picada, o saltarmos constantemente para o chão para que os Fiat procedessem ao bombardeamento na nossa frente.
O infortunado 1.º Cabo Comando que saltou do Unimog para o chão, acionando a mina que lhe decepou o pé, o que sucedeu na minha frente e que infelizmente presenciei, é mais um dos tristes episódios que nunca mais esquecerei, o malogrado camarada da 3.ª Companhia que aciona a mina já no Cufeu e que perde ali a vida, o matraquear dos confrontos entre as CCAÇ 3 e CCAÇ 19 com os elementos do PAIGC, o passarmos junto aos vários corpos tombados junto à picada e finalmente a chegada a Guidaje.
Na minha primeira noite sem me aperceber do perigo que corria não me lembrei de outro local para tentar descansar que não fosse o estrado da Berliet, nessa noite fomos bombardeados e entre o rebentamento das granadas do IN e o som das nossa respostas quer pelos obuses quer pelos morteiros que se confundiam, eu lá sobrevivi sem pregar olho mas sem me aperceber do verdadeiro perigo a que tinha estado exposto, o que vim aperceber-me na manhã seguinte as granadas tinha caído perto, havia até algumas viaturas com estragos, uma delas com o radiador furado pelos estilhaços, durante o dia sexta-feira 11 e depois de sabermos que não podíamos regressar sem que chegassem reforços para assegurar que a população não abandonava a povoação, havia que procurar outro local para passar a noite.
Então juntei-me ao pessoal dos morteiros e por ali fiquei. Mais fogachal durante a noite com a nossa resposta sempre pronta e lá chegamos a sábado. Nos dias em que lá permanecemos não comi qualquer alimento confecionado no interior do quartel, penso até que a cozinha nem funcionou, mas se lá cozinharam algo nesse período a mim não me tocou nada, enfim fomos mordiscando alguma coisa das rações que tínhamos levado, o desânimo era tal, nuns mais que noutros, que muitos de nós comentavam que não sairíamos dali vivos e um deles eu nunca mais vou esquecer, foram talvez das últimas palavras que ouvi prenunciar ao nosso infeliz camarada Ludgero, que teve a fatalidade de encontrar ali a morte, recordo-me de lhe ter dito para não pensar nisso e que haveria de aparecer uma solução, e finalmente ela surgiu, quando vimos aparecer no sábado à tarde uma coluna com duas viaturas, uma Berliet da 1.ª Companhia conduzida pelo camarada Chaves e um Unimog da CCS pelo camarada Milheiro, ladeadas pelos Fuzileiros que conseguiram fazer essa coluna sem terem qualquer contacto com o IN.
Aproximou-se a noite e começamos cada um a instalar-se para passar mais uma noite de tormento agora um pouco mais animados porque no dia seguinte partiríamos de regresso.
O quartel estava circundado por valas em ziguezague, o pessoal instalou-se por ali como pôde, mas eu já havia detectado que por trás do edifício salvo erro do refeitório, havia uma pequena trincheira que não teria mais que uns 50 a 60 centímetros de largura que deu em tempos acesso a um abrigo já desativado, a vala estava repleta de ervas, houve que amassá-las com as botas e ao mesmo tempo também eliminar algumas das muitas formigas que ali estavam instaladas. Chamei para junto de mim o camarada recém-chegado, o amigo Milheiro, que de início pensou em juntar-se na vala principal aos nossos camaradas condutores Pontes e Ludgero que tinham a seu lado o Soldado Comando José Raimundo e o Soldado Condutor do CAOP, David Viegas, que infelizmente ali viriam a encontrar a morte e muitos outros de outras Unidades já que a densidade era tal que pouco espaço sobrava.
O local onde os camaradas estavam não distava em linha reta do nosso mais que uns 3 a 4 metros, depois de já estarmos instalados ainda com a ajuda do meu companheiro de quarto, fomos buscar um capô de uma GMC que por ali estava abandonado e que nos iria proteger do cacimbo da noite.
Foi quando já todos estávamos quase em silêncio, por volta das nove da noite, que o IN inicia mais um bombardeamento, por fatalidade a primeira granada de morteiro acerta no bordo da vala, precisamente onde estavam os nossos camaradas condutores, após o primeiro rebentamento ouvem-se gemidos de dor, de imediato salto da vala e vou em auxilio dos feridos juntamente com o Milheiro logo seguido por outros camaradas, o primeiro que ajudo a retirar é o Pontes que chora e geme com as dores provocadas pela quantidade de estilhaços que lhe penetraram no corpo e que infelizmente viverá com alguns deles o resto da vida, de seguida tento levantar o Ludgero mas este já não tem reação, o mesmo se passa com os outros dois camaradas o José Raimundo e o David Viegas que tiveram morte imediata.
Ajudei a transportar o Pontes para a enfermaria, outros camaradas transportaram os restantes feridos, incluindo o Ludgero que vim a saber depois que chegou à enfermaria ainda com vida mas veio a falecer na madrugada do dia 13, domingo, dia do nosso regresso.
Finalmente havia condições para sairmos dali para fora, ao organizarmos a coluna para a partida surgiu um problema a viatura da cabeça da coluna, não tinha condutor pois infelizmente o mesmo tinha falecido
A ânsia de sair dali para fora era enorme havia que resolver o problema da viatura que não tinha condutor, fui eu que tomei a iniciativa uma vez que o condutor pertencia à CCS portanto à minha Companhia, fui falar com o nosso Oficial de Operações, o Capitão Beato, e a pergunta foi: Quem é que vês que pode conduzir essa viatura? Então lembrei-me que na coluna de Cuntima tinha vindo connosco um Mecânico da 3.ª Companhia e dei essa informação ao Capitão e este incumbiu-me de transmitir essa ordem, o que fiz.
Fui procurar esse camarada que não me recordo o nome e transmiti-lhe a ordem: Levas a viatura do falecido Ludgero. Foi um choque tremendo para alguém que não estava habituado, e logo na frente da coluna. O tempo passava e eu insistia com o improvisado condutor para que alinhasse a viatura para que se formasse a coluna seguindo as ordens do Capitão Beato, mas o nosso camarada nunca mais se dispunha a alinhar a viatura junto a porta de saída.
É então que eu tomo uma decisão, salto para cima da viatura e arranco com ela em direção à saída, ao mesmo tempo sem me aperceber começamos a receber mais umas morteiradas. Vi de facto gente a correr por todo o lado mas não parei, a pressa de sair daquele inferno para fora era mais forte que tudo o mais, confesso que não o fiz por valentia ou com alguma ideia de heroísmo, tal como por espontaneidade socorri os camaradas nas véspera em pleno ataque sem me lembrar de mais nada, assim o fiz só com uma ideia vamos tentar sair daqui para fora, ato esse que acabou por ser reconhecido pelo Capitão Beato e pelo Comandante do Batalhão como consta na Ordem de Serviço n.º 257 de 23 de Novembro de 1973.
Finalmente lá saímos, mais um dia penoso debaixo de um sol ardente sem alimentos nem água, a viatura que seguia na frente parava frequentemente e para arrancar era a que a precedia que a empurrava, tal era o nervosismo do nosso camarada que a conduzia. Novamente a passagem juntos aos corpos ali tombados no dia 10 e mais à frente o que restava dos caídos no dia 9 com as imagens dos abutres que quem presenciou nunca mais consegue esquecer, e mais não acrescento pois a descrição da viagem de regresso também já aqui tem sido vastas vezes retratada e não me quero que tornar repetitivo.
Não consigo esquecer o quanto sofreram para além de nós os que vínhamos ativos, os camaradas que feridos suportaram essa viagem deitados nos estrados das Berliet, alguns deles ao lado dos companheiros já mortos, debaixo de um sol abrasador sem água para beber. Ao chegar a Binta, saltei da viatura e corri junto a uma das viaturas que transportavam os feridos e ao perguntar ao Pontes como é que ele estava, este bastante desidratado apenas prenunciava a palavra água, algo que eu também não tinha, são tristes passagens que nunca mais se esquecem.
Depois de três noites sem dormir e praticamente sem comer tenho por fim uma noite de descanso, dia 14, segunda-feira, pela meia tarde o nosso 1.º Sarg Carvalho do Pelotão Auto informa-me que no dia seguinte vou partir novamente para Guidaje. Nunca mais esquecerei as palavras que lhe dirigi, assim como lhe fiquei eternamente grato por ter compreendido a minha mais que justa razão para as ter proferido.
Ao receber a notícia que voltava novamente para Guidaje eu pronunciei as seguintes palavras: Meu sargento, será possível não existir aqui em Farim mais ninguém que consiga conduzir uma Berliet a não ser eu? E o bom homem olhou para mim, compreendeu e disse-me: Vou ver o que posso fazer. Verdade é que no meu lugar foi um condutor africano pertencente à CCAÇ 14 que felizmente regressou são e salvo.
E foi com este pequeno episódio que durante 1973 eu não voltei a Guidaje, é verdade que trabalhei imenso nesse período porque a azáfama no sector era grande, ainda me tocou transportar elementos da 38.ª CComandos para Mansoa onde pernoitei uma ou duas noites. Não houve descanso, foi um período terrível para todos os que ali estivemos envolvidos, pois dos cinco Condutores das Berliet da CCS, durante o conflito de Guidaje cheguei a estar operacional apenas eu, o trabalho redobrou mas eu nunca virei a cara à luta e assim prossegui até aos princípios de Dezembro quando me acontece algo de inesperado.
(Continua)
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Nota de CV:
(*) Vd. primeiro poste da série de 15 DE AGOSTO DE 2012 >
Guiné 63/74 - P10267: Tabanca Grande (354): Joaquim Cruz, ex-Soldado Condutor-Auto da CCS/BCAÇ 4512 (Farim, 1972/74)