sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12692: Direito à indignação (12): Por favor, respeitem a verdade dos factos... E, sobretudo, respeitem, os mortos e os vivos… de um lado e do outro da guerra! (Ernesto Duarte)

1. Mensagem do dia 5 de Fevereiro de 2014, do nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67):

Meu bom Amigo Carlos Vinhal
Cá vou eu até Mansabá!
Se achares que tem algum interesse em publicar é todo teu.


Duas linhas sobre o nosso direito à indignação

O país, excepto o ataque terrorista no Norte de Angola, nada mais sabe da guerra do ultramar, a não ser alguma coisita que o regime achava que lhe era útil, era preciso se acreditar que aquilo era um mar de rosas.
Relatos parvos, fáceis de desmontar, eram úteis, eram como que a prova de que aquilo que o Estado dizia era verdade.
Nós somos os culpados, porque não falamos.
Ou falamos muito pouco do que lá vivemos.
Muitos de nós começamos a cortar relações com o exército ainda cá.
O entusiasmo histórico pelo Ultramar, a desilusão que foi aquele Bissau.
Aquilo era muito pior, pior que tínhamos imaginado.
Por muito cedo termos compreendido e começado a gostar daquela terra.
Por muito cedo começarmos a ver o erro em que tínhamos sido metidos.
Por muito cedo condenarmos e sentirmos remorsos pelo que tínhamos feito ou visto fazer, ou saber que se tinha feito.
Por muito cedo vivermos naquele turbilhão de ódios e de amores.
Para não preocuparmos os familiares, não contamos, quase nada.
As pessoas não sabiam.
Sabiam o que o regime queria.
Se falássemos, afastavam-se, porque não acreditavam porque tinham medo.
Isto junto à dificuldade em contar como é disparar uma arma contra alguém, como é o assobiar de uma bala, junto ao ouvido, ouvir rebentamentos e ver os estragos.
Nós falámos muito pouco, contámos muito pouco.
O regime tinha interesse nisso, como possivelmente apoiava relatos, que fossem facílimos de se ver que não tinham pés nem cabeça, em que ninguém acreditasse.
Nós somos os culpados de tudo.
Porque fomos atores lá no teatro.
Porque não fomos capazes de ter contado o que se lá passou, o que lá vivemos, o mais próximo possível de como aquilo tinha sido, mas na devida data.
Só entende a guerra quem a viveu.
E os mortos só pesavam às famílias e a meia dúzia de amigos.
Não me surpreende muito aqueles disparates.
Rodaram muitos por este país.
E tal como os tipos da minha terra que foram condecorados pelo Hitler, este país sempre teve e tem uma costeleta de uma cor algo esquisita, e sabem guardar muito bem o que os pode prejudicar.
E vejam o que têm feito com o 25 de Abril.

Um Grande Abraço
Ernesto Duarte
1965 / 1967
BCAÇ 1857/CCAÇ 1421
Mansabá
Oio
Morés
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12679: Direito à indignação (11): Por favor, respeitem a verdade dos factos... E, sobretudo, respeitem, os mortos e os vivos… de um lado e do outro da guerra! (Belarmino Sardinha / Cândido Morais)

Guiné 63/74 - P12691: Convivios (559): Tabanca do Centro, Leiria, Monte Real, 31 de janeiro de 2014: 4º aniversário, 33º encontro, 80 convivas: um caso de sucesso, um futuro "case study" a ser seguido pelas academias militares de todo o mundo (Miguel Pessoa / Luís Graça)




Leiria, Monte Real > Tabanca do Centro > 4º aniversário > 33º encontro > 31 de janeiro de 2014 >  Foto nº 153 > Foto de grupo, dificultada pelo número elevado de presentes, a chuva que já fustigava o pessoal e a vontade de muitos em avançarem para o petisco...

[O evento reuniu 8 dezenas de centrotabanqueiros... O respasto foi, como habitualmente, na Pensão Montana, cuja lotação máxima é de 80 lugares... sentados] (LG)

1. Mensagem do editor L.G., com data de 3 do corrente:

Camaradas Joaquim e Miguel:

Parabéns pelos festejos do 4º aniversário da Tabanca do Centro, que está viva, animada, de saúde, e recomenda-se. 

Gostaria de dar uma notícia do evento e da efeméride. Peço ao Miguel que selecione meia dúzia de fotos, acompanhadas das respetivas legendas. Eu próprio comprometo-me a fazer um pequeno texto introdutório. Saudações camarigas. Luís Graça


2. Resposta do Miguel Pessoa:

Caro Luís

De acordo com o solicitado, junto envio algumas fotos para usares no texto que pretendes fazer. Como já terás constatado foram publicados no blogue dois textos alusivos ao evento - a revista Karas de Janeiro e um texto bastante imaginativo (à la Dinis) escrito pelo nosso camarada José Manuel Dinis, que te poderão dar uma ideia do modo como este encontro decorreu.

Quanto às fotos, segue embaixo um texto explicativo.

Um abraço. Miguel


3. Uma seleção de fotos do evento (, by Miguel Pessoa):



Leiria, Monte Real > Tabanca do Centro > 4º aniversário > 33º encontro > 31 de janeiro de 2014 > Certificado de presença do Agostinho Gaspar  > Aos participantes no convívio foi enviado por e-mail o respectivo certificado de presença. Realce para o nosso camarigo Agostinho Gaspar, fiel participante (e totalista!) com 33 presenças em 33 convívios!

[O Agostinho Gaspar tem cerca de 2 dezenas de referências no nosso blogue... Fopi 1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), natural do concelho de Leiria. Já aqui publicámos em tempo a sua preciosa coleção de postais ilustrados sobre a a Guiné do nosso tempo, e em particular sobre Bissau]. (LG)



Leiria, Monte Real > Tabanca do Centro > 4º aniversário > 33º encontro > 31 de janeiro de 2014 > Pessoal da CCAV 8351 >  O Vasco da Gama conseguiu reunir um grupo significativo de camaradas pertencentes à sua Companhia. Na sua maioria este pessoal nunca tinha participado num
encontro da Tabanca do Centro.

[O Vasco da Gama, natural de Buarcos, Figueiar da Foz, tem 65 referências no nosso blogue. Recorde-se que foi o Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74]. (LG)



Leiria, Monte Real > Tabanca do Centro > 4º aniversário > 33º encontro > 31 de janeiro de 2014 >  Foto nº 132  > Da esquerda para a direita: O JERO e o Joaquim Mexia Alves (, régulo da tabanca) dão as boas vindas ao Carlos Pinheiro, presente por várias vezes nestes encontros, embora sem a assiduidade que desejaríamos. Recorde-se que o nosso camarada de Torres Novas perdeu, recentemente, a sua companheira, Maria Manuela Pinheiro (1950-2014).

[O JERO, acrónimo de José Eduardo Reis Oliveira é jornalista, e um amante da sua terra, Alcobaça; tem 116 referências no nosso blogue; o Joaquim Mexia Alves tem o dobro, 219, devendo-se a ele a criação da Tabanca do Centro; vive na Marinha Grande mas está de alma e coração ligado às Termas de Monte Real, fundadadas pelo seu pai] (LG)



Leiria, Monte Real > Tabanca do Centro > 4º aniversário > 33º encontro > 31 de janeiro de 2014 >  Foto nº 158 >  Sem tempo para tirar o casaco o Miguel Pessoa prepara já a máquina fotográfica. Há que publicar rapidamente a revista "Karas de Monte Real" . já com a reportagem fresquinha do convívio. E são precisas fotografias...

[O Miguel Pessoa também não precisa de apresentação: é um dos ilustres representes da FAP no nosso blogue, onde tem 117 referências; é unanimemente considerado como o mais "strelado" tabanqueiro de todas as nossas tabancas; além disso, é o editor-in-chief da revista  verde e rubra  "Karas em Monte Real"...] (LG)


Leiria, Monte Real > Tabanca do Centro > 4º aniversário > 33º encontro > 31 de janeiro de 2014 >  Foto nº 160 > Pormenor de uma das mesas. Reconhecem-se Vitor Caseiro, Carlos Oliveira, Raúl Castro (Presidente da Câmara de Leiria, tem sido presença assíduo nos nossos encontros mais recentes), Mª Helena Fitas (o Mário tinha entretanto ido dar uma volta...), Jaime Brandão, António Martins de Matos e Joaquim Mexia Alves. Não se reconhecem bem mas estão lá ao fundo o Antero Neves (estreante), o Belarmino Sardinha e o Helder Valério Sousa. De pé o Mário Ley Garcia, presidente do núcleo de Leiria da Liga dos Combatentes, que tem igualmente participado nos nossos convívios.


Leiria, Monte Real > Tabanca do Centro > 4º aniversário > 33º encontro > 31 de janeiro de 2014 >  Foto nº 164 > É interessante ver o número de estreantes, confirmado por esta foto. Embora o Cláudio Moreira, em primeiro plano já seja presença habitual nestes convívios. E claro, o Vasco da Gama, de pé a registar o momento para a posteridade. Ao fundo à esquerda ainda se pode ver o Luís R. Moreira e a Gina Marques, esposa do nosso camarigo António Fernando Marques.



Leiria, Monte Real > Tabanca do Centro > 4º aniversário > 33º encontro > 31 de janeiro de 2014 >  Foto nº 190 > > O Régulo Joaquim Mexia Alves sopra a vela do bolo do 4º aniversário, assessorado pelo Almirante Vermelho Vasco da Gama, não vá faltar fôlego ao Chefe...

Fotos (e legendas, bem humoradas). © Miguel Pessoa (2014). Todos os direitos reservados.


4. Comentário de L.G.:

É caso para dizer, em bom sociologuês, que a Tabanca do Centro é um "caso sério", de tal maneira que pode vir a tornar-se em breve num "case study"!... Se não, vejamos:

Foi criada há 4 anos, em janeiro de 2010. Éuma tabanca "desmaterializada", como agora se diz... Não tem moranças, não tem bolanhas, não tem campos de mancarra, não tem portas, não tem janelas, muito menos abrigos, valas, arame farpado, cavalos de frisa...

Tem um blogue, "Tabanca do Centro", que é uma espécie de bombolom: dá notícias, publica fotos... No primeiro poste, em 6 de janeiro de 2010, o régulo Joaquim Mexia Alves escreveu o seguinte, deflinindo a natureza e o propósito da iniciativa:

Quarta-feira, 6 de Janeiro de 2010 > Início

Este espaço servirá para dar notícias das actividades da Tabanca do Centro, que se reunirá uma vez por mês, à volta de um Cozido à Portuguesa, (pelo menos inicialmente), na Pensão Montanha, em Monte Real.

A Tabanca do Centro será constituída por ex-combatentes da Guiné, mas com certeza que aceitará outros convivas, dependentes do acordo da maioria. Aqui se farão convocatórias e se dará conta do que for acontecendo, se é que acontecerá mais alguma coisa para além do convívio.

Esta Tabanca do Centro é filha da Tabanca Grande, e por isso mesmo a ela está unida e para ela concorre.

Embora os postes que aqui sejam colocados, não levem a grandes comentários, (julgamos nós), avisa-se desde já que não serão admitidos comentários anónimos, mesmo que sejam muito bem educados! Qualquer um ou uma, pode colocar comentários mesmo sob o título de anónimo, mas depois exige-se que coloque o seu nome no fim.

Sejam todos bem vindos!


 Em 1 de março de 2010,  eu (e a Alice) participámos no 2º encontro, de que se deu notícia no poste de 1 de março de 2010. Tive então oportunidade de conhecer pessoalmente "karas" novas, como o José Belo, o João Barge, o Agostinho Gaspar, o Jero, etc. Estando em Lisboa, e na vida dita ativa é-me., contudo,  mais difícil ser centrotabanqueiro assíduo. Mas gostei de lá ter ido.. E prometo aparecer lá numa próxima oportunidade.

Todos os meses do ano (com exceção do mês em que se realiza o encontro anual da Tabanca Grande) a Tabanca do Centro (abreviadamente TC) reune cerca de 50/60 convivas na Pensão Montana, da Dona Preciosa... cujo cozido é já  famoso em o mundo globalizado, até na Lapónia (onde há uma tabanca de um só tabanqueiro e de um só  régulo).

Neste último convívio, o 33º,  a TC bateu o recorde: 80 inscrições aceites... E mais alguns ficaram de fora.

A TC também rem um léxico próprio (, além do calão de caserna, impublicável) que o Miguel Pessoa tem vindo a recolher e a aprimorar, sob a forma de "Dicionário da Tabanca do Centro ou Centropédia")... onde se pode ler,  por exemplo, a seguinte entrada (justamente sobre a "Tabanca do Centro"):

Embora considerada “do Centro”, o facto é que reúne nos seus convívios gente vinda do Porto, Matosinhos, Viseu, Vila Real, Aveiro, Figueira da Foz, Buarcos, Fátima, Cadaval, Lisboa, Cascais, etc., para além dos locais – Leiria, Marinha Grande… e Monte Real.

Criada em Janeiro de 2010, por iniciativa do Joaquim Mexia Alves (Ver “Amado Chefe” e “Régulo da Tabanca”), as suas actividades têm como epicentro a vila de Monte Real, próximo de Leiria. Esta criação teve como objectivo, para além de se manter os contactos através da Net, o de reforçar e aumentar a confraternização dos “velhinhos” da Guiné, proporcionando almoços/convívios com uma periodicidade mensal (ou quase…), não se pretendendo naturalmente originar um afastamento ou dissensão com a Tabanca-Mãe, antes criando um complemento àquela. 

A centralidade da TC é um dos seus pontos fortes:  dista 3320 km de Bissau e 130 de Lisboa, conforme se pode ver (e ler) nas costas da T-Shirt que os centrotabanqueiros vendem como milho...
Edita um revista de grande circulação, a "Karas em Monte Real", dirigida como já se disse pelo Miguel Pessoa, rapaz outrora pilav da FAP, premiado pelo PAIGC com o 1º "Strela" de estimação...

O blogue da TC  tem já cerca de 70 seguidores... A produção, por anos é a seguinte: 2014 (19); 2013 (129); 2012 (122); 2011 (100); 2010 (70). Além do régulo Joaquim Mexias Alves e do editor e fotógrafo Miguel Pessoa, o blogue conta ainda com a colaboração (permanente) do Vasco da Gama e o JERO.

A TC segue a filosofia da Tabanca Grande: privilegia a partilha de memórias e de afetos... Como não se cultivam afetos de barriga vazia, reune-se todos os meses, à volta da mesa... A convialidade dos centrotabanqueiros é já uma imagem de marca.

Em suma, e a propósito do fenómeno (sociológico) da multiplicação das tabancas em Portugal pode dizer-se o seguinte, na senda de um conhecido historiógrafo gaulês das guerras luso-imperiais em África: "A Guiné pode não ter reunido todos os guineenses sob o poilão do grande irã Amílcar Cabral... mas conseguiu juntar todos (ou quase todos) os tugas em tabancas, grandes e pequenas"...

A Tabanca do Centro, a par da Tabanca de Matosinhos, e de outras, de dimensão variável, devia ser um "case study" nas Academias Militares de todo o mundo..."Não há guerra que tanto dure, nem paz que em tão pouco tempo fure": eis uma boa divisa, que os centrotabanqueiros gostam de entoar lá sua sede, em Monte Real...

Estes centrotrabanqueiros, por muitos tiros que tenham dado (e gostado de dar), preferem hoje sentar-se à mesa da paz, da solidariedade, da amizade e da camaradagem (ou da camarigagem, como se pode ler na Centropédia).

Para o seu régulo da TC, seus ajudantes e demais centrotabanqueiros, vai um fraterno e efusivo alfabravo do Luís Graça, em nome de todo o Tabancal (Federação Portuguesa das Tabancas dos Amigos e Camaradas da Guiné).

Guiné 63/74 - P12690: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (80): Ao fazer uma pesquisa na Net, foi com enorme felicidade que encontrei a fotografia do meu irmão Carlos Alberto Maravilhas Soares na companhia de outros camaradas de guerra (Fernando Maravilhas, Matosinhos)

"Homenagem ao Carlos Alberto Maravilhas Soares (guarda redes, já falecido) do Comando de Agrupamento nº 1980" [Bafatá, 1967/68]

Foto: © Amaro Oliveira António (2011). Todos os direitos reservados. Editada por CV


1 . A propósito desta fotografia, publicada no P8569, intitulada "Homenagem ao Carlos Alberto Maravilhas Soares" que pertenceu ao CMD AGR 1980, recebemos esta mensagem do seu irmão Fernando:

Ao fazer uma pesquisa na Net, foi com enorme felicidade que encontrei a fotografia do meu irmão Carlos Alberto Maravilhas Soares na companhia de outros camaradas de guerra.

Como é do vosso conhecimento o meu irmão já faleceu, encontrando-se sepultado num Cemitério em Aartselaar na Região de Antwérpia na Bélgica.

Nós éramos oito irmãos (5 raparigas e três rapazes) o Carlos Alberto era o mais velho de todos nós.
Após o regresso da Guiné, foi juntar-se à restante família que à data já nos encontrávamos todos a viver em ANGOLA, onde viveu e trabalhou após o regresso a Portugal.

A seguir ao 25 de Abril, o Carlos Alberto regressou a Portugal tendo emigrado para a Bélgica, onde viveu os restantes anos da sua vida.
Quando faleceu era funcionário da Embaixada de Portugal em Bruxelas e tinha o seu domicilio em Aartselaar - Antwérpia - Bélgica.

Agradeço à pessoa que postou a foto do meu irmão e aproveito para enviar para todos vós uma abraço com amizade.
Fernando Maravilhas
Matosinhos

Kasteel Cleydael é um castelo com fosso em Aartselaar na província de Antuérpia, na Bélgica
Com a devida vénia a: RenaissanceFestival.com Fóruns
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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12657: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (79): Notícias do nosso primeiro Silvério Dias e da "nossa tenente", rostos do Programa das Forças Armadas (ou PIFAS)

Guiné 63/74 - P12689: Blogpoesia (367): O passado e o presente no futuro (José Teixeira)

José Teixeira e as crianças da Guiné-Bissau que sonham com o futuro
Foto: © José Teixeira (2013). Todos os direitos reservados


1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 6 de Fevereiro de 2014, a propósito do seu aniversário:

Carlos
Gostava de agradecer a todos os camaradas que neste dia muito especial me dispensaram o seu afeto e carinho.
Creio que nada melhor que oferecer-lhe um poema que escrevi.


O passado e o presente no futuro

O palácio que construí no tempo,
É um local aprazível para habitar.
Nele repousam os eventos que me deram vida,
E foram razão do meu peregrinar.
Os sonhos realizados e os que ficaram pelo caminho,
Os gostos e os desgostos…
Os gestos de amor e carinho –
Tudo lá está guardado num cantinho.
E repouso confortavelmente neste passado,
Cujo tempo me foi roubado.

E não gosto do presente,
Que me arrebata o tempo, para saborear a vida
Pelo seu andar tão apressado.
Já é tempo de fazer parar o tempo e a sua influência,
Deixar-me de correrias, nesta vida repartida,
E viver cada dia que nasce,
Com se fosse o último da minha existência.

Abeira-me do futuro a largo passo,
Com a sua incongruência.
Pintam-no com sinais de esperança,
Salpicados com profundos laivos de terror,
Tornando o tempo do futuro, assustador.
E quanto mais rasgo o horizonte,
Menos tempo tenho para viver,
Porque futuro aproxima-me do tempo de morrer.

E eu apenas quero viver.
Viver a realidade dos acontecimentos,
E tudo o que existe em meu redor
Comedidamente,
Saborosamente,
E serenamente,
Como quem não tem nada a perder.
Perdido no tempo que não deixa de correr,
E com estrita obediência,
Ao que me ditar a minha consciência.

José Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12584: Blogpoesia (366): Por uma simples questão de aritmética, cheguei à conclusão que o inferno não existe... [Ou, se existe, só pode ser cá na terra, Joaquim!... LG]

Guiné 63/74 - P12688: Notas de leitura (560): A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas - Parte 1 de 4 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Setembro de 2013:

Queridos amigos,
Ao longo de anos, foram-se reunindo vários painéis sobre a descolonização da Guiné nos conceituados encontros da Arrábida.
Como se pretende, dentro das nossas modestas possibilidades, fazer um arquivo do que de essencial se tem escrito sobre a Guiné, a sua guerra, a sua história, a sua cultura, e até a sua descolonização, não teria sentido deixar de dar a voz a diferentes protagonistas e aos seus depoimentos por vezes muito relevantes.
Faz-se aqui a síntese do painel de Agosto de 1995, em breve se dará seguimento aos outros que tiveram lugar naquela idílica serra da Arrábida.

Um abraço do
Mário



A descolonização da Guiné: Depoimentos de protagonistas (1)

Beja Santos

No site que se indica (http://www.ahs-descolonizacao.ics.ul.pt/guine.htm) o confrade tem acesso a sucessivas jornadas de trabalho promovidas no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida dedicadas à descolonização portuguesa. A Guiné foi alvo de várias jornadas de trabalho, aqui se sintetiza a primeira, pelo adiante se resumirão as posteriores. Em 29 de Agosto de 1995, depuseram o general Mateus da Silva (membro do MFA e Encarregado do Governo da Guiné depois do 25 de Abril) coronel Carlos de Matos Gomes, Oficial dos Comandos, que pertenceu à primeira Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães na Guiné e é o conhecido escritor Carlos Vale Ferraz, José Manuel Barroso, jornalista, capitão miliciano na Guiné e membro do MFA da Guiné e coronel Florindo Morais que foi o último comandante do Batalhão dos Comandos Africanos na Guiné.

O general Mateus da Silva referiu a atmosfera de uma quase contestação aberta dos militares a que se seguiu uma consciencialização política. Exemplificou com a revista ZOE que circulava desde Agosto de 1972 em todas as unidades do território com uma linha editorial que veladamente criticava a política do regime; e as reuniões realizadas na messe de oficiais de Bissau e no agrupamento de transmissões, em Agosto e Setembro de 1973, onde se falava já abertamente no derrube do regime. Na Guiné se foi construindo um ambiente específico que justificou ali um golpe de Estado em 26 de Abril, assinalou a contestação ao Congresso dos Combatentes, o facto da maior parte dos militares que veio a participar no 25 de Abril ter passado pela Guiné. E observou:
“A Guiné era a única colónia onde o MFA estava organizado antes do 25 de Abril; por duas vezes, antes do 25 de Abril, se encarou localmente a hipótese de iniciar a revolução. A Guiné foi o único território onde o MFA tomou a iniciativa de acompanhar o 25 de Abril com um golpe que destituiu o poder político-militar no território”.

A chegada do tenente-coronel Carlos Fabião, em 7 de Maio, veio reforçar a linha do MFA: reunia-se todos os fins de tarde com os quatro elementos da Comissão Central do MFA. Em 24 de Maio Fabião emitiu uma diretiva: “A partir desta data todos os militares que estão na Guiné pertencem ao MFA”. Repertoriou as múltiplas reuniões havidas na Guiné antes do 25 de Abril. Depois do 16 de Março, houve que estabelecer uma organização mais sólida para o levantamento e requereram-se apoios à Guiné. Aos poucos, constituiu-se na Guiné a direção da conspiração em que tomaram lugar o comandante do Batalhão de Comandos, os comandantes do Batalhão de Paraquedistas, o comandante da Polícia Militar, o comandante das Transmissões, o comandante da Engenharia e o comandante da Artilharia. Na manhã de 26 de Abril, o general Bethencourt Rodrigues foi detido na Amura, seguiu para Cabo Verde e daqui para Lisboa. Mateus da Silva, por decisão do MFA da Guiné, tomou posse como encarregado de Governo. As manifestações populares surgiram logo no dia 27, anulou-se a PIDE/DGS, libertaram-se os presos da Ilha das Galinhas. A grande instabilidade surgiu do Batalhão de Comandos, Spínola dissera repetidamente:
“Nunca o PAIGC tomará conta disto porque em último caso, se nós sairmos, vão ser vocês os líderes da futura Guiné”. A população agitava-se nas ruas, os Comandos entraram numa grande instabilidade.

Em 12 de Maio, Mário Soares reuniu-se com Aristides Pereira em Dakar, Senghor estava de visita à China, foram recebidos pelo primeiro-ministro Abdou Diouf, terminada a reunião em privado, todos se lançaram nos braços uns dos outros, a confraternizar como irmãos desavindos que finalmente se tinham reencontrado.

O coronel Matos Gomes debruçou-se sobre vários contextos: as linhas étnicas que atravessavam a composição do Batalhão de Comandos; o facto de que os mísseis implicaram uma resposta para os contrariar mas tornavam claro que aquela guerra estava de facto perdida, esclarecendo que tinha sido na Guiné que surgiram praticamente todos os oficiais que vão desempenhar um papel decisivo no MFA, reforçando a ideia de que o que se passara na Guiné em 26 de Abril foi um golpe autónomo onde não participaram os spinolistas. Num clima já de debate, foi discutido o documento “A Situação Político-Social na Guiné”, documento de apoio a uma reunião que foi feita em Bissau, em Setembro de 1973.

José Manuel Barroso debruçou-se sobre a perspetiva militar que ele pôde observar desde 1972 em que era ponte assente que os militares não permitiriam que a Guiné não se transformasse numa segunda Índia, mesmo que tivessem de atuar contra a metrópole. Descreveu a rede de contactos montada por Spínola com figuras de oposição, financeiros e importantes jornalistas. Por exemplo, Spínola estabeleceu relações privilegiadas com o diretor da República, Raul Rego. No seu depoimento, Barroso contou uma conversa havida com Spínola logo a seguir ao assassinato de Amílcar Cabral: “Isto é um perfeito disparate. Apesar de tudo, o Amílcar era um tipo com fortes raízes portuguesas, era um interlocutor, agora não sei quem é que vem. Apesar de todas as asneiras que nós possamos ter feito para trás, hoje, o assassinato do Amílcar é um erro”.
Mais adiante observou que a continuada negociação do governo de Marcello Caetano para a obtenção de novas armas (mísseis red eye) era uma tentativa de ganhar tempo para que as forças portuguesas na Guiné dispusessem de alguns recursos militares que aumentassem a sua capacidade de defesa. Baseava esta observação em conversas havidas com altos dirigentes políticos do Estado Novo que lhe confirmaram que era preciso encontrar uma forma de negociar numa posição de muito mais força, aquelas novas armas não dariam superioridade militar às forças portuguesas, eram uma antecipação a meios aéreos que o PAIGC viesse a ter, eram meios de defesa, era mísseis antiaéreos.

Na mesa redonda abordaram-se alguns assuntos delicados como os militares do Batalhão de Comandos terem, na sua esmagadora maioria, recusado a proposta de virem para Portugal e serem integrados nas Forças Armadas Portuguesas, preferiram receber vencimentos até Dezembro de 1974; falou-se de pouco significado que teve a agitação dos movimentos esquerdistas polarizado pelo Movimento para a Paz que aspiravam para um regresso imediato irresponsável a Portugal; referiu-se como o potencial humano militar estava praticamente esgotado no 25 de Abril, uma percentagem esmagadora das subunidades importantes na quadrícula, que eram as companhias, eram em cerca de 90 % comandadas por milicianos, de um modo geral impreparados; exprimiu-se também a situação altamente sensível de que se estava a transferir poder, já não era um reconhecimento de Portugal da independência da Guiné-Bissau, o que eles asseguraram fazer e não cumpriram e os fuzilamentos e outras malfeitorias praticadas só a Guiné-Bissau pode responder perante a comunidade internacional, as autoridades na Guiné cumpriram estritamente o que foi assinado nos acordos de Argel.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12669: Notas de leitura (559): "Guerra Colonial - Uma História por contar", edição da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, Externato Infante D. Henrique (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12687: Filhos do vento (27): Manuel Barros Castro, natural de Fafe, fur mil enf, CCAÇ 414 (Catió, Bissau e Cabo Verde, 1963/65) teve uma filha, de mãe guineense, e que ele de imediato perfilhou, Maria Biai Barros Castro (1964-2009)... Uma história exemplar (Jaime Bonifácio Marques da Silva)


Foto 1 > Grupo de Sargentos. No barco, "Ana Mafalda",  a caminho da Guiné. O Castro é , o 5.º na fila da frente, de óculos, a contar da esquerda para a direita.


Foto 2 > Grupo de sargentos regressados de uma operação. O Castro é o 4º, de óculos na fila de pé, a contar da esquerda para a direita.

Foto 3 > "Com dois nativos de etnia Fula. O terceiro é o célebre João Baker, mais tarde integrado no exército. Quando morreu de atentado era capitão do PAIGC". O  Castro  é o segundo, de óculos, a contar da esquerda para a direita.

[ É Bacar e não Baker... Nome lendário... Sim, era natural de Catió... E nunca foi do PAIGC, morreu em combate... Era capitão comando graduado, comandante da 1ª Companhia de Comandos Africanos, uma subunidade que eu vi nascer, e que era muito temida pelo PAIGC. Em 1978, ainda no tempo de Luís Cabral, a maior parte dos graduados desta companhia foram fuzilados... Conheci pessoalmente o João Bacar Jaló, aquando da formação da companhia, em Fá Mandinga, em 1970...] (LG)

Fotos (e legendas): © Manuel  Barros Castro (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG; legendagem complementar: JBMS]


1. Mensagem do novo membro da Tabanca Grande, Jaime Bonifácio Marques da Silva [ foto atual à esquerda], com data de 26 de janeiro último

Caro Luís

Como é do teu conhecimento o Núcleo de Artes e Letras de Fafe, com o apoio da Câmara Municipal de Fafe, realizou de 24 de outubro a 21 de novembro de 2013 no auditório da biblioteca Municipal,  às 5.ªs feiras das 18.30 às 20 horas o Curso Livre de História Local, cujo tema lecionado neste II Curso foi "O Concelho de Fafe e a Guerra Colonial (1961 – 1974)",

Pediram-me que orientasse a sessão de 31 de outubro onde abordei o tema: “A participação dos militares de Fafe no Ultramar: contributo para a explicação da história da guerra: uma visão pessoal".

Depois de enquadrar o tema, referi que a minha intervenção se limitaria aos acontecimentos ocorridos durante a guerra, após a decisão política de Salazar quando ordenou: “Para Angola e em força” e, relativa, só, aos elementos que tenho disponíveis sobre à participação dos militares de Fafe em África.

Comecei por analisar a lista e a identidade da grande maioria dos mortos em cada teatro de operações, levantando, depois, algumas questões para debate, nomeadamente, quantos:  i) prestaram serviço em cada um dos Ramos das Forças Armadas (Marinha, Força Aérea, Exército); (ii) pertenceram a especialidades que os livraram das operações do mato; (iii) foram colocados nas grandes cidades; (iv) efetivamente participaram em operações com emboscadas, mortos, feridos, minas, acidentes, etc.

Entretanto, deixei para o final algumas questões, de acordo com a minha experiência e vivência em Angola durante a Comissão e relacionadas com a nossa aproximação e relacionamento com as populações nativas.  Entre outras questões, levantei duas que te quero falar com autorização dos dois ex-combatentes da Guiné, meus amigos:

(i) Uma das questões foi: “Quem, nas horas vagas, decidiu oferecer-se como professor” ou ajudar de outra forma as populações?

Um deles, participante no curso, foi o Furriel Alves que esteve na Guiné na CART 1742, (hoje, professor reformado) e cujos elementos, enviar-te-ei logo que ele me dê duas fotos que lhe pedi.

Eu, no leste de angola (Léua) dei explicações de Geografia a um africano que queria fazer o 5.º ano e ensinava-lhe o que vinha no manual. Por exemplo, onde nascia o Rio Minho, etc. !
(ii) Outra questão que levantei foi: “Quantos de nós deixaram por lá os, hoje, designados 'filhos do vento ' e não assumiu?"
- Eu assumi -  interveio o Furriel Castro.

Luís, esta história merece ser conhecida e divulgada.

Falei com o ex-combatente Furriel Manuel Barros Castro, natural de Fafe e que me deu autorização para falar contigo no sentido de poderes divulgar a história no teu Blogue.

O texto já foi lido e corrigido por ele.


2. A história de Manuel Barros Castro (Fafe), recolhida por Jaime Silva

Esteve na Guiné e pertenceu á Companhia Operacional Independente (atiradores), a CCAÇ 414, sediada em Catió, onde o pessoal se instalou em tendas de lona.  Era furriel e tinha a especialidade de enfermeiro.

Desembarcou em Bissau no dia 21.3.63 e regressou a Portugal a 4.5.1965

Formou companhia em Chaves, a qual esteve mobilizada para Moçambique, sendo à última hora desviada para a Guiné.

Nas conversas que, entretanto, ele fez o favor de ter comigo (eu conhecia a filha, mas não conhecia o contexto que tinha gerado a situação), ao falarmos do nosso relacionamento com as mulheres africanas, disse, eu, a determinada altura: “até porque havia algumas facilidades de relacionamento pela facto de algumas se oferecerem para ser as nossas lavadeiras”.

“Não. Ela não era a minha lavadeira. Houve empatia entre os dois. Eu, como enfermeiro, dava apoio à população, distribuía medicamentos e foi nesta circunstância que a conheci”, disse, emocionado. “Emociono-me, sempre que falo neste período da minha vida”.

A gravidez foi problemática e apesar de a jovem ser acompanhada por dois médicos militares, teve que ir para Bissau por falta de condições.

Em Bissau, para onde a companhia (CCAÇ 414) se tinha deslocado temporariamente, soube, por uma tia da jovem, que esta estava hospitalizada e numa das vezes qua a visitou perguntou-lhe se ela concordava em entregar-lhe a filha, ao que ela respondeu que “só queria que ela seja branca”. Era uma jovem sem instrução que, embora não fosse católica,  concordou em batizar a filha.

Após 18 meses no mato a companhia, em vez de ficar em Bissau como estava previsto inicialmente, foi parar a Cabo Verde, alterando os planos do Furriel Castro. Disse que já tinha tudo preparado para instalar a filha, conhecida já como “a menina da companhia” e protegida da esposa do comandante da companhia.

A menina nasceu a 16 de maio de 1964 e foi-lhe dado o nome de Lurdes Maria Biai Barros Castro. A Mimi, para a família e amigos.

A companhia esteve nove meses em Cabo Verde e durante esse tempo a Mimi esteve, primeiro, internada num orfanato em Bissau, por interferência do Bispo de Bissau, depois ao cuidado da madrinha, uma senhora nativa que era funcionária nos CTT de Bissau, para quem o Castro mandava mensalmente uma pensão.

Alguns anos depois (1969) de ter terminado a Comissão, a madrinha da Mimi veio a Portugal trazer a menina, cuja mãe, entretanto, falecera.

A Mimi fez o seu percurso escolar em Fafe, tal como os irmãos (um irmão e uma irmã), concluiu a Curso de Professores do 1.º ciclo e, infelizmente, faleceu com 45 anos em setembro de 2009, de doença incurável, quando trabalhava numa escola do concelho da Póvoa do Varzim, Maceira da Lixa.

Disse-me, ainda, que sempre se revoltou contra a falta de responsabilidade daqueles camaradas de armas que não assumiram os filhos que deixaram por lá, e foram muitos, tanto na Guiné como em Cabo Verde,

Contou-me um episódio, relativamente recente, em que uma mulher guineense a residir nos Estados Unidos, filha duma situação ocorrida na sua companhia e que tinha descoberto a morada do pai, fez questão de vir a Portugal encontrar-se com o pai no aeroporto, só para lhe dizer: “eu sou sua filha, aquela mulher ali é a minha mãe. Eu não quero nada de si. Vim só para o conhecer. Passe muito bem!"

Caro Luís:
Uma história de vida edificante, sem dúvida. É exemplar e merece ser conhecida.
Abraço, Jaime

3. Comentário de L.G.

A CCAÇ 414, independente (ou seja, não integradas em nenhum batalhão), foi mobizada pelo BCAÇ 10, partiu para o TO da Guiné em 21/5/1963, esteve em Catió e Bissau e acabou por partir para Cabo Verde em 29/4/1964 (?). Terá regressado à metrópole em maio de 1965.  O comandante era o  cap inf Manuel Dias Freixo [, já falecido em 7/10/1988; foi comandante do BCAÇ 5017 / 74 - Angola].

Jaime, dizes bem: é "uma história exemplar", um exemplo de grande nobreza. Transmite ao nosso camarada Castro as nossas melhores saudações bemcomo o nosso pesar pela morte da sua querida filhja e reitera-lhe o meu convite para ele integrar a nossa Tabanca.

Temos poucos camaradas do tempo do Castro: temos por exemplo o Alcídio Marinho, ex-fur mil da CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65), mas ninguém da CCAÇ 414... Já sobre Catió temos 185 referências... E 15 sobre o João Bacar Jaló.

Jaime, pede ao Castro uma foto individualizada, do tempo da CCAÇ 414, e outra atual, para o podermos apresentar, como deve ser, à Tabanca Grande.
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Guiné 63/74 - P12686: Bibliografia (39): Um pouco mais do meu livro "Bissaulónia" (Mario Serra de Oliveira)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Serra de Oliveira (ex-1.º Cabo Escriturário, Bissau, 1967/68), com data 31 de Janeiro de 2014:

Olá Carlos:

À tua consideração, junto mais um excerto do início de "Bissaulónia"(*).
Confessando uma parte fraca minha, é o facto que eu, enquanto estive na Guiné, não tinha tempo para fotografias e, se em algo sou pobre, é nisso mesmo. Seria pois para mim poder contar com algumas fotos devidamente autorizadas, mesmo que fosse facilitadas pelos nossos camaradas, para não “violar” direitos de ninguém.

A intenção é adicionar algumas desta fotos para alegrar um pouco o livro, já que, alguns dos temas em discussão, só me dão raiva muda.

Estou certo que, entre os nossos camaradas há-de haver fotos interessantes. Eu só tenho a do postal ilustrado do Pelicano.
Abraço a todos.
Mário Serra de Oliveira


"BISSAULÓNIA"
Próximo livro de Mário Tito

NOTA DO AUTOR

Seguidamente, através do progresso da leitura destas linhas, os leitores irão notar que, certos episódios aqui relatados, são descritos numa linguagem sem rodeios e sem preconceito algum, considerando que, ao pretender “ser eu mesmo”, não hesitarei em chamar aos protagonistas de certos acontecimentos e episódios onde estive envolvido, pelo nome que considero apropriado, reflectivo do meu estado de espírito na ocasião, sem que, com isso, a minha referência pessoal a estes indivíduos, seja considerada extensiva a mais alguém, além dos “atingidos”. De modo algum, é minha intenção ofender alguém, generalizando qualquer “palavra” mais descritiva da minha opinião para com os indivíduos em causa.
Quem mal não me fez, mal não deve esperar de mim.

Aqui, tudo o que eu disser, é o fruto da emoção da ocasião, perante a incerteza reinante, pela raiva contida dentro de mim, devido à autocrática atitude de alguns dos elementos envolvidos, numa demonstração de ingratidão total para com quem “confiou cegamente” que, valeria a pena “arriscar e ficar por ali” no meio do povo da Guiné, o qual sempre respeitei e respeito profundamente, na esperança que poderia servir de um exemplo de boa convivência, onde os meus serviços fossem úteis e apreciados, esperando como reconhecimento, o respeito e nada mais.

Infelizmente, a esperança despertada em mim, quando fiz a decisão que fiz, em ficar por ali, foi atraiçoada, deitada por “água-abaixo”, não por “obra e graça” do Povo da Guiné, mas sim por “obra, abuso e prepotência total” de meia dúzia de “energúmenos mal paridos”.

Como já disse, não procuro “ofender” ninguém, nem tão-pouco, agradar a ninguém. Não tenho “feitio” para fingir, a não ser em casos de extrema gravidade onde, por exemplo, “ao dizer-se a verdade” se possa causar danos ou emoções pessoais irreparáveis. Aqui, nestas linhas, não será esse o caso e, como tal, limitando-me a ser “eu mesmo”, como já disse, não hesitarei um “iota”, em tentar “pegar o touro pelos cornos”.

O touro, aqui, poderá ser considerado a situação de alguns “seres humanos” que, pela sua origem genética, possam ser - ou parecer ser - alvo de possíveis referências menos “elogiosas” da minha parte, devido às circunstâncias da vida, que os colocou na “linha de fogo” dessas possíveis referências, quantas e quantas vezes sem culpa própria de si mesmo. De facto, a existir alguma culpa em relação a alguns “indivíduos”, nada terá a ver com a sua “genética ou sua origem” mas, sim e somente, pela sua atitude através da sua intervenção em episódios vários que, pela sua complexidade, não adianta mencionar aqui, nesta secção.

Por exemplo, enquanto há pessoas que se “encolhem” em fazer referências ao aspecto “racial ou étnico”, de uma determinada forma, para não “levantarem pó”, devido à sensitividade relacionada com este aspecto “sociológico” – normal, diria eu – como, por exemplo, terem acanhamento em “referir directamente” que… “preto é preto”, “branco é branco” e, “mestiço é mestiço”, sendo que, na realidade, não deixam de ser todos seres humanos, em igualdade de circunstâncias.

Quem faz o carácter do ser humano não é, por certo, a “cor da pele do preto, do branco ou do mestiço” mas, sim, a forma de ser de cada quem, bem como o relacionamento de cada um dos “portadores da cor da pele em questão”, em relação aos outros seres humanos, seja nas lides do dia-a-dia, ou seja pelas suas decisões quando em posição de as tomar, em relação aos “portadores” de uma tese de pele diferente da sua.

Por isso, qualquer referência, aparentemente “negativa”, que acaso eu venha a fazer aqui, nalgum lado nestas linhas, nada tem a ver com o facto da “pessoa-alvo” dessa referência, seja “preta, branca ou mestiça”. As minhas referências, tipo “queixas ou desabafos”, são dirigidas ao ser humano e não “à pigmentação da pele” de quem quer que seja.

Que fique bem claro, na mente de todos os leitores. Depois, há ainda aquelas circunstâncias que levam determinadas pessoas a pensarem que podem “pensar pelos outros” quando é possível que, aquilo que essas pessoas possam pensar, possa não ser “exactamente” aquilo que, as pessoas sobre quem “estas pessoas pensam como pensam” poderiam vir a pensar livremente, sem a interferência de estranhos.

Confuso? Talvez… mas a culpa não é minha. Pensassem todas as pessoas “razoavelmente” e sem preconceitos, talvez eu não tivesse que fazer este esclarecimento tão pormenorizado. Com isto, a referência feita mais adiante a pessoas “mestiças” originárias de Cabo Verde, não significa qualquer animosidade para com os “cabo-verdianos” em si mesmo mas, sim e somente, serve para ilustrar um problema existente, amplamente do conhecimento publico, no que concerne ao relacionamento entre “guineenses e cabo-verdianos” na ex-Guiné Portuguesa, agora Guiné-Bissau. Mais adiante os leitores irão ter a oportunidade de se dar conta do que aqui tento explicar.

Mas, levantando um pouco “o véu” sobre o tema, referir-me-ei àquela espécie de “romanticismo” existente ainda nos dias de hoje - de uma forma exagerada quanto a mim - à volta de toda a figura de Amílcar Cabral, proclamado fundador (6) do PAIGC e, principal dinamizador da luta armada para libertação da Guiné e Cabo Verde. Mas não o único! De facto, todos os romances “são bonitos”, se bem que, na minha opinião, todos pecam pelo exagero na “mistificação” de alguns dos seus personagens principais. Porquê? Pois, em parte porque, nenhum destes personagens foram ou são perfeitos seres humanos e, como tal, poderão estar recheados de imperfeições e julgamentos menos afortunados, completamente fora da realidade (7).

Finalmente, nesta nota, permitam-me referir também que, pela minha educação (4ª classe, à idade de 11 anos e, mais tarde, já com cerca de 50 anos, a equivalência ao 12º grau, sem cursos superiores… além do “mestrado” da mundialmente afamada universidade da “pdv” – creio que, se juntarmos a isso, a longa ausência da “Mãe Pátria”, os leitores não deveriam esperar de mim, que vos apresentasse aqui um texto sem erros verbais ou literários.

Mais! Atrevo-me a dizer que, até seria um erro, se erros aqui não houvesse porque, conforme diz um dos meus “slogans”... “a minha imperfeição, é o que faz de mim, um perfeito cidadão”. Deste modo, sendo cronologicamente o 5º filho, de um conjunto de sete, de uma das famílias mais pobres da minha aldeia – o Alcaide, situado na encosta Norte da serra da Gardunha, “capital da minha constante saudade e sombra que me acompanha 24 horas por dia” - qualquer expectativa, por parte dos leitores, de virem aqui encontrar uma linguagem “polida”, com frases compostas para “agradar à plateia” e, portanto, uma linguagem “falsa e disfarçada” das mazelas literárias do autor, sem “defeitos linguísticos”, estão redondamente enganados.
Aqui, tal como numa feira de burros… “o animal que vêem, é o animal que compram” porque, para mais não deram, e só a tanto chegaram, os meus parcos conhecimentos. Tudo o que aqui for escrito, será só e somente da minha responsabilidade, sem interferência alguma de outrem, (8) “tanto para o bem como para o mal”.

De um modo geral, o que aqui for escrito, reflecte o que a linha de pensamento do “meu ser” exige que escreva, saindo “directamente” das profundezas das minhas entranhas, sentindo às vezes raiva de mim próprio, perante tanta “falta de saber” mas que, no fundo, me deixa feliz da vida, pela teimosia em insistir e “atrever-me”, a mais uma aventura literária, para a qual sinto que nasci mas que, as “fortunas da vida” não me prepararam convenientemente.
É como tentar “remar” contra a maré, sem marinheiro nunca ter sido.

Permitam-me recordar que, o meu 1º livro solo da minha autoria, já foi publicado pela editora do Chiado, cujo título é…. “Palavras de um defunto, antes de o ser”.
É um livro misto, baseado em episódios de ficção e factos factuais, descritos de uma forma humorística. E, à data destas linhas, participei ainda, de uma forma conjunta – como co-autor – em dois outros livros de poesia, publicados pelas editoras “edições e-copy” e, mais uma vez, editora do Chiado.

É tudo, nesta nota.

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INTRODUÇÃO

Conforme o título deste livro indica, a cidade de Bissau é a protagonista sobre a qual, o titulo deste livro foi inspirado, tendo como referencia os períodos de “antes e depois da independência”, em relação às mudanças “visualizadas” pela minha pessoa, no que concerne à composição da “textura humana” da cidade, desde o ponto da minha chegada a 17 de Maio de 1967, e o período pós independência – 10 de Setembro de 1974 sem que, com isso, me venha a envolver demasiado a descrever todo o passado da mesma, nem tão-pouco descrever a origem dos vários povos que ocuparam a zona da ilha de Bissau, anteriormente à chegada dos portugueses, incluindo episódios de resistência desde o início da ocupação do território, que é hoje conhecido como Guiné-Bissau.

Este aspecto, se bem que, aqui e ali, poderá ser alvo de alguma referência, não faz parte da minha intenção inicial. E, se acaso alguma referência vier a fazer, será mais para “realçar” qualquer outro ponto que queira chamar a atenção, tal como o facto que, na verdade, vários foram os povos que “povoaram a Guiné-Bissau” e que, periodicamente travaram lutas entre si, incluindo a união de forças contra o último dos ocupantes - os portugueses. De facto, quase que se poderia dizer que, desde a chegada dos portugueses, sempre existiu alguma determinada forma de “resistência”.

O título, é ainda inspirado na “base” das drásticas mudanças feitas pelas autoridades locais pós independência, com decretos e leis desconhecidas de todos - excepto os que as decretaram - até serem implementadas de um modo “punitivo”, sem qualquer condescendência pelo desconhecimento de tais leis, com um impacto tremendo no dia-a-dia da vida quotidiana e financeira, logo após a independência, em detrimento do modo de vida, bem como nas perspectivas de se poder exercer uma actividade comercial livre e promissora, que incutisse esperança no futuro.

Continuando, a ideia deste livro, tem por base a descrição de Bissau, perante a minha própria percepção ou óptica de modesto observador, adquirida logo aquando da minha chegada à Guiné, em comparação com a radical transformação notada, após a independência. Mas, francamente, reconheço que até poderei cometer algum erro de análise na minha “observância”, quando comparada com o título do livro que escolhi, pelo que, se assim for, mais uma vez junto a “referência feita antes” na nota de autor, onde tento alertar para qualquer imperfeição literária, considerando a minha pobre preparação nestes “meandros” de escrever para o público.
Espero que compreendam o quero dizer e onde quero chegar.

Finalmente, creio que como introdução descritiva de alguns pontos que considerei necessário fazer, já foi dito o suficiente e, como tal, termino esta introdução, convicto que os leitores irão gostar imenso de ler este livro, fazendo votos sinceros de uma agradável leitura, começando pelo 1º capítulo, intitulado “O começo do fim”.

Que tenham uma boa leitura, são os meus votos.
Mário Tito
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Nota do editor

(*) - Vd. poste de 30 DE JANEIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12654: No meu próximo livro intitulado "Bissaulónia", a minha homenagem a alguns dirigentes do PAIGC, governantes da Guiné-Bissau no pós-independência (Mário Serra de Oliveira)

Guiné 63/74 - P12685: Os nossos seres, saberes e lazeres (66): O fim dos lobos em Brunhoso (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 4 de Fevereiro de 2014:


FIM DOS LOBOS EM BRUNHOSO

Na Guiné, para pena minha, não encontrei a fauna selvagem que imaginava, fruto da minha leitura de livros e revistas sobre África. Os únicos animais que vi em abundância na floresta foram os macacos-cães que costumavam andar em grandes bandos e faziam uma chinfrineira dos diabos.
Recordo-me que nos primeiros dias, só ao ouvir o barulho, sem os avistar, me senti confuso a pensar na quantidade de cães que lá haveria, pois nunca tinha ouvido ladrar tanto.
Com o tempo descobri ainda outras raças de macacos mais pequenos.

Além dos macacos, só vi um dia, aliás viram quase todos os militares que estavam no quartel de Buba: oito javalis a cerca de 500 metros, na outra margem do rio Grande Buba, alguns tropas pegaram nas G3 e fizeram umas rajadas para o grupo e não mataram nenhum. Sem nunca as ter visto, sei que havia muitas gazelas, porque em Buba um caçador nativo vendia dessa carne em abundância para o rancho da companhia. Ainda hoje estou enfastiado de tanta carne de gazela.

O homem nasce em determinada região e é moldado nesse barro e nesse ambiente onde habita e cresce. O mapa geográfico de cada um de nós desdobra-se a partir da nossa terra, seja grande ou pequena. É lá que vamos buscar ânimo para todas as nossas viagens e descobertas.
O laboratório animal, humano, social, etc. donde parte todo o nosso conhecimento emotivo e intelectual, todo o nosso espanto perante os mistérios da vida, todas as nossas interrogações mais banais ou metafísicas é essa primeira terra que para cada um de nos é o centro do universo.

Brunhoso, uma pequena aldeia nos confins de Trás-Os-Montes tem para mim essa importância desmedida que tem a terra de cada um de vós. Por analogia com a sua flora, já falei neste blogue da flora da Guiné. Hoje camaradas peço permissão para falar da fauna selvagem da minha terra, sobretudo do lobo, esse rei morto, já que a restante são alguns exemplares de caça cada vez menos significativos.

Brunhoso - Foto: Brunhoso Mogadouto, com a devida vénia

"Quando os Lobos Uivam" é o nome dum livro de que eu gosto particularmente, logo à partida pela beleza e ressonância do título. Um título que por vezes me surge no pensamento a propósito de tudo ou de nada, como por vezes surgem palavras soltas ou o refrão de alguma canção em voga.
O livro é já um clássico da literatura portuguesa, da autoria de Aquilino Ribeiro, esse mago da Beira Alta que deu voz àquelas serranias e retratou a miséria e a dignidade das suas gentes.

Aquilino Ribeiro [foto à direita], um irmão do transmontano Miguel Torga que criou uma epopeia com o rio Douro e os montes, como pano de fundo, para falar do drama daquela gente esforçada em procurar sobreviver e criar trigo e vinho no meio de montes de tojo, estevas, granito, xisto e outras pedras.

Quando era muito jovem, ainda menino, recordo-me dos medos próprios da idade. Sobretudo a noite, a mãe de todos os medos, ao cobrir tudo de negro e de sombras. Electricidade não havia, portanto depois do pôr-do-sol a aldeia e tudo o que se conseguia avistar em redor era um jogo de sombras mais ou menos carregado, dependente do luar ou da luz das estrelas. Em noites de frio, chuva e vento, ouvi muitas vezes o uivar dos lobos nos montes e campos circunvizinhos da aldeia, e o ladrar dos cães em resposta, tudo isso misturado ao assobiar do vento e ao barulho da chuva sobre os telhados. Sinfonia da terra, que acabou porque hoje faltam os lobos com o seu canto arrastado que parecia um lamento.

Todos os povos antigos, africanos, asiáticos ou americanos, tinham e ainda têm em muitos casos, animais selvagens com que se identificavam, que festejavam e por quem tinham muito respeito e alguma adoração, por muitas e diferentes aptidões e características, agilidade, força, manha, velocidade, inteligência instintiva, solidariedade de grupo.
Os exemplos são muitos, o leão, a cobra, o tigre, o crocodilo, o elefante, a águia, etc.
Os povos europeus também terão tido os seus animais selvagens de eleição e provavelmente alguns estarão até retratados nas pinturas rupestres que abundam pelas suas grutas e rochas. Sou tentado a identificar o lobo, por algum conhecimento e proximidade que ainda tive da sua vida selvagem na aldeia, como o animal tutelar dos povos antigos que habitaram o território da região onde nasci e talvez de toda a Lusitânia montanhosa.

Lobo - Foto: Animais e Atitudes, com a devida vénia

O padre Fontes [foto à esquerda], quando fala nos deuses do Larouco não sei se inclui o lobo nesse rol. Os últimos lobos, verdadeiramente selvagens de que guardo memória, terão existido nos campos e florestas da minha aldeia há aproximadamente 50 anos. Um deles foi barbaramente morto num vale da aldeia, com paus e pedras cercado por 50 ou mais naturais da terra que andavam a apanhar a azeitona. Recordo que a morte desse lobo deu muito brado na terra e foi festejado com o seu corpo a ser passeado por todas as ruas,  como se tratasse dum troféu de guerra. Provavelmente seria o chefe da matilha, que vivia na área territorial da aldeia, porque no espaço de pouco mais de um ano mataram mais três ou quatro provavelmente desorientados com a morte do chefe, e os lobos acabaram na aldeia.

Nunca compreendi muito bem a ferocidade desses homens, meus conterrâneos, em relação aos lobos, já que eles, apesar de muitas crenças em contrário, sempre respeitaram as vidas humanas. Desde tenra idade os seus filhos saíam para ajudar nas tarefas do campo, sós ou acompanhados, sem qualquer perigo de serem atacados. Os lobos matavam cabras e ovelhas para se alimentarem. Eram tempos de pouca fartura e nenhum tipo de alimentação, sobretudo sendo carne, se podia perder.
Talvez já há mais de 100 anos os seus antepassados tinham acabado com as gazelas, cabras do mato e javalis, alimentação natural dos lobos. Mas entre homens e animais não há lugar à justiça, já entre homens também não há muita. Sei que eram tempos difíceis para as gentes da terra. Terrenos agrícolas pobres e divididos de acordo com as heranças e não com as necessidades, não conseguiam garantir a alimentação e subsistência de uma população em permanente explosão demográfica, porque os casais podiam ter dificuldade em garantir a alimentação da família, mas para procriar ainda tinham forças e o resultado via-se no elevado número de filhos.

A solução tão antiga, como actual, foi sempre a emigração. Segundo consta até já terá sido instituída actualmente como método de governação. Ora acontece que nos princípios da década de 60, do século passado, o Brasil, destino habitual de muitas famílias nas décadas anteriores, já não oferecia boas perspectivas de trabalho. Já não havia "cartas de chamada" dos familiares do Brasil.
Dos últimos a tentar esse destino terá sido o tio António Neto. Era um homem, não muito pobre, dado que possuía alguns bens, que trabalhava com a mulher e as filhas quase sem necessidade de trabalhar para outros. Para isso terá contribuído também o facto de já estar no Brasil a filha mais velha, que para lá tinha ido ainda menina, com familiares.

Um dia o tio Neto vendeu todos os bens, em praça pública, no adro da igreja e comprou as passagens para essa longa viagem. No dia aprazado apanhou o comboio, com a mulher e duas filhas, rumo a Lisboa, onde embarcariam num navio rumo ao Brasil. Porém chegados ao Porto, ele não quis prosseguir viagem. Saudades da aldeia, da horta de Lamas, dos olivais das Picotas e do Cachão, da burra, da junta de mulas? Não se sabe ao certo. Certo e sabido, facto histórico da aldeia, é que ele se dirigiu à bilheteira da estação de S. Bento e disse:
- Quero quatro bilhetes para a Estação.

De dentro o funcionário perguntou:
- Estação, qual estação?
- A Estação, caraistacosa, não conhece a Estação, onde se leva o trigo o celeiro?

Não se sabe bem como, não consta nos anais da aldeia, mas o funcionário acabou por lhe vender os quatro bilhetes para a estação de Mogadouro. Chegado a Brunhoso, os conterrâneos acabaram todos por lhe devolver os bens que tinham comprado pelo valor que tinham pago.
A saga da emigração para o Brasil acabou com o tio António Neto, também conhecido pelo "Caraistacosa".

A meia dúzia de anos que mediou entre o fim da emigração para o Brasil e a "fuga em massa", por montes e vales através da Península Ibérica para França, terá sido um período de mais fome e raiva que, entre outras causas, também terá contribuído para o extermínio dos lobos na terra.
Dois ou três anos antes seguia eu por um caminho rústico em cima dum carro de bois e vi, a cerca de 50 metros, três lobos a atravessar o caminho. Olharam para mim e para os bois e continuaram calmamente a sua caminhada. Para mim foi um momento de espanto e surpresa. Já tinha ouvido muitas vezes o seu uivar mas nunca tinha visto nenhum. Pela vida fora conservei sempre essa imagem, como se duma aparição se tratasse.

Eu, nada católico e pouco religioso, tenho santos da minha devoção, pela sua bondade, humildade, inteligência e outros atributos. São eles: S. João, S. Francisco e Santo António. Tenho pensado se o que eu vi seriam três lobos ou estes três santos, que na sua calma iam a cantar os salmos do rei David.
Tenho um grande respeito e admiração pelo lobo. Já existem poucos lobos em Portugal, em Trás-Os-Montes julgo que só na serra de Montesinho. Em cada serra de Portugal devia haver uma estátua em sua memória para recordar este caçador altivo, insubmisso e inteligente.

Um abraço a todos os camaradas
Francisco Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12661: Os nossos seres, saberes e lazeres (65): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (9) (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P12684: Memória dos lugares (263): O Xime, ao tempo da CART 2520 (1969/71), comandada pelo cap mil António dos Santos Maltez, natural de Aveiro (Renato Monteiro)


Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto 8 >  "No regresso de uma  operação no subsetor do Xime" (RM)... Uma máscaraa de sofrimento... Esta foto também vem reproduzida, na pág. 215, do  livro de que é coautor  (Renato Monteiro e Luís Farinha: Guerra colonial: fotobiografia. Lisboa: Círculo de Leitores / Publicações D. Quixote. 1990. 307 pp). (LG).


Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto 3 > "O meu pelotão (ou parte dele) acabado de chegar de Bambadinca ou de Bafatá onde íamos frequentemente abastecer-nos e trazer o correio".

Do Xime até Bambadinca ia-se aramado até aos dentes... A estrada alcatroada ainda só estava no papel...  Será que neste grupo de combate está o sold atirador Joaquim Sotero Bravo, tal como foi identificado pela sua filha ? (*).




Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto 6 > Destacamento da ponte sobre o Rio Udunduma, afkuente do Geba... O Renato Monteiro, à esquerda, com outro camarada não identificado, procurando "matar o tempo" numa improvisada jangada feita de bidões de combustível da SACOR... Como se sabe, os bidões tinham cores diferentes conforme o combustível: Vermelho (gasolina), verde claro (petróleo branco), azul (gasóleo), amarelo (óleos)...


Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto 7 > "Bar de sargentos do Xime" (RM).


Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto 1 > "Bar de Sargentos do Xime. Em cima do balcão um barril com uma função meramente decorativa. Mas a telefonia estava operacional bem como um pequeno gira-discos. O Je t’aime, moi nos plus [, Serge Gainsbourg & Jane Birkin, 1968, ] fazia furor e a cantinela Mãe, não chores que o teu filho há-de voltar estava no topo. Ambas puxavam por mais um copo. O camarada, de caça ao piolho, de quem guardo uma boa recordação, era um tipo duro e fixe" (RM).


Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto 21 > "Duvido que esta foto tenha sido tirada por mim… Na minha opinião, e apesar de tão maltratada, é a melhor do conjunto. Do lado esquerdo do poste, o Capitão por quem eu nutria uma grande simpatia e cujo paradeiro ignoro. Não faço ideia nenhuma onde teve lugar a cena ilustrada" (RM)...

Trata-se do desembarque de mercadorias para reabastecimento da companhia, e respetiva conferência, sob o olhar do cap mil Maltez... As mercadorias devem ter vindo de barco"(LG).



Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto 21 > "Salvo os graduados, a maior parte [da CART 2520] era constituída por malta recrutada no Alentejo, tendo como comandante um homem com quem apenas troquei duas ou três brevíssimas conversas, uma das quais em torno de livros que líamos e autores que apreciávamos....

"Igualmente miliciano, de formação católica, de quando em quando, procedia a uma breve cerimónia no centro da parada, junto a um padrão ou coisa do género, onde lia umas passagens da Bíblia a muito poucos (meia dúzia ?) de soldados que, voluntariamente, o acompanhavam...

"Ao que julgo, era professor de Química e, apesar de não recordar o seu nome (imagina, como trabalhei para a evaporação destas memórias) conservo dele amelhor das lembranças... Aceitava pacificamente a minha tendência para o desalinho (se é que dava por isso) e eu respeitava-o" (RM).

Renato: já o tinha identificado há tempos, já é que é um camarada do meu tempo, com quem a CCAÇ 12 fez operações em conjunto do subsetor do Xime:  Cap  Mil Art António dos Santos Maltez.  Sobre ele escreveu o Jorge Picado, no psote P3285, de 9/10/2008: 

"Trata-se dum contemporâneo meu, do Liceu José Estêvão, de Aveiro, licenciado em Físico-Químicas pela Universidade de Coimbra, do mesmo curso da minha falecida mulher e que foi igualmente professor naquele Liceu juntamente com ela. Sei que tinha feito a comissão na Guiné naquela zona, pois contou-me ele próprio. Como era de curso de COM anterior foi chamado para CPC antes de eu o ter sido. Já não tenho notícias dele há longo tempo, mas creio que ainda está por cá por Aveiro onde vivia".

Era camarada do leste de quem também eu guardava  uma boa memória... Também tinha a ideia de que era, na vida civil, professor do ensino secundário (liceu, como se dizia, na época). Vou desafiar o Jorge Picado para o trazer até à Tabanca Grande!... (LG)



Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto 13 > Cais do Xime, em frente à bolanha do Enxalé > "Poucos de nós se atreviam, solitariamente, a pisá-lo por estar demasiado exposto… Mas havia um puto que apanhava aí camarão, enquanto sonhava com o momento de vir para Lisboa estudar" (RM)...

O camarão (gigante) desta parte do Geba era muito apreciado e pago a 50 pesos o quilo em Bambadinca, na tasca do Zé Maria...  Esse puto, de que fala o Renato Monteiro, só poderia ser  o nosso amigo, hoje engenheiro, e membro da nossa Tabanca Grande, José Carlos Mussá Biai...

Aqui era a entrada (obrigatória) na "zona leste"... Milhares e milhares de homens e de viaturas passaram por aqui, ao longo de toda a guerra... Havia tensão naquela ponte. Ali começava o Geba Estreito, navegável até Bafatá!..

A montante e a juzante, havia ataques do PAIGC contra as nossas embarcações: Ponta Varela, Mato Cão... O aquartelamento do Xime era flagelado ou atacado com frequência, e o subsetor do Xime era um osso duro de roer ... O PAIGC tinha, desde o início da guerra, uma boa implantação no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, entre a margem direita do Rio Corubal e a estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole. Na região do Poindon/Ponta do Inglês perderam-se muitas vidas... Por sua vez, a saída do Xime para Bambadinca, em Madina Colhido, era temida... (LG)




Guiné > Zona Leste > Xime > CART 2520 (1969/70) > Foto nº 14 > "Cais do Xime, a cores já esbatidas" (RM)…

Atracagem de uma LDG - Lancha de Desembarque Grande... Em primeiro plano, o Fur Mil Renato Monteiro, meu amigo de Contuboel, que foi parar ao Xime (e depois ao Enxalé, destacamento do Xime, no outro lado do Rio Geba) por não morrer de amores pelo comandante da sua unidade de origem, a CART 2479 (1968/70), maos tarde CART 11 e finalmente CCAÇ 11... Conheci-o em Contuboel, em Junho/Julho de 1969. Nunca mais o vi... até nos reencontramo-nos, em Lisboa, graças ao nosso  blogue... É a essa história de um feliz acaso já aqui foi contada . Ele era(é) o misterioso homem da piroga, fotografado comigo no Rio Geba, em Contuboel, uma das poucas fotos que tenho da Guiné.

O portuense Renato Monteiro (n. 1946), professor do ensino secundário reformado, é hoje um notável fotógrafo. Tem entrada na Wikipédia.  E um blogue que merece visita: Fotografares. Um fraterno alfabravo para ele! (LG).