Foto 15 > Os veteranos guineenses que lutaram ao lado de Portugal que não dão a cara, mas o coração.
Foto 11 > Os velhos amigos que fomos encontrando
Foto 2 > Os trilhos que outrora palmilhamos
Foto 14 > Vestígios do passado
Foto 3 > A Fatma de Farosadjuma, ladeadas pelas nossas "bajudas"
Foto 5 > A Satu, a nossa cozinheira de Iemberém
Foto 4 > As belezas da Natureza que correm o risco de desaparecerem.
Foto 6 > O Francisco Silva mais um antigo guerrilheiro do PAIGC, procurando localizar pontos de guerra comuns.
Foto 7 > Mulheres que procuram os caminhos de desenvolvimento
Foto 8 > Os jovens que acreditam que são os donos do futuro
Foto 9 > As populações que nos receberam com carinho (1)
Foto 10 > As populações que nos receberam com carinho (2)
Foto 11 > As crianças que sonham com o futuro
Foto 12 > O último pequeno almoço em Varela
Foto 13 > A vergonha de uma classe política que permite o assalto e desbaste da riqueza piscícola
Fotos (e legendas): © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: LG]
1. Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau (30 de Abril - 12 de maio de 2013) - Parte XIII
por José Teixeira
O José Teixeira é membro sénior da Tabanca Grande e ativista solidário da Tabanca Pequena, ONGD, de Matosinhos; partiu de Casablanca, de avião, e chegou a Bissau, já na madrugada do dia 30 de abril de 2013; companheiros de viagem: a esposa Armanda; o Francisco Silva, e esposa, Elisabete.
No dia seguinte, 1 de maio, o grupo seguiu bem cedo para o sul, com pernoita no Saltinho e tendo Iemberém como destino final, aonde chegaram no dia 2, 5ª feira. Ba 1ª parte da viagem passaram por Jugudul, Xitole, Saltinho, Contabane Buba e Quebo.
No dia 3 de maio, 6ª feira, visitam Iemberém, a mata di Cantanhez e Farim do Cantanhez; no dia 4, sábado, estão em Cabedú, Cauntchinqué e Catesse; 5, domingo, vão de Iemberém, onde estavam hospedados, visitar o Núcleo Museológico de Guileje, e partem depois para o Xitole, convidados para um casamento ] (*)...
É desse evento que trata a 8ª crónica: os nossos viajantes regressam a Bissau, depois de uma tarde passada no Xitole para participar na festa de casamento de uma filha de um fula que, em jovem, era empregado na messe de sargentos e que tinha reconhecido o Silva, no seu regresso ao Xitole. A crónica nº 7 foi justamente dedicada ao emocionante reencontro [, em 1 de maio, ] com o passado, por parte do ex-alf mil Franscisco Silva, que esteve no Xitole, ao tempo da CART 3942 / BART 3873 (1971/73), antes de ir comandar o Pel Caç Nat 51, Jumbembem, em meados de 1973,
A crónica nº 9, corresponde ao dia 6 de maio: os nossos viajantes foram até Farim e regressaram a Bissau. já que o Francisco Silva, mesmo de férias, teve de fazer uma intervenção cirúrgica, a uma criança que esperava um milagroso ortopedista há mais de um ano! Na crónia nº 10, descreve-se a viagem até Varela, em 7 de maio. No dia 8, o grupo vai, de barco, até Elalab. Estamos em pleno chão felupe.
A crónica nº 12 é penúltima crónica do Zé Teixeira... Corresponde ao dia 9 de maio de 2013, passado na região de Cacheu, numa visita a Djufunco... A última crónica respeota ao dia 10 maio, descanso em Varela;, seguido do regresso a Bissau, a 11, e embarque de madrugada para Portugal, de volta a casa. É a crónica da despedida e da promessa de voltar em breve.
2. Parte XIII (e última): 10 e 11 de maio de 2013, descanso em Varela, regresso a Bissau. Despedida
Depois de uns dias onde as emoções choveram em catadupa, chegou o tempo descontrair, rendidos á beleza da praia de Varela com as suas águas mornas e sol acolhedor.
A chegada a Bissau com uma aterragem um tanto turbulenta que supomos ser a consequência de um tapete de alcatrão demasiado gasto. O calor sufocante ao abrir da porta do avião, como que as boas vindas a esta África. O choque de encontrar uma cidade que é um amontoado de gente, que não se sente gente, de tão pobre que é. Automóveis velhos correndo lado a lado com os últimos modelos de jipes de alta cilindrada, onde figuras de colarinho branco se passeiam alheios à extrema miséria que os rodeia. Velhas moranças de adobe e chapa confundem-se com lindas e faustosas moradias.
Enfim, a cidade de Bissau, perdida no tempo que passou, onde a esperança de tanta gente que a ela acorreu na busca de melhores dias se perdeu, deixando-os ali sem destino e sem futuro. Cidade, onde a vida se esgota na luta pela sobrevivência. Cidade onde não há tempo para sonhar…
Partimos para o Sul à procura do povo da Guiné que habita e tira da terra o seu sustento. Povo perdido e esquecido. Atravessamos tabancas e cidades, onde o progresso de esqueceu de entrar, ou foi impedido. Visitamos os templos desativados da guerra, que nos obrigaram a fazer, na sua maioria destruídos e abandonados. Calcorreamos com nostalgia as picadas que noutros tempos faziam tremer os mais corajosos. Recordamos os bons e maus momentos ali vividos. Cruzamo-nos com amigos e inimigos de outrora. Dum tempo que teima em desaparecer das nossas mentes.
Partimos para o Sul à procura do povo da Guiné que habita e tira da terra o seu sustento. Povo perdido e esquecido. Atravessamos tabancas e cidades, onde o progresso de esqueceu de entrar, ou foi impedido. Visitamos os templos desativados da guerra, que nos obrigaram a fazer, na sua maioria destruídos e abandonados. Calcorreamos com nostalgia as picadas que noutros tempos faziam tremer os mais corajosos. Recordamos os bons e maus momentos ali vividos. Cruzamo-nos com amigos e inimigos de outrora. Dum tempo que teima em desaparecer das nossas mentes.
Fomos recebidos de coração aberto. De tudo se falou um pouco. Os amigos recordavam as peripécias algumas de fim feliz, outras nem tanto. Os antigos inimigos procuravam entabular conversa com os “tugas” que os visitam e localizar os possíveis encontros em que estivemos frente e frente na luta do “matas ou morres” para contar como foi a sua participação nesta ou naquela contenda em que nos cruzamos. Eles também nos tinham medo, também nos evitavam como nós a eles. Também choraram os seus mortos e feridos. Também tentam esquecer a guerra que viverem e não conseguem. Também sentem que têm direitos como lutadores e libertadores da Pátria. Nota-se também neles um sentimento de que foram traídos e abandonados pelos novos “senhores da terra”.
Situação mais ingrata estão os ex-combatentes ligados ao Exército Português. “Nasci português, combati por Portugal e fui abandonado. Eu era português, eu sou português e guineense”. Isto foi dito com orgulho por 1º cabo africano das fileiras do exército português encontrado algures no interior da Guiné-Bissau. Durante muitos anos foram rejeitados, perseguidos, desprezados pelas autoridades “vencedoras”. Os que sobreviveram estão integrados na sociedade, mas esta mágoa de sentirem que foram abandonados por Portugal está bem patente nas suas conversas. Creio que os laços familiares e os conhecimentos adquiridos na sua ligação com a tropa branca foram um fator de união.
No Xitole acolheram-nos como família. Ali vivemos em festa o Primeiro de Maio, dia do trabalhador. Ali voltamos como convidados de honra para participar na festa do amor, o casamento de dois jovens fulas, apaixonados que felizmente não sabem o que é uma guerra. Mergulhamos no meio do seu povo e sentimo-nos bem, tal como outrora, sem medos, sem ressentimentos. Com carinho e afeto, como irmãos que queremos continuar a ser.
Aqui, no Saltinho, em Aldeia Formosa e em Mampatá e em toda a parte por onde passamos “choveram” os abraços sentidos de uma amizade gerada debaixo do fogo das Kalash e que perdura como alimento para a nossa velhice de veteranos da guerra. Pretos e brancos irmanados pelo sangue derramado e sentido do dever cumprido. Os eternos esquecidos do poder (político e económico) que nos “manipulou” para seu interesse e rapidamente nos pôs de parte quando decidiu acabar com a guerra. Choca-me profundamente ouvir os meus irmãos africanos dizer: eu fui português; ou sou português da Guiné; eu fui abandonado por Portugal. Triste realidade do fim do dito império que marcou toda a nossa geração e continua a marcar pelo sofrimento muita gente da “metrópole” e da Guiné.
Em Ponte Balana, Gandembel e Guileje, pontos marcantes do “carreiro da morte”, hoje felizmente transformado em carreiro da vida, revivemos o fantasma da guerra no mais violento do seu ser, tão bem espelhado no Museu de Guiledge, que merece no mínimo uma visita de quantos passaram pela Guiné, nos anos de 1963 a 1974.
Embrenhamo-nos na “terrífica” mata do Cantanhez e lamentamos o desbaste abusivo da floresta virgem, onde outrora o IN viajava de Cabedú até Buba em pleno dia, sem medo do “Já passou” (o temido Fiat da FAP), tal era a cobertura florestal, como me afirmou um antigo guerrilheiro em 2008. Palmilhamos com emoção parte do que resta dessa imensa floresta, o que nos fez voltar mais uma vez aos tempos da nossa juventude, aqui perdida.
Em Iemberém, Cabedú, Cautchinké e Catesse, procuramos dar força ao sonho de melhores dias a uma população jovem que se quer deixar prender à sua terra natal e precisa de alguém que os apoie e estimule a continuar os seus projeto.
Voltamo-os para Norte e viajamos até Farim na esperança de nos cruzarmos de novo com o tempo passado.
Perdemo-nos em Bissau, à procura da cidade que um dia conhecemos. Encontramos cacos e remendos, lixo e miséria à mistura com sinais de grande riqueza mal gerida, proveito de alguns felizardos e oportunistas. Casas que já foram “senhoras casas” da época colonial, agora de cara triste e deslavada. Quelhos poeirentos e sujos que já foram ruas. Candeeiros que já iluminaram essas ruas. Continuam firmes no seu posto, sem luz, sem fios sequer, para a transportar. E um povo como a formiga num corre corre, em busca do pão para hoje, pois, para amanhã, Deus o dará.
Fugimos rapidamente de novo para o Norte, para Varela, onde o Pepito nos acolheu, como irmãos na sua casa. Ele ficou em Bissau evolvido no trabalho que tem em mãos de ajudar o seu povo na senda do desenvolvimento, mas o seu espírito viajou connosco. Perdemo-nos no meio das crianças, mulheres e homens felupes de Elalab e Djufunko, com a sua alegria, as suas danças e cantares os seus sonhos e desejos de uma vida melhor. Entramos dentro dos seus segredos, sua forma ancestral de ser e estar na vida, pela mão dos seus Régulos. Conhecemos um pouco da sua história. Rica como toda a história do homem.
Já o sol ia alto quando nos sentamos debaixo do cajueiro para saborear o pequeno-almoço que a incansável Satu nos preparou. Pão, leite, compotas, bananas e caju para começar bem o dia. O Bemba ali estava, atento às nossas manobras para nos conduzir até à praia. Que praia! Um areal a perder de vista, um mar calmo e sossegado, sem uma réstia de vento, uma água na temperatura ideal e convidativa. A manchar terrivelmente o ambiente, a pesca clandestina fomentada por interesses estrangeiros. As autoridades políticas atuais, segundo se houve dizer por aqui, estão comprometidas neste esquema.
Pequenos botes descarregaram em pleno areal uma qualidade de peixe, tipo cachalote que ali mesmo é morto à cacetada, aberto ao meio e espalmado para ser fumado e enviado clandestinamente para o Senegal, segundo fontes locais. Mais um crime de lesa-Pátria e lesa-natureza, pois, tanto quanto nos apercebemos, tratava-se de peixes bebés.
O Francisco adorou a qualidade da água e não se cansou de mergulhar. A Elizabete, sua esposa, acompanhou-o enquanto a Armanda foi com o Bemba à Tabanca de Baceor e eu fiquei numa sombrinha a saborear as belezas naturais do local.
Regressados a casa com uma fome de bradar aos céus, tínhamos mais uma vez galinha para o almoço, divinalmente preparada pela Satu, regada com cerveja fresquinha. Para a sobremesa, como de costume, tivemos mango, caju e banana.
A seguir ao almoço fomos fazer uma visita guiada à tabanca de Varela como “velho” Kissimá como cicerone. Depois de um bom e prolongado mergulho nas águas cálidas do Atlântico seguimos para Baceor, uma tabanca ali perto, onde o Pepito nos presenteou um “divinal” jantar na companhia de um grupo de seus amigos.
Já era alta noite quando regressamos a Varela, animados e felizes.
No dia seguinte, manhã cedo, era o último, partimos para Bissau. E, foi um “corre corre” à cidade para comprar as últimas recordações e lembranças para a família com o apoio da Cadi Guerra, a minha amiguinha filha do Alferes comando Aliu Sada Candé, que conheci em Aldeia Formosa, vilmente assassinado uns meses depois da independência em Bambadinca pela turba exaltada dos “vencedores” , num julgamento/linchamento público.
Já era alta noite, quando chegamos ao aeroporto para fazer o check in, acompanhados pelo incansável Jibrilo Djaló (Gibi) especialista da AD nas relações com a alfandega no cais de embarque. Obrigado, Gibi, pela tua disponibilidade e pelo sorriso permanente que nunca regateias.
Na hora da despedida surge na mente todo o encanto dos tempos vividos que vemos ficar para trás irremediavelmente. Como escreveu Saint Exupéry, piloto aviador francês e escritor que se perdeu algures nos céus Argélia durante a 2ª guerra mundial: ”Aqueles que passam por nós, não vão sós, deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”. Foi com este sentimento que partimos no regresso a Portugal.
O grande problema para mim, neste final de viagem, é encontrar forma de agradecer a tanta gente que tudo fez para transformar este regresso à Guiné numa viagem de sonho, que jamais esqueceremos.
Comecemos então pela AD:
Situação mais ingrata estão os ex-combatentes ligados ao Exército Português. “Nasci português, combati por Portugal e fui abandonado. Eu era português, eu sou português e guineense”. Isto foi dito com orgulho por 1º cabo africano das fileiras do exército português encontrado algures no interior da Guiné-Bissau. Durante muitos anos foram rejeitados, perseguidos, desprezados pelas autoridades “vencedoras”. Os que sobreviveram estão integrados na sociedade, mas esta mágoa de sentirem que foram abandonados por Portugal está bem patente nas suas conversas. Creio que os laços familiares e os conhecimentos adquiridos na sua ligação com a tropa branca foram um fator de união.
No Xitole acolheram-nos como família. Ali vivemos em festa o Primeiro de Maio, dia do trabalhador. Ali voltamos como convidados de honra para participar na festa do amor, o casamento de dois jovens fulas, apaixonados que felizmente não sabem o que é uma guerra. Mergulhamos no meio do seu povo e sentimo-nos bem, tal como outrora, sem medos, sem ressentimentos. Com carinho e afeto, como irmãos que queremos continuar a ser.
Aqui, no Saltinho, em Aldeia Formosa e em Mampatá e em toda a parte por onde passamos “choveram” os abraços sentidos de uma amizade gerada debaixo do fogo das Kalash e que perdura como alimento para a nossa velhice de veteranos da guerra. Pretos e brancos irmanados pelo sangue derramado e sentido do dever cumprido. Os eternos esquecidos do poder (político e económico) que nos “manipulou” para seu interesse e rapidamente nos pôs de parte quando decidiu acabar com a guerra. Choca-me profundamente ouvir os meus irmãos africanos dizer: eu fui português; ou sou português da Guiné; eu fui abandonado por Portugal. Triste realidade do fim do dito império que marcou toda a nossa geração e continua a marcar pelo sofrimento muita gente da “metrópole” e da Guiné.
Em Ponte Balana, Gandembel e Guileje, pontos marcantes do “carreiro da morte”, hoje felizmente transformado em carreiro da vida, revivemos o fantasma da guerra no mais violento do seu ser, tão bem espelhado no Museu de Guiledge, que merece no mínimo uma visita de quantos passaram pela Guiné, nos anos de 1963 a 1974.
Embrenhamo-nos na “terrífica” mata do Cantanhez e lamentamos o desbaste abusivo da floresta virgem, onde outrora o IN viajava de Cabedú até Buba em pleno dia, sem medo do “Já passou” (o temido Fiat da FAP), tal era a cobertura florestal, como me afirmou um antigo guerrilheiro em 2008. Palmilhamos com emoção parte do que resta dessa imensa floresta, o que nos fez voltar mais uma vez aos tempos da nossa juventude, aqui perdida.
Em Iemberém, Cabedú, Cautchinké e Catesse, procuramos dar força ao sonho de melhores dias a uma população jovem que se quer deixar prender à sua terra natal e precisa de alguém que os apoie e estimule a continuar os seus projeto.
Voltamo-os para Norte e viajamos até Farim na esperança de nos cruzarmos de novo com o tempo passado.
Perdemo-nos em Bissau, à procura da cidade que um dia conhecemos. Encontramos cacos e remendos, lixo e miséria à mistura com sinais de grande riqueza mal gerida, proveito de alguns felizardos e oportunistas. Casas que já foram “senhoras casas” da época colonial, agora de cara triste e deslavada. Quelhos poeirentos e sujos que já foram ruas. Candeeiros que já iluminaram essas ruas. Continuam firmes no seu posto, sem luz, sem fios sequer, para a transportar. E um povo como a formiga num corre corre, em busca do pão para hoje, pois, para amanhã, Deus o dará.
Fugimos rapidamente de novo para o Norte, para Varela, onde o Pepito nos acolheu, como irmãos na sua casa. Ele ficou em Bissau evolvido no trabalho que tem em mãos de ajudar o seu povo na senda do desenvolvimento, mas o seu espírito viajou connosco. Perdemo-nos no meio das crianças, mulheres e homens felupes de Elalab e Djufunko, com a sua alegria, as suas danças e cantares os seus sonhos e desejos de uma vida melhor. Entramos dentro dos seus segredos, sua forma ancestral de ser e estar na vida, pela mão dos seus Régulos. Conhecemos um pouco da sua história. Rica como toda a história do homem.
Já o sol ia alto quando nos sentamos debaixo do cajueiro para saborear o pequeno-almoço que a incansável Satu nos preparou. Pão, leite, compotas, bananas e caju para começar bem o dia. O Bemba ali estava, atento às nossas manobras para nos conduzir até à praia. Que praia! Um areal a perder de vista, um mar calmo e sossegado, sem uma réstia de vento, uma água na temperatura ideal e convidativa. A manchar terrivelmente o ambiente, a pesca clandestina fomentada por interesses estrangeiros. As autoridades políticas atuais, segundo se houve dizer por aqui, estão comprometidas neste esquema.
Pequenos botes descarregaram em pleno areal uma qualidade de peixe, tipo cachalote que ali mesmo é morto à cacetada, aberto ao meio e espalmado para ser fumado e enviado clandestinamente para o Senegal, segundo fontes locais. Mais um crime de lesa-Pátria e lesa-natureza, pois, tanto quanto nos apercebemos, tratava-se de peixes bebés.
O Francisco adorou a qualidade da água e não se cansou de mergulhar. A Elizabete, sua esposa, acompanhou-o enquanto a Armanda foi com o Bemba à Tabanca de Baceor e eu fiquei numa sombrinha a saborear as belezas naturais do local.
Regressados a casa com uma fome de bradar aos céus, tínhamos mais uma vez galinha para o almoço, divinalmente preparada pela Satu, regada com cerveja fresquinha. Para a sobremesa, como de costume, tivemos mango, caju e banana.
A seguir ao almoço fomos fazer uma visita guiada à tabanca de Varela como “velho” Kissimá como cicerone. Depois de um bom e prolongado mergulho nas águas cálidas do Atlântico seguimos para Baceor, uma tabanca ali perto, onde o Pepito nos presenteou um “divinal” jantar na companhia de um grupo de seus amigos.
Já era alta noite quando regressamos a Varela, animados e felizes.
No dia seguinte, manhã cedo, era o último, partimos para Bissau. E, foi um “corre corre” à cidade para comprar as últimas recordações e lembranças para a família com o apoio da Cadi Guerra, a minha amiguinha filha do Alferes comando Aliu Sada Candé, que conheci em Aldeia Formosa, vilmente assassinado uns meses depois da independência em Bambadinca pela turba exaltada dos “vencedores” , num julgamento/linchamento público.
Já era alta noite, quando chegamos ao aeroporto para fazer o check in, acompanhados pelo incansável Jibrilo Djaló (Gibi) especialista da AD nas relações com a alfandega no cais de embarque. Obrigado, Gibi, pela tua disponibilidade e pelo sorriso permanente que nunca regateias.
Na hora da despedida surge na mente todo o encanto dos tempos vividos que vemos ficar para trás irremediavelmente. Como escreveu Saint Exupéry, piloto aviador francês e escritor que se perdeu algures nos céus Argélia durante a 2ª guerra mundial: ”Aqueles que passam por nós, não vão sós, deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”. Foi com este sentimento que partimos no regresso a Portugal.
O grande problema para mim, neste final de viagem, é encontrar forma de agradecer a tanta gente que tudo fez para transformar este regresso à Guiné numa viagem de sonho, que jamais esqueceremos.
Comecemos então pela AD:
(i) o Pepito e a Isabel como seu encanto e disponibilidade;
(ii) o Gibi que nos foi receber alta madrugada e nos levou ao aeroporto para regressarmos, como não podia deixar de ser, numa alta madrugada;
(iii) O Bemba, incansável motorista que nos acompanhou todo o tempo com uma disponibilidade e uma paciência que nem o Jó, o tal da Bíblia teria; creio que foi uma oportunidade para ele de reviver os seus tempos de soldado português e para nós a possibilidade de voltarmos a sentir o “pulsar” de português na Guiné-Bissau de alguém que se assume conscientemente como guineense, mas não esqueceu Portugal e os seus camaradas e amigos brancos que a seu lado lutaram e sofreram;
(iv) O Jorginho e o Valdemar na Escola de Artes e Ofícios no Quelelé, o nosso poiso em Bissau;
(v) A Cadi Guerra que deixou a família para ir uma tarde connosco até Bissau ajudar-nos nas “mérculas”;
(vi) O Abubakar Serra em Iemberém e o Abdulai, que nos acompanhou nas visitas pelas tabancas do Cantanhez e o Domingos Fonseca, que nos recebeu no Museu de Guiledje;
(vii) O “velho” saracolé, Kissimá que se perdeu de paixões por uma bajuda felupe e se ficou por Varela uma vida inteira; foi receber-nos a S. Domingos e velou por nós dia e noite até à nossa partida para Bissau; foi o guia, o interlocutor, o tradutor, o companheiro de aventura;
(viii) As nossas amáveis cozinheiras; A Fatmata de Farosadjuma, a Satu (esposa do Abubarkar) em Iemberém e a Satu ( filha do Kissimá) de Varela; foi graças a elas que saboreamos galinha de todas as formas e feitios, sempre cozinhadas com esmero e carinho; o peixe e o marisco também estavam óptimos.
Temos de voltar!
E as populações, que encanto! Tudo é motivo para fazer festa. Já o sabia há muitos anos, mesmo do tempo da mordaça da guerra. Mas tanta alegria! A sua forma de comunicar, de expressar sentimentos independentemente da etnia, é profundamente cativante. E as crianças, meus Deus, que loucura!
Zé Teixeira
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Nota do editor: