terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12650: Inquérito online: "Muito sinceramente, não gostaria de morrer, sem um dia ainda poder voltar à Guiné"... Resultados preliminares (n=262): mais de 68% dos respondentes (n=172) gostariam de poder visitar a Guiné-Bissau... 18% dos votantes (n=48) já lá voltaram, uma ou mais vezes... Falta pouco mais de um dia para fechar esta sondagem em relação à qual o António J. Pereira da Costa faz uma crítica metodológica


Guiné-Bissau > Bissau > 16 de abril de 2006 > "Voltar ou não voltar, eis a questão"...


Guiné-Bissau > Bissau > 21 de abril de 2006 > TAP-Air Portugal... "Partir ou não partir, eis a questão"...


Guiné-Bissau > Mansoa > 16 de abril de 2006 > O alfaiate de Mansoa... Ou imagens que perduram


Guiné-Bissau > Bissau > 13 de abril de 2006 > O pobre do Dari agrilhoado... Uma imagem com um grande carga emocional e simbólica...

Fotos: © Hugo Costa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendas: L.G.]

Imagens, sempre belíssimas e cheias de simbolismo, do álbum do nosso amigo Hugo Costa, filho do nosso camarada Albano Costa, documentando a viagem por terra, do Porto a Bissau, organizada pelo Xico Allen, em Abril de 2006, bem como a viagem emocionante pelo interior da Guiné-Bissau, a partir de Bissau e do Saltinho (que os levou a vários sítios, de norte a sul e de leste a oeste: Bissau, Quinhamel, Mansoa, Mansambá, Barro, Bigene, Farim, Jumbembem, Canjambari, Xime, Fá Mandinga, Mansambo, Saltinho, Buba, Empada, Judugul, Bissau). A caravana era constituída por um único... jipe, que levou seis pessoas (!): além do Xico e da Inês Allen, o Hugo Costa, o A. Marques Lopes, o Armindo e o Manuel Costa.

Recorde-se que essa viagem ficou registada numa série de crónicas assinadas pelo A. Marques Lopes, na I série do nosso bogue (pelo menos, uns 26 postes: Do Porto a Bissau), bem como em alguns apontamentos do Albano Costa (que, dessa vez, ficou na terra, em Guifões, Matosinhos, onde é fotógrafo profissional)... Vd. também aqui um excelente vídeo feito recentemente pelo Hugo Costa em 2012, "A outra Guiné" (Ficha técnica: produção: Universidade do Porto, 2012; realização: Hugo Costa e Tiago Costa: diretor de fotografia: Hugo Costa; som: Hugo Costa... Duração: 9' 27'').

O Hugo Costa  já tinha ido à Guiné, com o pai, em Novembro de 2000. Fica, mais uma vez,  a nossa homenagem a ambos, pai e filho. (LG)

 1. Resultados parcelares da resposta à sondagem em curso, no nosso blogue, a dois dias do encerramento... Até hoje, dia 28, às 13h45, tinham respondido 262 camaradas... A grande maioria (n=172) concorda com a proposição "Muito sinceramente, não gostaria de morrer, sem um dia ainda poder voltar à Guiné"... Estamos a falar de 68,3% do total de respondentes (n=262). Só uma pequena minoria (n=17), menos de 6,5%,  manifesta desacordo explícito.  Outros tantos (n=18)(7%) "não discordam nem concordam", ou seja, têm uma atitude "neutra"...

Os restantes respondentes (n=48) (18,3%) já voltaram à Guiné-Bissau, uma vez (n=28) (10,7%) ou mais vezes (n=20)(7,6%).

Conclusão: apesar do "sangue, suor e lágrimas", apesar da guerra, das mortes, dos feridos, das privações, do sofrimento, da distância, etc., a Guiné, ou uma certa Guiné, ficou no nosso imaginário, nas nossas memórias, enfim, não morreu no nosso coração.... É legítimo interpretar esses resultados desta maneira ?... (LG)

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SONDAGEM: "MUITO SINCERAMENTE, NÃO GOSTARIA DE MORRER, SEM UM DIA AINDA PODER VOLTAR À GUINÉ"...

Discordo totatmente > 9 (3%)
Discordo em parte > 4 (1%)
Discordo > 4 (1%)

Não discordo nem concordo > 18 (6%)

Concordo > 51 (19%)
Concordo em parte > 16 (6%)
Concordo totalmente > 112 (42%)

Não aplicável, já lá voltei uma vez > 28 (10%)
Não aplicável, já lá voltei mais do que uma vez > 20 (7%)


2. A propósito desta sondagem, o nosso camarada António J. Pereira da Costa [, cor art ref] fez, com toda a legitimidade, uma crítica metodológica ao "questionário", por meio de mensagem  que nos chegou por mail, com data de ontem, às 22h44, e que passamos a transcrever:

Olá, Camarada.

Não tenho conhecimentos para apreciar um inquérito ao sentir ou às opiniões de um dado grupo.  Contudo, este não me parece particularmente feliz e, por isso, permito-me uma crítica. E senão, vejamos:

O respondente é confrontado com uma afirmação: MUITO SINCERAMENTE, NÃO GOSTARIA DE MORRER, SEM UM DIA AINDA PODER VOLTAR À GUINÉ... e com qualquer afirmação ou se concorda ou não e nunca fará sentido perguntarmos se pouco sinceramente... ou até muito sinceramente. Ao inquérito presume-se que quem responde, responde sinceramente e só isso. Uma resposta dada pouco sinceramente não terá valor.

No que toca às respostas, creio que não se põe o problema de “discordar totalmente”, de “discordar em parte” ou de “discordar” (simplesmente). Qual a diferença entre as três hipóteses?

Com uma visita à Guiné,  se se discorda é porque lá não se quer ir e nada se fará para tal. As graduações do tipo total, em parte ou nada não fazem sentido.

Aceito o “não discordo nem concordo”, ou seja, “a Guiné ficou para trás e hoje diz-me pouco ou nada” é o que se pretende dizer. Por isso, não é uma prioridade. Há outros destinos mais atraentes no mundo…

E há também a experiência do resto da vida de cada um que pode determinar que surjam muitos outros destinos mais significativos e por diversas razões.

Segue-se o “concordo” que faz todo o sentido. Alguém que por lá andou,  gostava de voltar e até posso aceitar o "concordo totalmente",  aplicável aos que têm muito desejo de voltar. Mas, sinceramente graduar a concordância também não faz sentido. Poderemos, quanto muito, admitir que quem gostar de voltar à Guiné poderá estar seriamente empenhado nisso e, nesse caso, concorde, mas nunca em parte. E porquê falar em concordar totalmente?

Quanto aos “não aplicável”, entendo-os, pois assim ficamos a saber quem já voltou uma ou mais vezes e isso tem interesse estatístico.

Um Abraço do

António Costa

3. Resposta de L.G.:

Meu caro Tó Zé:

São bem vindas as tuas críticas à formulação da questão que é, esta semana, objeto da nossa sondagem, bem como à escala (chamada "escala de Likert") que serve para obter as respostas. Curiosamente, o desenho, a redação, a validação e a aplicação de questionários e outros instrumentos para  recolha de opiniões (por ex., escalas de atitudes) são  matéria que eu ensino há anos, na universidade. 

Trata-se de matéria complexa e difícil, e para a qual não há "receitas de cozinha" ou "dicas prontas a servir"... Claro que há uma longa experiência acumulada, há muitos manuais publicados, eu próprio tenho textos de apoio, para os meus alunos, sobre esta e outras matérias no âmbito do ensino da metodologia da investigação social e em saúde.

Vou começar por te dizer o que pretendi saber com mais esta sondagem. Sublinho, mais uma vez, que os resultados destas sondagens não podem ser extrapoladas para nenhuma população ou universo: por exemplo, o universo dos cerca de 150 mil combatentes que fizeram, do nosso lado, a guerra colonial na Guiné (. Trata-se de um estimativa, não sabemos ao certo se 150 mil, se são 200 mil). Se no final, no dia 30 do corrente, eu tiver atingido as 300 respostas, e se 20% responder que já voltou à Guiné, uma ou mais vezes, eu não poderei concluir que um em cada cinco dos nossos camaradas que passaram pela Guiné, entre 1961 e 1974, já la voltou... Seria abusivo, seria manipulação estatísticas... E porquê ? 

Primeiro, o nosso blogue não representa o universo ou a população dos antigos combatentes. Terão passado pelo TO da Guiné cerca de mil unidades e subunidades, segundo as contas do José Martins... Nós só temos 642 membros registados e nem todos foram combatentes: há combatentes e amigos da Guié (deste naturais da Guiné a familiares de camaradas nossos, já falecidos)... Na melhor das hipóteses, temos em média  0,6 representantes por unidade ou subunidade...  Em suma, o blogue só nos representa a nós, os 642 grã.tabanqueiros, dos quais 30 infelizmente já não são vivos... E os que estão representados no nosso blogue aderiram voluntariamente... Isto quer dizer, que os restantes 99,4  em cada 100 estão fora do baralho...

Por outro lado, o blogue tem um universo de visitantes (cerca de 2500 / dia, em média, neste momento) que nós não podemos, com rigor, caraterizar, em termos sociodemográficos....E não podemos impedir a votação de um não combatente (familiar de um camarada nosso, já falecido, por ex.). O que o software do Blogger nos garante é que só se pode votar uma única vez (a nível do mesmo computador), embora se possa mudar o voto durante o período de vigência da sondagem...

Vamos agora à questão: "MUITO SINCERAMENTE, NÃO GOSTARIA DE MORRER, SEM UM DIA AINDA PODER VOLTAR À GUINÉ"...

Trata-se de uma proposição, enfática, que funciona como "estimulo" para uma resposta de tipo: sim (concordo) ou não (discordo)...

(i) Quem responder "concordo", revela uma atitude "favorável" ao (ou o desejo de) regresso à Guiné-Bissau, antes de norrer;

(ii) Quem responder "discordo", revela uma atitude "desfavorável" à hipótese desse regresso (em termos de desejo ou vontade);

(iii) Atenção: não se pretende saber se essa hipótese tem muitas probabilidades de se concretizar; não confundir o "desejo" com a "realidade"; na maioria dos casos, esse desejo, essa vontade, essa atitude favorável a um regresso à Guiné, numa eventual "viagem de saudade", não se irá concretizar, por razões de oportunidade, de custo/benefício, etc., já que poderá naverá problemas financeiros, de saúde, de conjuntura, etc. ;

(iv) mas foi também por isso que, para além da opinião (positiva/negativa, favorável/desfavorável), quisemos saber a "intensidade da opinião"; daí o recurso à "escala de Likerk", que pode ter 5 ou 7 posições (ou graus ou níveis), indo do "discordo totalmente"  ao "concordo totalmente"...

Tó Zé, o teu reparo em relação â questão formualda tem razão de ser: ela poderia ser mais curta, assertiva, e vir na voz ativa... São opções, com risco calculado. Quis dar uma certa carga emocional, quis implicar os respondentes... Claro que tu podes decompô-la em três partes:

Muito sinceramente + não gostaria de morrer + sem um dia ainda poder voltar à Guiné...

Ora a oração ou proposição tem que ser lida como um todo, sem separação, já que "muito sinceramente, eu não gostaria de morrer"...Acho que nenhum de nós "muito sinceramen te, gostaria de morrer"... Mas, antes de cumprir esse desígnio, inerente à nossa condição de seres vivos, finitos, mortais, podemos admitir a hipótese de alguns de nós, uma parte de nós ou até a maioria de nós, ter ainda a vontade ou o desejo de voltar ao "local do crime"... antes de "bater as botas".

A diferença semântica entre concordar/discordar "totalmente" ou "em parte" ? No meu entender, quer significar apenas isto: concordar/discordar "sem reservas" ou "com reservas"...

Enfim, não me quero alongar, mas há críticos, em relação à escala de Likert, que não entendem a distinção entre "concordar em parte" e "discordar em parte"... Seriam graus ou níveis equivalentes: quem concorda em parte, discorda em parte...

São subtilezas da língua: de qualquer modo, a "atitude" [, sentimento, emoção, distinta de "comportamento",] só pode ser inferida de uma "opinião", tendo um polo positivo ["Gostava de ir à Guiné"] e um polo negativo ["Não gostava de ir à Guiné"], e um polo neutro ["Não sei / É-me indiferente, ir ou não ir à Guiné"].

Um alfabravo. Luis Graça

Guiné 63/74 - P12649: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (14): As localidades por onde passei, sofri e amei - Conclusão (Veríssimo Ferreira)

1. Em mensagem do dia 34 de Janeiro de 2014, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil da CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, e Bissau, 1965/67) enviou-nos a segunda e última parte do seu percurso militar desde sua promoção à alta patente de 1.º Cabo Miliciano, passando pela promoção a Senhor Furriel, terminando na sua ansiada ida para a Guiné.


AS LOCALIDADES POR ONDE PASSEI... SOFRI... AMEI
(continuação*)

À Amadora cheguei... nem ao almoço tive direito e mandam-me avançar, de forma a estar e sem falta, no dia seguinte em Lamego.
Voei para Sta. Apolónia, fui para o Porto, daqui para a Régua e o certo mesmo é que às 8,30 entro no novo poiso.

Bambúrrio... dei de caras, logo à porta de armas, com um herói da minha terra, combatente já com uma comissão prestada em Angola, 2.º Sargento e monitor agora, das tropas a preparar.
Trocámos abraços, continências e amigáveis palavras, e logo ali ele próprio se disponibilizou para me ajudar no que eu precisasse.

A caserna era óptima e fiquei em lugar privilegiado de cama. Fora dos últimos a chegar e não houve hipótese de arrebanhar melhor. Havia só que subir três beliches, até chegar ao 4.º onde dormia e com uma vista fantástica para os barrotes em madeira, que até me davam para estender a roupa molhada e esta, por sua vez, passava as gélidas noites, a afagar-me a tromba, durante os raros momentos que ali estacionei, pois que os treinos eram constantes, a qualquer momento... prolongados... estafantes.

Foram tempos duros, mas uma óptima preparação para as dificuldades que vieram depois. Ficou-me gravada, a frase: "Nunca se sabe", resposta que sempre ouvíamos a qualquer pergunta que fizéssemos.
Lá de quando em quando, também nos convidavam a ir até lá abaixo à City e então era um fartote... que belas pingas... bom presunto (coisa da qual eu já ouvira falar mas não provara qu'a crise abundava com'há agora) e até as pessoas eram simpáticas prá rapaziada fardada.

No aspecto da preparação militar, gostei "manning" d'atravessar o rio dum lado pró outro, agarrado a uma corda e com os pés assentes noutra e a água lá em baixo revolta com'ó caraças fez-me perguntar a mim próprio: porqu'é que não trouxeste o calção de banho em vez da farda de trabalho?

Lamego
Foto: Pais&Filhos, com a devida vénia

Tancos, desejava-me ardentemente e as Minas e Armadilhas que as amasse... e a Barquinha ali tão perto e com tão boa comida e melhor buída...
Recordo com alguma emoção convenhamos, aquele dia em que cá em baixo, junto ao Castelo de Almourol, me pediram atenciosamente para experimentar um pedaço de massa explosiva, a que chamavam farinheira. Colocada que foi, debaixo dum pedregulho de todo o tamanho, a que juntei depois um detonador, mais um cabo eléctrico com 50 metros que trouxe até cá ao alto e liguei a uma caixinha com alavanca que pressionei.
O estardalhaço do rebentamento foi impressionante, levantei a cabeçorra e é nessa altura que vejo no ar aquele monstro redondo a dirigir-se a jacto, precisamente para o local onde me encontrava e a quem eu disse:
-Trá-la-rai, la-rai, la-rai... falhaste pá... paciência.

Acabara sim, por derrubar uma pobre e velha árvore centenária.

Castelo de Almourol
Foto: Imagens de locais onde já estive, com a devida vénia

Passou-se e eis senão quando, me vejo a caminho de Lisboa, Avenida de Berna, Grupo de Companhias Trem Auto, o que me confundiu do porquê. E não só a mim, também o Senhor Sargento da Secretaria se espantou e exclamou:
- Ora porra, pedi um Cabo-Miliciano condutor e mandam-me um atirador? Mas... - continuou ele: Aguente aí ó patrício, você é da Ponte Sôr... eu sou de Alter... temos de resolver isto.

E após perguntar-me se conheço a capital e eu respondido "negativo", decidiu que eu devia ficar por ali, até que fosse rectificado o lapso, o que deveria demorar um mês.

Sem função atribuída, saía, à civil, de manhã e voltava para dormir, às vezes, num quarto com mais sete militares e cinco ratazanas, das maiores que já vi.
Turismei... Vi cinema nos: Piolho... Condes... Éden... S Jorge...;
Conheci, a desoras, as boas zonas... Intendente... Cais Sodré... Bairro Alto... Alfama... Mouraria... Madragoa...;
Vi campos de futebol, com relva imagine-se... o aeroporto... Cabo Ruivo e os hidroaviões... comboios em Santa Apolónia e Rossio... Fui a Cacilhas... ao Jardim Zoológico... Parque Mayer... Parque Eduardo VII... Feira Popular...;
Comi bifes na Solmar... Portugália... Império... Ribamar... sopa de marisco na Rua de S. José... iscas na Travessa do Cotovelo... bacalhau com grão no João do Dito...;
Bebi na Ginginha e no Pirata e uns tintos no Quebra Bilhas...

Lisboa - Cinema S. Jorge
Foto: Expressões Lusitanas, com a devida vénia

Até que um dia me transmitem:
- Vais para Abrantes.

Bati o pé e disse:
- Não vou... Não vou... Não vou... E fui.

Em Abrantes, estava mais perto de casa, o que me agradou.
Lá se foi passando o tempo e coube-me ajudar o Oficial instrutor, ensinando novos militares. Por que alguns de nós, os recentes cabo-milicianos, estávamos já a ser mobilizados, fui-me preparando. Contudo, tal mobilização só veio a acontecer, quando já houvera prestado 20 meses de tropa.

Entretanto em Abril de 1965 e "por equivalência a seis meses consecutivos em Unidade Operacional, condição a que satisfaz para promoção ao posto imediato (sic)" , fui promovido a Senhor Furriel-Miliciano. Estava então em Tomar a preparar outros jovens, que afinal acabaram por ser os que fazendo parte da Companhia de Caçadores 1422, embarcaram comigo para a Guiné, em 18 de Agosto.

Quando digo "embarcaram comigo", em vez de "embarquei com eles", deixem que explique:
Quer o Comandante, quer os restantes Oficiais e Sargentos, haviam partido uma semana antes, de avião, ficando apenas connosco, um senhor Sargento-ajudante, (pessoa com alguma idade e peso e que era chefe de secretaria) e nós próprios, os Furriéis Milicianos e toda a restante e valorosa CCAÇ 1422 claro.
A ele pertenceria comandar-nos antes do embarque, no desfile perante as autoridades... perante os nossos familiares presentes. No último momento, nomeia-me para o fazer... ordens não se discutem... cumpri.

Correu lindamente, marchámos com garbo. Depois? Bom... depois a vinte e tal de Agosto de 1965 chegámos a Bissau... para ganhar a guerra e preparar zonas de turismo para que os vindouros ali passassem férias descansadas.

Não precisam agradecer.
Disse.

Veríssimo Ferreira

Abrantes
Foto: Região do Médio Tejo, com a devida vénia
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 21 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12617: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (7): As localidades por onde passei, sofri e amei (Veríssimo Ferreira)

Último poste da série de 27 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12645: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (13): Mafra e Lamego duas cidades que me marcaram (Francisco Baptista)

Guiné 63/74 - P12648: O segredo de... (17): O maior frio da minha vida (Fernando Gouveia)

1. Mensagem do nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec Inf, CMD AGR 2957, Bafatá, 1968/70), com data de 25 de Janeiro de 2014:


O Segredo De… e ainda a propósito de Mafra

O maior frio da minha vida

Presentemente não se pode considerar propriamente um segredo mas, na altura em os factos aconteceram, tive que me abster de falar nesse assunto para eventualmente não sofrer represálias dos meus superiores, instrutores, na classificação final da especialidade, determinante para a mobilização, ou não, para a guerra.

Começo novamente por lembrar a muita sorte que tive na tropa e na guerra:
Nas marchas finais da especialidade que duraram quatro dias o meu PEL REC foi escolhido para representar, nessa guerra de quatro dias, o inimigo. Enquanto o resto da tropa percorreu a pé talvez mais de uma centena de quilómetros, nós, o IN tínhamos à disposição uns “jeepões” para nos deslocarmos sempre à frente dos outros para lhe fazermos as emboscadas e outras tropelias. 

Recordo, agora com tristeza, que quando íamos, de jeep, a subir para o cimo da serra de Montejunto passámos por “uma guerra” que ia a subir a pé. Nessa coluna de pessoal ia um cadete meu conhecido, o Brandão, a quem acenei mas não obtendo qualquer resposta dado o seu cansaço. Digo com tristeza, porque ele veio a falecer na Guiné, na zona de Mato Cão, num estúpido acidente com uma arma capturada ao IN.

Caminho que levava ao cimo da serra 
Foto: All 4 Running, com a devida vénia 

Num à-parte e sobre o cansaço, andando mesmo os quatro dias sempre de jeep, acabei por nunca dormir. Na última noite armámos a tenda, com os habituais três panos, debaixo de uma oliveira. Peguei no sono e passado uma ou duas horas fui acordado dizendo-me que já estava todo o pessoal em marcha. Perguntando aos meus dois camaradas de tenda, porque não me acordaram, a resposta foi:
- Então não ouviste a granada que rebentaram no meio do acampamento?

Não, não tinha ouvido.
Feita a guerra que tínhamos que fazer nesse dia e já noite escura, foram-nos posicionar mesmo no cimo da serra. Era Agosto e lembro-me que nesse dia à tarde andámos a tomar banho numa lagoa. Porém no cimo da serra, de noite, estava nevoeiro, havia muito vento e um frio terrível. Estávamos só de camisa pois era verão.

Durante algum tempo estivemos todos encostados a um pequeno muro. Também, como era costume em casos semelhantes, fomo-nos encostando uns aos outros para conservar melhor o calor corporal. Alguns camaradas e eu próprio tentámos acender uma fogueira mas tornou-se impossível por estar tudo molhado. A situação estava a tornar-se insuportável, pelo menos para mim. Agora à distância posso dizer que efectivamente foi o maior frio que apanhei na minha vida.

Passado algum tempo, não aguentando mais a situação saí do local e comecei a andar, às escuras pelas imediações procurando algum local mais abrigado, quiçá um buraco, mesmo de bicho, onde me meter.
Alargando mais o meu raio de acção, em plena escuridão, às apalpadelas, a cerca de cem metros, fui dar com um jeep de capota de lona com alguém lá dentro nos bancos da frente. Instrutores pela certa. Como o meu desespero era grande e correndo o risco de ser escorraçado dali, resolvi, sem fazer barulho, entrar para a parte de trás do jeep, pensando eu que com assobiar do vento não me iriam ouvir.
Levantei parte da capota e entrei.

Os bancos, laterais, eram metálicos, frios portanto, mas como aí havia muitas cartas militares envoltas em plástico coloquei algumas num banco e cobri-me com as outras. Estando eu nesses preparos ouvi uma voz ensonada vinda da cabine:
- Tenham cuidado com isso.

Não dormi mas estive ali toda a noite no quente e com uma diversão suplementar.
A partir de determinada altura os elementos que estavam à frente estabelecem uma conversação, via rádio, com outra viatura daquela guerra. Tentavam perceber onde se encontravam uns e outros não chegando a conclusão alguma. Falaram, falaram até que ao fim de muito tempo o outro jeep ligou as luzes. Estava ali a uns cinquenta metros. Foi uma risada geral, lá e cá e eu muito calado a tentar suster o riso.

Quando começou a clarear o dia, sorrateiramente, saí do jeep e fui ter com os camaradas da minha guerra. Nunca soube quem estava na cabine daquele jeep e muito menos a eles lhe teria passado pela cabeça que naquela noite gélida deram guarida a um cadete instruendo.

Abraços
Fernando Gouveia
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Nota do editor

Último poste da série 25 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12632: O segredo de... (16): Ricardo Almeida (ex-1.º cabo, CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879, Farim, K3 / Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71): Como arranjei uma madrinha de guerra, como lhe ganhei afeição e amor, e como por causa da minha terrível doença fui obrigado a tomar uma dramática de decisão de ruptura... A carta de amor pungente que ela me escreveu, em resposta...

Guiné 63/74 - P12647: (Ex)citações (229): O 'pesadelo', à noite, do destacamento da ponte do Rio Udunduma (Tony Levezinho, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)



Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Destacamento da ponte do Rio Udunduma > Um bu...rako de muitas estrelas... Na foto, o Humberto Reis,  fur mil op esp,  a comandar o 2º Gr Comb da CCAÇ 12, na ausência do alf mil at inf António Manuel Carlão, destacado para o reordenamento de Nhabijões, "ali ai lado", do outro ladod a bolanha...

Do lado direito, os três cabos, metropolitanos, do 2º Gr Comb:  de cócoras, o saudoso José Marques Alves (1947-2013) [2ª secção, a do Humberto Reis]; de pé, em primeiro plano e de perfil, o  Arménio Monteiro da Fonseca [1ª secção; vive no Porto, onde é ou era taxista]; em segundo plano, ao lado do Humberto, o Manuel Alberto Faria Branco [3ª secção, a do Tony Levezinho]. Este grupo de combate só tinah 2 furriéis. E depressa ficou sem o alferes...

Foto: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados [Edição: L.G.]

1. Mensagem de António Levezinho, 23/1/2014, 22:38:

Velho Amigo:

Obrigado pelos "lembretes" (*)

Tenho daquele local a memória de que, apesar de calmo durante o dia, as precárias instalações, como tu bem as descreves, tornavam as noites de quem lá ficava em missão, longas e convidativas ao pesadelo
sistemático.

Porquê? Pois, se bem te recordas, tais abrigos estavam implantados praticamente ao nível do solo, como, aliás, tinha que ser, mas num terreno em declive, descendo no sentido Xime-Bambadinca. Em tais circunstâncias, torna-se óbvio que aquelas instalações seriam alvo fácil de serem tomadas de assalto.

Recordo que, entre nós, comentávamos: "Se os turras quiserem um dia atacar a guarda da ponte terão apenas que fazer rolar algumas granadas pela ribanceira abaixo".

Enfim, é também por questões de mero detalhe, como este caso sugere que, ainda hoje, muitos de nós se interrogam se todos esses setecentos e tal dias ali vividos [, na Guiné,], não terão passado de uma "brincadeira de mau gosto", de participação obrigatória e que, para muitos, acabou mal. (**)

Um abraço,

Tony Levezinho 

(**) Último poste da série > 15 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12152: (Ex)citações (228): Confirmo que o Mário Mendes, chefe de bigrupo do PAIGG; no subsetor do Xime, foi morto pela CCAÇ 12, em maio de 1972 (António Duarte, ex-fur mil, CART 3493 e CCAÇ 12, 1971/74)

Guiné 63/74 - P12646: Tabanca Grande (422): Mamadu Baio, nosso grã-tabanqueiro nº 642, músico de Tabatô, fundador dos Super Camarimba, casado com uma portuguesa... Vai estar amanhã, às 18h30, em concerto a solo, na Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella, Estrada de Benfica, Lisboa... Entrada livre.





Alfragide, 21 de janeiro de 2014 > Festa de anos do João Graça > O Mamadu Baio e a Silvia Mendes Baio

Fotos: © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados.


1. Conheci o Mamadu Baio [, leia-se: Baiô,] no 29 de janeiro de 2013, em dia de anos. Veio a minha casa pela mão do meu filho João Graça, médico, músico e nosso grã-tabanqueiro. Passámos, juntos, um serão muito agradável, em família, abrilhantado com a sua presença e a sua música.

Recorde-se que Mamadu Baio é oriundo da famosa tabanca de Tabatô, na Guiné-Bissau, e líder dos Super Camarimba, de que já éramos  fãs (a família toda...).

Festa é festa, pelo que estivemos até à 1 hora da noite na conversa e a ouvir música afromandinga...   O Mamadu Baio casou com uma jovem portuguesa, a Sílvia Margarida Mendes Baio, professora do ensino básico, natural de Évora, que também veio jantar connosco. O João tinha conhecido  o Mamadu Baio,  em Bissau, em dezembro de 2009, depois de ter passado uns dias antes uma noite inesquecível na sua tabanca de Tabatô.

O que é que eu posso dizer dele ? Que é  um jovem músico, na casa dos trinta e poucos anos (ele não sabe ao certo a sua idade: na sua sua página no Facebook  lê-se que nasceu a 16 de agosto de 1980). Talentoso. De fácil contacto. Extremamente jovial. Humilde. Amigo do seu amigo. Está há dois anos em Portugal, ainda não tem a nacionalidade portuguesa (só daqui a um ano, mesmo sendo casado com uma portugeusa...). Está a compor e a preparar o seu próximo CD. Por fim, e não menos importante, está à espera do seu  filho, português, que há-de nascer em meados de março. A Sílvia Mendes, de 36 anos, é uma mulher feliz, e prepara, com todo o amor e cuidado, o nascimento do seu primeiro filho. O Mamadu Baio, por seu turno, já compôs uam canção para o filho (ou filha) que aí vem...

Já aqui informámos que a tabanca do Mamadu Baio, única na Guiné, composta de de trovadores e músicos, chamava-se Dando, no nosso tempo, situando-se na antiga estrada Bafatá -Nova Lamego, a cerca de 12 km, a leste de Bafatá (vd.carta de Bafatá). Hoje é Tabatô. É seguramente a mais "internacional" das tabancas da Guiné-Bissau, e ainda mais afamada depois de nela ter sido rodado o filme "A batalha de Tabatô", do realizador português João Viana (2012). E em que o Mamadu Baio se estreou como ator.

Logo na altura, convidei os dois, o Mamadu e a Sílvia, para integrarem a nossa Tabanca Grande.  São ambos fãs do nosso blogue. A Silvia viveu cinco anos na Guiné-Bissau, como cooperante. 

2. Hoje, finalmente, vou apresentar à Tabanca Grande (**)  o Mamadu Baio, um verdadeiro "super camarimba" que na língua mandinga, significa jovem activo. "Super Camarimba" (os jovens ativos)  é o nome de um grupo musical, criado em 1997 na tradição da música afromandinga.  Todos os seus membros são de Tabatô, embora hoje estejam separados pela distância. De belíssima sonoridade acústica, as suas músicas são  tocadas nos instrumentos tradicionais afromandingas: balafon, kora, djembé, dundunba, cabace e viola... Mamadu Baio canta e toca (viola). As suas composições celebram a paz, a harmonia, a juventude, a alegria de viver e a esperança no futuro.  O primeiro CD dos Super Camarimba ("Sila Djanhará", c. 2010)  foi  gravado no Mali. É um CD de que gosto muito, com destaque para os temas 2 (Camarimba) e 10 (Dona Berta). Sendo edição de autor, não é fácil encontrar no mercado. Em Portugal, toca a solo e em grupo, com músicos guineenses da diáspora.

Sê bem vindo à nossa Tabanca Grande, Mamadu Baio! E fazemos votos para que neste ano de 2014 (em que vais ser pai) tenhas mais oportunidades de mostrar o teu talento e a tua criatividade, em Portugal e noutros países (como o Brasil onde já foste cantar e que adoraste).

PS - O Mamadu Baio é o primeiro músico guineense, da diáspora, a integrar a nossa Tabanca Grande.  Mas igual convite já foi feito ao Braima Galissá e ao Kimi Djabaté, dois grandes nomes da música e da cultura da Guiné-Bissau de hoje, com os quais no entanto não temos tido grandes oportunidade de conviver. (Em boa verdade, conheço o Braima mas não o Kimi, que de resto  é primo do Mamadu).

 O nosso blogue apoia a música da Guiné-Bissau e os seus artistas!



Guiné-Bissau > Bissau > 17 de dezembro de 2009 > Mamadu Baio, líder dos Super Camarimba, "experimentando" o violino do João Graça, instrumento que muito provavelmente ele nunca tinha pegado antes...

Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados.



Guiné-Bissau  > Região de Bafatá > Tabatô > Poilões > "A porta do meu coração", diz a Sílivia, na legenda a esta foto. Foto retirada da página do Facebook de Sílvia Margarida Mendes... Com  a devida vénia...

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Notas do editor:

(*) Alguns dos nossos  postes que fazem referência ao Mamadu Baio:

1 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12530: Agenda cultural (299): Uma janela para o mundo lusófono: um olhar sobre a Guiné-Bissau, no mês de janeiro, na Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella, Lisboa... Destaque para: (i) Filme "A Batalha de Tabatô", de João Viana (dia 8); e (ii) Concerto de Música Tradicional com o nosso amigo Mamadu Baio (dia 29)

11 de julho de  2013 > Guiné 63/74 - P11826: Agenda cultural (278): Estreia hoje, nos cinemas, em Lisboa (Nimas) e Porto (Medeia Cine Estúdio do Teatro Campo Alegre), o filme "A batalha de Tabatô", de João Viana. Os Super Camarimba, banda afromandinga do nosso amigo Mamadu Baio, atuam hoje no Espaço Nimas, em Lisboa

26 de abril de  2013  > Guiné 63/74 - P11478: (Ex)citações (219): Patrício Ribeiro, "pai dos tugas em Bissau", parte mantenhas com o Mamadu de Tabatô, a sua mulher, alentejana, Sílvia, o cineasta João Viana (, realizador do filme "A batalha de Tabaô"), e a antropóloga Joana Vasconcelos

26 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11475: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (67): Hoje há festa no "sempre em festa" (Ritz Clube, R da Glória, 57, Lisboa), a partir das 23h, com Mamadu Baio / Super Camarinda, de Tabatô...

23 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11449: Agenda cultural (264): Indie Lisboa 2013: A estreia, 4ª feira, na Culturgest, às 21h30, do filme de João Viana, "A batalha de Tabatô". O Jorge Cabral será o representante do nosso blogue, a convite da produtora... E 6ª feira, 26, às 23h00, há festa no Ritz Clube, com os "Super Camarimba" !

1 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11036: Agenda cultural (254): "Tabatô" (curta) e "A Batalha de Tabatô" (longa metragem), dois filmes portugueses, do realizador João Viana, na seleção oficial do Festival de Cinema de Berlim, 7-17 de fevereiro de 2013 (Luís Graça)

23 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10848: Agenda cultural (243): Mamadu Baio, líder da banda de música afromandinga Super Camarimba no Clube B.leza, Lisboa, Cais da Ribeira, a seguir ao Natal, dia 26 de dezembro de 2012

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12645: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (13): Mafra e Lamego duas cidades que me marcaram (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 21 de Janeiro de 2014:

Durante a vida militar passei por algumas vilas e cidades: Mafra, Lamego, Amadora, Lisboa e Beja. Falarei só das duas mais marcantes, Mafra e Lamego.

Mafra, onde fiz a recruta, foi o assombro, a desilusão e a revolta.

O assombro foi o Convento de Mafra aquele edifício imponente que o rei D. João V, qual brasileiro rico, mandou construir com ouro do Brasil, para sua honra e glória, tal como os "brasileiros" ricos construíram palácios mais modestos naturalmente nas suas terras de origem.
O Convento enorme na parte superior da vila de Mafra parecia ter toda a terra ajoelhada em sua adoração e homenagem. Lembro-me de Mafra com algumas ruas largas que iam desembocar ao largo do Convento, com alguns cafés grandes cheios de recrutas como eu.

Palácio Nacional de Mafra
Foto: Wikipédia, com a devida vénia

A desilusão, foi aquele inverno frio e molhado, a recruta começou em janeiro de 1969, e a instrução na tapada de Mafra, quase sempre com as fardas molhadas, o tenente do pelotão, um transmontano, duro até ao sadismo a obrigar-nos a rastejar na água e na lama, éramos sempre os últimos a regressar ao quartel.
Havia um camarada baixote e um pouco forte, que não sei se teria um metro e meio, muito sofreu, pois o comandante do pelotão queria obrigá-lo a fazer todos os exercícios. Acabou por ser dispensado da tropa antes de acabar a recruta.

Revolta na foz do rio Lisandro, naquela noite fatídica de acção psicológica com todo o batalhão encerrado numa espécie de grande redil, formado por cordas, a ouvir as provocações lançadas por altifalantes, enquanto rebentavam petardos e granadas à nossa volta.
Maus cálculos ou excesso de zelo de algum especialista de explosivos, petardos muito próximos provocaram a morte de alguns cadetes*.
Gritos de cólera e fúria saídos de quinhentas ou mais gargantas encheram a noite dum clamor de revolta imenso.

O regresso ao quartel foi imediato, por iniciativa dos instruendos. Sem qualquer ordem nem enquadramento de oficiais ou sargentos, mais parecia um exército em retirada.
Entre os três mortos estava um camarada que eu conhecia muito bem por dormir próximo de mim na camarata. Era natural duma aldeia de Figueira da Foz, tinha estudado no seminário, era um tipo puro, sossegado, um camarada estimado por todos.

Recordo o ar triste e choroso dos pais dele, com aspecto de gente pobre como no geral eram os portugueses nesse tempo. Nunca esqueci aqueles pais na sua dor e na pobreza que patenteavam, na forma de vestir, no ar humilde, na resignação perante aquela imensa tragédia. Senti-me tão próximo deles.
Os meus pais, seriam um pouco mais altos, talvez um pouco mais bem vestidos mas a dor e a resignação seria a mesma. Na linha da morte os filhos devem preceder sempre os pais, é a lei natural da vida. Pobres pais que tinham sonhado uma vida melhor para o seu filho.
Quando jovens, já na posse de todas as suas aptidões físicas e intelectuais a aceitação da morte torna-se difícil não só para a família próxima mas também para toda a comunidade.

No fim da recruta em Mafra, para testar as minhas capacidades, quis entrar na difícil seleção a nível físico das tropas especiais.

Já nos Rangers em Lamego entrei nas provas de seleção dos Comandos onde também consegui entrar.
Nos Comandos apesar da dureza da instrução encontrei sempre graduados, tanto oficiais como sargentos, educados e respeitadores.
Lamego uma terra bela pelo traçado das ruas com um traçado histórico, romano, árabe, medieval e monástico, ruas estreitas do passado, mais largas dos tempos mais recentes A avenida principal, onde em noites quentes de verão os militares passeavam para apreciar as belezas da cidade que se queriam mostrar, dominada a sul por uma colina onde se situava o Santuário de Nossa Senhora dos Remédios e a sul pela Sé, em frente a uma praça com uma rotunda.

Lá conheci o já infelizmente falecido Jaime Neves, Comandante da Companhia de Instrução de Comandos que apesar da dureza da instrução sempre se portou connosco como um autêntico cavalheiro.
Na instrução as provas físicas sempre as fui fazendo. Nunca consegui foi absorver um certo fervor patriótico que devia fazer de mim um guerreiro com uma fé inabalável. Educadamente e sem ressentimentos excluíram-me daquela tropa e eu sem muitas explicações compreendi perfeitamente o motivo.
Tal como o tenente de Mafra, o Jaime Neves também era transmontano mas pelos exemplos e pela comparação cheguei à conclusão que só as origens não bastam para qualificar alguém. O Jaime Neves independentemente das diferenças da mais variada ordem que possa ter havido entre nós, considero-o um chefe militar corajoso, patriota, frontal, como Portugal raramente teve.
Como português, como transmontano, inclino-me perante a sua memória.
Tenho uma dívida de gratidão e camaradagem para com ele e para com todos esses camaradas dos Comandos e dos Rangers, tanto instrutores como instruendos.

Sé de Lamego
Foto: Blogue Asas da Montanha, com a devida vénia

Para acabar esta crónica que já vai longa e para a amenizar com algum humor, vou contar um episódio acontecido em Mafra aquando do terramoto de 1969.
Já era noite alta quando sentimos o edifício do convento a estremecer, acordaram alguns, outros foram acordados pelo alarido. A camarata situava-se no oitavo e último andar. A terra tremia e nós sentíamos a violência desses tremores mas dada a distância do solo julgo que ninguém daquela camarata se aventurou a fugir para rua.
Ficámos todos por lá, cada qual com sua coragem ou com os seus medos. Lembro-me que alguns rezavam e outros choravam mesmo. Nunca esqueci porém o camarada que morava na cama ao meu lado, um tipo alto, forte, bonacheirão, um alentejano típico e bem disposto. Quando havia muitos outros por perto cheios de tremuras, agarrou numa garrafa de brandy que tinha para lá guardada e disse:
- Deixa-me beber antes que seja tarde.

Obrigado camarada alentejano pela tua coragem e pelo teu humor que nunca esqueci!
Um grande abraço a todos os camaradas.                        

Francisco Baptista

OBS: - * - Haverá algum camarada que saiba o número exacto de mortos neste incidente?
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12639: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (12): Lisboa e Figueira da Foz (António Eduardo Ferreira)

Guiné 63/74 - P12644: Notas de leitura (557): "Rosas da Liberdade", por Manuel da Costa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Agosto de 2013:

Queridos amigos,
Temos tudo a ganhar em ler Manuel da Costa.
Na prefácio do livro de poesia “Rosas da Liberdade”, o escritor guineense Félix Sigá contextualiza perfeitamente o heroísmo e a pungência deste lírico que não esconde o orgulho de escrever em português, é artista confessado em várias partidas do mundo, sempre com saudades em regressar.
Este livrinho precioso é uma apologia a favor da reconciliação e do desembaraço de preconceitos tribais. Que os incrédulos tomem nota: a literatura luso-guineense está desperta e carece da nossa atenção.

Um abraço do
Mário


Rosas da liberdade, a poesia luso-guineense está viva

Beja Santos

Se “Maré Branca em Bulínia” foi uma agradável revelação do escritor guineense Manuel da Costa (Editorial Minerva, 2013) que deixou exarado, com esmero e talento, uma denúncia poderosa do narcotráfico e dos seus executantes, “Rosas da Liberdade” é uma poesia de exultação, de apelo à reconciliação entre guineenses e de amor indómito à terra-mãe. Tudo num iniludível contexto luso-guineense, urdido num português claro e vibrante em estreita associação com o caldo de cultura do crioulo guineense. É heroico, contemplativo, religioso, um inconfessável residente entre a saudade de estar e partir. Orgulha-se de comunicar em português, define os termos em que se abre à reconciliação:

Não me procures
Para a reconciliação
Com o ódio no coração.

Confessa a sua impotência perante os fautores do golpe de Estado de 2012:

Vi a monstruosidade humana
Vi armas
Vi defuntos de cães
Vi casas destruídas
Vi bens saqueados
Vi correrias e debandadas
Vi prisioneiros
Vi o medo no rosto da gente
Eu vi
Vi tudo
Vi e ouvi tudo
Eu vi
E nada pude fazer.

Poesia de tom confessional, desdobra-se entre o amor dos seus e o amor pátrio, atravessa com elegância e firmeza aquela fronteira ténue que separa o panfleto da exaltação patriótica, é um lirismo empolgante e sincero:

Havemos de lutar e vencer
Na vida com a verdade
E de enxadas nas mãos, camaradas
Havemos de lutar, havemos de lutar
Contra a pobreza e contra a fome
Com a escola e com o trabalho
Pela nossa afirmação pela felicidade

Havemos de lutar e morrer
Por amor pela paz
Pelo desenvolvimento e pela liberdade.

A Guiné é desfraldada como um hino, canta a plenos pulmões:

Enquanto lavramos pantanais e lugares de mpam-pam
Enquanto fazemos campanha de caju, mangas e laranjas
Enquanto pescamos bicuda, tainha, bagre e esquilons
Enquanto comemos kaldu di tchaben, mancarra e siga
Enquanto bebemos vinho palmo, ataia e cana bordão
Enquanto nos sentamos na tripeça, na esteira e nos canapés
Podemos acreditar que não morremos de fome

Enquanto tocamos bombolons, tambores e nhanheros
Enquanto dançamos e cantamos melodioso gumbé, tina e sicó
Enquanto vestimos saias Bijajós e nos mascaramos no Carnaval
Enquanto escrevemos, dizendo poemas e cantando histórias
Podemos acreditar, nô kultura ten balur.

Manuel da Costa tem saudades da terra e da sua gente espalhada por várias partidas, alimenta sonhos de uma Guiné convivente e próspera, não enjeita a simplicidade de dizer que vai plantar rosas e de caminhar levando a paz para o mundo, com rosas irá semear nos corações amor profundo. Exalta os homens grandes, o trabalho hercúleo nas lides da tabanca. Vemo-lo triste falando de Maria Preta, a prostituta:

Rosa fértil da nossa flora
Vive e anda na rua
Por magros mil-réis
Vende-se na rua
Do Intendente
Do Bairro Alto
Do Cais do Sodré
Da Avenida

Minha irmã da terra mãe
Mulher de limpeza
Noiva de um negro
Amante de um branco
Vende-se na rua
O corpo
As insígnias da sua raça.

Festivamente, ergue a voz para assinalar a diferença da poesia africana:

Por que razão os poetas africanos
Não perdem tempo em escrever sonetos?
Porque são demasiado ágeis e inquietos
Movendo-se velozes sobre a terra e oceanos

Por que razão os poetas africanos
Não se preocupam em rimar a poesia?
Porque, ávidos pela liberdade, desafiam os tiranos
E menosprezam a beleza e a cortesia.

Manuel da Costa é um poeta que merece a nossa atenção. Este seu livro de poesia, “Rosas da Liberdade”, foi publicado pela Editorial Minerva, em Fevereiro deste ano. E traz glossário, muito útil para os mais esquecidos: mpam-pam é arroz de sequeiro, nô kultura ten balur – a nossa cultura é importante; sicó é o estilo de música tradicional usado na música e gumbe é o ritmo moderno da música guineense. Estejamos atentos a estes gritos de liberdade de Manuel da Costa, um delicioso fio de música que se impõe na literatura luso-guineense.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12629: Notas de leitura (556): "Soldadó", por Carlos Vale Ferraz (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12643: O que é que a malta lia, nas horas vagas (26): A Bola, o Diário de Notícias, a Vida Mundial, Banda Desenhada... (Jorge Araújo, ex-fur mil, op esp/ ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974)


Foto nº 4


Foto nº 3


Foto nº 2


Foto nº 1 

Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) >  O Jorge Araújo e os seus  "tempos livres"...

Fotos: © Jorge Araújo (2013). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do nosso camarada Jorge Araújo [, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974],  com data de 9 de dezembro último:


Caríssimo Camarada Luís Graça,

Procurando no baú das imagens do meu tempo de Guiné lá encontrei algumas [poucas] que ajudaram a compor o texto que anexo, referente a esta nova série temática.
Que tenhas uma boa semana.

Um abração, Jorge Araújo.



2.  O que a malta lia, nas horas vagas:  A Bola, o DN - Diário de Notícias, BD - Banda Desenhada e VM - Vida Mundial (Jorge Alves Araújo, ex-fur mil, op esp/ ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974)


 O que eu lia… quando o contexto o permitia.

Não será novidade para nenhum dos camaradas tertulianos, ex-combatentes no CTIGuiné, que o tempo reservado à leitura [ou leituras] não tinha dia nem hora marcada, dependendo da interacção entre, principalmente, duas das dimensões humanas: a biológica e a psicológica, já que a social se ia desenvolvendo com alguma tranquilidade.

Daí o repouso ser considerado como atitude de bom senso no sentido de garantir a melhor condição física possível, carregando o máximo de baterias, já que o tempo prospectivo era… sempre… uma incógnita, independentemente de termos, naquela época, 21/22 anos. Mas, como sabemos, cada Ser Humano é uno e indivisível, ou, como nos refere o poeta brasileiro, nascido em Minas Gerais, Carlos Drummond de Andrade [1902-1987], “Todo o Ser Humano é um estranho ímpar”.

Por isso, as minhas leituras… e escritas… no Xime, estavam dependentes da intensidade da jornada e da competente recuperação que nos era imposta pelo nosso grau de consciência, quanto às crenças, expectativas e desempenhos, tendo em consideração o somatório de experiências que esse contexto sociogeográfico e militar nos determinavam.

Agora, que o tempo nos permitiu criar um certo distanciamento sobre as diferentes práticas, é relativamente fácil concluir que se tratava de um contexto difícil e muito complexo, fazendo apelo permanente a um elevado grau de concentração, pela qualidade e exigência da missão global, na justa medida em que estávamos encurralados por arame farpado e por dois rios, o Geba e o Corubal, e quem lá esteve ou por lá passou sabe bem do que estou a falar.

Nesse sentido, as primeiras leituras [e escritos] eram reservadas à actualização das notícias vindas da Metrópole – de familiares e amigos – em particular dos pais, em que a minha mãe, agora com oitenta e seis anos, escrevia todos os dias, numerando os aerogramas, as cartas e/ou os postais sequencialmente, para efeitos de conferência, caso algum deles se extraviasse. [Foto nº 1]

Ao meu pai [que já não está entre nós] estava reservada a remessa do Jornal Desportivo «A Bola», então trissemanário [desde 10Jul1950], com edições às 2ªs, 5ªs e sábados. Porque tinha um estabelecimento comercial, onde existiam diariamente alguns dos matutinos editados em Lisboa, no dia seguinte à sua publicação fazia o pacote, e remetia-me para a Guiné. [Foto nº 2]

Juntamente com o jornal “A Bola”, enviava-me, também, com periodicidade irregular, um exemplar do “Diário de Notícias”, baseado em critério pessoal, cuja opção residia em factos e temas que estivessem relacionados com a vida política nacional e/ou com referências a notícias ultramarinas, em particular sobre a Guiné. [Foto nº 3]

No aquartelamento do Xime, no ano de 1972, não existia nada organizado sobre literatura. Mas, para além da referida anteriormente, circulavam outros jornais regionais, particularmente do Norte, remetidos pelos familiares do efectivo militar ali residente, assim como livros de Banda Desenhada, já muito gastos pelo tempo e pelo uso, a maioria deles deixados pelas Unidades Militares que por lá passaram. [Foto nº 4]

Neste lote avulso de livros, era também possível encontrar algumas revistas da Vida Mundial.

Eis, em suma, a minha pequena contribuição histórica sobre o pedido formulado para alimentar a série começada no Poste 12371, de 1 de Dezembro de 2013 (*).

Um abraço e votos de muita saúde… de modo a que nos permita continuar a ler, a escrever e a contar… outras histórias. (**)

Jorge Araújo.

09Dez2013.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1de dezembro de  2013 > Guiné 63/74 - P12371: O que é que a malta lia, nas horas vagas (1): a revista "Time", de 10 de maio de 1971 (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)

Guiné 63/74 - P12642: Parabéns a você (684): Mário Serra de Oliveira, ex-1.º Cabo Escriturário da BA 12 (Guiné, 1967/68)

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12635: Parabéns a você (683): Fernando Macedo, ex-1.º Cabo Apont Art.ª do 5.º PelArt (Guiné, 1971/72)

domingo, 26 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12641: Agenda cultural (300): Noite Temática Guineense, dia 1 de Fevereiro de 2014, no Centro InterculturaCidade, a partir das 20,00 horas


1. Em mensagem de hoje, 26 de Janeiro de 2014, o nosso amigo tertuliano José Ceitil [foto à direita]enviou-nos o seguinte convite:

Caros amigos
Seria um prazer contar com a V. presença.
José Ceitil




C O N V I T E


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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12530: Agenda cultural (299): Uma janela para o mundo lusófono: um olhar sobre a Guiné-Bissau, no mês de janeiro, na Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella, Lisboa... Destaque para: (i) Filme "A Batalha de Tabatô", de João Viana (dia 8); e (ii) Concerto de Música Tradicional com o nosso amigo Mamadu Baio (dia 29)

Guiné 63/74 - P12640: Facebook...ando (33): Eu Queria pra Brancos Voltar Governar Guine de Novo... Bubacar Baldé dixit... Filho de 1º Cabo Tcherno Baldé, CCAÇ 11 (Paunca, 1974)... À conversa com J. Casimiro Carvalho (ex-fur mil op esp, CCAV 8350 e CCAÇ 11, 1972/74)




1. Um "chat" no Facebook entre o nosso camarada J. Casimiro Carvalho e o jovem guineense Bubacar Baldé, filho do 1º cabo Tcherno Baldé, da CCAÇ 11 onde ele [, o fur mil Carvalho,] estava em 1974, na altura da retração das NT...

O Bubacar Baldé é estudante, do curso de Contabilidade e Gestão, no ISEG, Dakar, Senegal, onde vive. É natural de Paunca, Gabu, Guinea-Bissau. Tem página no Facebook. E mandou a seguinte mensagem ao J. Casimiro Carvalho: "Adress de meu ermao Oscar, ele esta junto com me Pai Tcherno Cabo: Rua Samora Barros Edf Arco Iris Apartmnt 44 2esq, Código postal 8200-178 Albufeira, telfn 920 271 683. Oscar Cabiro Balde".

2. Aqui vai a reprodução do "chat",  sem emendas nem rasuras...

Bubacar Balde, 17/01/2014, 15:05

eu queria pra voces voltar ai na Guine.

José Casimiro Carvalho17/01/2014, 16:29

Todo o POVO da Guiné, no interior, falou assim para nós...

Bubacar Balde, 20/1/2014, 12:23

Ola Casimiro

José Casimiro Carvalho, 20/1/2014, 12:27

No pinda.

Bubacar Balde, 20/1/2014, 12:37

djanton pimi an le?

José Casimiro Carvalho, 20/1/2014, 12:42

Jarama nani,
Djarama nani.
Bo para di falar fula/crioulo, ca sabi. lol.

Bubacar Balde, 20/1/2014, 12:44

Anca la djarama bui na ceda.

José Casimiro Carvalho, 20/1/2014, 12:44

Eu sempre estive com Futa Fula (Guileje) e Fula (Paunca).

Bubacar Balde 20/1/2014, 12:46

Assim fula e como um portugueis.

José Casimiro Carvalho20/1/2014, 12:46

Si um pouco, mas já passou 40 anos.

Bubacar Balde 20/1/2014, 12:47

O Pai queria flar com vce ele ta na portugal na Albufeira.

José Casimiro Carvalho, 20/1/2014, 12:47

Mim ca podi, estou na Norte, Porto/Maia.

Bubacar Balde, 20/1/2014, 12:48

Oi muito longe.

José Casimiro Carvalho, 20/1/2014, 12:48

Si.

Bubacar Balde, 20/1/2014, 12:49

posso dar me ermao fbook pra vce falar com ele.

José Casimiro Carvalho, 20/1/2014, 12:51

O meu ? Claro qui podi, ele que peça minha amizadi.
Tambem eu estava na Colibuia/Cumbijã. Eu estive lá.
E na Prabis, perto de BOR.

Bubacar Balde, 20/1/2014, 12:53

Sim eu conhese la.

José Casimiro Carvalho, 20/1/2014, 12:54

Brancos qui combateu lá na bo terra, tem ela no coração. Político Não, claro.

Bubacar Balde, 20/1/2014, 12:56

Eu Queria pra Brancos Voltar Governar Guine de Novo.

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P12639: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (12): Lisboa e Figueira da Foz (António Eduardo Ferreira)

1. Em mensagem do dia 21 de Janeiro de 2014, o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, MansamboFá Mandinga e Bissau, 1972/74), fala-nos das cidades de Lisboa e Figueira da Foz onde passou algum do seu tempo de tropa:

Amigo Carlos
Por que a saúde está acima de tudo, que a tua te não falte para poderes continuar com o trabalho tão importante que vens desenvolvendo para satisfação de quantos pisaram o chão da Guiné.
Um abraço


Hoje vou falar da minha tropa por cá, não propriamente das cidades por onde passei, foram poucas e, algumas por pouco tempo.

A 25 de Janeiro de 71 assentei praça no GCTA, em Lisboa. Passados alguns dias, apareceu por lá um veículo com pessoal da área da saúde tendo em vista saber como estavam os nossos pulmões, a mim foi- me dito que alguma coisa parecia não estar bem.

Mandaram-me para o HMDIC, hospital de infecto-contagiosas onde estive quase um mês e onde fui sujeito a vários exames.
Confesso que cheguei a desejar que se confirmasse estar doente porque talvez me mandassem para casa, mas não, chegaram à conclusão que tinha sido falso alarme.

Lisboa
Foto: Pensar Lisboa, com a devida vénia

Lá voltei de novo para continuar a recruta e a especialidade, as duas eram uma só. A poucos dias de jurar bandeira, depois de quase um mês no hospital e mais uns dias de férias, pensava ter perdido a recruta, mas os responsáveis pelo pelotão a que eu pertencia entenderam que não merecia a pena andar por ali mais tempo.
Jurei bandeira com o resto do pessoal.
A recruta e especialidade no mesmo local foram boas, éramos cento e vinte naquele turno, todos com carta de condução civil o que tornava as coisas mais fáceis, já que nossa especialidade ia ser condutor.
A outra atividade não relacionada com a condução era desenvolvida na parada do quartel, onde naquela altura era colocado um grande colchão para dar cambalhota em frente, não deviam ser muitos os quartéis onde isso acontecia.
Certa noite saímos para o campo, ao chegarmos ao local, estava a chover e não saímos das viaturas.

Também por lá se comiam bifes com batatas fritas, coisa rara na maioria dos quartéis.
Passavam por lá certos recrutas que não dava muito jeito que se lesionassem, eram os vários futebolistas que ali assentavam praça.

Naquele tempo estavam lá três, de turnos anteriores ao meu: o guarda- redes do Sporting Vítor Damas, Raul Águas do Benfica e o Ruas, guarda- redes do Belenenses, andava também por lá o cantor Fernando Tordo, e talvez outros que não cheguei a conhecer dado o pouco tempo que lá estive.

Figueira da Foz

Depois seguiu-se a Figueira da Foz a 2 de Maio.
Para quem ia à praia, era maravilhosa a Figueira, agora para um militar com a especialidade de monitor auto, ir dar instrução no RAP-3 onde as viaturas eram normais, tinham apenas um volante, era treino de adaptação, o que por vezes nos defendia de males maiores era o travão de mão que não raramente tive de utilizar. Foram demasiados sustos para quem não gostava de tropa.

Uma pequena estória nada agradável que me aconteceu no fim da segunda semana de lá estar.
Um dos circuitos que fazíamos saía da Figueira passava por Vila Verde, Alto da Brenha e vinha de novo à Figueira. Em condições normais era repetido duas vezes mas naquela tarde já íamos na terceira, Num dos altos que fazíamos, um monitor dos velhos disse: agora levo eu a viatura, e eu, maçarico, fiz o mesmo. Cerca de duzentos metros à frente cruzamo-nos com o Comandante da Bateria que nos disse: vão lá para o quartel que já falamos.

O que ele depois nos disse, foi:
- Vocês vão ter trinta dias de dispensas cortadas e fazer reforços aos fins-de- semana.

O primeiro que fiz calhou no dia em que fazia vinte e um anos. Para tornar esse dia ainda mais aborrecido fiz confusão com a senha que nos foi distribuída para respondermos quando passava a ronda. A senha era pesca, mas quando o oficial de ronda se aproximou em vez de pesca, eu disse peixe. O oficial era o aspirante Marques, que me disse: você vai apanhar uma porrada, eu não disse nada, mas pensei: então ainda não cumpri uma já vou levar outra?… Mas não, ele não fez caso da minha confusão.
Depois, também o comandante da bateria, alferes Pereira, viu que eu nem era mau diabo… disse-me naquele que era para ser o último fim-de-semana de reforço de castigo, que já não o fazia, podia meter passaporte para ir a casa.

Passados alguns meses deixei de dar instrução, passei a fazer serviço no parque, tirar e recolher as viaturas que andavam na instrução, aí o serviço era melhor.
Entretanto o fim do ano aproximava-se, um dia pela manhã fui entregar o passaporte para gozar onze dias de férias de Natal, assim estava combinado na bateria a que pertencia.
Ao fim da tarde recebi ordens para meter novo passaporte, mas agora não com onze, mas sim dez dias, ao mesmo tempo era informado que tinha sido mobilizado para a província da Guiné. 

Passados os dez dias voltei ao RAP-3 e nessa mesma noite mandaram-me para o RAP-2 de Vila Nova de Gaia.
Não conhecia nada a norte da Figueira, fui de comboio até Alfarelos, aí esperei mais três horas que outro comboio chegasse para seguir rumo a Vila Nova de Gaia, não mais esqueci as três horas de frio que lá passei, não estava congelado mas quase.
Supunha ir encontrar a Companhia para onde tinha sido mobilizado, mas não, tinham lá estado mas já tinham ido embora. Cheguei lá pela manhã e ao fim da tarde voltei para casa, com nova data para me apresentar na semana seguinte.
Mais uma viagem até Alfarelos, nova mudança de comboio agora até ao Valado dos Frades, depois mais quinze quilómetros de táxi para chegar aos Molianos.

Na segunda vez fui à boleia com um vizinho camionista, também ele tinha estado na Guiné, em Guilege. Uma vez mais à tardinha fui mandado para casa, agora com ordem e data para me apresentar nos Adidos, em Lisboa, a fim de embarcar de avião para a Guiné.
Antes dessa data recebi nova informação, vinda de Lisboa, que a viagem tinha sido adiada, tinha ficado para o dia 24 de Janeiro, como veio a acontecer.

Depois de tantas alterações e do desgaste a que fui sujeito naqueles dias, aconteceu-me uma coisa boa que eu já não esperava que acontecesse.
Na madrugada do dia vinte e dois, fui levar a minha esposa à maternidade e à tarde fui ver o meu filho acabado de nascer. No dia seguinte parti para Lisboa, onde embarquei para a Guiné.

Os dias em que estive em Lisboa, não deram para grandes saídas, só lá fiquei um fim-de-semana, porque estava de serviço.

A Figueira da Foz era uma terra que não conhecia (conhecia tão pouco) mas que fiquei a gostar.
Já lá tenho ido algumas vezes, não para recordar o tempo de tropa, mas porque me sinto bem lá.
De Vila Nova de Gaia, nada fiquei a conhecer, só mais tarde lá voltei, a última vez foi há cerca de três anos participar no almoço da nossa companhia.

Na Guiné: um mês nos Adidos, depois Mansambo, uma semana de “férias” em Fá Mandinga, a seguir a terrível Cobumba, de novo Bissau e, a 2 de abril de 1974, o regresso à Metrópole.

Como dizia o meu saudoso avô António, não dê Deus ao corpo o que ele não aguenta…

António Eduardo Ferreira
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Nota do editor

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