domingo, 23 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12762: Manuscrito(s) (Luís Graça) (22): O espírito de corpo ou a navalha de ponta e mola da solidariedade entre combatentes: recordando 3 episódios do meu tempo e lugar




Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Pessoal do 2º Grupo de Combate da CCAÇ 12 atravessando em coluna apeada a bolanha de Finete na margem direita do Rio Geba. A tabanca, em autodefesa, guarnecida pelo Pelotão de Milicia nº 102, é visível ao fundo. No primeiro plano, para além de municiador da Metralhadora Ligeira HK 21, Mamadú Uri Colubali (se não erro), vê-se o fur mil op esp Humberto Reis, nosso colaborador permanente,  e o saudoso 1º cabo José Marques Alves, de alcunha "Alfredo" (1947-2013)...(Natural de Campanhã, Porto, vivia em Fânzeres, Gondomar).

Foto do Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006) / Blogue Luíos Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Quantas vezes, à noite em Bambadinca, fumando um cigarro, depois do jantar, descontraídos, de copo de uísque na mão, gozando o merecido repouso dos guerreiros, nas traseiras do aquartelamento, no conforto relativo  do bar e messe de sargentos,  sobranceiro à bolanha, não assistimos ao "fogo de artifício", ao longe, ao mesmo tempo que tentávamos advinhar, em voz alta,  quase em disputa uns com os outros, quem eram os "desgraçados", tabanca em autodefesa, destacamento  ou aquartelamento, dentro ou fora do setor L1, que estavam a "embrulhar", a levar porrada, o tipo de granadas que explodiam, os quilómetros que distavam da nossa posição,  enfim, cronometrando o ataque ou a flagelação, estimando baixas...Por vezes, os gajos do PAIGC usavam inclusive balas tracejantes, tornando ainda mais real,  e ao mesmo tempo fantasmagórico,  o "espetáculo"...

E tudo isto, sem nada fazer ou sem nada poder fazer... Nessas noites tínhamos pelo menos a certeza de poder dormir numa cama com lençóis lavados, na nossa cama, com colchão de espuma... Era dia (ou noite) de folgar as costas, de poupar o coirão, e, se possível, sonhar com coisas boas...

2. Mas também é verdade que éramos capazes de pegar na trouxa e zarpar, em socorro de camaradas em perigo, de dia ou de noite. Ou de trazer às costas os nossos mortes e feridos, ou os mortos e feridos de outras companhias... De resto, o ser humano em grupo é capaz de fazer o melhor e o pior, as coisas mais sublimes como as mais perversas (como, por exemplo, acordar de noite e limpar a parada de Bambadinca de todos os cães vadios que nos perturbavam o sono...).

Podía contar aqui alguns episódios do tal "espírito de corpo": lembro-me, por exemplo, de um coluna de socorro a Nhabijões, justamente quando eu lá estava destacado, a comandar aquela tropa fandanga, e houve uma alerta de turras na tabanca (que estava em fase de reordenamento)... Sei que recebi, de imediato, o reconfortante apoio do piquete de Bambadinca, reforçado por mais alguns voluntários, entre os quais o Beja Santos... E nessa noite pude dormir mais descansado (mas já não me lembro se, mesmo assim,  o consegui...). O destacamento era constituído por "básicos" e "convalescentes"... E a enorme tabanca (c. de 1600 habitantes, maioritariamente balantas e alguns mandingas) era considerada, desde o início da guerra,  como estando "sob duplo controlo",,,

Nessa noite, alguns elementos IN (provavelmente pop e não propriamente guerrilheiros) tinham entrado na povoação, para se abastecer, como o faziam regularmente. Nhabijões era jum "entreposto" do PAIGC...A populaçaõ abastecia-se em Bambadinca (no Zé Maria,no Rendeiro...).

Nessa noite, em data que já posso precisar, os nossso "bufos" deram o alerta, mas a notícia de "turras na tabanca" era manifestamente exagerada...Se nessa noite vieram turras, armados, a acompanhar a população, eles ficaram só para jantar e deixaram as Kalash no bengaleiro... Aliás, não era do seu interesse alterar o "status quo"...De dia a tabanca era "nossa", de noite eles entravam e saíam com a maior das calmas (, pelo menos aparente...), cambando o rio Geba para o outro lado (, Enxalé e Cuor) ou metendo-se a pé a caminho do Baio Buruntoni, no subsetor do Xime

Repare-se que, de noite, e nestas circunstâncias, as nossas viaturas arriscavam a pisar uma mina... Como nos acontecerá uns meses depois, aos 20 meses de comissão, à entrada (ou à saída) de Nhabijões, em 13 de janeiro de 1971... Mas, quando se vai em missão de socorro, subestimamos os riscos e sobrevalorizamos as nossas forças, fazendo apelo ao tal espírito de corpo para o qual fomos treinados...


Guiné >  Região de Bafatá > Antiga Estrada Xime - Bambadinca > 1997 > A antiga Ponte do Rio Udunduma, vista da nova estrada Xime-Bambadinca. Neste destacamento estava permanente um Grupo de Combate da CCAÇ 12, que vivia em buracos como as toupeiras (rodava todas as semanas). Ou melhor dizendo: eram três apartamentos subterrâneos tipo T Zero" (HR)...

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2005) (com a colaboração do Braima Samá, professor de Bambadinca)


3. Mas houve mais outros episódios em que a solidariedade entre combatentes funcionava como uma verdadeira navalha de ponte e mola...

Recorde-se aqui uma história, já contado pelo Humberto Reis, na I Série, há manga de tempo, e que tem a ver com o destacamento da ponte do Rio Udunduma:

"Com este destacamento [do ponte do Rio Udunduma] passou-se um episódio que diz bem do carácter que presidia à união de todos os operacionais [...].

"Um domingo à noite estávamos a jantar na messe [, em Bambadinca], nesse dia calhou-me estar dentro do arame, e de repente começámos a ouvir rebentamentos para os lados da ponte. Pensámos que era o destacamento que estava a embrulhar e automaticamente nos levantámos (eu e mais alguns até estávamos vestidos à civil), fomos a correr aos respectivos quartos buscar as armas e quando chegámos à parada já lá estavam alguns Unimog com os respectivos condutores à espera (ninguém lhes tinha dito nada mas a ideia foi a mesma - é a malta da ponte a embrulhar, temos de os ir socorrer).

"Até um dos morteiros 81 levámos e aí vai o Fur Mil Lopes, do Pelotão de Morteiros com uma esquadra - o Lopes, natural de Angola (tão bem organizada que era a nossa administração militar, que o colocaram na Guiné!).

"Felizmente, quando chegámos à ponte, verificámos que não era aí, mas sim dois Km mais à frente, na tabanca de Amedalai, pelo que seguimos até lá. [Amedalai ficava a caminho do Xime, antes da temível Ponta Coli]...

"Escusado será dizer que quando o IN notou que chegaram reforços desarmou a tenda, fez a mala e foi-se embora" [Relato de Humberto Reis]...


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada Finete-Missirá > 17 de outuibro de 1969 > O fur mil op esp Humberto Reis (à esquerda) e o alf mil at inf António Carlão (à direita), do 2º Gr Comb da CCAÇ 12, vistoriando, no dia seguinte,  os restos da viatura (Unimog 404) em que seguia o alf mil Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52, quando accionou uma mina anticarro, no dia 16 de Outubro de 1969, por volta das 18h00, na zona de Canturé (entre Finete e Missirá: vd. carta de Bambadinca, de 1/50.000).

Foto: © Humberto Reis (2006)/Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


4. Outro episódio de que me lembro bem,  foi  quando o Beja Santos e parte do seu Pel Caç Nat 52 caíram num mina A/C, seguida de emboscada, quando iam de  regresso a Missirá, já ao fim da tarde... Na história oficial ou oficiosa das crónicas da Guiné, o evento foi assim secamente relatado:

"Em 16 [de Outubro de 1969] , IN não estimado emboscou no lado direito da estrada Finete-Missirá, próximo de Canturé, uma coluna de reabastecimerntos do Pel Caç Nat 52, composto por 15 elementos, simultaneramente ao accionamento de mina A/C, causando 1 morto e 3 feridos graves às NT. O IN sofreu 1 morto quando provocava assalto." (Fonte:Históira da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Lembro-me bem deste fatídico acontecimento, que causou emoção em Bambadinca, até porque integrei a coluna de socorro que partiu daqui, atravessando o Rio Geba, de piroga,   e a bolanha de Finete, a pé. Tudo se passou quase à nossa frente. O local da emboscada estava inclusive ao alcance dos nossos morteiros. Na altura ainda não havia obuses em Bambadinca, mas apenas um esquadrão do Pel Mort 2106 (espalhado, de resto, pelos ouytros aquartelamentos do Setor L1: Xime, Mansambo, Xitole, Saltinho).

Mal ouvimos a explosão, foi de pronto organizada um coluna de socorro, composta pelo pelotão de piquete, o  2º Gr Comb do lf mil Carlão e dos furriéis mil Humberto Reis e Tony Levezinho,  reforçado com  Pel Rec Inf da CCS/BCAÇ 2852.

Era voz corrente que o Beja Santos, conhecido entre os seus camaradas milicianos como o "tigre de Missirá" (nome de guerra que lhe terá sido posto pelo "major elétrico", 2º comandante do BCAÇ 2852) tinha a cabeça a prémio no regulado do Cuor... Exagero ou não, o próprio Beja Santos reconhece publicamente este facto num dos muitos postes que ele já escreveu, com as suas memórias deste tempo e lugar:

"A 15 [, ou melhor, 16] de Outubro devíamos ter regressado mais cedo. O Comandante local do PAIGC, Corca Só [antigo futebolista dos balantas de Mansoa] já me tinha ameaçado de morte, tendo mesmo deixado um bilhete na estrada. Saímos tardíssimo de Finete, o sol a cair a pique, como acontece nos trópicos" (...).

De facto, não foi a 15, mas sim a 16. Felizmente que o Corca Só não levou para Madina/Belel o escalpe do Beja Santos. Pelo contrário, voltou para casa com um morto às costas. Nesse dia, ficámos quites, foi um jogo de empate, se é que podemos brincar com uma tragédia como esta, em que houve mortos e feridos de um lado e do outro...

O Beja Santos não foi apanhado à mão por um triz. E isso é o mais importante: ele hoje está vivo e entre nós, partilhando connosco as alegrias e as tristezas de um tempo e de um espaço que nos coube em sorte, nos nossos verdes (e loucos) vinte anos.

PS - O episódio da emboscada com mina, em Canturé, em 16/10/1969,  passou-se antes do episódio de Nhabijões...Que terá sido no 1º trimestre de 1970, estava já o Beja Santos em Bambadinca, com o seu Pel Caç Nat 52, a terminar a sua comissão, de rendição individual... Não posso, de momento, precisar a data e o mês. De qualquer modo, eu e o Beja Santos ficámos quites... Mas também na guerra o altruísmo é egoista: é um por todos e todos por um...

Guiné 63/74 - P12761: Parabéns a você (695): José Carlos Pimentel, ex-Soldado TRMS da CCAÇ 2401 (Guiné, 1868/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12749: Parabéns a você (694): Veríssimo Ferreira, ex-Fur Mil da CCAÇ 1422 (Guiné, 1965/67)

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12760: Bom ou mau tempo na bolanha (45): Combatentes até ao fim (Tony Borié)

Quadragésimo quinto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66.


O dia estava radioso, nem muito sol, nem muita humidade, o céu tinha umas nuvens brancas, lá ao fundo, do lado da ponte.
Pelo menos eram estas as palavras que começavam o diário, que dizia que era o dia 9 de Março, uma terça-feira, que devia de ser de 1965.
Mais à frente dizia, como sempre em letras, um pouco difíceis de entender, que tinha ficado a trabalhar nas suas tarefas no centro cripto, em lugar de um companheiro que tinha ido para a capital da província, que não sabe se foi em passeio ou doente.

Para o Cifra, estar no centro cripto, executando as suas tarefas ou estar a dormir, era a mesma coisa, pois estava ali preso, naquele aquartelamento em construção.

Diz mais à frente que estava sentado, claro, talvez fumando aquele “três-vintes” sem filtro, (que fazia os dedos amarelos, só de segurar o cigarro entre eles), passando a limpo o texto de uma mensagem que mencionava dois feridos e um morto, que era milícia, durante um ataque, na pequena fortaleza que os militares acabaram de construir em Encheia.
Levanta os olhos, vê na parede um mapa de Portugal continental, que alguém ali pôs e que o Cifra sabia que estava lá, mas nunca tinha reparado assim com tanta atenção, e disse para si: "Quando acabar esta mensagem vou ver aquele mapa melhor".

Assim fez, e estava lá, em letras pequenas num canto, uma pequena história que mencionava “sarracenos”, “fenícios”, “visigodos”, e mais umas dezenas de palavras, que explicava que era a Península Ibérica, e logo aí o Cifra pensou: "É verdade, somos isso tudo e mais, talvez da “bretanha”, “vikings”. Tinha lido essas palavras numa revista do “Século Ilustrado” que traziam umas gajas quase nuas, que tinha roubado na messe dos sargentos, e logo pensou: "Somos oriundos da Península Ibérica, estávamos quase rodeados de mar, somos descendentes de aventureiros, fomos criados em regime de família, portanto os mais idosos diziam o que era bom ou mau, e os mais novos acatavam as ordens, obedeciam, e assim na idade jovem, apresentámo-nos voluntários no quartel para inspecção.

Alguns aprenderam as normas militares que os mais velhos ensinavam, e assim aparecemos num cenário de guerra, com o tal espírito dos nossos antepassados que eram AVENTUREIROS!

E agora o Cifra acrescenta, AVENTUREIROS que se transformaram em COMBATENTES, e o nome de combatente vai acompanhar-nos até morrer, os nossos filhos, netos e bisnetos, todas as futuras gerações vão sempre mencionar, que o pai, o avô, ou bisavô, era COMBATENTE!

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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12696: Bom ou mau tempo na bolanha (44): Fomos Combatentes, tratem-nos bem (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P12759: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (4) : Parte IV (pp. 16-18): Regime disciplinar; Pretensões, dispensas e licenças


Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 8 >  A hora do almoço...



Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 8 A >  A hora do almoço... Pormenor: lado direito da foto nº 8: os instruendos estoirados e esfomeados...




Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 8 AA > A hora do almoço... Pormenor: lado direito da foto nº 8... Há sofrimento nestes rostos...




Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 8 B >  A hora do almoço... Pormenor: lado esquerdo  da foto nº 8: os instruendos estoirados e esfomeados...




Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 9 >  Regresso da carreira de tiro, sob a ponte romana que ligava as margens do Rio Gilão, a esquerda (casario ao fundo) e a direita (onde ficava a colina de Santa Maria e, nesta, a parte antiga de Tavira)



Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 9 A >  Regresso da carreira de tiro, sob a ponte romana.. Lado esquierdo da foto nº 9.




Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 9 B >  Regresso da carreira de tiro, sob a ponte romana.. Lado direito  da foto nº 9.




Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 10 > A memorável semana de campo...



Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 11  > Semana de campo: o grupo IN, alguns equipados de mauser...



Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 12 >  Regresso da semana de campo 



Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > 1968 > Foto nº 12 A >  Regresso da semana de campo  (pormenor)


Fotos (e legendas): © César Dias (2014). Todos os direitos reservados.[Edição: L.G.]



1. Continuação da publicação da brochura "Guia do Instruendo" (Tavira, CISMI, 1968), pp. 16-18 (*):












Páginas, de 16 a 18, não numeradas, do "Guia do Instruendo", usado no CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, em Tavira, na altura em que o César Dias lá fez a recruta e a especialidade (sapador) (2º semestre de 1968).

O documento, de 21 páginas, era policopiado a "stencil". O César Dias mandou-nos o documento em "power point", com 21 "slides". As páginas foram convertidas em formato jpg. O original foi-lhe dado pelo seu camarada de recruta, o Fernando Hipólito, que foi depois mobilizado para Angola, enquanto o César foi parar à Guiné.

Um grande abraço  aos dois.

O César Dias, em resposta a email meu, deu-me as seguintes coordenadas, em mensagem do dia 10 do corrente:

Olá, Luis!,,, É verdade, não voltei lá [, à Guiné, a Mansoa...] nem voltarei,  penso eu, embora gostasse de voltar a vêr alguns lugares daquela terra. Sobre o Branquinho também não sei nada dele, nem do Levezinho, mas para as Caldas não foram, porque no nosso tempo não havia especialidades nas Caldas se eram atiradores de infantaria ficaram em Tavira.

Tens razão em me relacionares com Torres Novas, nasci numa aldeia desse Concelho, Chancelaria entre Torres Novas e Fátima. Vivo há 35 anos em Santiago do Cacém, trabalhei na Refinaria de Sines este tempo todo e por cá fiquei. Estou reformado desde 2009, mas agora tive uma recaída, chamaram-me para dar formação à juventude, e eu aceitei.
Sobre as fotos, ainda pensei que tinha alguma de Santa Margarida, mas aquilo foi mesmo uma rapidinha, nem fotos fizemos.

Obrigado pelo mapa [de Tavira], fiz alguma plantação de explosivos por essa zona [, salinas].
Um abraço, César Dias.

Imagens (digitalizadas): © César Dias (2014). Todos os direitos reservados.[Edição: L.G.]


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Nota do editor: 

Postes anteriores da série:

10 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12703: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (1) : Parte I (pp. 1-6)

Guiné 63/74 - P12758: Em busca de... (238): Gostaria de encontrar camaradas da CART 527 (Teixeira Pinto, Cacheu, Pelundo e Jolmete, 1963/63) (António Medina)

1. Mensagem do nosso camarada António Medina, ex-Fur Mil Inf da CART 527, Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65, com data de 12 de Fevereiro de 2014:

Olá amigo.

Uma palavrinha de agradecimentos pelo esforço que fizeste em me pores em contacto com o Bastos e que por sua vez me levou electronicamente à presença do Lopes e Alexandre, dois colegas milicianos com os quais em pouco tempo criei amizades em Cacheu e que cinquenta anos depois nos reencontramos.

O teu blogue, deveras eficiente, ajudou imenso nessa procura, muito obrigado.

Com o Lopes e o Alexandre já troquei impressões relembrando aquele passado não de todo agradável e que deixou marcas na maioria. Felizmente tudo passou.

[...] Gostaria de procurar e tentar encontrar alguém mais da CArt 527. Seria oportuno tal iniciativa?

[...] Deixa-me saber o que tiveres por conveniente, uma vez mais grande abraço.

Colega António Medina


2. Comentário do editor:

Esta é a parte de uma mensagem enviada ao nosso Blogue, onde o nosso camarada António Medina, natural de Cabo Verde, a viver nos Estados Unidos, manifesta a sua vontade de encontrar velhos companheiros da CART 527.

Atenção filhos e netos destes veteraníssimos ex-combatentes dos anos 63/65, ponham os vossos pais e avós em contacto.

Aqui ficam algumas fotos para lembrar tempos antigos:


Outra viatura pesada de transporte de tropas conhecida por GMC (abreviatura da General Motors Corporation)



Destacados para fazer a segurança da instalação de uma antena em Umpacaca na Foz do rio Cacheu. Pelas fotografias as acomodações eram de luxo.



Foto tirada em cima de um monte de Baga- Baga (formigas). Adoptei o nome Baga-Baga como meu nome de guerra.


Uma pausa para descanso e fotografia. Foram 24 meses de comissão, cumprindo diversas missões em terreno desconhecido. Este grupo de combate foi bastante organizado e obediente, nunca hesitando em cumprir as ordens que eram recebidas como salvaguarda do perigo constante que a todos espreitava.


No comando de uma patrulha na área do Pelundo quando se atravessava uma bolanha (terreno alagado para cultivo do arroz). O risco de exposição ao fogo inimigo era constante quando se infiltrava a pé pela mata dentro, apenas confiantes nas nossas G-3 e granadas de mão como resposta se necessário.

Fotos (e legendas): © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Carlos Vinhal]
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12680: Em busca de... (237): Joaquim Sotero Bravo, ex-Soldado atirador da CART 2520, (Xime e Quinhamel, 1969/71) procura os seus camaradas

Guiné 63/74 - P12757: Agenda cultural (302): Tertúlia Fim do Império, dias 26 de Fevereiro, 26 de Março, 30 de Abril e 28 de Maio de 2014, às 15h00, no CASLisboa/Cooperativa Militar, na Rua de S. José, 24 em Lisboa (Manuel Barão da Cunha)

1. Mensagem do Coronel Cav Ref Manuel Barão da Cunha que foi CMDT da CCAV 704/BCAV 705, Guiné, 1964/66:

Caríssimos camaradas e amigos,
Anexo convite para 11.º ciclo da tertúlia "Fim do Império, a realizar no CASLisboa/Cooperativa Militar, Rua de S. José, 24, em Lisboa, nos dias 26 de Fevereiro, 26 de Março, 30 de Abril e 28 de Maio de 2014, às 15h00.

Fiquem bem,
MBC

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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE FEVEREIRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12721: Agenda cultural (302): Tertúlia Fim do Império, dias 18 de Fevereiro, 18 de Março, 1 de Abril e 20 de Maio de 2014, às 15h00, na Livraria-Galeria Municipal Verney/Colecção Neves e Sousa, em Oeiras

Guiné 63/74 - P12756: Blogoterapia (249): Reflexões sobre a vida e a morte (Juvenal Amado, Galomaro, 1971/74)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Galomaro, hoje... Foto da Missão Dulombi (com a devida vénia...)~


Guiné > Zona leste > Setor L5 > Galomaro  > c. 1972/74 > O aquartelamento, sede do comando e CCS/BCAÇ 3872. Foto de Juvenal Amado



1. Texto e e fotos enviados  pelo nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º cabo condutor auto, CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 19 do corrente:


Na vida nada há tão certo como a morte e ela não é sempre de valor igual. Se não,  vejamos os comentários que nós próprios fazemos;

“Era ainda tão jovem, vai fazer tanta falta! Ou, “Já tinha muita idade e até foi uma esmolinha”!

A nossa geração foi confrontada tantas vezes com ela. Encará-la e esquecê-la seguidamente, faz parte de alguma irresponsabilidade e capacidade de dádiva dos nossos verdes anos que dizem respeito ao primeiro terço da nossa idade adulta.

Foi assim que ela enfrentou a morte durante 13 anos. Enfrentou-a com alguma leveza, inconsciência e espirito de aventura, a que se predispunha e o facto de aquela guerra não pôr directamente em risco as nossas cidades e as nossas famílias, resguardadas das bombas e restante violência, que uma guerra acarreta no chão sagrado dos nossos avós.

Por vezes de forma sorrateira, outras vezes com a violência, com o horror, a surpresa de sermos confrontados com a morte e sofrimento de quem momentos antes falava, ria, bebia, ou partilhava um cigarro.

Os gritos, os tiros e as explosões, levavam tempo a passar para o subterrâneo do nosso consciente, o que tanto temíamos tinha acontecido, o nosso mundo ficava virado do avesso.

Pensávamos que só acontecia aos outros.

Chorávamos ali no chão vermelho e sol escaldante e perante a incredulidade de quem nos pudesse observar procurávamos e recolhíamos os bocados, desde os membros aos restos de farda e até ao mais pequeno pedacinho de atacador. Nada ficava para trás. Talvez quiséssemos apagar o que tinha acontecido e não deixar nenhuma prova da tragédia da nossa passagem ali naquele dia de má memória.

É da natureza Humana rejeitar o sofrimento e ao afastarmo-nos daquele momento o mais rapidamente possível, ansiavámos assim que a dor se tornasse cada vez mais suave e menos presente. Depois ajudávamos a recolher os seus pertences e revíamos tudo o que se poderia enviar às famílias.

Víamos o homem para além do que connosco lidava no dia a dia. As cartas da namorada, as fotos, a garrafa de whisky cuidadosamente guardada para festejar o regresso, o robe chinês, o serviço de chá, e os corpiés que aos poucos adquiriram para fazer parte do enxoval dos dias felizes.

Comprados na loja do libanês,  eles seriam o orgulho na cama de casal após o casamento. Essas coisas eram compradas à custa de não se beberem umas cervejas ou mesmo uma viagem de férias a casa, pois o magro pré não dava para muito mais.

Mas esses objectos valiam agora mais do que quem os tinha comprado porque,  parafraseando o poeta, eles prestavam ainda para alguma coisa, ao contrário os donos jaziam inertes para sempre sem utilidade.
Passavam a ter um valor inestimável como recordação para quem eram destinados, até que outro amor surgisse, pois a dor castradora da vida não pode nem deve ser para sempre.

As caras e as situações, voltaram quando a idade mais nos aconselhava a uma vida sem preocupações e passeios à beira mar.

Com o envelhecimento essa dor visita-nos mais amiúde. A morte aparece de várias formas, porque ela tem muitas caras e,  ao contrário da nossa juventude, aos poucos todos ganhamos consciência de que somos finitos esperando no entanto que esse dia ainda seja longínquo.

Acabamos por nos despedirmos dos nossos avós, pais, tios e por fim dos amigos que nos são queridos. Pela ordem natural esperamos partir um dia, deixando para trás os nossos descendentes para nos honrar a memória, como nós honramos a memória dos nossos ascendentes.

Hoje as nossas memórias estão cheias de sombras que todos os dias crescem. Ficam os momentos vividos, as gargalhadas, as celebrações da vida a felicidade dos momentos únicos.

Cada um que parte, leva um bocado de nós e do nosso Universo, porque a morte é o tempero que nos faz dar valor à vida.

Juvenal Amado



Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > O "suplício de Sísifo": os homens-toupeira construindo (e defendendo) a sua "casa" no "corredor da morte", em tempo recorde... [Construindio aquartelamentos, 'bunkers', abrigos, espaldões, abrindo valas, picadas, etc., também fomos "coveiros de nós próprios"... LG]


Foto: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

Guiné 63/74 - P12755: Efemérides (149): Portugal e o Futuro, de António Spínola, foi publicado há 40 anos, pela Arcádia Editora (João Paulo Diniz, ex-locutor do Programa das Forças Armadas, Com-Chefe, Bissau, 1972/74]

Capa do livro
1. Mensagem do nosso camarada João Paulo Diniz:


Data: 21 de Fevereiro de 2014 às 16:19

Assunto: livro

Este sábado, 22 Fevereiro, faz 40 anos que um livro agitou a política portuguesa. O título? "Portugal e o Futuro". Autor: António de Spínola, General, que entre outras destacadas funções foi Governador da Guiné.

E o que fez de "Portugal e o Futuro" uma obra tão especial? O facto  de Spínola opinar, entre várias coisas, que a única solução para o conflito no Ultramar passava por uma solução política e não pela continuação do conflito armado nas três frentes de guerra.

Passados cerca de dois meses sobre a publicação do livro deu-se o 25 Abril e o Gen António de Spínola encabeçou a Junta de Salvação Nacional para, no mês seguinte, ser nomeado Presidente da República.

"Portugal e o Futuro" faz agora 40 anos. Foi ontem... (*)
João Paulo Diniz

[ex-1º cabo, BENG 447, ex-locutor do PIFAS, Com-Chefe, Bissau, 1972/74; profissional da Rádio e da TV; Oficial da Ordem da Liberdade em 2013 ]




Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > Campo de futebol > 24 de Dezembro de 1971, vésperas de Natal > O gen Spínola  passa revista às novas companhias de milícias. O Alf Santiago segue atrás com o Cap Tomás, então ajudante de campo do general.

Foto: © Paulo Santiago (2006). Todos os direitos reservados.



Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74) > 14 de Abril de 1973 > Spínola, de visita ao aquartelamento de Cumbijã > Aqui ao centro, seguindo com o olhar um ponto no horizonte que lhe é apontado pelo Cap Mil Vasco da Gama. À sua direita, o Comandante do BCAÇ 3852, com sede em Aldeia Formosa. (**)

Foto: © Vasco da Gama (2008). Todos os direitos reservados.

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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12754: In Memoriam (182): Carlos Schwarz da Silva (1949-2014): Pepito ca mori: singela homenagem com quadro de mulher de Bambadinca, a partir de foto datada de 1969, acrílico s/ tela 40 / 40cm (Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968 / 70; cofundador do Lions Clube de Bissau)



Jaime Machado > "Mulher de Bambadinca-Guiné",  a partir de foto datada de 1969. Acrílico s/ tela 40/40cm.

Foto: © Jaime Machado (2014). Todos os direitos reservados. (Edição:  L.G.)


1. Mensagem do Jaime Machado, com data de 20 do corrente,


Pintei hoje esse quadro, lembrando-me do nosso amigo Pepito..

Abraço, Jaime

[ex-alf mil cav, cmdt Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70; membro da nossa Tabanca Grande; miliatante de causas solidárias, ligado nomeadamente ao movimento lionístico (Lions International, Lions Clube Senhora da Hora, Lions Cllube de Bissau]



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Nota do editor:

Vd. poste anterior da série >

21 de fevereiro de  2014 >  Guiné 63/74 - P12752: In Memoriam (181): Analido Aniceto Pinto morreu ontem, em Lisboa. Foi cap mil da CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Valdemar Queiroz / Abílio Duarte)

Guiné 63/74 - P12753: (De)caras (15): O meu primo Agnelo Dantas, e meu conterrâneo da ilha de Santo Antão, comandante do PAIGC, com quem me reencontrei no pós-25 de abril, em Bissau, era eu empregado bancário, no BNU - Banco Nacional Ultramarino (António Medina, ex-fur mil op esp, CART 527, Teixeira Pinto, 1963/65, a viver nos EUA, desde 1980)


Guiné > Região do Cacheu > CART 527 (Teixeira Pinto,  Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/65) > António Medina,  fur mil  op esp.


Foto: © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


António Medina, hoje, nos EUA
1. Mensagem do nosso novo grã-tabanqueiro, Antóno Medina, natural da ilha de  Santo Antão, Cabo Verde, e a viver nos Estados Unidos da América, tendo sido fur mil  op esp,  CART 527 (Teixeira Pinto,  Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió, 1963/651963/65)  e depois empregado bancário, no BNU, em Bissau, até á data da independência:


Data: 20 de Fevereiro de 2014 às 04:05
Assunto: Meu Primo Agnelo


Ei, amigo Graca, estou de regresso com um anexo versando as minhas memórias do encontro que tive em Bissau com um meu primo, soldado do PAIGC. (*)

Trata-se de uma história interessante de dois primos que pertenceram a facções contrárias. Agradeço que o leias e, se achares que merece ser publicado no Blogue, segue em frente. Por favor deixa-me saber o que tiveres por conveniente.

Saúde e um abraço, Medina.


2. A Minha Experiência Pós-Guerra na Guiné-Bissau >  Encontro com o Primo Agnelo Dantas, militante do PAIGC

por Antonio Medina


Ano de 1974, da revolução de cravos em Portugal.

A voz da liberdade e a derrota do fascismo soou aos residentes civis em Bissau, Guiné, bastante cedo do dia 26 de Abril .

Era eu empregado do BNU desde 1967 e vivia como é obvio em Bissau com a minha mulher e três filhos pequenos, os dois primeiros já quase em idade escolar .

Nao me vou alongar nesta estória mas julgo ser um facto bastante interessante que merece ser mencionado, até porque os protagonistas são relacionados com a Guerra e tem laços de família. Todavia deixarei ao vosso critério a publicação dessa mesma estória, se assim ela merecer e se se enquadrar dentro dos parâmetros estabelecidos.

Depressa reinou uma grande euforia em toda a cidade de Bissau. A caça ao homem e o saneamento começou, alguns que por qualquer divisionismo familiar eram falsamente acusados, outros por terem sido informadores da PIDE, perseguição e prisão para aqueles que exerciam cargos de chefia nas repartições públicas ou privadas e que não mais mereciam confiança, aqueles que supostamente apoiaram o regime fascista, etc. Arruaças, espancamentos, ofensas, fuzilamentos (o mais notório foi do respeitado Régulo Batican Ferreira, de Teixeira Pinto, que foi do meu conhecimento pessoal quando estive no chão manjaco em 1963/65)

.Tempos difícieis vividos sob a pressão constante de ser perseguido, espancado ou aprisionado, aliado àfalta de géneros alimenticios que se fazia sentir em todos os aspectos.



Antiga sede do BNU em Lisboa, na Rua Augusta, que hoje aloja o Museu do Design e da Moda (MUDE),  Um dos escudos do escultor Leopoldo de Almeida (1964), que representa a expansão do BNU pelo antigo território ultramarino português, incluindo a Guiné. 

Fonte: BNU. /Reproduzido com a devida vénia...)



Entretanto chegam as forçaas do PAIGC a Bissau depois da maioria das tropas Portuguesas terem regressado a Lisboa e se instalam em quartéis e ocupam outras instalações. O Banco Nacional Ultramarino continuava fazendo as suas operações dirias sem qualquer inconveniente.

Num daqueles dias de calor e humidade, depois das 10:00 da manhã, fui chamado para atender um cliente que me procurava - era um militar natural da Guiné, das forçaas do PAIGC, armado com uma Kalashnikov.

Senti um calafrio pela espinha abaixo quando me aproximei dele que, sem qualquer preâmbulo, apenas me comunicou que eu teria de estar ao meio dia na Sede do Partido, ao lado do Palácio. Esperando o pior, prontifiquei-me a estar presente, não perguntando de quem ou de onde vinha tal ordem, o militar mais não disse, retirando-se apressadamente.

Comuniquei imediatamente à minha mulher o assunto, pedindo-lhe que se mantivesse calma, que se me pusessem sob custódia deveria ela deveria seguir quanto antes para Cabo Verde, Ilha do Fogo, onde tinha familiares. Aliás, ia sendo este o procedimento com quantos prontos para embarcarem foram proibidos de seguir viagem, sem justa causa.

Imaginem o meu sofrimento durante aquele tempo de espera contando os minutos e segundos no meu Cortebert. Foram os piores momentos da minha vida, os nervos e o medo não me deixaram mais trabalhar. Irrequieto e preocupado, sem qualquer concentração, andava de um lado para outro sem saber o que se me adivinhava. Na hora certa, saí correndo em direcção à Sede do Partido para me apresentar a quem (?), no edifício da antiga messe dos Oficiais da Força Aérea Portuguesa.

Quando chego ao pé do sentinela, deparo-me com um sujeito, a uma curta distância, de meia estatura, barba cerrada , com a farda dos revolucionários mas desarmado, sorrindo para mim. Era o meu primo Agnelo Dantas, filho de uma tia, irmã do meu pai . Fiquei deveras surpreendido quando vi a realidade à minha frente, meu primo, um dos combatentes do PAIGC

Ponderei surpreso por alguns momentos, me aproximei sem qualquer relutância e demo-nos então um caloroso e prolongado abraço fraterno. A convite dele entramos no edifício e depois de um trago de whisky John Walker Black que me ofereceu, senti-me mais relaxado para se conversar.

O ambiente era confuso e barulhento, alguns deles sentados cavaqueando com outros das mesas ao lado, à espera que o almoço lhes fosse servido, outros de pé, encostados ao balcão do Bar conversando em alta voz, pessoas entrando e saindo, mostrando falta de preconceitos e princípios pela maneira como se sentavam e se comportavam à mesa, fruto de terem andado longe da civilização na floresta da Guiné, durante aqueles anos todos.

Sentamo-nos os dois numa mesa mesmo no canto da sala, foi ele pessoalmente ao balcão, pediu duas cervejas fresquinhas. Falamos da nossa infância e dos familiares que se queixavam da falta de notícias dele desde que seguiu para estudar em Françaa. Atentamente ia eu ouvindo o tecer da sua experiência no mato, satisfazendo a minha curiosidade com as perguntas que lhe fazia.

Fiquei sabendo que nao desconhecia a minha presença na Guiné, nao só do tempo militar assim como de empregado bancário. Que tinha sido aliciado e recrutado com a idade de 20 anos por Amílcar Cabral, para a luta de Libertaçao da Guiné e Cabo Verde. Que embarcou para Cuba e se formou na Escola Militar em Havana. Que no tempo do General Spinola foi ele quem numa das noites bombardeou Bissau com três misseis teleguiados disparados da Ponta de Cumeré. Carregava com ele um diário replecto de informações recebidas dos colaboradores do Partido.

Chegam mais elementos, identifiquei-os como cabo.verdeanos e reconhecemo-nos como amigos de infância, alguns ex-colegas do Liceu Gil Eanes em S. Vicente, Cabo Verde:

  • Honório Chantre,
  • Silvino da Luz,
  • Júlio de Carvalho,
  • Osvaldo Lopes da Silva, etc.

Era um grupo que também queria exteriorizar a sua alegria pelo fim da guerra e Independência da Guiné, reconhecida por Portugal, aguardando a vez de também lhes ser servido o almoço logo após haver mesas desocupadas.

Reinou grande alegria entre todos nos pelo reencontro e amizade, rejuvenescida no momento. Foi bebida à vontade para quem quisesse, cerveja Sagres bem geladinha, goles de whisky Johny Walker com gelo, eram sobras da velha senhora deixadas aí a custo zero por aqueles que partiram. Como petisco,  ostras e camarões cozidos e temperados com molho de piri-piri forte, mancarra torrada sem casca, tudo para matar a sede e o suor que trazia aquele calor asfixiante. De Jure, não sabia absolutamente nada que fossem filiados no Partido como combatentes. Apenas se ouvia dizer que saíram à procura de trabalho no estrangeiro.

Quando regresso a casa para o meu almoço, encontro a minha esposa bastante preocupada, com os nervos à flor da pele, sem ainda saber do que se tratava. Teve ela um grande alívio quando pela primeira vez conheceu o primo Agnelo mas discretamente me consciencializou e me convenceu que devíamos deixar a Guiné para outras paragens onde pudéssemos cuidar da educação dos nossos filhos e viver com mais tranquilidade.

Durante algum tempo o primo Agnelo esteve em Bissau e mantivemos óptimas relações. A minha mulher passou a cuidar das roupas dele, com frequência se juntava-se a nós para o nosso rancho. Depois seguiu para Cabo Verde e ocupou o cargo de Chefe das Forças Armadas Revolucionárias do Povo ( FARP ). Mais tarde foi Chefe do Estado Maior das Forcas Armadas. Hoje é reformado como Coronel do Exército Caboverdeano e vive na cidade da Praia.


Antonio Cândido Medina

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 17 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12732: (De)caras (14): A propósito da morte dos Três Majores, tema da acta do conselho de guerra do PAIGC, de 11 a 13/5/1970: Amílcar Cabral no seu melhor: pode ter sido um grande líder africano, não é definitivamente um humanista (António J. Pereira da Costa, cor art ref)

(**) vd,.  A Semana, [Em Linha], 27 de janeiro de 2007. "Retratos:  Agnelo Dantas, soldado de Cabo Verde", por  Gláucia Nogueira

Reprodução de excertos com a devida vénia:

(...) Agnelo Medina Dantas Pereira, coronel reformado das Forças Armadas, foi condecorado a 15 de Janeiro último com a medalha da Estrela de Honra pelo chefe do Estado-Maior das FA. Ele que foi o primeiro a ocupar este cargo e ainda antes de existir esta designação foi o comandante geral das FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo) e das Milícias Populares, recorda para asemanaonline   os primórdios do exército cabo-verdiano. (...)

Agnelo Dantas.
Foto do Arquivo Amílcar
Cabral. Fonte:  Casa Comum 
(Reproduzido
com a devida vénia, em formato
 reduzido. (LG)

(...) Dantas Pereira, cujo pai é da Brava e a mãe de Santo Antão, nasceu nesta ilha em 1945. Assim, nem tinha completado 20 anos quando integrou, como o mais jovem entre eles, o “grupo de Cuba” - razão pela qual foi agora escolhido para receber a medalha representando os combatentes que rumaram àquele país da América Central para dois anos de treino militar com o objectivo de fazer um desembarque armado em Cabo Verde.

“Em 1965, encontrava-me em Paris quando fui contactado por Pedro Pires, e depois por Cabral, e convidado a integrar o grupo de estudantes e operários que iria fazer um treino militar - inicialmente nem sabíamos onde, depois é que soubemos que era Cuba”. Chegaram a esta ilha da América Central depois de uma passagem pela Argélia, onde já se encontrava uma parte do grupo, formado por 30 homens e uma mulher.

Nessa época, diz Dantas Pereira, “ninguém pensava na Guiné”. “Para nós tratava-se de lutar pela independência de Cabo Verde”. A formação militar, salienta, tinha como objectivo um desembarque armado em Cabo Verde. “Penso que seria difícil a nossa mobilização para irmos para a Guiné, pois não havia um nível de consciência que nos fizesse ter aquela visão estratégica da luta única. Só mais tarde é que viemos a perceber isso”, considera.

A ida de um grupo do PAIGC para a terra que havia seis anos vivia sob a revolução de Fidel Castro fora organizada por Che Guevara, a quem, numa passagem por Conacri, a direcção do partido terá solicitado apoio nesse sentido. “Refira-se que eles já tinham experiência de treinar grupos, em especial latino-americanos”, diz o militar.

“Foram cerca de dois anos, isolados nas montanhas, ou em quartéis formados ad hoc, para nós. Foi muito exercício táctico, físico, até o dia do juramento - 15 de Janeiro de 1967 - quando Cabral se desloca a Cuba para se reunir connosco”, conta Agnelo Dantas, que diz, estarem, na altura, todos “prontos para o desembarque”. “Não tínhamos a noção do perigo que se ia enfrentar, havia era a vontade de fazer alguma coisa”, recorda.

Contudo, pouco tempo depois, com a morte de Che Guevara (em Outubro de 1967), os cubanos têm a noção de que os seus serviços de informação estavam infiltrados, já que o próprio cerco a Che terá resultado desse facto. Foi então adiada sine die a ida para Cabo Verde, e os militantes partiram para a União Soviética para complementar a formação.

“Se em Cuba fizemos a guerra de guerrilha contra guerrilha, na URSS fizemos a guerra clássica”. Assim, ao longo de 1968, Dantas especializa-se em artilharia e explosivos. Enquanto isso, a ida para Cabo Verde ia ficando cada vez mais longínqua. Para não ficarem indefinidamente inactivos põe-se-lhes pela direcção do partido a ideia de ir para a Guiné. “Então, já com a consciência de que o adversário era um só, a aceitação foi unânime, mas se fosse no início penso que seria muito difícil."

(...) Agnelo Dantas tem o seu baptismo de fogo no início de 1969, quando abrem a Frente Leste. Daí em diante e até 1974, ora ao lado de Nino Vieira, ora de Pedro Pires, entre outros camaradas, participou em todas as frentes de combate, sempre no mato. Primeiro, foi chefe de pelotão, depois chefe de bateria e em 1973 já tinha o seu posto de comando, na Frente Norte.

Questionado sobre a pior recordação desses tempos, afirma: “Cada dia é um dia mau, pois a guerra é uma situação anormal. Em certos combates perdemos um amigo que estava ao lado, mas temos a sorte de não apanhar com uma bala, enterramos pessoas que nos são próximas...”

Questionado sobre a pior recordação desses tempos, afirma: “Cada dia é um dia mau, pois a guerra é uma situação anormal. Em certos combates perdemos um amigo que estava ao lado, mas temos a sorte de não apanhar com uma bala, enterramos pessoas que nos são próximas...”

E boas recordações, também ficaram algumas? “Os melhores momentos eram quando estávamos a descansar, entre duas operações, e à noite íamos dançar ao som dos tambores e à luz das fogueiras nas bases civis. Éramos jovens!”

Para Dantas Pereira, a contribuição do “grupo de Cuba” foi de grande qualidade, entre outros aspectos por terem melhorado a utilização de armas mais sofisticadas e influenciado nas questões de organização e disciplina. “Mais tarde, com os foguetes terra-ar [Strela], conseguimos diminuir a autonomia que o adversário tinha no ar. E quando o exército perde a iniciativa perde a guerra. Isso fez-nos também perder o medo dos aviões, que é uma arma terrível quando não se tem o antídoto contra ele.”

(...) Depois do 25 de Abril e durante o período de transição para a independência de Cabo Verde, altura de intensa luta política e diplomática, em que segundo Dantas, foram trazidas armas da Guiné, para qualquer eventualidade, o militar continuou “ligado a esta parte mais barulhenta”. Recorda desse “momento de reforço do nacionalismo cabo-verdiano, a adesão em massa de jovens voluntários, gente que veio das Forças Armadas portuguesas, desertores... Começamos então a erigir as Forças Armadas cabo-verdianas. Tanto é que a 5 de Julho [de 1975, data da independência de Cabo Vercde,]  já tínhamos exército!”

Cerca de 20 anos depois, o primeiro chefe do Estado-Maior do exército cabo-verdiano iria para a reforma. Antes disso, licenciou-se em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (1988 a 1992) e participou de uma missão de paz em Moçambique. Ao regressar do Brasil, já se tinha dado a mudança do governo do PAICV para MpD e, dos oficiais dos tempos do partido único, foi o único que continuou em funções. Fê-lo, “para incómodo de alguns”, por entender que “um soldado é soldado de Cabo Verde e não de qualquer partido”. (...)


(**) Último poste da série > 17 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12732: (De)caras (14): A propósito da morte dos Três Majores, tema da acta do conselho de guerra do PAIGC, de 11 a 13/5/1970: Amílcar Cabral no seu melhor: pode ter sido um grande líder africano, não é definitivamente um humanista (António J. Pereira da Costa, cor art ref)